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“Titulo original Guide = Cinque lexioni ex tmpero o dintorni Cinco ligdes sobre Impérie “Antonia eget (Coley vnities das cmteetoen ‘Coomienagio Giuseppe Cacea ‘Paducio Alba Glin Reviste de provas ‘Daniel Sect Profeto gnifice e diagrannaste Carolina Faleao Geréneia de producto Maria Gabriela Delgada Capa Barbara Szaniocki (CIP-Buva_Catatogagiio-na-fonte Sinciieato Nacional dos Kalores ds Lives, RJ ‘Cinco ligdes sobre Ingrivio 7 Antonio Negri. — Rio de Jancive: DPé&a, 2003. (Colegio Politica das altiden 2eop., 14.» 21 em ‘inclu bibliografia ISBN 85-74090.2657-5 1. Pilowenfia. 2 Politics. 1 Wise, ML Siete, DIALOGO sopre IMPERIO ENTRE ANTONIO Necri B DANILO ZOLO* Zoi: Confesse que revisti longamente ds solicitagdes que mie Cheyacaim de diversos lugares para discutir publicamente Tmpérto, 0 livro que vocé e Hardt publicaram nos Estados Unidos faz poucos anos ¢ que promoveu, do lado de ef e do lado de la do Atiantico, um debate de amplitude ¢ intensidade excepcionais. O que me segurava era uma sensagao de impoténeia diante de uma obra tae ampla, complexa e ambiciosa, Superel minhas hesitag6es inicials, pois me convenci de que depois da 11 de setembro de 2001 seria uma irresponsabilidade nao levar a sério um Livro como Inipério, £ um livre que, seja qual for a maneira como o julguemos, contém grande quantidade de recursos intelectuais, na tentativa de oferecer uma contribuigso para a compreensio do mundo em que vivemos. E um livro que denuncia as atrocidades © 06 riscos da atual “ordem global” e procura Indicar a diregio a ser seguida para sua superagio, Se née fossem owtras as razes, Império merece, 86 por isso, na minha opiniao, o sucesso internacional que esti colhendo, Net Agradeco a avaliagio substancialmente pesitiva que faz do meu livro e de seu impacto internacional. Resta o fato de que, afinal, Aquela. camada de “banalidade” que no inicio © Livro tinha (para mim parece quase um filme que descreve 9 Império, mais do que um livro) acrescenta-se também o seu envelhecer diante da welocidade dos eventos. A “grande * Fa publicado em Resets m, 78, p. 8-19, sot. fout, 2002, DPE&A estitara ‘Cinco ligbes sobre Imperio narrativa” que provocou o sucesso do livro era solicitada, permitiu a recepgio per parte dos estudantes dos campi americanos ao redor de Seattle e mais tarde em vérlos pontos do mundo, hoje particularmente na Alemanha, Depois dos anos 1980, depois da derrota das lutas, depois do triunfo de “pensamento frouxo” era preciso dar um choque: Inpérto deu esse choque. Zev: Império € um livro consistente Ao somente por seu tamanho e por sua amplitude temética, mas também porque sua sintaxe filosGfica ¢ teérico-politica ¢ muito original. B uma sintaxe que transfigura algumas eategorias marxistas fundamentais, interpolando-as com elementos retirados de uma grande yariedade de literatura filoséfica ocidental: cléssica, moderna e contemporiinea. Nessa transfiguragao, ‘oque desenvolve papel de primeira plano éo pésestruturalisme de autores como Gilles Deleuze, Jacques Derrida e sobrettide Michel Foucault, Minha impressio ¢ a de que uma leitura atenta @ exigente das paginas de fmpério, como o livre certamente merece e estimula a fazer, leva, apesar de tudo, a resultados interpretatives inevitavelmente controversos, Ent que pese seu corte freqtientemente assertive e prescritive, ¢ um livre que arrisca transmitir mais incertezas de que certezas tedricas. Neon: Parece-me que as indicagdes que vocé dé sabre as categorias filosdficas que sustentam o livro siio corretas. Em relagdo ao fate de que o livto transmite mais incertezas do que certezas te6ricas, confess que a coisa me agrada. Com Império, Michael Hardt e eu nao quisemos de forma alguma chegar a conclusées definitivas: par outro lado, @ proceso 22 Didiogo sobee Império constitutive da Império ainda esté amplamente aberto. O que nos interessava enfatizar ea a necesaidade de mudar de registro: a filosofia politica da modernidade (¢, ebviamente, as instituig6es com as quais ela interagia) terminou. A teoria que vai de Marsflio a Hobbes e de Althusius a Schmitt acabou, Inpério & um nove caiinh térico, Zo.o: & filosofia de Marx e a de Foucault — para dizé-to com ‘uma férmula muito suméria — representanh vetores te6ricos divergentes: o marxismo preconiza uma sociedade organica, solidaria, igualitaria, disciplinada, enquante Foucault € um critico agude e radical do poder disciplinar em nome de uma antropologia individualista ¢ Wbertaria. Nrcri: Mantivemos juntos Foucault e Marx. Gu melhor, no que me diz respeito, posso dizer que “enxagtiel meus panos” no Sena, isto 6, hibridei meu marxismo operdrio com as perspectivas do p6s-estruturalisme francés. Eu j4 havia comegado a fazer isso entre 1979 ¢ 1983, trabalhande sobre Fepinosa, Stimo terreno de encontre ontolégico para essa operagao. Com Hardt, em Paris, mais tarde aprofundames a andilise ¢ nos afundamos naquela “aura” conumn que, jd desde 8 anos 1960, embora desconhecida, amarrava operaisiio? pos- estruturalismo, mas também muitas tendéncias no amplo quadro dos Subaltern Studies outras abordagens pé6s- coloniais. Esse foi, com certeza, ain ponto central, pelo menos para mim, quando me dei conta de que o operaismo italiano era um fenémeno nada provinciano. Spivak. ao publicar uma © Mantivemes otermo tallanoaperaiemo, que expressaa teoria polttica que considera revoluciondrias as lutas econdmicas conduzidas de forma autonoma pela classe operécia. 2 Cinco ligdes sabre Império colegdo de estudos subalternos nos anos 1980, nos dava-um testemunho direto; Deleuze e Guattari, 4 em Mille plant [1987], reconheciam essa influéncia, Nesse quadro, a leitura que Foucault faz de Marx, estendende a genealogia dos processos de exploragao da Fabrica ao social, é por nés assumida como fundamental. Em nossa interpretagio (diferentemente da sua), Foucault é autor de uma antropologia certamente libertivia, mas nao individualista, construtora de uma biopolitica na qual nao é mais o individuo, mas um sujeito (cam que singularidade!) que esté se plasmando, Pele que nos diz entre og anos 1980 © 1990, j4 tinhamos i@ncia de estar no pés-moderno, em uma respeito, em Par construido a cons portanto, ¢ eskivamos convencidos (e ainda nova épo estamos) de que Marx pode ser inteiramente integrado nas. metodologias analiticas do pos-moderno. H4 sempre um ponto no qual a deciso de nove ¢ do forie interrompe: que prazer poder parar com as péilidas filinges do modermo, com, ‘og Rawls ou 08 Habermas... Que entusiasmo reconhecer, com, Magquiavel (e todos os demais}, que a luta de classe, rncatis: mittandis, comandava o pensamento, Zovo: Precise fazer uma segunda confisstio, antes de discutir 08 temas centeais de Iniérfo, Continua a deixar-me intrigado a idéia de confrontar-me com um tatado cujos autores se proclamam “comunistas” ¢ que, além disso, declaram ter assumide O capital de Karl Marx camo tim paradigina expositive préprio. Pessoalmente tenho © maior respeito por aquilo que o marxismo teérico representou no século pasado: = menos pelas experiéncias do “socialismo real” que a ele se relacionaram —, porém estou menos inclinado, hoje, a dar 24 Distoge sobre Impéria crédito a revisitago sou a “refundagoes” da filasefia marxista, embora elas se apresentem sob formas criticas ¢ inovadoras. Pessoalmente, avaliei o marxismo teérica hé quase trinta anos — lembro que discuti intensamente também com vost —¢ presumo té-Io avatiado com seriedace. Despedi= me do marxigma por minha ineapacidads de compartilhar seus trés suportes tedricos: a filosofia dialética da histéria com suas “leis cientificas” do desenvolvimento; a teoria da mais-valia como base da eritica do modo de produgae capitalista ¢ como premissa da reveluggo comunista; a teoria da extingao do Estado a secusa conexa de estado de direito € da doutrina dos direitos subjetivos. Seu comunismo, apesar da riqueza de suas motivagées, me parece ainda ancorado a0 codigo da ortodoxia marxista Necrt Provavelmente, quanto As diseussdes de trinta anos atras, muitas coisas. mudaram De qualquer mode, se pucéssemos reduzir o marsismo Aqueles tris eixos te6ricos de que vost fala, eu nao seria marxista (eacreditoque tampouco terla sido marxista trinta anos atris). Todavia, parece-me que vorg, junto coma dgua mais ou menos suja, mas que muitas vezes foi imunda, estd jogando fora também arcrianga. Pelo comtrario, quero recuperar © marsismo que, jpara tim, 6 sindnimo do materialismo moderno, resiimo e expressio de “uma corrente critica que atravessou mundo, sendo por cle continuamente combatida: a linha que de Maquiavel conduz a Espinosa ¢ 4 Mars, Para mim, © resgate do marxisme, ¢ sua Tenavagia, tem o sentido forte que teve @ apolagia patristica nos primeiros séculos da ‘historia do cristianismo: éuma “volta fos principios” no sentido que Maquiavel dava a esse dispositivo, Para operar nessa diregio, trata-se de avangar 25 Cinco lighes sobre Império em alguns pontos essenciais da teoria marxista; construir, contra a dialética da histéria, uma teoria ndo-teleckigica da luta de classe; além da teoria da mais-valia, as andlises davvalorizagio através do Genera! butellect, na época da subsungio real (completa) da sociedade no capital; ¢, pelo que diz respeito | tearla do Bstado, trats-ee de estabalacer, ca enhorania (como ponto de eoineidéncia do econémico e de politico), o momento central do exercicio da exploracio, bem como da mistificaglo eda destruigio dos direitos aubjetivos. Marx nunca nos deu, embora 0 tivesse proposto, um livro sobre as Iutas de classe ¢ tampouco, sebretuco, o livro sobre o Estado. Com efeite, © tivro sobre o Estado que falta ena O-capitat £6 podiia ser escrito quando 0 espaco da soberania tivesse se tomado grande como ‘o mundo, ¢, portanto, fosse possivel confrontar a multidso com 0 Império, O Estado-nacSo, do qual 6 Marx tinha podito falar, era um emaranhado de Idade Média e de madernidade que o proprio desenvolvimento capitalista com dificuldade conseguia atacar, Somente um proletariado internacional e interactonalista, inversamente, podria colocar a si a problema do Estado, Zows A parte de impéria que me parece mais bem realizada e, na minha opie, apresenta a exigéncia de uma nova reflexio “estratégica” sobre a estrutura e as fungdes dos processos de integragao global é a que diz respeite ac proprio conceita de *Império”. Como ¢ sabe, voc ¢ Hardt consideram que a nova “ordem mundial” imposta pela globalizacéo levou ao desaparecimento do sistema westfaliano dos Estados scberanos. Nic existem mais Estados macionais, a nao ser por suas exangues estruturas formais que ainda sobrevivem 26 Didloge sobre lmpério na ordenagio juridica e nas instituigses internacionais. O mundo nao 6 mais governado por sistemas politicos estatais; € governado por uma tnica estrutura de poder que no apresenta nenhuma analogia significativa com o Estado moderno de origem européia. F um sistema politico descentralizado e clesterritorializado que nao faz referencias a tradigdes e valores étnico-nacionais, ¢ cuja substancia politica € normativa ¢ o universalismo cosmopolitice, Por essas yazSes voces consisleram que “Império” seja a denotagao mais apropriada para 0 nove tipo de poder global... Necat: # preciso acrescentar que nfo temos nenhuma nostalgia dos Estados-nagao. Além disso, parece-nos que esse lustra to bem, seja provocado por um motor que é 0 motor das lutas openirias, das Jutas anticolonialismo e finalmente das lutas contra a gestdo socialista do capital, pela liberdade, nos patses de “socialismo real”, O ultima tengo do século XX foi dominado por esses movimentos, desenvolvimento, real ¢ conceitual, que voct Zouo: Seria, entdo, ervade pensar que o Império — ou seu nucleo central e expansivo — seja constitufde pelos BUA & Por seus mais firmes aliados ocidentais. Nem os Estados Unidos, e nenhum outro Estado nacional, voce ¢ Hardt declaram com forga em seu livro, “constituem atualmente © centro de um projeto imperialista”. De acordo com o livre, © Império global é, pois, outra coisa bem diferente do imperialismo classico, ¢ seria um grave erro te6rico confundi- lo com ele, Interpreto corretamente sua posicso? ‘Neart: Interpretagao correta. Acrescento que, em particular em Porto Alegre [Brasil], tivemos a medida de quao grave or Cinco ligbes sabre Inpério possa ser o perige de que a construgio do “movimento des movimentos” ameace os Estados-nagao. Formas ambiguas de nacionalismo © paputismo acabariam, nesse caso, por serem apropriadas pelo pensamento re globil, Antiamericanisme @ confianga no Estade-nag4o quase sempre estio de acordo: eXo ccna titimns imbréglios que herdamos da socialismo tereciro-mundista ~a mim sempre parecen um desvio to geave quanto 6 fol & marxisme sovistico. Zovo; Esse € um ponto muito delicado ¢ que levantou numerosas feservas com as quais, em parte, estou de acordo. Em suas paginas, 0 Império parece esfumarse numa espécie de “categoria do espfrito”: & como Deus, presente em todo lugar, porque coincide com a nova dimensie da globalidade. Mas, pode-so objetar, se tudo @ imperial, nada é imperial, ‘Como identificar os sujeites supranacionais partadores dos interesses ou das aspiragées imperiais para torné-los objeto de ums luta global? Contra quem dirigit a eritica e a resisténela antiimperialista, se os Estados © suas forcas politicas nao 880 os objetivos em mira? Trata-se de um Império que no exerce um poder politico-militar? Expressa-se somente por meio de instrumentos de constrigio econdmica ou, quando: muito, ideolagica? Nicer: © processo de constituigao imperial esté em andamento. Ele € 0 limite para o qual tendem os instrumentos que 0 capital global jé faz funcionar concretamente: sao instrumentos soberanas, econémicos, militares, culturais etc, Agora, € fora de diivida que nessa fase o Impéric estd, fundamentalmente marcado per uma grande tensio entre um rie Jugar institucional @ a sério de instrumentos globais (mas parciais de ponto de 28 Dialogo sobre Impéria vista da soberania) utilizados pelo capital coletivo. Vacé diz nperial, N6s, contudo, ddentificamos, aeguinde-e exemplo de Polibio, alguns lugares ou formas de governo imperial: a ung3o mondrguica muito bem que, se tudo é imperial, nada que se atribufram os governos dos Estados. Unidos, 0 G-8 ¢ outras instituices monetirias e eamerciais: « pacer arisincrstien das multinacionais que estendem sua rede no mercado global. QO movimente global da multidiie (acquele que nasce depois de Seattle) teve certamente muitas duividas na identificagio, na continua criagio de miséria ¢ exclisso, na resposta wiolenta ¢ bélica ao protesto, os pontos contra os quais dirigir a critica & a resisténcia: eles sao bens reais e consistem na distargio do desenvelvimento econdmico, na destruigao do planeta Terra, nas tentativas de apropriagio sempre mais macigas daguile que é “comum’” & humanidade, entre-terra eespago. O paradox da momento atual (¢ sua dramaticidade) esté no fate de que o Impeério poder formar suias estruturas apenas respondendo as lutas da multid@o: mas tudo isso, 4 maneita de Maquiavel, ¢ um processo de choque entre poderes. Estamos, entso, no comeso de uma “guerra dos trinta anos”; apesar disso, fol colocade © Estade moderne para formalizar seu nascimento, Zo.o: A “constituigao imperial’, sustentam woos, se diferencia da estatal por suas fungoes: a soberania imperial nao tem como objetivo a inclusdo ¢ a assimilagio politico-territorial dos pases ot das povos subordinados, como era tipico do imperialismo-e do colonialism estatal entre o século XIX ¢ 0 XX. © nove comando imperial se exerce por meio de instituigdes politicas € aparatos juricicas cujo objetivo 6 29. Cince liggies sobre Janparfo -essencialmente a garantia da ordem global, isto é de uma “paz estavel e universal” que permita o funcionamento normal da economia de mercado. Em varias passagens voces fazem referencia a fungdes de “policia internacional” € inclusive a fungdes judicidrias desenvolvidas pelo Império, Estou substancialmente de acorde com vocés, salvo uma importante reserva: quem, sendo os aparatos politico militares das grandes poténcias ocidentais ~ i prints dos. Estados Unidos ~, exerce esas fungdes imperiais? Neck: Com efeito, ndo me parece estranho que © Império se apresente para garantir 4 ordem global através de uma paz estavel e universal, utilizando todos os melos.politico-militares de que dispte. Os comparsas de Bush fazem essas declaragSes de paz e cometem atos de guerra todos os dies. No entanto, nfo € preciso confundir Bush, e os aparatos politico-militares que utiliza, com © govern do Império, Parece-me, pelo contrério, que a atual ideologia © pratica imperinlista do governo Bush esivja entrande rapidamente em rota de colissio com as forgas capitalistas que, em nivel mundial, trabalham para o Império. A situacdo esté completamente aberta, Creto que mais adiante, ao longe desta conversacao, voltaremos sobre a questio da guerra, como forma espectfica de controle imperial: agora, basta-me insistir ne fato de que fungio béliea € fungao de policla estio, em nivel imperial, confundindo-se cada vez mais, Todavia, salvo especificar um pouco mais alguns juizos © raciocinios, preciso insistir aqui, novamente, no fato de que © antiamericanismo ¢ comportamento fraco € mistificador na atual fase de definigdo critica da nova constituigao: mundial. © antiamericanisme cenfunde o pove americane com o Estado americano, no se dando conta de 30 Didiogo sobre Império que 08 States estao inserides ne mercado mundial da mesma forma como estio a Itdlia ¢ a Africa do Sul, que a politica de Bush fortemente minoritéiria dentro das aristocracias mundiais do capitalismo multinacional. © antiamericanismo éum estado de espirito perigaso, uma idealogia que mistifica 08 dacos da andlise e cobre as responsabilidades. do. capital coletivo. Precisamos afasté-lo de nés, da mesma forma como abandonamos o americanisme dos filmes de Alberto Sordi, ‘Youo: Nao € uma circunstincia marginal, sustentam voots, que a ordem juridica imperial esteja empenhada essencialmente numa fungiio de jurisdicao ou de arbitragem quase judiciéria, © poder imperial ¢ até invocado por seus siidites por sua eapacidade de resolver os canflitos de um ponto de vista universal ¢, portanto, imparcial ¢ neutra, E € significative ~ sustentam vocés incisivamente em seu livro — que pds um longo periodo de eclipse tenha reflorescido, na tiltima década, ardoutiina do Bellin justir, isto 6 wine doutrina medieval, tipicamente univetsalista e imperial, E assim? Estou plenamente de acordo com essas andlises, mesmo porque elas retomam teses que eu também defendi anos atrés, particularmente em Cosmopolis [1995]. No entanto, repito, parece-me que elas tém sentido somente se a “constituigdo imperial” for concebida como uma constituigéo politica, E nao pede haver nenhuma duvida, na minha opinido, de que os Estados Unidas = ¢ portanto os poderes cognitivos, comunicativos, econdmices, politicos e militares que se coricentram no ‘espago geopolitic da superpoténcia americana — sejam hoje © centro motor deste projeto estratégico global, que pode ser chainado “hegeinénico", como eu prefire dizer, ou “imperial” como vocés preferem, ou de outra forma. 31 Cinco lignes sobre inpéria Near Nao concordo, Por outro lado, nao-consigo compreender como wood (que nos ensinau, de Cosmopotis a Chi dice unary [2000], o quanto as categorias politicas e juridicas do moderna fossem nao 96 ultrajadas, mas definitivamente pisoteadas) possa propor uma definigio dos processns atuais de governo do mereade mundial ainda centracla nas categorias modemas do imperialismo. Aqui-cabe a mim levantar questionamentos: 9 que significa mais capacidace de poder de Estade diante da lex mercatoria e, isto é daquela substancial modificagiio de direito internacional privade que nao vé certamente os Estados-nacio mas as daw firms se tornarem legisladores? (Neste campo, poderia acrescentar outra dezena de questoes, mas espero que pessamos poupé-tas.) Quanto ao direito intemacional publico: come é possivel no: ae apiedar diante das patéticas tentativas de atirar nessa situagho as Nagoes Unidas? © fato € que falar dos Estados Unidos como centre motor de um projeto estratégico global imperialista comporta contradigoes de tada espécie, sobretudo se 20 governo dos lade exclusiva Estados Unidos se queira atribuir uma capa de comando {como esti implicito nas teorias modernas da soberania nacional ¢ do imperialismo). - 20.0; Na minha opinido, ¢ fato de que © peder de comands @ a influéncia dos Estados Unidos se irradiem no munde inteiro até se tornar um giobal power, como proclama o-recente Quadrenrial Defense Review Report, do Departamento de Fotado, nao contradiz o fato de que este poder seja territorial ¢ culturalmente instalado nos Estados Unidos e que possa ser identificade com a superpoténcia americana também no plano simbélico. Diétoge sabre Império Nircrt: Nao duvido de que os Estados Unidos sejam tum global power insisto somente num outro conceite: © préprio poder estadunielense esta submetide (¢ dé qualquer maneira obrigado ao didlogo e/ow a contestacso) a estruturas econémicas ¢ poltticas diferentes. O atentado terrorista de 11 de setembro fol entre outras coisas, também a demonstragso de uma guerra Civil sterta entre forgas que pretendem ser estruturalmente representadas na constituigso imperial. Aqueles que destruiram, as Torres Gémeas sito os mesmos “lderes” de exércitos mercenirios que foram, contratades para defender interesscs petroliferos ne Oriente Médio. Bles nio:tém relagia com as multidées: sfio elementos internos da estrutura imperial em seu devir, Nao se pode absolutamente subestimar aguerra civil que esta ocorrendoem nivel imperial, Crofo poder afirmar que a leadership americana esté profundamente enfraquecida justamente por causa das tendéncias imperialistas que ela muitas vezes expressa. f evidente que nem no mundo frabe nem na mundo europeu, nem no socialista, para nao fularmos “daquele outro continente” que se chama China, las sao aceitas. O superpoder militar dos Estados Unidos 6, come se sabe, em grande parte neutralizade pela impossibilidade de ser utilizade em seu potencial nuclear. E esta é uma boa noticia, Do ponto de vista monetario, os Estados Unidos esto cada vez mais expostos e enfraquecidos nos mereados financelvos; ¢ esta € outra Stima noticia, Em suma, com muita probabilidade, os Estados Unidos sero logo obrigados a deixar de ser imperialistas ¢ a reconhecer-se no Império, Zovo: Ha um segundo aspecte de sua teorla do Impéria que me deixa em divida. 1 um aspecto que considere tributirio a Cinco lignes sobre Iepério la “ontologia” (o termo é seu} implicita que faz 0 contraponto snetafisico de suas andlises: a dialética da histéria, numa acepeiie caracteristica do hegel-marxismo € do leninisme, De acordo com suas idéias, o Império global representa uma superagdo positiva do sistema westfaliano dos Estados soberanos, Tendo acabade com os Estados Unidos © com seu suilisine, o Império acabou também com o colonialtemne ¢ com o imperialismo classics, abrindo uma perspectiva ja com louver. Cada cosmopolitiea que deve ser acol tentativa de fazer ressurgir 0 Bstado-nagaio em oposigie & atual constituicio imperial do mundo expressaria uma ideclogia “falsa ¢ danosa”. A filosofia no global e toda forma, de ambientalismo naturolista e de localisme devem ser, portanto, recusadas. como posigées primitivas e antidialéticas, isto ¢, substancialmente reacionérias, Nircel: Nao creie que as acusages que nos sao dirigidas sejam sustentaveis. Como sabem os que leram o livre (e vert cerlamente o leu), nés nie conhecemos nenhuma dialética, mas somente a luta de classe, fa luta de classe (dispositive “A Maquiavel, aberto, indeterminado, ateleolégico, arriscade} que constitui a base de nosso método. Aqui nao ha nada de dialético, a menos que-com esse epiteto nao se queira entoncler qualquer abordagem analitica do desenvolvimento histérico, Nessa narrativa trata de um fees conereto, do risoo e da luta dos homens contra a explorago, para tornar a vida alegre, para éliminar a dor, © nosso problema politico ¢, pois, o de propor um espaco adequado para todas as lutas que partem de baixo. Nesse quadre, no encontram espace a nostalgia ea defesa de Batado-nagae, daquela barbarie absoluta de que deram prova definitiva Verdun e 0 bombardeio de Dresden, Distoga sobre Impeéria Hiroshima © taiixém (sejacme permitido) Auschwitz. Eu nie sei como ainda se possa considerar © Estado-nagio alguma coisa que seja menos do que uma ideologia falsa e danosa, Em oposigéo, as redes do movimento dos movimentos sito, como indo aquils que scontece Liveemente no mmande, multi diferenciadas: elas se cruzam e assim podem sem dificuldade -construir, como construiram, um movimento unitério. Toda tentativa de impedir essa unificagio e 0 consequente reconhecimento, de objetives coms ¢ reaciondria, ow melhor, expressa operagties stctérins © inimigas, A filosofia na glahal co movimento de Seattle sfia internacionalistas € globais. Zo10; Os comunistas, dizem voots, so a favor de vocag6es niversalistas, cosmopolitas, “catélicos”: © horizonte deles 9 da humanidade toda, da “natureza humana genériea”, come dizia Manx, Lembre-se de que, no século passado, as maseas trabalhadoras sempre se dirigiram & internacionalizagie das relagies ppoliticas © sociais. Por isso, vocés sustentam que os poderes “globais” do Império devem ser controlades, mas nniio demolidos: a construci imperial deve ser conservada e dirigida a outros objetives. Do ponte de vista da transigio para uma sociedade comunista, a. construgto da Impérie ¢ “um, paso A frente”: 0 Império, escrevem voces, “é melhor do que aguilo que veio antes” porque “varre os regimes cruéis do poder moderno” “oferece enormes possibilidades criativas ede libertagio”. Nao consigo estar de acordo com ease otimismo. dial: ico de evidente ascendéncia hegeliana © marcista. Neca: Realmente eu nao diria que esta nossa posigae expresse otimismo dialético. Por outro lado, é claro que em relagao a0 termo “dialético” voce nao transige: tudo aquilo que néo Ihe Cince ligaes sobre Inepério agrada ¢ dialético, Proponho-Ihe, pois, um autor certamente nao dialético, mas capaz de othar para frente; Espinosa. Aqui, em sua filosofia, o-atimisme née tem relagto com Hegel: tem a vercoma liberdade-e com a alogria de livrar-se da escravico.. Mas naio quero continuar brincande com os santos. Prefire os outros. Ora, estes. so a multidao, isto é, uma multiplicidede de singularidades, ji_mesticada, capac de trabalho imaterial Tintelectual, com um poder enome de liberslade: Esta nao € Gialética, mas andlise socioldgica, factual e pontual, das transformagées do trabalho, de sus organizagio e da subjetividade politica que disso advém, Nao posso pensar que vocé prefira, A mobilidade global e a flexibilidade no temper da vida e do trabalho, wadligses areaioas, agricolas ou artesanais encarnadas em mitos nao-efetives. Qu a miséria do operiirio- massa, amarrado corrente. © alongamente das perspectivas de vida © © enriquecimento intelectual ¢ moral dos trabalhadores me parecem alge bom, E aqui que o Impéric se propée come coisa boa em si. Zo1s: Convencem-me mais as andlises do pés-colonialismo — penso particularmente nos Subaltene Sttedies — que assinalam a linha de continuidade entre © colonialism classico e os processos atuais de globalizagao hegemsnica. Hoje, apés os parémteses da Guerra Fria ¢ a efémera libertagio dos paises coloniais da suijeigao politica directa As poténcias européias, 0 Ocidente esté novamente empenhade numa estratégia de controle, de ocupagao militar, de invasio mercantile de “eivilizagao” do mundo nao-ocidental, E justamente contra essa estratégia que arremete a réplica sangrenta e impotente do global terrorism que, nfo por acaso, objetiva atinglr quase exclusivamente os Estados Unidos, 36 Didtogo sobre Impérior Nast; N&o me parece possivel concordar com vocé sebre 0 que sustenta a esse respeito. Certamente, ¢ visivel um fio de continuidade entre @ colonialisine eldssice © as processos atuais de globalizagao imperial. Mas eu ficaria muite atento para nfo chamar “efémera’ a libertagdo dos paises coloniais © pensar que os mapas geopolitics NAO estejam radicalmente modificados. Primein Segundo e Terceiro Mundos no modificaram sua colocagao de maneira superficial, mas fundamental: eles se misturaram, e encontramos o Primelro Mundo no fundo da Africa bem como nas reptiblicas do centro da Asia, assim como se encontra 0 Terceiro Munda nas metrépoles européias ou americanas. Se olharmos tude isso de um ponto de vista espacial, a situacao, embora modificada, apresenta-se de forma estdtica; no entanto, se olharmos esses fendmenos e esses deslocamentos do ponto de vista de sua intensidadie, entio padera perceber-se (e 6 sobretuco © que narram os Subilferst Studies) a potineia transformadara desses processos, 0 fato de que so minas colocadas por tedo lado nos espacos globais. Nesta perspectiva, enquante o gtabal ferrovign & parte da “guerra civil” pela fearership imperial, os movimentos de resisténcia e de 6xodo constituem a nova verdadeira ameaga para a orem capitalists global, Zoud: 6 mais eovtra @ Império que, na minha opinido, seria preciso enderecar a luta, contrastando seu expansionismo global ¢ a ideologia cosmopotitica, Nio penso nostalgicamente, come faz o tepublicanisme comunitarista, nos Estados nacionais do século XIX, apesar de nao estar absolutamente conyencide de que os Estados nacianais sejam hoje esosrias histéricas. Estou de acordo cam a idéia de Ulrich Beck segundo 1 qual eles esti se transformando em Estados “transnacionais”, 37 Cinco lignes sobre snepéria cuja sociedade civil é atravessada por uma quantidade de agéncias e instituigGes multinacionais como as grandes ‘empresas econémicas, os mereados financeiros, as tecnalogias da informacta ¢ da comunicagso, a indistria cultural ¢ assim por diante. E claro, na minha opiniae, que os Estados estao redefinindo suas fungées, concentrando-se sobretude nas questes da seguranga e da ordem publica interna, como sustentam Pierre Bourdieu e Loic Wacquant. Segundo Thomas Mathiesen, estamos passando de Estade “pan-Gptico” ao Estado “sinéptico”, gragas as imensas potencialidades de controle oferecidas pelas novas tecnologias e pelos bancos de dados eletrénicos que se constituem sem que os cidadaos saibam, Mas os Estados estio muito longe da “extingso”. Alguns, pelo contrério, estao se fortalecende. Nec diz eaprecioaleituracitada. Eu também acredito que os Estados+ I Em grande parte estou de acerde com voce sobre © qt nagko nfo desapareceram: isso me parece Gbvio, Parece-me também evidente que a articulagio de funges dé dominio “universal ¢ de-ordem puiblica interna seja (embora mantendo seu enntimue) especifica dos Estados-nacaio. Ponte, pensar que miuitas fungSes dos Estados-nagio sebrevivam nao significa pensar que os Estados-nagio persistam na tendéncia ou até se fortalecam. Pelo contrérie, também as associagGes de Estados-nagso, eventualmente atravessadas por dispositives ‘transnacionais (& Beck), devem, a meu ver, ser analisadas dentro los provessos de hicrarpstizagio ¢ de espesializagio clo Inpério. ‘Quero dizer que o tema da garantia universal do orcenamento (global jd foi posto em termos irreversiveis, A passagem de €poca jd aconteceu. E nesse fluxe ¢ diante desse problema & que deve ser caracterizadas as escolhas tebricas e politicas, 38 Didlogo sabre Impéria Zo: Minha opiniio 6 a de que seria preciso pensar em — trabathar pata —novas formas de equilibrio mundial, em nome de um regionalismo multipolar eapaz de equilibrar e depois reduzir e derrotar o agressivo unilateralismo estratégico de poder imperial dos Estados Unidos. E uma Europa liberada do sufocante abrago athintico = uma Europa menos ocidental e mais mediterranea ¢ “oriental” — poderia desenwolver uma fungio importante nesse sentido. K nessa diregio ests operando silenciosamente, no Sucleste € no Noroeste asiéticos, © bloco chinés-confuciano. Necr: Novas formas de organizacio mundial, articuladas em um regionalismo multipolar, sa0 desejaveis, Por outro lado, € 0 que jf e9té acontecendo dentro do mereado mundial, no ‘processo que leva A construgio ca soberania imperial, Ngo consigo compreender a que esse proceso seria preferivel, pois Gjustamente o que jé esté ocorrendo. Quando muito, o problema seria o de agit, a partir de qualquer ponto do Império, para abrir conétios de desestabilizacio global. E somente nesse quadro que uma transformagie das regras do dominio « da exploragao paderia tornar-se possivel. E evidente, pois, que eu nAo aceite o proprio nome de “equilibrio”, fruto de outras Epocas de pensamento (permita-me, téo deseneantadas quanto, muitas vezes, sem efeito: Musil nos ensina!). Seja ou nao organizado em termos regionais, com efeito, sempre se trataré nfo de equilfbrie, mas de hierarquia, nie de multipolaridade, mas de multifuncionalidade. Zowo: Acrescento que um equilibrie multipolar é a condigéo para que o direito internacional possa desenvalver uma funcio minima de contengao das conseqiiéncias mais destrutivas da guerra moderna. 3a Cluee ligdes sabre lenpério Nect: Parece-me totalmente verdadeiro 0 que voce diz Império © dirsite internacional negam-se mutuamente, Mas era essa a constatagta da qual havfamos partido, Esta é uma eondigso irreversivel, Por isso 0 men profunda ceticismo em relagio no, Existe “aos panos quentes" do internacionalismo ont uma literatura enorme (que voce estudeu perfeitamente} sobre © fortalectmenty dats Wagoes Unidas © sobre a constrigae de uma “sociedade civil” mundial que saiba se tornar Interlocutora do soberano ne nove ordenamente global. AK o Banco Mundial com froqti@neia tem trabathado, diferentemente de outras insti .Ges globais. Todawia, na tentativa de reativar um sistema participative ¢ normative “internacional” fem sentido. westfaliano), nso teve efeite algum, Mesmo quando" vai no sentida de corresponder aos direitos subjetivos dos cidadios ¢ das nagdes, dos grupos ¢ das associaghes, camo no. caso da constituigao dos grandes tribunais mundiais, o reformismo jurfdico superou o direite internacional classico. Zowo: Depois do 11 de setembro a situagae de desequilibria internacional agravourse mais. Firmou-se uma estratégia I sem prazog temporais, em grande parte seereta, cada vez gemOnica de guerra permanente, sem confins territoriais, mais incontrolével na base de direite internacional, Nunea amo hoje as elites politico-militares ocidentais pareceram, conscientes do fato de que, para garantir a sezuranca eo bem-estar dos pafses industrializados, é necessario exercer Pressdo militar crescente no mundo inteiro, Nest: Vejo-a necessidade de resistic a um capitalisme sempre mais parasitirio © predador, cuja legitimagao (por si mesmo: © pelos instrumentos estatais ¢ imperiais com os quais 40 Diafoge sobre Império eventualmente se identifica) torna-se completamente béliea Que dos regimes disciplinares (sobre os individuos) do capitalismo

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