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[imprimir] [enviar por email ] [link permanente ] Cynthia Semíramis
Machado Vianna
O jornal Hoje em Dia, em uma matéria extremamente infeliz (ver aqui), chegou ao
Últimos 5 artigos de
ponto de dar voz a um perito que descreveu o vídeo de forma completamente Cynthia Semíramis
inadequada e desrespeitosa para com a vítima: "As cenas mostram que, quando Silva Machado Vianna
entra, a mulher fica numa postura de afronta, como se já estivesse acostumada com
CRIME, RPG E
as ameaças constantes do ex-marido. Ele não demorou dez minutos para executá-la. IMPRENSA
Foi tudo muito rápido" (os grifos são meus). Os erros no caso de Ouro
Preto
Quando uma pessoa que deveria estar longe de outra desobedece ordens judiciais e 14/7/2009
invade o espaço proibido, é de se esperar uma "postura de afronta", de questionar
MATERNIDADE NA
veementemente a desobediência a ordens expressas para se afastar dela. Esse tipo de
MÍDIA
observação em uma reportagem, no entanto, faz parecer que a vítima não deveria ter Significados distorcidos,
se indignado ao ver o desafeto invadindo seu espaço. Sutilmente, é uma mensagem idéias retrógradas
que reforça o ciclo de violência ao passar a ideia de que vítimas de violência não têm 26/5/2009
muita escolha e precisam se conformar com situações nas quais suas vontades são
CASO SANTO ANDRÉ
desrespeitadas e devem ser humildes com seus agressores. Violência contra mulheres
incentivada pela mídia
Execução, qualificação impossível 28/10/2008
Mais artigos de
Outro termo utilizado de forma infeliz é "execução" e este não é exclusivo do perito
Cynthia Semíramis Machado
supracitado. É bastante comum encontrar nas páginas policiais a utilização Vianna >>
inadequada das palavras (especialmente as de vocabulário jurídico), distorcendo seu
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significado original em nome de uma dramaticidade não condizente com o discurso
jornalístico. Para aumentar o impacto, uma morte causada por muitos tiros de pistola
ou revólver é transformada em fuzilamento (quando este termo deveria ser aplicado
apenas à arma fuzil), um crime de vingança (pela mulher ter desistido do
relacionamento) é minimizado como crime passional e um homicídio passa a ser
chamado de execução.
Divulgação descontextualizada
O uso do termo execução para se referir a homicídios brutais é uma imprecisão que
deve ser evitada, até porque pode trazer consigo a ideia de que a morte foi merecida
ou legitimada pelo Estado. Especificamente nos casos de violência contra mulheres,
pode estimular o preconceito (errôneo e inconstitucional) de que homens são
superiores às mulheres e têm poder de vida e morte sobre elas. Em todos os casos,
trata-se de uma distorção grave do significado original, totalmente incompatível com
um Estado de Direito.
Da forma como a mídia faz a abordagem de violência contra mulheres, o que ela
estimula é mais violência ou medo. Violência porque homens se sentirão estimulados a
serem mais agressivos, pois resolverão sua situação a partir da violência e ainda
podem virar celebridades, mesmo no sentido negativo do termo (como aconteceu com
Lindemberg, que se tornou celebridade por manter Eloá em cárcere privado antes de
matá-la). Medo porque as mulheres pensarão várias vezes antes de denunciar a Milícia, Lda
situação em que vivem, optando por manter em uma relação opressiva e violenta por Bens de Segurança e
Tecnologias Militares.
não perceberem alternativas viáveis e seguras para suas vidas. Fardamento,
Cutelaria...
Notícias sobre violência contra mulheres ainda estão focadas na divulgação www.milicia.pt
descontextualizada da violência, mais como uma narrativa de desabafo contra a ação
(ou falta de ação) do poder público do que algo que efetivamente explique o quadro de
violência e auxilie as vítimas a se livrarem de uma situação de opressão.
É importante frisar que não estou pretendendo esconder a violência, que é real e
ainda é pouco visível, especialmente nas classes média e alta. O que é necessário é
matizar a situação para não passar a impressão, nas entrelinhas, que mulheres que
sofrem violência não têm escapatória além de se conformar com sua vida violenta.
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Melhorar a abordagem (e, para isso, o artigo "Dez regras para uma notícia não
sexista" é fundamental) e mostrar alternativas são formas importantes de amparar as
vítimas de violência, mostrando-lhes que sua situação pode ter uma solução
satisfatória sem envolver o risco de sofrerem mais violência ou morte.
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