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Revista Critica de Ciéncias Sociais n 12 Outubro de 1983 ANTONIO GAMA* UMA RUPTURA EPISTEMOLOGICA NA GEOGRAFIA A TEORIA DOS LUGARES CENTRAIS ** © lugar da geografia, no contexto das ciéncias, encerra uma grande indefinicao, tanto pelo objecto, como pelo método. Os esforgos no sentido de superar essa indefinigao tém-se tra- duzido em sucessos relativos que na maioria dos casos nao re- verteram senéo em consensos parciais ¢ precérios (*) Desta indefinigao tem resultado uma infinidade de pro- postas de constituigéo e de configuracio de um campo e de um modo de estudo que sdo atribufdos 4 geografia. Estas pas- sam consequentemente pela superagéo de outras e por uma demarcacao da geografia inventirio, nogio produzida pelo senso comum com fundamento em praticas antigas. Por seu turno, estas tentativas tém surgido em diferentes contextos e épocas € sao correlativas dos esforcos feitos em outros dominios nas comunidades cientificas, as quais tem tido lugar quase sempre com atraso, maior ou menor, em relagio as alteracées tedricas © metodolégicos de outras ciéncias (Lacoste, 1972; Capel, 1981, 1983). Por isso, 0 curso das ideia na geografia oferece exemplo de particular interesse quanto ao modo como se processam as mudangas importantes, ao modo como se equacionam os proble- mas e perspectivam os temas e, ainda, como se interrelacionam aquelas mudangas com outros dominios cientificos, 2, Msistente da Faculdade do Letras da Universidade de Coimbra, “Este artigo retoma de uma forma diferente 0 tema apro- sentado noutro trabalho (Gama, 1980) (1) "A proposito desta questdo ver Isnard et all, 1981; Cleval 1964, 1980, 1061, 1982; Haggett, 1980; Harvey, 1989; Ablér et al, 1971; Ramén Alvarez, 1978; Capel, "1981; Johnston, 1983 a, b. 42 Anténio Gama A relevancia dada, a um ou outro tema, a este ou aquele horizonte metodolégico, a uma ou a outra definigao do seu campo de estudo tem a ver, por conseguinte, com os contextos, tanto sociais como cientificos, em que slo’ produzidos. Uma ilustracéo exemplar dos esforcos da definico do objecto e dos métodos de estudo da geografia, pode ser en- contrado na historia da génese da teoria dos lugares centrais Esta ilustra, por um lado, a dificuldade de definigio da Aisciplina_perante outras ciéncias, dentro de um sistema de classificagiio que circunsereve dois grandes dominios cienti- ficos, as ciéncias naturais e as ciéncias humanas. Neste con- texto, a geografia pelos temas que trata surge ora mum ora noutro dominio, ou na interpenetragao de ambos. Por outro, a descoberta da teoria dos lugares centrais, a sua difusio ¢ im- plantacao, o sucesso e 0 deserédito denotam, ao mesmo tempo, 08 contextos sociais e cientifieos, dos anos 20-30, na Alemanha, € do pés-guerra, nos Estados Unidos e outres comunidades de ge6grafos na Europa. Neste estudo ao referirmos especialmente a8 questdes epistemolégicas ndo queremos, contudo, com isso, desvalorizar a importincia do contexto social (Gregory, 1978; Stoddart, 1981). Isto é patente nos problemas relativos tanto & elaboracdo da teoria, como as suas releituras, que implica- ram uma simplificaco ¢ adaptagao ao paradigma dominante, em cujo contexto conheceu 0 sucesso o cia erise acompanhou. ‘A importancia da teoria dos lugares centrais na pesquisa € na teorizacdo geografica tem sido tratada com profusio, como © demonstram os inimeros trabalhos surgidos no seguimento da obra de Christaller. Os estudos de B. J. L. Berry, de Paul Claval e de R. J. Johnston dao conta dessa eépia de trabalhos. (Berry et al, 1965; Berry, 1967; Claval, 1966 e 1973; Beavon, 1978; Johnston, 1978, 1983 a,b). Contudo, o'seu sucesso tardou alguns ‘anos, pois apenas foi ponto de partida preferencial para as pes- quisas, em niicleos de investigagao geografica de expresso an- glo-saxénica, especialmente nos E.U.A., apés a 2. grande guerra (Claval, 1966 e 1973; Johnston, 1983). A matoria desses estudos referem-se principal ou exclu- sivamente a uma reavaliagdo da teoria proposta por W. Chris- taller, com orientacdo metodolégiea neopositivista, com as con- sequentes anélises empiricas de verificagio da sua validade, isto é da confirmagéo ou da infirmagao da teoria. Se bem que o principal mérito reconhecido, ou também contestado, a teoria seja a proposicao de uma teoria de expli- cacao do povoamento, o set significado teérico é mais rico que a simples adopeZo de um caminho dedutivista na anélise geo- grifica. Ou seja, ela no se limita ao estudo hipotético-dedu- A Teoria dos Lugares Contras 43 tivo e & teorizagio das relagdes funcionais no espaco, problema~ tizadas pelo povoamento e pelas actividades da populacao, es- pecialmente no que diz respeito as actividades tereiarias, com vista a compreensdo dos padrées espaciais. & que a teoria dos lugares centrais teve um outro aspecto de grande importaneia no pensamento geografieo, geralmente menos referido, que é 0 seu significado epistemolégico (Claval, 1982) Esta teoria apresenta-se, pela primeira vex na geografia, isto 6, de um ponto de vista da teoria geografica, como a assun- gio da autonomia da geografia humana em relagio ao paradigma da construgio das teorias geogréficas até entéo desenvolvido (Gama, 1980) ‘A ruptura na construgio da geografia humana, sustentada pela separacdo entre ciéncias naturais e ciéncias humanas ¢ adopgao do estatuto teérico destas, é um marco importante na histria do pensamento geogréfico. Ocorre num contexto cien- tifico particularmente favoravel ¢ como resultado do erwza- mento de varias influéncias. E a génese ¢ ao significado dessa ruptura que nos iremos referir assim como ao contexto meto- dolégico que influencia a teorizagéo, com vista a equacionar alguns dos aspectos que nos parecem relevantes para uma rea- valiagdo da teoria dos lugares centrais, a tratar noutro artigo. A teoria dos lugares centrais é uma tentativa tedriea para explicar, de uma forma generalizante, a configuracio do po- voamento. # este o objectivo definido de inicio na obra de Walter Christaller, Os Lugares Centrais no Sul da Alemanha, publicada em 1933 () O desenvolvimento posterior das pesquisas e das aborda- gens tedricas sobre a teoria levaram-na a outros prolongamen- tos tematicos, como sejam distribuigo do comércio de retalho ¢ de servigos ou a estrutura comercial intra-urbana, e A sua confrontagéo com outras tentativas tedricas de modelos de po- voamento (Berry, 1967; Bailly, 1976; Claval, 1966, 1973). ©) A obra de Waltor Christaller, Die Zentralen Orte in Sid Aeutschland. Kine dkonomischgeographische Untersuchung dber die Gesetzméssigkeit der Verbreitung und Entwicklung der Siedlungen mit Stdddischen Funktionen, fot publicada em 1993. ‘S6.em 1066 surge uma traducso om inglés, devida a C, Baskin. (Christaller, 1968). 8 esta versio que utlizamos neste estudo. ‘Walter Christaller conta_a historia da descoberta da teoria dos lugares eenirais num artigo, «How T Discovered the Theory of Central Placess (Christaller, 1972) 44 Anténio Gama da se- gunda metade, a geografia desenvolve-se de par com as outras ciéncias. Quando o progresso da biologia possibilitou o «nasci- A Teoria dos Lugares Centrais 47 mento da geografia humana» (Claval, 1970) de uma forma teo- rizada, a par da sua institucionalizagao, a relagao homem-meio permitiu definir uma base tedriea ¢ um objecto de estudo, a formulagio naturalista foi reforgada, A teoria darwinista e 4 reelaboracio desta por Haeckel, contribuiram com uma base teérica para uma geografia humana entendida como o estudo das relagées entre 0 homem e o meio (Claval, 1964, 1970, 1982; Mendonza et al, 1982; Capel, 1981, 1983). A definigao classica, © estudo da diferenciagio da superficie da terra, juntava-se uma concepeio explicativa, globalizante e relacionai. Nao nos deteremos numa andlise aprofundada desta questo que por si 86 requereria uma maior atencao, ficando-nos, por ora, no es- bogo das linhas mestras da concepefio dominante na geografia no comego deste século, ‘Se bem que dominante, esta orientago nao era contudo exclusiva. Nas préticas cientificas da geografia existiam outras orientagbes, por vezes combinadas. Dentre estas orientagées po- der-se-iam referir outras duas também importantes, além da orientacio naturalista. Uma de base historicista, que definia a ‘geogratia como ciéncia na terra, devida principalmente aos tra- balhos teéricos de Hettner, Esta orientagao desenvolveu-se so- bretudlo no contexto da filosofia alema de raiz kantiana e dela emergiram variantes que puseram énfase na problemé- tica (Christaller, 1966: 19) ‘A formulacao de conceitos chave, como lugar central, fun- gio central e aleance de um bem é fundamental na elaboracao tedrica. A combinagao mercado e espaco, com base na teoria da utilidade marginal, produziu uma eonceptualizagio de que resultou um esquema’ teérico de distribuigao do povoamento, no qual os lugares se configuram geometricamente segundo um padrao teoricamente regular e cujas areas de influéncias de- finem uma malha hexagonal. ‘As diferencas de importancia na centralidade estio na origem de uma hierarquizagio. A uma grande centralidade cor- responde um maior alcance, isto 6 uma maior area de mer- cado possivel, enquanto a uma fraca centralidade correspon- deré um menor niimero de fungées, fungdes de caracteristicas banais, e um menor alcance. Esta diferenga de importéncia na centralidade, no niimero e natureza das fungdes e na extensio da area de influéncia do lugar central traduz uma hierarqui- zagio de lugares, de fungdes e de areas. Segundo Christaller, cha uma conexao precisa entre 0 consumo de bens centrais ¢ © desenvolvimento de lugares centrais, isto é «quando tiver- mos determinada a quantidade de consumo e a localizagio da oferta de bens centrais, ... a questdo dos tamanhos, localizagio e numero dos lugares centrais pelo menos genericamente pode ser respondida» (Christaller, 1966: 27-28). E, como consequén- cia, «depois de descobrir as ‘relacdes que podem explicar 0 ta- manho, 0 niimero e a distribuigdo dos lugares centrais em ca- sos individuais e coneretos» (Christaller, 1966), propée-se pro- curar as «leis que conduziréo a encontrar a ordem para a apa- rente distribuicao arbitréria para o aparente mimero acidental € para os aparentemente condicionados tamanhos dos lugares> (Christaller, 1966: 28). Nesta procura de leis o autor manifesta diversas influéncias exteriores 20 dominio da ciéneia geografica, W. Christaller define, como corolério, trés prineipios que estiio na base de trés leis’ espaciais cuja combinagao traduz a estrutura geométrica geral: 0 prineipio do mercado, o principal, A Teoria dos Lugares Centrais 51 responsivel pela estruturago da teoria, 0 prinefpio do trans- porte e 0 principio administrativo. Estes iltimos introduzem alteragées ao padrao espacial regular do primeiro, pela acen- tuagdo da importéncia de eixos de transporte e das divisdes administrativas e politicas, respectivamente (Christaller, 1966; Berry, 1967; Bailly, 1982) ‘A influéncia das ciéneias sociais fazem com que a teoria dos lugares centrais seja a primeira teoria geogréfica definida com um estatuto auténomo das ciéncias naturals. £ por isso que a0 tomar como ponto de partida que a geografia humana, em especial, a geografia do povoamento, é uma eiéncia social, W. Christaller abre novas dimensdes ao dominio da teoriaza~ Go geografica. «Se a geografia do povoamento fosse uma diseiplina das ciéneias naturais ou pelo menos predominante- mente como tal, como quase todos 03 autores parecem conside- ra-la, nao se poria qualquer outro problema a nao ser os le- vantados pela aplicacdo das leis das ciéncias naturais, porque os fenémenos naturais séo explicados por tais leis. Mas cremos que a geografia do povoamento é uma diseiplina das ciéneias sociais» (Christaller, 1966: 5). Para fundamentar esta proposigéio, a teoria econémica serve de base a geografia econémica e A formulagdo de leis geogrdfico-econémicas que possibilitam a explicagéo do povoa- mento. «Os factores econdmicos sio decisivos para explicarmos a existéncia das cidades. Para a existéncia do povoamento rural, cujas casas séo simultaneamente lugares de produgao, os facto- res econdmicos sio manifestamente decisivos. Portanto, a geo- grafia do povoamento faz parte da geografia econdmica. Assim como para a geografia econémica, deve recorrer-se a teoria econémica se queremos explicar as caracteristicas das cidades. Se ha actualmente leis proprias da teoria econémica, deve ha- ver também leis dentro da geografia do povoamento, leis eco- nomieas de cardeter especial, que poderemos chamar leis espe- ciais geografico-econémieas» (Christaller, 1966). A compreen- siio do povoamento nao se deve fazer, para o autor, s6 e prin- cipalmente pelo recurso a explicagao ‘ambiental ou’a interpre- tacao histérica como era pratica comum dos gedgrafos. Esta nova orientagio permite reformular muitas questoes que se poem & geografia humana, e corrigir muitos erros em que in- corria a interpretacio dos gedgrafos pela via naturalista, de que é exemplo o erro que refere W. Christaller a propésito do custo dos solos (Christaller, 1966: 200). ‘Deveremos assinalar que a obra de W. Christaller eviden- cia uma nitida preferéncia por uma interpretacéo que privile- gia os factores sécio-econémicos, a sua formagio geografica nao 52 Anténio Gama deixa de se manifestar, de modo a evidenciar um vasto conhe- cimento do que se produzia neste dominio, na sua época. Este conhecimento é patente nas referéncias bibliograficas e na dis- cussio dos temas, tanto nas interpretagdes gerais e nas tipo- Jogias, como nas referéneias casuisticas. No entanto, pela adop- cao de perspectiva tedrica distinta das até entao usuais, estas sio relegadas, no seu trabalho, para um segundo plano, como explicagdes secundarias ou de cardcter local. A teoria dos lugares centrais resultou da convergéncia de Vérlas influéncias que marcaram 0 seu autor durante a sua vida, especialmente na sua formacao universitéria_e profissio- nal. As influéncias do dominio das ciéncias sociais, sao de grande importincia na sua elaboracao teérica. Esta & referida pelo proprio autor a propésito dos fundamentos teéricos e metodo- Jégicos do-estudo, «No que concerne a origem dos fundamen- tos tedricos, algo mais pode ser acrescentado: a teoria mais re- cente da economia teérica é em grande parte resultado da com- binagio da teoria clissica (Adam Smith, Ricardo, Thiinen), dos trabalhos da escola da utilidade marginal’ (Menger e von Wieser) € da abordagem sociolégica da nova escola histérica (especial mente Sombart e Max Weber» (Christaller, 1966: 7). Do mesmo nos d& conta também na narragao de como descobriu a teoria (Christaller, 1972: 605) Estas influéncias traduziram-se em contributos teéricos metodolégicos, quer do ponto de vista geral, quer de métodos ¢ técnicas especificas. Poderemos sistematizar as diferentes in- fluéneias em torno do qual se gizou o estudo, referindo as prin- cipais componentes teéricas que estiveram na sua génese: a) O pensamento social, econdmico e, sobretudo, metodolégico de au- teres Higados & nova escola histérica alema, em especial, Max Weber e W. Sombart. b) A teoria econémica: escola margina- lista austriaca, a economia clissica e a economia espacial. c) O método estatistico, d) As correntes geograficas suas contem- pordneas. © pensamento social e econémico dos autores ligados 4 nova escola histérica alema teve um papel fundamental na for- mulagio da teoria dos lugares centrais. & sobretudo no ambit da metodologia e da teorizagio das ciéneias que a sua influén- cia é mareante. Contudo foram também importantes as influén- cias nas interpretagdes econémicas ¢ sociais. Max Weber, Alfred Weber, W. Sombart, Oppenheimer sao alguns dos autores re- feridos. Deste grupo deveremos salientar especialmente Max A Teoria dos Lugares Centrais 53 Weber e Werner Sombart, Um e outro tém uma influéncia de- terminante no que respeita a metodologia, A teorizagio econd- mica ¢ A discussfo do conceito de lugar central em alternativa a0 de cidade (Christaller, 1986). As concepzdes de capitalisme e de racionalidade econémica usadas por Chiristaller séo devi- das a estes dois cientistas sociais. Juntamente com estes, deve assinalar-se 0 papel de Alfred Weber (‘), itmio mais novo de Max Weber, criador de uma teoria da localizagao industrial (1909). Este, além da influéncia do ponto de vista metodoligico, no que seguia as linhas fundamentais da orientagéo de seu ir- méo Max, marcou a orientacao de Christaller, de quem foi pro- fessor, no interesse pela economia espacial. ‘No que se refere & metodologia, 6 particularmente impor- tante 0 contributo de Max Weber. Este evidenciou-se tanto na coneepeao do estatuto teérico das ciéncias sociais, na linha de pensamento do historicismo alemao, como nas opsragées meto- dolégicas para a compreensio da realidade, como ainda, como referimos, na concepcao econémica, na adopeao do principio da racionalidade econémica, Poderemos sistematizar a influén- cia de Max Weber em W. Christaller em quatro pontos que definirdo alguns dos tépicos de um outro estudo sobre o assunto: 1) a divisio ciéncias sociais/ciéncias naturais ¢ a heranga do historicismo alemao; 2) a unilateralidade da andlise nas cién- cias sociais e econémieas e os problemas do método; 3) 0s con- ceitos de tipo ideal, as leis e a formulacio de teorias; 4) a ra- cionalidade econémica e 0 mercado (M. Weber, 1970, 1975; Ther born, 1980; Vincent, 1975; Aron, 1968, 1979) 'A segunda componente importante ¢ a gue se refere A influéneia da economia clissica e neocléssica. £ na teoria eco- némiea, como vimos, que W. Christaller vai fundamentar 0 ni- cleo teérico principal da formulacao da teoria dos lugares cen- trais. Nesta elaboragao uma referéncia especial cabe a contri- buigao da escola marginalista austriaca (C. Menger, F. von Wieser, E. Béhm-Bawerk ¢ outros) (Christaller, 1966, 1972). O nervo central da economia neoclissica consistia na and. lise do comportamento do sistema de mereado ¢ dos mecanis- mos neste existentes, através dos quais se poderia produzir 0 equilfdrio, © comportamento econdmico, a racionalidade como postulado de conduta, a definicdo do prego de equilibrioe @ relagio oferta/procura e a andlise do funcionamento do siste- (A propésite de A. Weber, D. Gregory escreveu uum im- portante estuda sobre o contexto da ‘producao da teoria da localiza- Industrial ¢ da obra cociologiea do seu autor (Gregory, 1961). Ver fambém Gregory, 1978: 19 ¢ 40, 54 Anténio Gama ma de mereado sfo as referéncias mais importantes no estudo de W. Christaller (Denis, 1978). ‘As questées de tempo e do espaco, inicialmente descura- das, so diferentemente desenvolvidas pelos economistas mar ginalistas. O elemento tempo é objecto de atencio por parte de E. Bohm-Bawerk do sueco G. Cassel, em cujos estudos W. Chris- taller se baseou para a discussio dos aspectos dinamicos da teoria dos lugares centrais (Christaller, 1967) elemento espago tinha j4 uma tradigfio antiga na eco- nomia, a economia espacial. A sua influéncia é relevante. E a um economista contemporaneo da economia clissica e, 20 mes- mo tempo, percursor da economia marginal, J. H. von Thit- nen (*), que a tradicdo econémica alema deve um dos princi- pais contributes teéricos. A sua influéncia em Christaller & im- portante, assim como noutros autores que se preocuparam com temas de espacializacdo da economia, como por exemplo Alfred Weber, autor de uma teoria de localizacdo industrial, (Gregory, 1978 € 1981), a que j4 aludimos. Além destas, ha que assinalar também as investizacées sobre os aspectos espaciais da econo- mia de Bernhard Harms e 0 seu grupo de Jena (Christaller, 1967: 5-6) que serviram de referéncia para o estudo dos luga- res centrais (*) ‘A dimensao espacial do povoamento implicava uma preo- cupacio de geometrizacdo espacial ¢ uma fundamentacio empi- rica com recurso ao uso do método estatistico, Nao fazendo destas senao instrumentos metodolégicos secundarios, Christaller de- Tineia_uma orientacfio metodolégica especifica. Com a geome- trizacdo a que recorreu abre caminho ao desenvolvimento da anélise espacial. ‘Ainda e de forma complementar fez uso do método his- t6rico e do método «geografico> apenas para situacdes particula- res e especificas, tais como explicacoes de caracter local, rege tando-os como metodologia principal (Christaller, 1966; Raci ne, 1974). () Sobre a teoria de J. H. von Thiinen ver o artigo de A. Gama, Graga Santos e Iva Pires, «Anilise espacial de uma transfor~ magio da agriculturas, Revista Critiea de Ciencias Sociais 7/8, (®) “A este centro perteneew A. Lésch que produzity um estudo Die Riumtiche Ordnung der Wirtschaft (1940) em muitos aspectos idintico ao de W. Christaller (Lisch, 1954; Beavon, 1978; Gregory, 1978: 40). A Teoria dos Lugares Centrais 55 Da exposi¢ao que fizemos, sobre a obra de W. Christaller Os Lugares Centrais no Sul da Alemanka e a sua teoria dos lugares centrais, ressaltam trés aspectos prineipais: 1) uma me- todologia inovadora nos estudos geogréficos; 2) uma teorizacao para a geografia humana com base na teoria e econémica; 3) uma ruptura teérica com as tradigdes anteriores. Uma primeira liclo a tirar dos estudos de W. Christaller diz, respeito 4s questdes metodolégicas. A sua reflexio sobre a distribuiggo do povoamento afirma-se como inovadora ao adop- tar <0 método econdmico», claborado pelas correntes margina~ listas da economia, combinado com os fundamentos metodolé- gicos da sociologia weberiana. Esta tentativa de integrar as diferentes contribuigdes metodolégicas orienta-se de modo a acentuar unilateralmente a focagem do real. A deducio assu- mia neste processo um papel fundamental em contraposicao a0 indutivismo das priticas metodolégicas de grande parte dos gedgrafos seus contemporineos. Por consequéneia «devia re- geitar 20 mesmo tempo a pesquisa histériea e 0 método esta- tistico. As estatisticas por si sé néo podiam pretender dar a prova légica, a no ser que as rernlaridades empiricamente descobertas obedecessem a leis auténticas. enauanto a histiria no podia sendo conduzir a pér em evidéncia casos particula- res» (Racine, 1974). ‘Um segundo aspecto refere-se & teorizarfio proposta. Na geografia humana surge pela primeira vez uma teoria com fun- damentos na economia. As configurardes espaciais de povoa- mento passavam a partir de entio a dispor de um modelo te6- rico, gragas 20 qual se ultrapassavam os imnasses pxplieativos das abordagens anteriores. De um ponto de vista da anélise do espaco de tipo funcional, a teoria dos lugares centrais surgia como a mais plausivel de apresentar uma validade na compreen- so do povoamento. Mas, para Christaller, a teoria possuia uma ‘evalidade completamente independente da realidade> (Chris- taller, 1966: 4). Nao tendo por si s6 outra virtude além da sua logica propria, esta podia ser confrontada com a realidade de modo a julgar em que medida esta correspondia a teoria, em que medida era explicada por ela e em que aspectos nao cor- respondia & realidade. Os factos inexplicatos deviam entiéo ser , comu- Inicaeao apresentada ao II Coléquio Thérico de Geogratia, Lis boa 1980 (em publicacio) Gama, A., Santos G., Pires, I (1981), «Anélise Espacial de uma Trans- ‘ormacdo da Agricultura», Revista Critica de Ciéncias Sociais, 7/8 Gaspar, J, A Area de Influéneia de Evora, Lisboa, 1972, Gémez’ Mendonza, J, Munoz Jimenez, J. ¢ Ortega Cantero (1992), EL Pensamiento Geogréfico, Madrid, Alianza, Gould, P, (1978), The Augean Period, (policopiado), 58 Anténio Gama Gregory, D, (1018), Ideology, Science ond Human Geography, Lon ddves, Hutchisison. Gregory, DB. (1081), «Alfred Weber and Location. Theorys, in D. R. Stoddart (org), Geography, Ideviogy and Social Concern, Oxtord, B. Blackwell. Haggett, P. (1909), Locational Analysis in Human Geography, Lon dies, Arnold, Harvey, D. (1989), Explanation in Geography, Londres, Arnold. Hisnard, H., Racine, J.B. Reymond, H. (1981), Problematiques de ta ‘Géogrophie, Paris, ‘PUP. 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