O presente artigo se propõe a analisar o encontro entre diferentes lógicas simbólicas - de um lado,
a do Estado, e, de outro, a do povo indígena Enawene Nawe - em meio ao processo de
salvaguarda do Ritual Yaõkwa como Patrimônio Cultural do Brasil. Ao passo que a atuação do
IPHAN é pautada pela noção de conservação e sustentabilidade dos bens patrimonializados, os
Enawene Nawe têm demonstrado que, do seu ponto de vista, salvaguardar o ritual consiste, entre
outros aspectos, na garantia das condições materiais que viabilizam tal prática. Tal concepção diz
respeito ao conceito ewayate (chefe/dono), cuja atuação se dá justamente no sentido de garantir o
abastecimento do ritual, atendendo os desejos dos insaciáveis iyakaliti (espíritos da paisagem)
evitando, desse modo, os maléficos ataques destes seres causadores de doenças e mortes. Este
paradoxo se apresenta especialmente na solicitação dos Enawene Nawe para que o IPHAN faça a
aquisição de grandes quantidades de peixe de criatório como forma de suprir a demanda do Ritual
Yaõkwa, dado o contexto de redução dos estoques pesqueiros que acometeu a bacia do Alto rio
Juruena, sobretudo a partir de 2009. Para tal análise utilizamos a perspectiva de Gersen Luciano
(2006), a qual aponta a incompatibilidade entre a lógica da reciprocidade, própria aos indígenas, e
a lógica tutelar que orienta a atuação do estado em relação a estas populações. Luciano defende a
hipótese de que as práticas assistenciais (do estado) são entendidas pelos indígenas a partir de uma
lógica simbólica própria, pautada pelo regime de distribuição de bens. Nesse sentido, acreditamos
que no contexto em análise está em jogo a ação dos Enawene Nawe, que a respeito da forma
característica de atuação dos iyakaliti, buscam o esgotamento do excesso (de recursos) que pulsa
do governo, conceitualizado por estes indígenas como esfera distribuidora de riquezas e benesses.
O presente artigo se propõe a analisar o encontro entre diferentes lógicas simbólicas - de um lado,
a do Estado, e, de outro, a do povo indígena Enawene Nawe - em meio ao processo de
salva…