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senanot7 Misica e Mediagao: Rumo a uma Nova Sociologia da Musica (Avcine Henin 2008) | PeeroP.Fecara Pedro P. Ferreira MAIO 8, 2010 2332 POM Musica e Mediacéo: Rumo a uma Nova Sociologia da Misica (Antoine Hennion 2003) Fide Glenn Gould, HENNION, Antoine. 2003. Music and Mediation: Toward a New Sociology of Music. In: Martin Clayton, Trevor Herbert e Richard Middleton (eds.). The Cultural Study of Musie: a critical introduction. New York: Routledge, pp.80-91 Fichamento por: PedroPeixots Ferreira, Nolivro do qual este artigo é um capitulo, langado em 2003, Antoine Hennion é apresentado como Diretor do Centre de Sociclagie de IInnovation, Henle des Mines de Paris, pesquisador de misica, inavagio, midia e indstrias culturais. O artigo de Hennion é um contundente apelo aos sociélogos da misica (e das artes em geral) para vollarem a levar a sério os ‘paderes da miisica” e aquilo que dizem os seus “amantes". Ele comega apresentando a oposigao entre a “Sociologia da Arte” ea “Estética”: a critica daquela a qualquer idéia de autonomia de obras de arte e a sua busca pelos condicionantes e determinantes sociais e histéricas para qualquer experiencia estética (p80). [Na seqiiéncia ele desdobra essa oposigdo em autra, que opée “o estudo sociolégico empiric da obra de arte” ~ que revela os mediadores da arte, encara a arte como uma construglo social (um “art world” a la Becker), busca a natureza social da arte (ala lacking) e encara como problemética a idéia de que a arte passa ser auténoma a0 “estudo tedrieo da obra de arte como proceso social” — que demonstra como a arte media a sociedade, que aceita a arte como uma realidade empirica dada e hipped opeixololerreira wordores, com/20100510musica-e-medacke-uno-a-uma-nova-sciologia-da-musica-artine-hennion:2008 48 senanot7 Misica e Mediagao: Rumo a uma Nova Sociologia da Musica (Avcine Henin 2008) | PeeroP.Fecara provideneia explicagdes para as suas condigies sociais, buscando dar eonta das suas condigées de produgio, difusto e recepgo, ¢ ‘que pode respeitar a idéia da “natureza artistica da arte” (p.81) © conccito de mediagio de Hennion é central: ‘These mediations range om systems or devices ofthe most physical and local nature, institutional arrangements and cllective frames of sppreciation uch asthe discourse ofits rghtup tthe very existence ofa independent domain called art. (p81) Hennion abre a segio “A Sociology of Aesthetic Pleasure?” apontando um problema das “formas clissicas de Sociologia”: “a falta radical de preacupagio com as préprias obras"; “as obras mo agem” [the works do nothing] (p.82). 0 interesse esti todo ‘nas suas condigdes e determinagées sociais, e qualquer relato envolvendo experiéncias estéticas € “automaticamente tomado como uma manifestagio das ilusbes dos atores a respeito de suas proprias crengas[...] ou as produtos convencionais [e “arbitrérios", “palavra-chave em qualquer andlise em termos de crenga"] de uma atividade eoletiva” (p.82). Ble cita a teoria critica (Bourdieu) e as correntes interacionista (Becker) e construtivista (DeNora), mas seu principal alvo 6a primeira. Hennion faz entio o seu chamado: “Torna-se essencial reeonsiderar a falta de in estética.”(p.82) O que nos leva novamente ao seu conceit de mediagio: resse da Sociologia pelas obras de arte e pela experiéneia ‘Understanding the work of art as mediation, in koping withthe lesson ofcriea sociology, means reviewing the work in all the inhabits, Without accumulated mediations - ales, details ofthe gestures, bois, bits, materials, spaces, languages, nd nsitions grammar, systems of tase, programs, concert halls sehons,entreprencurs, and soon —nobeautifal work ofartappears. Atte same time, however — and against the usual agendas orca sociology ~we mustreeognize the moment of the work in its specific and irreversible ‘dimension; this means seeing itas transformation, a productive work, and allowing oneselftotake inta account the (highly diversified) ‘vaysin which actors describe and experince ansthetc pleasure. (9.82) Nao se trata, portanto, de jogar a Sociologia critica no lixo, mas sim de relativizé-la levando em conta também a especificidade da experiéncia, acessivel pelo relato de seus apreciadores-atores. Hennion lamenta o resultado de praticamente um sGeulo de Sociologia da Mésiea que, por desviar os ouvidos da propria musica rrumo aos seus aspectos sociais, “em lugar de dar origem a controvérsias frutiferas e polémicas apaixonadas”, apenas levou ao surgimento e crescimento de “diferentes disciplinas” que “ignoram umas és outras” (p.83). E é importante notar que ele atribui boa parte do problema A idéia problemitica de que a miisica seria intangivel, um “objeto indefinivel [elusive object] (p.83), ‘quando na verdade: Music has nothing but mediationsto show: instruments, musicians, sores, stages record. The wurksare nt already ther", ace with diferencesin taste alan already there", overdetermined by th socal. They always have tobe played agai. (.83) ‘Na segio “The Lesson of Music“, Hennion argumenta que a miésica possibilita uma “anilise positiva de todos os intermedirios humanos e materiais da ‘performance’ e do ‘consumo’ de arte, de gestos e corpo a paleos ¢ midias” (p84), oque nos leva mais uma vez ao seu conecito de mediagio: ‘Mediations are neither mere cariers ofthe work, nor substitutes thatdssive is ely; they are heat itsel, sis particulary obvious inthe case of ‘music [..]:meditionsin music havea pragmatic status they are the art that hey reveal, and cannotbe distinguished fom the appreciation they senerate. Meitionsan therefore serve asa bas fora postive analysis of ses, nd not forthe deconstruction of these ats. (p84) Como num gestalt switch, tudo aquilo que envolve a obra de arte (suas determinagées e condigées sociais) deixa entio de se ‘opor a elae passa a constitu-la, Trata-se de “levar em eonsideraglo a maneira como as proprias pessoas constroem uma realidade que chamam de miisica” e de “levar em conta ofato de que a mésica é uma maneira muito particular de colocar uma realidade social em forma e em pratica", enfim, de “lidar com o enigma dessa arte” (p.84). medtacao-sume-a-uma-nova-socilogia a musica araine-hennion 20031 senanot7 Misica e Mediagao: Rumo a uma Nova Sociologia da Musica (Avcine Henin 2008) | PeeroP.Fecara {A Sociologia do Gosto proposta por Hennion na forma de uma Sociologia da Miisica ou da Arte lembra um pouco os infinitesimais tardeanos: taste pleasure, and meaning are antigens, conjunetural, and hence wansient; and they esl frum gpeeifie yet varying combinations of particular intermediaries, considered notasthe neutral channels through which predetermined social relations operate, butas productive ‘entities that have effectivities oftheir own. (9.84) Hennion explica o fato de os estilos Rock e Pop terem sido objetos privilegindos para essa nova Sociologia argumentando que, diferentemente dos estilos mais dlissicos, eles foram desde o infcio e mais evidentemente “uma mistura de rituais, estruturas lingiifsticas e sociais, vecnologias e estratégias de marketing, instrumentos ¢ objetos musicais,polfticas e eorpos” (p.85) Segundo Hennion, “o poder da miisica de estabelecer e atualizar a identidade de um grupo, uma etnicidade e uma geragio” € geralmente evocado de maneira implicita em anélises sociais, asim como sua ambivaléncia politica — simultaneamente como atividade politica (acesso a realidade) e despolitizada (fuga da realidade) (p.85). Apds uma referéncia respeitosa aos estudos de ‘Max Weber sobre a miisica, Hennion fecha esta segio com mais uma referéneia ao conceito central de mediagio: The theme of mediation san empirical means for idntiying the progressive appearance ofaworkand its reception s very richsitisthe means (or ‘hosocilogs) to reopen the work-taste duality, 2 duality that representa closure ofthe analysis, with works on an side loft to aestheticians ‘and musicologist, who atrbute the power of music tothe music itself, an, facing them, a sociological denunciation, the reduction ofmasic toast. (p.85) £ preciso, portanto, reabrir a dualidade obra-gosto, superar a opglo entre a anélise estética da obra e andlise socioligica de crengas, rumo a uma andlise socioligica de como a obra se realiza na sua mediagio (incluindo aqui as questées de gosto, que cescapam entio do terreno critioo da crenca). Hennion entao apresenta as trés priximas segSes como “breves exemplos", retirados de suas proprias pesquisas, dessa “perspectiva da mediagac”. Na segio “Bach Today”, Hennion evoce seus estudos junto com Joél-Marie Fauquet - La grandeur de Bach, Liamour de la ‘musique en France au XIXe siéele (2000) ¢ "Authority as performance. The love of Bach in nineteenth-century France” (2001) ~ e seu artigo “Baroque and rock: Music, mediators and musical taste” (1997) para mostrar como Bach é, hoje, “tanto objeto de nosso amor musical quanto 0 seu meio” (p.85). ‘Welisten to him taday by way ofthe hundred yeasofcollstive labor, and ofthe most madera mechanisms, mechanisms that we read tolisen to him butals because we were listening ta im. [J Bac is ineyratedintoan steady made musical universe produces in part through the invention ofa new aie for musi. (p.86) Aargumentagio néo me pareceu plenamente desenvolvida no texto, mas trata-se aparentemente de notar que Bach é, ao mesmo ‘tempo, um compositor admirado e aquilo que torna possivela sua propria admiracio continuada por tantas pessoas por tanto tempo, Dai a idéia de que ele seja um compositor “contemporineo”,¢ no um compositor do passado: sua admiragio como compositor do passado so existe pelo prolongamento ¢ expansio (mediagio por uma certa “hipertrofia do gosto musical”) de sua criagio até o presente, ‘Na segio “Jazz, Rap, and Their Media“, Hennion faz importantes esclarecimentos sobre o papel das gravagGes como registro sonoro capaz de substituir a partitura, Contra a forte tendéncia a encarar os meios de comunicagio moderos como um retorno ‘radiglo oral, Hennion insiste que uma gravagio é ainda uma escrita, sé que (poderiamos dizer) “lida” com os ouvidos. O detalhe importante aqui é a reprodutibilidade, a possibilidade de repetir a gravagio, que compromete qualquer idéia de retorno a ‘radigdo oral, Misicas de Jazz treinaram acompanhando gravagdes assim como miisieas elissicns treinaram acompanhando partituras. Por outro lado, Hennion menciona uma diferenca de velocidade bastante interessante (mas cuja verificagio parece improvaveD entre a partitura e a gravacio: “jazz covered in fifty years a history classical music took five hundred years to write.” (p88) ipspodropsixctoeroirawordress.com/201008108musica medtacao-sume-a-uma-nova-socilogia a musica araine-hennion 20031 senanot7 Misica e Mediagao: Rumo a uma Nova Sociologia da Musica (Avcine Henin 2008) | PeeroP.Fecara Mas as idéins de Hennion sobre a reprodutibilidade técnica ficam ainda mais afiadas quando ele passa do Jazz para o Rap. Segundo Hennion, o Rap foi responsivel por uma “promogii inesperada da gravagior nio como uma midia fi ‘mas sim como um meio barato de eriagio local", de forma que “a verdade da misica nfo est na propria mésica, nem em. qualquer coletvidade reconstitufda, mas sim na performance que vocé & capaz de oferecer aqui e agora” (p.88). Assim, para Hennion, o Rap, “antes de se tornar apenas mais um género musical e estilo social’, “produziu [..] um novo e duradouro uso instrumental das tecnologias de ‘reprodugio™ (p.89). De fato, isso esclarece muito sobre a importincia de Dis seminais do Hip- de reprodugio, Hop Nova Iorquino como Kool Here, Grandmaster Flash ¢ Afrika Bambaataa para a MEP contempordnea, A segio "Figures of Amateurs” comega com um apelo para “des-sociologizar” o amador (no sentido de “amante da arte"), estimulando-o a “falar sobre seu prazer, sobre o que o segura, sobre as téenicas e truques surpreendentes que ele desenvolve para aleangar, is vezes, sua alegria” (p.89). Sobre o amador, Hennion escreve: Farfrom being the eultral dope at whose expense the sovology of culture but itsertieal fortune the amateur (in the broad sense ofartloves) sa tuoso of experimentation, beitzestetc, technica, sca, mental or corporeal, Sheisthe model ofan inventive and reflexive actor, ‘ight bound toa collective, continuously forced to put into question the determinant of what dhe likes, Shes aselFaware shout pieces and roductsasaboutthe seal determinants an mimetic base afer preferences shoat the taining ofher body and soul asaboother abiliy tlk ‘music, the echnical devices of appreciation and the necessary conditions ofa god fecling the support ofa callective andthe veeablary progressively designed to perform and intensity her pleasure, Studying diverse amateurs, thea, providesa beter undersanding ofour attachments (9.89) (© amador é, poderfamos dizer, aquele que une (sempre apenas parcialmente) os poderes imanentes da obra com os suas condigGes e determinagées sociais através da sua busca constante pela manutengio de uma “relagdo problematica com um objeto cevasiva” (p.89). Hennion esboca entiio uma répida comparagio entre amantes de vinhos e de miisicas para evidenciar “o papel varifvel das mediagies heterogéneas do gosto” (desde o pertencimento a clubes e grupos até o exercicio da pereep¢io) (p-89-90), coneluindo que “o gosto no é um registro ou as propriedades fixas de um objeto, um atributo estével de uma pessoa, win jogo centre entidades existentes, mas sim uma conquista’, “um evento extremamente sensivel a relagdo problematica entre [..] uma combinagdo de circunstincias" (p.90), [Na iltima segio do texto, “A Possible Return to the Work?*, Hennion retoma o principal argumento do texto, seu apelo por um retorno as obras como uma criagio distribufda entre atores-mediadores. Ni .é mais preciso eseolher entre ofender a Sociologia atribuindo toda a criatividade ao génio artistieo ou afrontar a sensibilidade do amador transferindo toda @ criatividade para o seu contexto hist6rico-social (double-bind em que Hennion flagrou Elias). Afinal, o que Hennion mostea & que 6 apenas gracas A criatividade distribufda em um dado contexto histérieo-social que a criatividade concentrada no génio artistioo pode existir e ser assim concebida, o que ele remete ao “paradoxo do autor” citando Foucault. ‘Highlighting the workof medion consiasof {| zelzing thatereation ifr more widely distibuted, tha takes place inall heintersicesbetween, ‘hese uecesive mediatons Is nt despite the fatal there itacreator, but sothal there ean be creator, hall our allective creative works required. (p.90-0) ‘Uma Sociologia da Miisica atenta ao trabalho da mediagio deve, portanto, ir em busca dessa criatividade distribuida (que nioé subtrafda ao compositor mas também no The é exclusiva). E para encerrar, vale citar as ‘iltimas fortes frases do artigo: (reaton only uses the elements thait holds to make wth alight disrepancy —somelhing ele:a newereation. Hislessa question of understanding everything (formula whose epistem logis erorsm is readily apparent than of grasping something at work, rom which constantly changiog Interpretstion canbe presented. (p.9) medtacao-sume-a-uma-nova-socilogia a musica araine-hennion 20031 1002017 ‘Misia e Meslia Rumo a uma Nova Sociologia da Msica (Arion Hemion 2008) | Peoro P Ferreira once whatever you make, make it yours. bleg ok Curtir Sei o primero a curt este post Relacionado Musica e Ciéneia Espago auditivo humano Nada#ig ‘Em'"Nada" Os comentitios esto desativados. tepepodeopeixoolerreirawordoes, com/20100518!musica-e-medacae-umo-a-uma-nova-soclologia-da-musicaartaine-herrion-20081

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