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oa. @. Se? K88n__Kozinets, Robert V ‘Netnografia : real Kozinets ; traducdo: Daniel ‘Tosi, Rail Ranauro Javales Jtinior 203 p. ; 25cm. lizando pesquisa etnografica online / Robert V. 11 Bueno ; revisdo técnica: Tatiana Melani ~ porto Alegre : Penso, 2014. ISBN 978-85-65848-96-1 1, Pesquisa cientifica. 2. Pesquisa de observacao. 3, Etnografia. 4, Internet. 5. Netnografia. I. Titulo. CDU 001.891.7 Catalogagio na publicagéo: Ana Paula M. Magnus - CRB 10/2052 Pesquisando eri Zo RSbi ey ——________— Este capitulo oferece uma andlise geral de alguns dos métodos usados para examinar diferentes aspectos das comunidades e culturas online: levantamentos, entrevistas, didrios, grupos de foco, andlise estrutural de redes e etnografia. Compara-se o foco e o ambito de pesquisa de cada mé- todo. Diretrizes centradas em perguntas ajudam o pesquisador a integrar essas abordagens umas com as outras e coma netnografia. Palavras-Chave: Etnografias de comunidades e culturas online, etnografia, pesquisa na internet, _grupos de foco online, entrevistas online, didrios online, métodos de pesquisa online, levantamentos online, andlise estrutural de redes EE ea CONSIDERANDO A ESCOLHA DO METODO. ‘Uma das escolhas fundamentais que todo pesquisador pode ter que fazer refere-se a qual método utilizar. Na academia contem- pordnea, os pesquisadores podem apegar-se a determinadas técnicas quando decidem ingressar em determinados campos acadé- micos, trabalhar com determinadas cadeiras ow orientadores de pés-graduacAo, ou publi- car em determinados periédicos. Isso é la- mm © $B 46 ROBERT V. KOZINETS, mentavel. Contudo, a profundidade de co mhecimento e a habilidade necesséria para muitos desses campos especializados exige que alunos ¢ profissionais foquem seu co- nhecimento e atencao. ‘Uma das primeiras escolhas importan- tes que o pesquisador precisa fazer € se vai utilizar uma abordagem quantitativa, uma abordagem qualitativa, ou uma abordagem que usa métodos mistos. Creswell (2009) complica a divisio perfeita entre pesquisa qualitativa e quantitativa. Considere que os dados conversacionais que fluem por meio da internet so compostos de varios bits numé- ricos percorrendo fios entre varios servidores distantes, e que a codificacdo de substantivos e verbos nesses dados converte, com relativa facilidade, palavras qualitativas a um formato passivel de leitura por maquina, formato es- te que é facilmente quantificado ¢ analisado como dados quantitativos. Creswell (2009, p. 4) afirma que a principal diferenca entre es- sas abordagens é que a pesquisa qualitativa 6 titil para explorar e compreender significa: dos, ao passo que a pesquisa quantitativa é ‘usada para testar teorias examinando as rela- oes entre varidveis mensurdveis. Entretanto, Sudweeks e Simoff (1999, p. 32) questionam. “essa dicotomia qualitativo-quantitativo per- feita”, argumentando que “cada metodologia tem seu préprio conjunto de custos e benef cios, principalmente quando aplicada a pes- quisa na internet, e que € possivel trazer & to- na e combinar as virtudes de cada uma com determinadas variaveis de interesse”. E esse processo de combinacao entre abordagens & questdes que deve interessar os pesquisado- res netnograficos, e que ser4 o principal tema deste capitulo. © conselho norteador aqui é que seu método de pesquisa deve ser diretamente | © que deve determinar o métode de pesquisa online que vocé usa? Y Métodos devern sempre ser guiados pelo foco de pesquisa e pelas questoes de pesquisa. 7) Combine 0 tipo de dados que vocé precisa com o tipo de questao que est tentando responder: Utilize a abordagem metodolégica mais adequada para o nivel de analise, construtos e tipos de dados. relacionado para fornecer dados ¢ anilise capazes de responder a questo de pesqui- sa que voce quer investigar. O método que vocé escolhe para fazer sua pesquisa deve depender da natureza e do Ambito de sua questo. Em um campo novo e em constan- te transformacao como o dos estudos da in- temet, técnicas qualitativas podem ajudar a desenhar (ou redesenhar) 0 mapa de um terreno novo ou em répida transforma¢ao. Essas técnicas também podem ajudar a di- zet aos futuros pesquisadores quais sto os construtos e relaces mais interessantes. A medida que o pensamento torna-se mais de- senvolvido sobre alguns desses tépicos, and- lises quantitativas e mais confirmatérias ge- ralmente séo empregadas para aprimorar 0 conhecimento do modo como esses peque- nos conjuntos de construtos se inter-rela- cionam. Contudo, em qualquer ponto desse proceso, a pesquisa qualitativa pode “agi: tar as coisas” questionando definicoes, reo- peracionalizando construtos ou introduzin- do novos construtos e relagées ignoradas. Meu conselho geral aos estudiosos ler em uma drea de conhecimento que se- ja do seu interesse, familiarizando-se com ‘0s construtos e teorias em uso. Simultanea- mente, mantenha-se sintonizado com deter- minados fenémenos da vida real 0 maximo que puder, Pergunte a si mesmo: quais teo- rias ou construtos se encaixam ou nao nesse mundo social real que eu vejo e experimen- to? A partir disso, vocé tera alguma direcio sobre os tipos de questdes de pesquisa que Ihe interessam. As explicagGes a seguir, jun- tamente com outros textos metodolégicos, 0 ajudarao a discernir o tipo apropriado de dados que voce precisa. A coleta e a andlise desses dados, e sua posterior conversdo em ‘uma resposta para sua questéo de pesqui- sa, exigirfio que vocé adote uma metodolo- gia de pesquisa rigorosa e legitima. ‘Muitos métodos so complementares & netnografia. A netnografia, como sua irma mais velha, a etnografia, é promiscua, Ela se apega e incorpora uma imensa variedade de diferentes técnicas e abordagens de pesqui- sa. Assim, comparacao e contraste néo sio necessariamente um sinal de concorréncia. A despeito do que alguém possa Ihe dizer, uum método de pesquisa nao pode ser ine- rentemente superior a outro. Ele sé pode ser melhor para estudar um determinado fend- meno ou responder a determinados tipos de questdes de pesquisa. LEVANTAMENTOS Levantamentos podem ser usados para in- formar uma série de questdes importantes sobre comunidades e culturas online. Eles tém sido titeis para fornecer uma visao geral da rea das comunidades online, a partir da qual podemos discernir padrdes em ampla escala. Uma vez que categorizacées e cla sificagdes adequadas tenham sido feitas, le- vantamentos podem ajudar a compreender quéo populares e mesmo quao validas es- sas categorizacdes poderiam ser. De modo semelhante, levantamentos podem nos di- zer muito sobre as atividades das pessoas em comunidades online, e também sobre 0 modo como sua comunidade ¢ suas ativida- des culturais influenciam outros aspectos de suas vidas didrias. Também podem ser usa- dos apés entrevistas online para confirmar ou verificar determinados tipos de entendi- ‘mento local. Quantas pessoas lem blogs? Quantas usam comunidades online para aprender so- bre um hobby? Com que frequéncia as pes- soas se conectam com suas comunidades? Todas essas questdes exigem pesquisa por Ievantamento. ‘A aplicagao de levantamentos usando paginas da internet ou outros formatos on- line é chamada de método de levantamento online. Tais métodos cresceram rapidamen- te na tiltima década (Andrews et al., 2003; Lazar e Preece, 1999). Praticamente partin- do do zero, tornaram-se os principais méto- INETNOGRAFIA 47 dos para investigar uma ampla variedade de questées sociais. Sao uma excelente forma de obter um determinado tipo de compreen: so sobre comunidades e cultura online Existem dois tipos de levantamentos online que se destacam nessa discusso. Primeiro, sao pesquisas que tratam de t6picos de co- munidades online, e nos revelam aspectos dessas comunidades e da cultura online. Se- gundo, so levantamentos que tratam de ou- tros t6picos nao diretamente relacionados a essas comunidades ou culturas virtuais, mas que estudam t6picos relacionados aos mem- bros de uma comunidade online. Primeiramente, vamos conversar so- bre o segundo tipo, mais geral, de pesqui- sa online, Enquanto a pesquisa tradicional por correio ou telefone excluia muitos pes- quisadores potenciais das coletas de dados em grande escala (Couper, 2000), levan- tamentos online séo muito mais acessi- veis ¢ faceis de usar. Por exemplo, o servi- go SurveyMonkey.com é simples de montar é usa, assim como inclui, um grupo pron- to de participantes. Atualmente, 0 servico também pode ser utilizado gratuitamente por estudantes ou outras pessoas que tra- balhem com amostras de pequena escala. Ele tem sido muito popular entre alunos de meus cursos, Outros sistemas e empresas de levantamento online populares incluem Surveywiz, SurveyPro, SurveySaid, Zoome- rang e WebSurveyor; porém, existem mui- tos outros. ‘Uma pesquisa com levantamento onli- ne pode ser muito econdmica quando com- parada com pesquisas por correio (Weible e Wallace, 1998). Um estudo de Watt (1999) demonstra, inclusive, que 0 custo por entre- vistado pode diminuir muito 4 medida que 0 tamanho da amostra aumenta, algo que néo acontece com nenhuma outra forma de le- vantamento. Em termos de preciséo, a pes quisa até aqui indica que os resultados de levantamentos online parecem nao diferir significativamente dos resultados de pesqui- sas postais, mas oferecem fortes vantagens no tempo de distribuigéo e devolueao (An- drews et al., 2003; Yun e Trumbo, 2000). Tais levantamentos online sao singula- res, Eles tém caracteristicas distintas - tais como suas propriedades tecnolégicas, as ca- 48 ROBERT V. KOZINETS racteristicas demogréficas particulares dos grupos que eles pesquisam na internet € os padrées particulares das respostas dos en- trevistados. Essas caracteristicas sem par al- teram o modo como os desenvolvedores de Ievantamentos devem formular suas per- guntas, quando os levantamentos podem ser usados, como envolver pessoas que nao res- pondem ou os “observadores” da internet, ‘como analisar os resultados adequadamente (Andrews et al., 2003; Sohn, 2001). Os Pew Internet Reports (2001) sao conjuntos de dados que nos ajudam a com- preender o universo de répidas transforma- (Ges da atividade online. Eles so os resulta- dos de pesquisa com levantamentos. Muitos pesquisadores interessados na feicao geral da intemet e suas culturas e comunidades online empregam esses dados. Eles os utili- zam para compreender a frequéncia, a po- pularidade e as mudancas nas atividades das pessoas em suas interagdes e comuni- cagées online, usam blogs ¢ utilizam ferra- mentas de tecnologia social. Esses estudos baseados em levantamentos também eluci- dam padres interessantes de uso por dife- rentes grupos demograficos, tais como ho- mens e mulheres, diferentes racas e grupos Etnicos e diferentes idades e coortes gera- cionais. De modo andlogo, levantamentos repetidos de grupos virtuais, tais como The Digital Futures Project (2008) slo titeis co- mo estudos de rastreamento que nos per- mitem discernir as mudancas nos padrées gerais de uso das comunidades online. A Forrester Research também faz, levantamen- to de informacoes para formar seu “Per- fil Tenogréfico Social”. Esse perfil nos aju- da a compreender as “atividades pessoa a pessoa” que transparecem no grande nti: mero de comunidades online disponiveis (Li e Bernoff, 2008, p. 41). Por exemplo, eles constataram que o maior grupo de pes- soas envolvidas com este tipo de comunida- des online sao “expectadores”, que espiam, lem e usam as postagens em comunidades eletrénicas. A categoria dos espectadores abrange 48% dos norte-americanos adul- tos online, dois tercos dos adultos japone- ses online e dos habitantes das grandes ci- dades chinesas, e 37% dos europeus adultos online (Li e Bernoff, 2008, p. 45). Eles tam: bém constatam que existe um consideré: vel niimero de “criadores” que publicam um blog ou um artigo online ao menos uma vez por més, editam sua prépria pagina na in- ternet, ou publicam videos, podcasts ou ar- quivos de dudio em sites como 0 YouTube. De acordo com o Forrester Research, 18% da populacao online adulta nos Estados Uni- dos, 10% dos adultos europeus ¢ incriveis 38% dos sul-coreanos sao criadores, as espi- nhas dorsais de muitas comunidades online (Lie Bernoff 2008, p. 41-42). Essas estatis- ticas mundiais obtidas com levantamentos reforcam a natureza disseminada da partici- pacdo em comunidades virtuais. Levantamentos sobre o universo da cul- tura e das comunidades online fornecem res- postas para questdes sobre adocéio, padrées de uso, preferéncias de uso e dados demo- graficos. Para obter uma visdo global do fe- némeno, comparar 0 comportamento de uma comunidade ao de outras comunida: des, conversar sobre constituintes demogr ficos, fornecer estimativas numéricas da po- pulacéo, ou influenciar, ou fornecer, outras informacdes comparativas, um neindgrafo pode precisar incorporar dados e andlises relacionados a levantamentos. Levantamen- tos online so, portanto, bons para pesquisa em culturas e comunidades online em que se quer: ¥ tirar conclusdes sobre o uso de comunida- des eletrénicas que sejam representativas de uma determinada populacao; ¥ tirar conclusdes sobre mudancas nos pa- drdes do uso de comunidades eletronicas; ¥ compreender atitudes expressas sobre comunidade online; ¥ obter uma ideia das correlaces entre diversos valores, tais como dados demo- grificos, atitudes e uso de comunidade online; ¥ obter descrigées retrospectivas sobre 0 que os membros de comunidades online recordam-se sobre suas acdes; ¥ obter uma ideia das atitudes e opinides das pessoas sobre as comunidades online; ¥ obter um senso das atitudes e opiniées das pessoas sobre as comunidades online; ¥ aprender sobre as representagées das pessoas sobre o que fazem, ou pretendem fazer, em relagiio a sua comunidade e atividade cultural online. Levantamentos online e de outros ti- pos podem ajudar a responder questées de pesquisa sobre culturas e comunidades vir- tuais como: Y Quantas pessoas ao redor do mundo par- ticipam em comunidades online? ¥ Os homens participam mais em comuni dades do que as mulheres? Quais so as atividades mais populares em comunidades online? Quantas pessoas na Finlandia se conectam a um universo virtual diariamente? Quanto tempo os adolescentes passam usando correio eletrOnico versus websites de redes sociais? ¥ Quantas pessoas planejam conhecer pessoalmente alguém que conheceram por meio de uma comunidade online no préximo ano? Sass Levantamentos nao sao especialmente apropriados para pesquisas que devem: Y explorar um novo tépico de cultura ou comunidade online sobre 0 qual pouco se sabia anteriormente; ¥ explorar uma comunidade ou cultura online cujas caracteristicas vocé néo compreende, ¢ na qual desconhece as questdes relevantes a perguntar; ¥ compreender o que as pessoas realmente fizeram ou disseram no passado; ¥ obter revelagdes sem retoques (P. eX., ComScore (2001) relata que os entrevis- tados em levantamentos online superes- timam de maneira consistente e drastica © quanto compram online); ¥ especificar com preciso as relacbes ou estruturas comunitarias; ¥ obter uma compreensao profunda do ponto de vista de outra pessoa; ¥ aprender 0 modo peculiar com que a linguagem e as praticas sao usadas para manifestar cultura; NETNOGRAFIA, 49 v exibir uma compreensio complexa e sutil de um fendmeno, cultura ou comunidade. ENTREVISTAS E METODOS DE DIARIOS Em um n{vel mais basico, uma entrevista € uma conversa, um conjunto de perguntas ¢ respostas entre duuas pessoas que concordam que uma delas assumird o papel de pergunta- dor e a outra o de respondedor. A tinica dife- renga entre uma entrevista online e uma en- trevista face a face é que aquela ocorre com a ‘mediacao de algum aparelho tecnolégico. 0 que, contudo, é uma grande diferenca. No mundo fisico, 0 t6pico da entrevista estd to entrelacado com a conduta da etno- grafia que os dois séo praticamente insepa- raveis. Assim ¢ também com a netnogra- fia e a entrevista online. A entrevista online tomou-se principal elemento da pesquisa netnogréfica, presente como parte do méto- do desde os primeiros trabalhos nesse cam- po (p. ex., Baym, 1995, 1999; Correll, 1995; Kozinets, 1997b, 1998; Markham, 1998). Neste capitulo, ofereco um apanhado geral da conduta de entrevistas aprofundadas on- line. Embora, como veremos nos préximos capitulos, seja possivel conduzir uma netno- grafia exclusivamente observacional, a pos- tura de observacéo participante recomen- dada com frequéncia exige um componente de entrevista (online ou nao). Bruckman (2006, p. 87) opina que “entrevistas online tam valor limitado” e afirma que entrevis. tas face a face ou telefénicas oferecem mui to mais compreensdo. Embora eu concor- de que entrevistas sincrénicas, baseadas em texto por meio de bate-papo eletronico ten- dam a oferecer uma interagéio muito limita- da, além de apressada e superficial, acredito que outros meios eletrénicos como correio eletrénico, e, evidentemente, conexdes de dudio e atidiovisual, so extremamente va- liosas (ver Kivits, 2005). O Capitulo 6, que examina os métodos de coleta de dados net- nograficos, apresenta uma discusséo deta- Ihada e um conjunto de diretrizes para aju- dar a planejar e conduzir entrevistas Entrevistas online tém_tradicional- mente sido prejudicadas pela falta de iden- 50 ROBERT V. KOZINETS tificadores individuais e de linguagem cor- poral. Com quem, exatamente, eu estou falando? Sem alguma forma de contextuali- zar os dados sociais e culturais além do fato patente do encontro online, os dados podem set dificeis de interpretar. Esse desafio inter- pretativo pode significar que a utilidade dos dados para compreenséo de outros contex- tos culturais ¢ sociais esté em questo. Nos Capitulos 6 e 7, discutimos essas questées e provemos algumas estratégias para lidar com elas. Conduzir uma entrevista por meio de seu computador significa que suas comuni- cagées serao moldadas pelo meio que voce utiliza. Estudos que procuram compreender © impacto subjetivo da conectividade da in- tenet também podem coletar documentos dos participantes de pesquisas. Esses docu- ‘mentos com frequéncia tomam a forma de didtios ou periédicos em que participantes registram, diariamente ou mesmo de hora em hora, eventos, reflexdes, ou impressoes de experiéncias. Por exemplo, Andrusyszyn e Davie (1997) descrevem o estudo de tex- tos periédicos interativos que eles realiza- ram online. O formato eletronico de redacdo de petiddicos ou ditrios apresenta diversas vantagens intrinsecas. Os participantes po- dem ser lembrados ou estimulados automa- ticamente para fazerem suas contribuigdes. Estas podem ser salvas também de maneira automatica. Além disso, os participantes po- dem fazer registros em seus didrios de uma maneira que € mais facil de ler do que pe- la escrita manual, ¢ em um formato de texto legivel por computador. Muitas das vanta- gens das entrevistas online também podem estar ligadas ao fato de que 0s dados sto oriundos de didtios ou registros eletrénicos. Dependendo de seu foco de pesquisa, voeé pode precisar ou nao do tipo de com- pteensio pessoal detalhada, aberta, descri- tiva e reflexiva que pode ser obtido a partir de didrios ou entrevistas aprofundadas. Go- mo no caso da etnografia pessoal, uma sim- ples conversa in situ, ou um rapido inter- cAmbio de informacoes, pode ser suficiente para informar sua questao de pesquisa. Co- ‘mo no caso de pesquisas em geral, o tipo recomendado de entrevista seré determi- nado pelo tipo de dados necessérios. Para 0 tipo de compreensdes culturais sutis de grupos sociais online que geralmente sao 0 objetivo em uma netnografia, a entrevista aprofundada geralmente ¢ 0 método de es- colha. A maioria dos etnégrafos online em- pregou técnicas de entrevistas em profun- didade em estudos culturais, antropologia e sociologia ‘As entrevistas em profundidade permi- tem aos pesquisadores netnograficos alarga- rem sua compreensio do que observaram online, Por exemplo, pode-se tentar com- preender a situacdo social do membro da cultura — sua idade, género, nacionalidade, orientagéo émnica, orientacéo sexual e assim por diante - ¢ como isso influencia sua par- ticipacdo em comunidades online, e de que maneita € influenciado por elas, caso seja. Entrevistas em profundidade também per- mitem que 0s netndgrafos questionem a re- Jacdo entre atividades comunitérias online e outras atividades sociais na vida do membro da comunidade, Dessa forma, pode-se dese- nhar um retrato mais completo do papel da comunidade virtual na vida inteira da pes- soa - online e longe do computador. Entrevistas em profundidade online sfo adequadas para pesquisa em culturas e comunidades virtuais em que € preciso ¥ trazer a tona uma compreensio subjetiva detalhada da experiéncia vivida pelos participantes de uma comunidade online (o que é chamado de compreensao “feno- menolégica”); Y aprofundar a compreensao da relacao entre a situacdo sociocultural tinica de 1uma pessoa e suas atividades ou compor- tamentos em uma cultura ou comunidade online; ¥ obter um senso subjetivo detalhado e fundamentado da perspectiva e do senso de significado de um membro de uma comunidade eletrénica; ¥ ouvir as recordagdes ¢ interpretacdes de eventos das pessoas. Entrevistas online podem ajudar a res- ponder perguntas de pesquisa sobre cultu- ras e comunidades virtuais, como: ¥ Comoas pessoas se relacionam e aplicam as informacées que adquirem nas comu- nidades online em suas vidas didrias? Y Quais sao as metéforas mais comuns que 05 noruegueses usam para compreender a cultura online? ¥ Como 0s membros da familia experi- mentam 0 comportamento de seus entes queridos em comunidades online? ¥ Como as pessoas usam suas conex6es onli- ne para moderar seus estados emocionais durante o dia? ¥ Como as narrativas sobre as relacdes online se relacionam com importantes tépicos de cuidado da satide nas vidas das pessoas? ¥ Que impacto as historias que pessoas ouvem em comunidades online tém no modo como elas se relacionam com seu cOnjuge? Entrevistas nao s4o necessariamente liteis quando voc8 quer: a tirar conclusdes que sejam representativas de uma determinada populacao; ¥ tirar conclusdes que sejam generalizdveis a outras populacées; ¥ compreender 0 que realmente aconteceu em determinados lugares; ¥ compreender as relagdes causais entre eventos; ¥ quantificar relagdes, GRUPOS DE FOCO Quando uma entrevista é conduzida em um formato de grupo, este com frequéncia é chamado de grupo de foco. Grupos de foco so uma forma popular de pesquisa qualita- tiva usada para reunir rapidamente opinides e perspectivas, como dados para tomada de decisao industrial ou governamental. As in- teracGes grupais dindmicas dentro de um grupo de foco criam desafios para mode- radores bem como achados de pesquisa in- teressantes, podendo também criar uma atencao artificial aumentada para um deter- minado tdpico de pesquisa. NeTNocRAFIA 5S I Entrevistas online com grupos de fo- co tornaram-se populares nos tiltimos cin- co anos. A razao pode ser identificada no resumo do método apresentado por Mann e Stewart (2000, p. 125): “o grupo de fo- co online é um mecanismo eficiente e alta- mente econémico para coletar dados deta Ihados e em grandes quantidades”. O meio online também oferece ao moderador do grupo de foco nova flexibilidade. A sessio do grupo de foco pode ser espalhada no tempo, misturada culturalmente, dispersa- da geograficamente, ou organizada usan- do qualquer combinacao desses fatores. Os membros do grupo de foco podem ver ‘uns aos outros ou nao. O grupo pode ser moderado para prevenir que uma ou duas pessoas dominem a sess4o (como acontece com frequéncia em ambientes face a face), ou nao. Em uma exposigéio inicial, Gaiser (1977) considerou algumas das oportuni- dades de inovagao metodolégica com gru- pos de foco online. Um grupo conduzido por meio de software de teleconferéncia foi anunciado como uma das principais ten- déncias no desenvolvimento de grupos de foco (Greenbaum, 1998) e os procedimen- tos para conduzi-los foram aprimorados por um ntimero de empresas de pesquisa de marketing comercial. ‘A maioria dos estudos investigativos que utilizaram técnicas de grupo de foco empregou métodos assineronos, tais como quadros de aviso, em vez de métodos sin- crénicos (em tempo real) (Fox et al., 2007). E possivel que, nesse ponto, esses métodos comecem a matizar-se sutilmente um sobre © outro. Uma postagem assincrona de um conjunto de questdes para um grupo tam- bém é uma técnica comum na netnografia. Além disso, ela poderia ser muito semelhan- te a uma série de entrevistas pessoais em profundidade conduzidas de modo sequen- cial ou mesmo paralelo. A capacidade de conduzir sessdes de pergunta e resposta de modo assincrono com o grupo é, na verda- de, uma das marcas caracteristicas de mui- tas formas de comunidade online. Krueger (1994) sugere varios arquéti- pos de grupos de foco interessantes, tais como “o expert, o falante dominante, o participan- 52 ROBERT V. KOZINETS te timido, e 0 excursionista”. Contrastando seu trabalho online com diretrizes de gru- po de foco face a face de Krueger (1994), Hughes e Lang (2004) oferecem uma ga- ma de diretrizes metodolégicas titeis para grupos de foco online, e observam que co- municagées textuais tendem a assumir de- terminados padrées, tais como monélogos, repeticdes, ditos espirituosos, elaboracao de ensaios e desafios. Esses padrdes so mui- to familiares, e convergem com outras des- cricées de grupos de noticias ¢ féruns (ver, p. ex., Baym, 1999; Cherny, 1999; Jenkins, 1995; Kozinets, 1997a). ‘Outras conclusdes importantes sobre entrevistas de grupo de foco sincrénicas $80 que: 1. a fadiga em salas de bate-papo tende a se estabelecer depois de uma hora; 2. 0 férum online € mais apropriado para t6picos online do que fisicos, por exem- plo, para obter respostas a um novo site na internet do que para um novo telefone celular; 3. pode ser mais dificil garantir plena par- ticipacéo online do que em pessoa; 4. grupos online nao podem ser téo gran- des quanto grupos face a face, pois ‘mesmo cinco pessoas pode ser diffil de manejar; e 5, 0 método requer participantes tecnolo- gicamente capazes e habeis na digitacao que podem nem sempre estar disponi- yeis ou serem apropriados (Hughes e ‘Lang, 2004; Mann e Stewart, 2000). Diferente das entrevistas em profun- didade online, que seriam comumente usa- das, é provavel que exista menos ocasides em que entrevistas de grupo online servi- riam em uma abordagem netnografica. A netnografia tende a preocupar-se mais com as interagdes que ocorrem naturalmente em grupos online do que com as de gru- pos artificiais que séo reunidas por pesqui- sadores para 0 propésito de alguma inves- tigaco particular. Entretanto, grupos de foco online realmente tém seus papéis. Co- mo mencionado acima, tais grupos podem apresentar aos gerentes puiblicos ou corpo- rativos um modo econémico de obter uma compreensio oportuna de determinado t6- pico usando um orcamento estabelecido. Essa compreensio se basearia em quanti- dades significativas de dados qualitativos reunidos em um grupo de foco compost de individuos recrutados e especificos, ge- ralmente identificdveis Em uma netnografia, grupos de foco de participantes de comunidades existentes podem ser valiosos por duas raz6es princi- pais. Primeiro, membros da comunidade € da cultura online podem ser entrevistados em grupo — assim como individuos podem ser entrevistados individualmente. Eles po- dem ser usados para aprender sobre as nor- mas, as conveng6es, as histérias e os papéi dos membros de comunidades eletrénicas quando interagem online. Essa colecio de dados pode acontecer rapidamente, ¢ 0S Gados com frequéncia podem ser forneci- dos com significative detalhamento. Segun- do, eles podem ser entrevistados para com- preender como atividades online e offline esto relacionadas. Questées para 0 grupo de foco podem se ampliar e alargar nosso conhecimento da inter-relacao da comuni- dade online com outros grupos ¢ atividades sociais das pessoas, e o impacto de outros grupos e atividades sociais no que observa- ‘mos na comunidade e cultura online. Por se- rem administrados e “moderados”, 0s pro- cessos grupais de negociagao de significado nao podem substituir dados observacionais, mas s4o, sem chivida, um adjunto util. ANALISE DE REDES SOCIAIS Visao geral ‘Aandlise de redes sociais é um método ana- litico que focaliza as estruturas e os pa- drdes de relacionamento entre atores sociais em uma rede (Berkowitz, 1982; Wellman, 1988). Na anilise de redes sociais, existem duas principais unidades de andlise: “ no dos” (atores sociais) e “vinculos” (as rela- Ges entre eles). Uma rede é composta de ‘um conjunto de atores ligados por tm con- junto de lagos relacionais. Os atores, ou “no- dos”, podem ser pessoas, equipes, organiza- ges, ideias, mensagens ott outros conceitos. Os termos “vinculo” e “relacio” podem ser usados de forma intercambidvel para des- crever a ligagdo entre atores. Exemplos de ‘vinewlos incluiriam compartilhamento de in- formagées, transagdes econémicas, transfe- réncia de recursos, associagdes ou afiliagdes compartilhadas, relagdes sexuais, conexdes fisicas, compartilhamento de ideias ou valo- tes, e assim por diante (Wasserman e Faust, 1904). Um grupo de pessoas, conectadas por determinadas relacoes sociais, tais como pa- rentesco, amizade, trabalho conjunto, hobby compartilhado ou interesse comum, ou inter cambiando qualquer tipo de informacéo, po- de ser considerado uma rede social. ‘A anélise de redes sociais tem suas ba- ses na sociologia, na sociometria e na teo- ria dos grafos e na linha estrutural funciona- lista dos antropélogos de “Manchester, que se basearam nesses dois elementos para in: vestigar a estrutura de relagdes ‘comunité rias’ em sociedades tribais e aldeas” (Scott, 1991, p. 7). Assim, a andlise de redes so- ciais lida com dados relacionais e, embora seja possivel quantificar e analisar estatis- ticamente essas relacdes, a andlise de rede também “consiste em um corpo de medidas qualitativas da estrutura de rede” (Scott, 1991, p. 3). Existe, consequentemente, uma relacdo muito natural entre uma abordagem estrutural da etnografia, ou netnografia, ea abordagem de anilise de redes sociai Durante os tiltimos 30 anos, a aborda- gem da andlise de redes sociais em pesqui- sas cresceu rapidamente na sociologia e nos estudos de comunicacio, tendo se espalha- do para uma série de outros campos. Os analistas de redes sociais parecem descrever redes de relacdes da manei- ra mais completa possivel, extrair os padrdes proeminentes nessas redes, tracar o fluxo de informacées (e ou tos recursos) por meio delas, e desco- brir que efeitos essas relagdes e redes tém nas pessoas e nas organizagées. (Garton et al., 1999, p. 75) © sociélogo da University of Toronto, Barry Wellman (2001a, p. 2031), argumen- tou de maneira convincente que “as redes NeTNocRAFIA = 5S de computador so redes inerentemente so- ciais” e que, na medida em que as redes de computadores se proliferaram, vimo-nos em uma sociedade em rede que “tinha contor- nos indefinidos ¢ lagos frouxos". Wellman 6 considerado uma das figuras-chave, mas certamente no a tinica, sendo o pioneiro na aplicagao das abordagens de anélise de re- des sociais a5 comunidades e culturas onli ne que povoam a internet (ver, p. ex., Well- man et al., 1996). Examinando uma rede de computadores que conecta as pessoas como ‘uma rede social, as abordagens de redes so- ciais so amplamente aplicadas para ajudar a compreender a interacao entre redes de computador, comunicages mediadas por computador e redes sociais. A anilise de redes sociais ¢ estrutural. Sua unidade de analise & a relacao, ¢ 0 que ela descobre de interessante nas relacbes sao seus padrées, Existe, portanto, conside- ravel sobreposicao com certos tipos de net- nografia, que pode ser focada na cultura e em seus padrdes de significados e relagoes.* Analistas de redes sociais consideram os di- vversos recursos que s40 comunicados entre as pessoas em comunidades e culturas ele- trOnicas — estes podem ser textuais, gréficos, animados, de Audio, fotogréficos, ou audio- visuais, e podem incluir compartilhamento de informacdes, discussao de rumores rela- Gionados ao trabalho, compartilhamento de conselhos, provimento de apoio emocional, ‘ow provimento de companhia (Haythorn- thwaite et al., 1995). Os netnégrafos tam- bém consideram tais recursos, vendo-os co- mo fontes de significados e portadores de cultura. (Os netnégrafos nao precisam adotar técnicas de andlise de redes sociais em seus estudos. Entretanto, eles devem se familiari- zar, a0 menos em um nfvel basico, com téc- nicas, procedimentos e resultados investi- gativos gerais de andlise de redes sociais. Existem muitas oportunidades de sinergias entre a andlise estrutural de redes sociais e as andlises mais centradas no significa- do da netnografia. Oferece-se, a seguir, um apanhado geral breve da adaptacio e inte- gragéo das técnicas de redes sociais na ne- tnografia. O pesquisador interessado deve, evidentemente, consultar textos das fontes 54 ROBERT V. KOZINETS. talvez, outros pesquisadores familiarizados com essas abordagens antes de prosseguir. Os netnégrafos devem primeiramen- te entender que as relacées e os vinculos estudados pelas anélises de redes sociais resultam, de modo geral, em diferentes abordagens descritivas. A primeira exami- na essas relagbes da perspectiva “pessoal” ou “centrada no ego” de pessoas que esto no centro de sua rede. “Em um estudo de rede ego-centrado, faz-se perguntas 4. um conjunto de pessoas (selecionadas com ba- se em algum critério de amostragem) pa- ra gerar uma lista de pessoas (alters) que slo membros de sua rede social pessoal” (Garton et al., 1999, p.88). Por exemplo, em um questiondrio ou em uma entrevis- ta, as pessoas podem ser indagadas sobre a quem elas fariam uma pergunta pessoal e a quem elas poderiam fazer uma pergunta li- gada a lazer ou hobby. Essas perguntas po- dem ser limitadas a determinados grupos ou irrestritas. Estudos irrestritos podem re- velar as diferentes comunidades e grupos culturais dos quais determinadas pessoas extraem determinados recursos culturais e informacionais. Certamente é possivel coletar os dados sobre todas as pessoas com as quais alguém. faz contato online, mas existem “questées de codificagao e invasiio de privacidade” em relacdo a isso (Garton et al., 1999, p. 89). Embora incompletos, alguns desses dados estao publicamente disponiveis online. Per- fis piblicos de individuos - ou seus pseu- dénimos, ou dados de seus provedores de servigos ~ e suas postagens em grupos, co- mo os do Google, podem ser qualitativa e quantitativamente analisados para mostrar os diferentes tipos de grupos com os quais ‘as pessoas se relacionam virtualmente, a in- ter-relacdo de suas postagens, ¢ a natureza geral da rede pessoal ou egocentrada que se forma ao redor de qualquer pessoa que par- ticipa na cultura online. ‘A segunda abordagem descritiva, com frequéncia denominada abordagem de re- de integral, considera uma rede social in- teira com base em alguma definicao inves- tigativa particular dos limites daquela rede. Em uma netnografia, a fronteira de uma re- de social poderia ser 0 website onde a ativi dade cultural foi encontrada, ou onde a co- munidade definiu a si prépria, tais como os ‘grupos de noticias alt.coffee ou rec.arts.star- trek. Ou entao, as fronteiras da rede social poderiam estar focadas em torno de uma determinada atividade, interesse ou objeti- vo. Assim, por exemplo, a comunidade de conhecedores de café poderia ser estudada em muitos locais, incluindo paginas da in- ternet, grupos de noticias, listas de correio, restaurantes ¢ lojas, grupos de degustacéo de café, listas de assinaturas de revistas € espectadores que participam de programas de televisio a cabo. Poderiamos também imaginar estudar a comunidade de conhe- cedores de café como uma tinica rede intei- ra, e a comunidade como ela existe em lo- cais fisicos como outra rede inteira. Uma vez, que a consideragio das fronteiras de grupo & tao imprescindivel, a andlise netnogréfica pode ser extremamente titil para compreen- der a natureza das diversas comunidades e culturas sob investigago antes de medir a rede social. Em estudos de redes integrais, esta- mos interessados na identificagio das di- ferentes conexGes entre os membros de determinados grupos. Uma abordagem & investigar todo 0 grupo, ou uma amostra de pessoas em um grupo, sobre suas liga- Ges com outras pessoas especificas em tim dado grupo. Essas questées também podem ser automatizadas, por meio de um levan- tamento online administrado aos membros da comunidade, ou por meio de diversas téenicas de codificagéo ou rastreamen- to em rede que capturam “dados de con- tato online de-quem-para-quem dentro de um grupo” (Garton et al., 1999, p. 89). Is- so fornece uma representacao da estrutu- ra de relagoes, a qual revela conexdes bem como desconexées sociais. A abordagem de rede integral também ajuda os pesquisado- res a identificar as posicées relativas que os membros ocupam dentro de uma rede, além de sugerir a particao em subgrupos ou “panelinhas” dentro do grupo. Cada vinculo pertence, em seu nivel mais bsico, a diade formada entre dois ato- res. As relacées se referem aos recursos que so intercambiados, e estas relagdes podem ser caracterizadas por seu contetido, sua di- regio e sua forga. Os vinculos dos membros de comunidades eletrénicas podem incluir compartilhar uma fotografia, compartilhar ‘um link de um blog, intercambiar histérias, adicionarem-se como amigos em um websi- te de rede social, avisar um ao outro sobre um programa ou noticia interessante, ofe- recendo criticas, e assim por diante. Vincu- los fortes parecem incluir “combinacdes de intimidade, autoexposicio, fornecimento de servicos reciprocos, contato frequente e afi nidade, tal como se tem entre amigos prox ‘mos ou colegas” (Garton etal., 1999, p. 79), Muitas vezes, os vinculos serao altudidos co- mo fracos ou fortes. Em geral, uma vez que as definicdes de fraco ou forte variam con- forme o contexto, um vinculo fraco é aquele que é esporddico ou irregular, e tem pouca ligacéo emocional. Um exemplo seria o de pessoas que s4o visitantes do mesmo blog, ‘mas que nunca se comunicaram ou comen- taram sobre os comentérios uma da outra A forea dos vinculos pode ser operaciona- lizada dependendo do tipo de comunida- de, Pares podem comunicar-se com mais ou menos frequéncia. Eles podem trocar gran- des ou pequenas quantidades de informacéo ou bens; as informacdes que compartilham podem ser importantes ou triviais. Deve-se observar que esses julgamentos tendem a depender da situacao cultural dos atores so- Ciais ~ se a informagio ¢ importante ou ti- vial é uma determinacao cultural de valor. Existe uma faixa de unidades de ané- lise interessantes usadas em andlise de rede social. Para compreender as relacées cria- das por esses vinculos, a andlise de rede so- cial focaliza nas propriedades do relaciona- mento. Dois atores poderiam ter um vinculo baseado em uma tinica relagio - tal como pertencer & mesma lista de correio para dis- cusstio do American Idol. Esse par poderia também ter uma relagdo miltipla baseada em algumas relacdes diferentes, tais como trabalhar para a mesma empresa, viver na mesma parte de Nova Delhi, pertencer ao mesmo templo hindu, e ser um membro do mesmo grupo no MySpace dedicado 0 ka- raoké. Vinculos miltiplos sio mais apoia- dores, duradouros, voluntarios e intimos, € também siio mantidos por meio de mais f6- runs ou meios diferentes. A multiplicidade é NETNOGRAFIA 55 uma das propriedades dos vinculos sociais, assim como direcionalidade, reciprocidade forca e homofilia O nivel “diddico” & apenas um dos ni veis possiveis de andlise, A anélise de “trfa- des” e mesmo redes maiores, tais como as que compreendem comunidades online, en- volve a consideracao das propriedades es- truturais dessas redes, assim como as pro- priedades estruturais dos individuos dentro dessas redes. Uma medida importante na netnografia é a centralidade, esta revela os atores que podem ser os mais importantes, proeminentes ou influentes em uma rede. Existem diversos tipos diferentes de centra- lidade. A centralidade de grau considera os atores ativos mais populares em uma rede. Ela se concentra na medi¢ao de com quan- tos outros atores um determinado ator man- tém contato direto. A centralidade de ve- tor caracteristico mede quanto um nodo esté conectado com outros nodos que tam- ém estejam fortemente conectados entre si. A centralidade de vetor caracteristico re- fere-se mais ao poder e influéncia do que & popularidade. A centralidade de interposi- cdo mede a esfera de influéncia de um ator. Um ator central nesse contexto est ver- dadeiramente no meio das coisas. Quanto mais influéncia um ator tem sobre 0 fluxo de informacées, mais poder e controle ele possivelmente pode exercer (Wasserman e Faust, 1994). Finalmente, a centralidade de proximidade considera “o” alcance e a aces- sibilidade em vez de o poder ou a populari- dade” (Vam den Bulte e Wuyts, 2007). A andlise de rede social nos ajuda a aprender sobre como as redes sociais se ma- nifestam por meio da conectividade da rede de computadores. Haythornthwaite (2005, p. 140) observa como a mudanga tecnoldgi- ca esta se fundindo com o que ela chama de “mecanismos sociais”. As comunidades onli- ne parecem ser capazes de ajudar a inclinar vinculos latentes a vinculos fracos. Comu- nidades online e redes comunitérias tam- bém podem ajudar vinculos fracos a trans- formarem-se em vinculos fortes, 4 medida que pessoas nessas redes acrescentam, de par a par, novos tipos de conexées, tais co- mo encontrar-se pessoalmente, encontrar- -se sincronicamente online, ¢ adicionar cor- 56 ROBERT V. KOZINETS reio eletronico a suas discussées ptiblicas (Haythornthwaite 2005, p. 141). Um uso pratico é “formar vinculos fortes 0 suficiente entre estranhos para que eles envolvam-se ‘em comércio eletrénico” (Haythornthwaite 2005, p. 140), Desenvolver a confianca por meio de sistemas de reputagao, como 0 que a eBay usa para fornecer aos membros um feedback sobre transacies bem-sucedidas, ¢ um exemplo. Relacées de confianga, ligadas a vinculos fortes, também so relevantes pa- ra compreender e planejar a provisao online de muitos tipos de informagéo ptiblica. Ou- tros tsos incluem 0 manejo de ativismo so- cial e campanhas de base popular, tais co- ‘mo a campanha politica para Howard Dean ado presidente Barack Obama, ainda mais bem-sucedida. Coletando dados para andlise de rede social {As informages sobre redes sociais tém tra- ionalmente sido “reunidas por questio- nérios, entrevistas, didrios [e] observa- des” (Garton et al., 1999, p. 90). Cada vez, mais, elas também tém sido coletadas por monitoramento de computadores e di- versos outros métodos ~ tais como “mine- raco de dados” para capturar dados de redes de computadores publicamente aces- siveis, A maioria dos pesquisadores de re- de parece concordar que as melhores abor- dagens usam uma combinagao de métodos de coleta de dados. A captura automatiza- da pode levantar preocupagées sobre 0 ma~ nejo de dados, sobre a interpretagao des- tes, bem como preocupagdes em relacéo & privacidade. Embora seja uma questdo re- lativamente simples coletar informagoes, de forma rotineira, em redes inteiras ou subamostras de redes, essas preocupacées emergem na andlise de redes sociais, assim como acontece na netnografia. Muitas das sugestoes neste livro sobre questées relati- vas a coleta e andlise de dados e ética da pesquisa na internet, portanto, se aplicam igualmente a netnografia bem como & and- lise de rede social desse tipo. ‘A netnografia pode informar ¢ inter- -relacionar-se com a anilise de rede social de diversas formas importantes. Com suas ricas descricdes expansivas e situadas, a netnografia pode ajudar a posicionar um estudo de rede dentro dos limites de sua anélise, Ela também pode identificar nodos ~ sejam eles individuais, atividades, mensa- gens, grupos, ou algum outro “ator” social. ‘A netnografia pode ser usada para identi- ficar tipos de relacionamentos apropria- dos para se examinar mais a fundo. A net- nografia pode também ajudar a informar se anélises ego-centradas ou de rede intei- ra so apropriadas. Ela pode investigar os significados por tras das relacdes e vineu- los. Fla também pode ajudar a prover ex- plicagdes do tipo “por que” para uma sé- rie de caracteristicas, tais como relaces de poder e influéncia, varios tipos de vinculos sociais, € as aglomeracdes de subgrupos & panelinhas. De modo semelhante, a analise de redes sociais e suas ricas técnicas de vi- sutalizacéo podem elucidar, alargar e forne- cer ideias e evidéncias adicionais que aju- dem a revelar as propriedades e as relacoes que constituem 0 complexo mundo das co- munidades e culturas online. Existe, atualmente, uma grande quan- tidade de programas desse tipo de anélise Gisponiveis para ausiliar o analista de rede social. Alguns programas que s4o comumen- te usados para finalidades de pesquisa aca- démica incluiriam UCINet, KrackPlot, Pajek, ORA e GUESS. Existem muitos outros para finalidades comerciais e mercadolégicas. Es- ses pacotes de software podem ser usados para minerar dados relacionais da internet, extrat-los de bases de dados de diversos for- matos, ou geré-los a partir de levantamen- tos e questiondrios. Eles também so mui- to titeis para analisar dados relacionais ¢ fornecer visualizacdes de diferentes arran- jos de redes sociais. Welser e colaboradores (2007), por exemplo, usaram técnicas de andlise e visualizacdo para distinguir “pes- soas de resposta” — que predominantemente respondem perguntas postadas por outros — de “pessoas de discussiio” em comunida- des eletrénicas, € representar claramente 0 ‘modo como seus comportamentos foram re- presentados em redes sociais. Fournier e Lee (2009) usaram diagramas de tipos de redes sociais para sugerir que existem estruturas diferentes, mas complementares, em “co- munidades de marcas” baseadas em interes- ses e em consumo. Técnicas de visualizagées foram, inclusive, utilizadas para estudar co- munidades, redes ou conversas extrema- ‘mente amplas e difusas — até a prépria inter- net (ver Sack, 2002). Nas netnografias, esse software pode ser empregado para mapear as relagdes entre individuos, t6picos, sequ- éncias de mensagens, construtos ow ideias, valores, grupos ou comunidades. Ele pode ser usado para fornecer informacao adi nal e representagées visuais das estruturas sociais que operam em comunidades e cul- turas online. Em suma, a andlise de rede social com frequéncia é um complemento util da net- nografia e pode inclusive ser mesclada com um estudo netnografico. Ela é adequada pa- ra pesquisa em culturas e comunidades on- line em que vocé quer: ¥ aprender sobre a estrutura das comuni ‘cages de uma comunidade; ¥ discutir padroes de relagdes ou “vinculos” sociais; ¥ descrever diferentes tipos de relagées ¢ intercdmbios sociais entre membros de uma comunidade online; ¥ estudar os padres reais € 0 real contetido das comunicacées de comunidades eletré- nicas; ¥ estudar fluxos de comunicagio e conexao entre diferentes comunidades eletrénicas; ¥ estudar fluxos de comunicacao e conexio entte diferentes tipos de comunidades eletronicas; Y comparar estruturas de comunidade e flu- xos de comunicagao entre comunidades online e face a face. A anilise de rede social Ihe permitiré responder questdes de pesquisa como: V Qual éa estrutura das comunicagées nessa comunidade online? Quem esta se comu- nicando com quem? Quem se comunica mais? NETNOGRAFIA, 57 Y¥ Quais sao os comunicadores mais influen- tes nessa rede comunitaria eletr6nica? v Existe um grupo central e um grupo pe- riférico nessa comunidade particular? ¥ Quais so os diversos subgrupos nessa comunidade ou cultura? v v Como flui a informacao por meio dessa comunidade eletrénica especifica? Como a comunicagéo em um universo virtual difere de comunicagdes face a face em termos de quem a utiliza, e 0 que é comunicado? Y Quais siio os padres gerais de difuséio das informacées entre estas duas comu- nidades eletrénicas especificas? ‘A andlise de rede social em si no especialmente apropriada para estudos cujo objetivo seja: ¥ obter uma compreenséo detalhada e sutil da experiencia vivida pelos membros da cultura ou comunidade eletrénica; ¥ compreenderas priticas sociais e sistemas de significados relacionados dos membros da cultura ou comunidade eletronica; ¥ comunicar e comparar 0 modo peculiar como a linguagem é usada para manifes- tar cultura por meio de formagées sociais online. ETNOGRAFIA E NETNOGRAFIA Como detalharemos no préximo capitulo, a netnografia complementa e estende essas ou- tras abordagens de pesquisa. Nesta breve se- io, faremos um apanhado geral curto e con- trastaremos a etnografia com a netnografia. Como abordado nas secées anteriores, esse contraste é um pouco artificial porque muitas netnografias so conduzidas como parte de ‘uum projeto de pesquisa que combina diver- sas técnicas, Este capitulo procurou salientar os contrastes entre esses diferentes métodos. Mas o aluno e pesquisador deve saber que o mais importante é que outras técnicas e abor- dagens complementam e ampliam a nemo- grafia, Isso especialmente verdade em re- aco & etnografia em pessoa, ou face a face. 58 ROBERT V. KOZINETS Etografias face a face s4o extrema mente valiosas na pesquisa industrial e aca- démica, encontrando ampla aplicagéo em praticamente toda literatura e dominio de aplicacao de conhecimento, da medicina e enfermagem a economia, da arquitetura & ciéncia da computagio ¢ design, comporta- mento e contabilidade organizacional e, é claro, em estudos culturais, socioldgicos antropoldgicos. A pesquisa etnografica per- mite que 0 pesquisador adquira uma com- preenséo detalhada sutil de um fendmeno social, e depois capte e comunique suas qua- lidades culturais. Ela fornece um senso da experiéncia vivida pelos membros da cultu- ra, assim como uma analise fundamentada da estrutura do seu grupo, como ele funcio- na, e como ele se compara a outros grupos. Priticas sociais so cuidadosamente con- sideradas e sistemas de significado delica- damente analisados. Na “etnografia inter~ pretativa”, uma tinica frase ou evento pode ser analisada nos minimos detalhes, even- tos podem ser capturados por meio de um “olhar de voyeur” cinematico, colocados em um poema, ou trancados formando uma ri- tapecaria de quadros, imagens gréficas e textos relacionados (Denzin, 1997). A etno- grafia contemporanea oferece muitas opor- tunidades ricas ndo apenas de “escrever cultura”, como Clifford e Marcus (1986) di- riam, mas também de representé-la. Etografias “classicas”, face a face, de imersio completa, certamente nao séo féceis de conduzir. Elas demandam muito tempo e recursos. Por envolverem observacao direta dos participantes por parte do pesquisador, elas so inevitavelmente intrusivas. Quan- do comparamos etnografia em pessoa com grupos de foco face a face e entrevistas pes- soais, ndo hd dtivida de que os grupos de foco ¢ as entrevistas demandam menos tem- po, além de serem mais simples e faceis de conduzir, Em ambientes industriais, grupos de foco sao consideravelmente mais econd- micos do que etnografias realizadas profis- sionalmente. Isso explica, muito provavel- mente, por que estas sfio as técnicas mais populares. Entretanto, grupos de foco e en- trevistas — assim como levantamentos - sio muito conspicuos. As perguntas que fazem so preconcebidas e as situacdes em que co- locam os participantes so artefatos do de- lineamento de pesquisa. Os dados que eles produzem, entfio, devem ser vistos como um pouco artificiais e descontextualizados quando comparados com dados einogréfi- cos. A rica compreensdo que ela oferece po- de ser a razo pela qual a etnografia profis- sional é cada vez mais valorizada no mundo do gerenciamento de marketing, inovacéo de novos produtos, e design (Sunderland € Denny, 2007). Uma das principais vantagens da net- nografia é o fato de que ela, como a etno- grafia com a qual ela estd tao intimamen- te relacionada, é uma técnica naturalista. Em muitos casos, a netnografia usa as in- formacées publicamente disponiveis em f5- runs eletrénicos. Contudo, existem diferen- as que podem levar a algumas eficiéncias titeis. Em termos de tempo gasto fazendo es- colhas sobre campos de estudo, organizan- do apresentagdes pessoais, indo ¢ voltando de locais, transcrevendo dados de entrevis- tas e notas de campo escritas a mao, e as- sim por diante, a netnografia demanda mui- to menos tempo e recursos. A netnografia também tem o potencial de ser conduzida de um modo que é inteiramente inconspi- cuo, ainda que, como discutiremos no pré- ximo capitulo, essa seja uma opcao que le- vanta algumas limitagées no engajamento. Nao obstante, quando empregada de modo rigoroso, a netnografia pode proporcionar ao pesquisador uma janela para comporta- mentos que ocorrem naturalmente, tais co- mo discuss6es comunais, e depois realcar tal compreensAo com opgées mais intrusi- vas, tais como participagéio comunal ¢ en- trevistas com membros. Os etndgrafos em pessoa nao tém a opcao de espreitar inv: sivelmente, ou a possibilidade de recuar no tempo para rastrear com perfeicio conver- sas comuna A andlise das conversas de comuni- dades online existentes e de outros discur- sos na internet combina opgées que sao tan- to naturalistas quanto inconspicuas — uma combinacéio poderosa que distingue a net- nografia dos grupos de foco, entrevistas em profundidade, levantamentos, experimen- tos e etnografias em pessoa. A anélise de re~ de social também tem esse importante be- neficio: ainda que suas técnicas nao sejam capazes de prover uma compreensio cultu- ral ricamente texturizada, ela oferece, em seu lugar, uma compreensao estrutural. viata teres terra ee dem facilmente operar em harmonia umas com as outras. Os resultados de um tipo de estudo podem simplesmente e utilmente in- formar as questdes de pesquisa de qualquer ‘outro tipo de estudo. Por exemplo, um qua- dro netnogrdfico dos contornos e classifica- ‘ges de novas culturas e comunidades on- line informaré o trabalho de levantamento feito para confirmar e quantificar essas clas- sificacdes de diferentes tipos. Analogamen- te, assergées derivadas netnograficamen- te sobre a relagdo entre diferentes tipos de participacao de comunidades online e dife- rentes atitudes ou demografia podem ser es- tudadas com adicional trabalho de levanta- mento. RazGes causais, de nivel individual, extraidas das ricas cultura e construgéo da psicologia social podem ser organizadas pa- ra explicar alguns dos elementos observados nas relagdes em comunidades online. Essas hipéteses podem ser analisadas em experi- ‘mentos online. As estruturas sociais subja- centes a essas redes divergentes também po- dem ser analisadas usando andlise de redes sociais. Em conjungio umas com as outras, um retrato mais completo da natureza mul- tifacetada dos fendmenos online pode ser pintado. NETNOGRAFIA = 5D RESUMO O capitulo anterior revisou muitas novas teo- tias interessantes sobre as culturas e comuni- dades online. Este capitulo delineou e fez um apanhado geral de diversos métodos usados para produzir essas teorias: levantamentos, entrevistas, didrios, grupos de foco, andlise de rede social e etnografia. Existem oportu- nidades para integrar um ou varios métodos aos estudos que examinam as miiltiplas face- tas dos fendmenos de comunidades virtu: ‘As diretrizes ¢ comparagées metodolégicas gerais presentes neste capitulo prepararam © palco para a introdu¢ao pormenorizada da netnografia no préximo capitulo. Leituras fundamentais Garton, Laura, Caroline Haythornthwaite and Barry Wellman (1997) ‘Studying Online Social Networks’, Journal of Computer-Mediated Com- munications, 3 June), available online at: http:// Jeme.indiana.edu/vol3/issuel/garton.html/ Mann, Chris and Fiona Stewart (2000) Internet Communication and Qualitative Research: A Handbook for Researching Online. London: Sage Publications, ‘Welses, Howard 7, Eric Gleave, Danyel Fisher and Marc Smith (2007) ‘Visualizing the Signatures of Social Roles in Online Discussion Groups, Journal of Social Structure, 8, available online at: http://www. ‘emu.edu/joss/content/articles/volume8/Welser/ O método CP Meise uty WowROSUMO oe ‘A netnografia adapta os procedimentos etnogréficos comuns de observacio parteipante as contin- ¢ancias pecullares da interacio social mediada por computador: alteracio, acessibidade, anonimato ¢ arquivamento, Os procedimentos incluem planejamento, entrada, coleta de dads, interpretagio adesdo a padres éticos. Este capitulo explica a natureza e o papel da netnografia, comparando- wacom técnicas online e offline e explicando quando e como abordagens etnogréficas e netnograli- as devem ser associadas, ee eS Palavra-chave: anonimato, bricolagem, comunicagdes mediadas por computador, etnografia, métodos de pesquisa da internet, netnografia, pesquisa em comunidades online O PROCESSO DA ETNOGRAFIA E DANETNOGRAFIA Etnografia e netnografia devem trabalhar ‘em harmonia para iluminar novas questées nas ciéncias sociais, Entretanto, a forma em que essa coordenacio deve ocorrer tem si- do, até agora, duvidosa e confusa. Este capi- tulo procura aprofundar-se na relagfio entre etnogtafia e netnografia, e depois fornecer ‘um guia simples, mas flexivel, para a coor- denago de etnografia e netnografia. ‘0 que é etnografia, exatamente? Etno- grafia é uma abordagem antropolégica que adquiriu popularidade na sociologia, nos ¢s- tudos culturais, no marketing e na pesqui- sa de consumo, e em muitos outros campos das ciéncias sociais. O termo se refere ao ato de fazer trabalho de campo etnografico € as representagées baseadas em tal estudo. Dick Hobbs oferece uma defini¢éo convincente da etnografia como: um coquetel de metodologias que compartilham da suposicao de que 0 engajamento pessoal com o sujeito € fundamental para compreender uma determinada cultura ou ambiente so- cial. A observacio participante & 0 ‘componente mais comum desse co- quetel, mas entrevistas, andlise de conversacao ¢ discurso, andlise do- cumentéria, filme e fotografia, tém todos 0 seu espaco no repertério do cetnégrafo. A descricéo reside no ama- go da etnografia, ¢ independente de como essa descri¢ao seja construfda, € 0 intenso significado da vida so- cial a partir da perspectiva cotidiana dos membros do grupo que se busca. (2006, p. 101) A popularidade da etmnografia prova- velmente decorre de sua qualidade aberta em como do rico conteiido de seus resulta- dos. A sua flexibilidade permitiu que ela fos- se usada pot mais de um século para repre- sentar e compreender os comportamentos das pessoas pertencentes a quase todas as racas, nacionalidades, religides, culturas faixas etérias. Etnografias maravilhosas fo- ram realizadas sobre 0s estilos de vida locais de “tribos” ndo humanas, como as de gori- las, chimpanzés, golfinhos e lobos. Nas duas tiltimas décadas 0s etndgrafos mostraram-se cada vez mais preocupados com o reconhe- ccimento e a inflexdo de sua prépria reflexi- vidade como pesquisadores. Isso porque @ etmografia depende muito do que o antropé- Jogo John Sherry (1991, p. 572) chama de “acuidade do pesquisador como instrumen- to”. Boas etnografias sio criagdes dos bons etndgrafos. A natureza do empreendimento etnografico, sua técnica e abordagem, bem como sua necessidade de interpretactio st- til, metaforica e hermenéutica, rapidamente INETNOGRAFIA él torma transparente o nivel de habilidade re- térica do pesquisador. Embora a etnografia esteja intimamente relacionada com 0 es- tudo de caso e, como nestes, as etnografias construam um corpo de conhecimentos que seja abrangente ¢ comparivel, etnografias individuais tendem a nao ser utilizadas pa- ra oferecer generalizagbes universais. A et- nografia é fundamentada no contexto: ela estd imbufda e mescla os conhecimentos lo- cais do particular e especifico. ‘A etnografia é assim, uma pratica i trinsecamente assimilativa. Ela esté inter! gada a varios outros métodos. Damos a es- ses outros métodos aos quais ela esta ligada outros nomes: entrevistas, andlise de dis- curso, andlise literaria, semiética, videogra- fia, Eles tém outros nomes porque sao sufi cientemente diferentes da pratica geral da etnografia para requererem novas designa- ges exclusivas, Eles requerem novo treina- mento especial, Embora se relacionem a ob- servagio e & participacéo em comunidades e culturas, eles 0 fazem de modos particula- res, capturando dados de maneiras especifi- cas, determinados por padrées consensuais, especificos. Qualquer etnografia, portanto, jé éuma combinacao de miiltiplos métodos ~ muitos dos quais nomeados separadamente, tais co- mo entrevistas criativas, andlise de discurso, andlise visual e observagdes - sob uma desig nacéo. Sirsi e colaboradores (1996) conduzi- ram sua etnografia de um mercado de comi- da natural com uma série de experimentos de psicologia social, os quais usaram para compor um modelo de equacéo causal. Ho- ward (2002) ofereceu uma “etnografia de re- de” que aliava pragmaticamente uma andlise de rede social A etnografia. Por estar sinto- nizada com as sutilezas do contexto, nenhu- ‘ma etnografia emprega exatamente a mesma abordagem que outra. A etnografia se baseia na adaptacdo ou bricolagem; sua aborda- gem est4 continuamente sendo remodelada para satisfazer determinados campos de sa- ‘er, questées de pesquisa, locais de pesquisa, tempos, preferéncias do pesquisador, conjun- tos de habilidades, inovagdes metodolégicas ¢ grupos culturais. "A netnografia 6 pesquisa observacio- nal participante baseada em trabalho de 62 ROBERT V. KOZINETS campo online. Ela usa comunicagdes media- das por computador como fonte de dados para chegar A compreensao ¢ a represen- taco etnogrifica de um fenémeno cultu- ral ou comunal. Portanto, assim como pra- ticamente toda etnografia, ela se estenderé, quase que de forma natural e orgdnica, de uma base na observagéo participante para incluir outros elementos, como entrevistas, estatisticas descritivas, coletas de dados ar- quivais, andlise de caso histérico estendida, videografia, téenicas projetivas como cola- gens, anilise semidtica e uma série de ou- tras técnicas, para agora também incluir a netnografia. Seria correto, entdo, ver, em uma se- go de método de uma etnografia, uma li- nha declarando que 0 método incluiu ob- servacio participante além de entrevistas, videografia e netnografia. © uso do termo netnografia, nesse caso, representaria a ten- tativa do pesquisador de reconhecer a im- portancia das comunicagées mediadas por computador nas vidas dos membros da cul- tura, de incluir em suas estratégias de co- leta de dados a triangulagdo entre diversas fontes online e offline de compreensio cul- tural, e de reconhecer que, como entrevistas ou semiética, a netnografia tem seus pré- prios conjuntos de praticas e procedimentos exclusivamente adaptados que a distinguem da conduta de etnografia face a face. Como. detalharemos posteriormente neste capitu- lo, a pesquisa nao precisa ser conduzida ex- clusivamente como uma etnografia ou uma netnografia. O uso do termo e abordagem da netnografia no projeto geral sinalizaria nfo apenas a presenca, mas 0 peso do com- ponente online. Significaria que um tempo significativo foi gasto interagindo e tornan- do-se parte de uma comunidade ou cultu- ra online. Referir-se & netnografia como uma pré- particular além da etnografia é importan- te. O que ela sinaliza aos diversos constituin- tes da pesquisa ~ aqueles que aprovam sua ética, aqueles que a patrocinam e financiam, aqueles que a consentem, aqueles que de la participam, aqueles que formam seu pt blico, aqueles que a analisam e aqueles que a leem ~ é que essa pesquisa em particular segue um conjunto comum distinto e espe- cificado de procedimentos ¢ protocolos me todolégicos que foram acordados por uma comunidade de estudiosos. Como a propria etnografia, ela tem uma flexibilidade intrin- seca e necessiria. Contudo, também como a etnografia, ela objetiva a legitimidade e bus- aa confianga de seus constituintes por uma cuidadosa atencio a praticas investigativas compartilhadas, detalhadas e rigorosas. Dada toda essa diferenciacao, varieda- de e bricolagem, pode-se perguntar: 0 que as etnografias tém em comum entre si? A combinacio de abordagens participativa e observacional esté no centro da iniciativa etnografica. Fazer uma etnografia significa empreender um engajamento imersivo pro- Jongado com os membros de uma camuni- dade ou cultura, seguido por uma tentativa de compreender e comunicar sua realida- de por meio de uma interpretacio “densa”, pormenorizada, sutil, historicamente curio- sa e culturalmente fundamentada, e por uma descri¢do profunda de um universo so- cial que é familiar a seus participantes, mas estranho a forasteiros. A fim de engajar-se nese empreen- dimento, os etnégrafos desenvolveram um conjunto de protocolos gerais para ajudar a regular, mas nunca a determinar completa- mente, sua abordagem. Os etnégrafos que ingressam e trabalham em um campo cul- tural ou comunal confrontam questdes se- melhantes.® Primeiro, eles devem planejar a pesquisa do trabalho de campo. Eles de- vem buscar, encontrar e ingressar no cam- po de uma comunidade ou cultura a parte da etnografia denominada entrada (entrée). Enquanto situados no campo, eles devem co- letar dados sobre a cultura e a comunidade. Esses dados requerem andlise e interpretacao consistente. Durante a abordagem e 0 traba- Iho de campo, 0 etnégrafo precisaré apre- sentar o produto final da pesquisa concluida & comunidade cientifica (ou outra), e assim representar 0 trabalho investigative bem co- mo a prépria comunidade ou cultura. ‘A netnografia, portanto, segue estes seis passos da etnografia: planejamento do estudo, entrada, coleta de dados, interpre- tagio, garantia de padrdes éticos e repre- sentagio da pesquisa. A Figura 4.1 apresen- ta um fluxograma. A figura, evidentemente, 63 NETNOGRAFIA Primeira etapa Defingéo das questées de pesquisa, websites socais ou tépicos a investigar Bea ‘Segunda etapa Identificagao e selecao de comunidade Sea Terceira etapa ‘Observacdo participante da comunidade (envolvimento, imerso) e coleta de dados (garantir procedimentos éticos) Wa Quarta etapa ‘Andlise de dados e interpretacio iterativa de resultados nwa Quinta etapa Redacio, apresentagao e relato dos resultados de pesquisa e/ou implicacées teéricas e/ou préticas FIGURA 4.1 Fluxograma simplificado de um projeto de pesquisa netnografica oferece uma representacio muito mais or- ganizada e “limpa” do processo de estudo netnogréfico do que realmente ocorre na realidade. Contudo, antes de prosseguirmos para descrever esses procedimentos, precis: mos cobrir duas areas importantes. Prim: ramente, precisamos compreender quando ¢ como combinar a etnografia — que utiliza da- dos coletados por meio de interagées cultu- rais em pessoa ou face a face — com a net- nografia ~ a qual utiliza dados coletados por meio de interagées online. Em segundo lu- gar, precisamos compreender as diferencas do ambiente social online, a fim de orientar de maneira adequada e consistente a adapta- Gio das técnicas etnograficas. Esses assuntos ‘so o tema das duas secGes a seguir. VISOES DA NETNOGRAFIA COMO UMA ETNOGRAFIA INCOMPLETA Varios livros excelentes foram escritos sobre a abordagem etnogréfica, guiando os pes- quisadores por meio de seus procedimen- tos complexos e fluidos (ver, p. ex., Atkin- son et al., 2001; Denzin e Lincoln, 200: Fetterman, 1998). Mas, por bastante tempo, nao havia absolutamente nenhuma diretriz para a conduta de trabalho de campo on- line. Quando publicacdes sobre o trabalho de campo ¢ as representacdes de culturas e comunidades virtuais comecaram a surgir, muitas delas continham certa confusao fun- damental sobre o papel e a natureza da net- nografia. 64 ROBERT V. KOZINETS Virtual Emography, de Christine Hine, 6 uma das abordagens mais extensas de um ‘inico autor sobre o tema da etnografia on- line até a presente data. Comparando as va- riantes virtual e face a face da etnografia, Hine (2000, p. 63-6) sugere que a etnogra- fia online é deficiente em aspectos impor- tantes. Ela oferece uma visio um pouco cé- tica do que denomina “etnografia virtual”, afirmando que: a etnografia virtual nao é virtual ape- nas no sentido de ser desencarnada. A virtualidade também tem uma cono- tagio de “nao muito” adequada para propésitos préticos mesmo nao sendo rigorosamente a coisa verdadeira (...] A etnografia virtual é adequada para © propésito pratico de explorar as re- laces de interagéo mediada, mesmo nao sendo exatamente a coisa real em termos metodologicamente puris- tas. Bla é uma etnografia adaptativa que se propée a adaptar-se as condi- Ges em que ela se encontra. (Hine, 2000, p. 65) A ideia de adaptagao da etnografia a novas condicées ¢ um dos elementos-chave que explicam 0 sucesso da etnografia como método. Mas considere a sugestéo de Hine (2000, p. 10) de que uma narrativa etno- gréfica 6 apresentada como auténtica quan- do ela contém “interagio face a face e a re- tdrica de ter se deslocado para um remoto campo experimental”. Claramente, por de- finicdo, uma etografia online nao pode ter essas qualidades. A questo do local é parti- cularmente problematica porque “o concei- to de campo experimental é posto em juizo. Se cultura e comunidade nao sao obviamen- te localizados em um lugar, tampouco 0 é a etnografia” (Hine, 2000. p. 64). Consequen- temente, a “etnografia virtual é necessaria- mente parcial. Uma descrigao holistica de qualquer informante, local ou cultura é im- ossivel de se realizar” (Hine, 2000, p. 65). ‘As etnografias online, para Hine, sao, por- tanto, sempre “sinceramente parciais”. Blas so “quase, porém ndo exatamente a coisa verdadeira” (2000, p. 10). Todas as construgées de “realidade” “autenticidade”, viabilidade, e mesmo “ade~ quacéo” e “holismo”, sé, contudo, na et- nografia e alhures, socialmente realizadas, contextualmente determinadas e dependen- tes de padrées que julgamos ou néo julga- mos aceitar, Nao existe etnografia realmen- te verdadeira, nenhuma etnografia de facto perfeita que satisfaria todo purista metodo- Idgico. Nem precisa haver. Existe, na verda- de, uma variedade agradavel de diferentes tipos de etnografia, desde as narrativas rea- listas as narrativas de aventuras de viagens, das autoetnografias reflexivas aos polilogos polivocais, de contos impressionistas a inci- sivos retratos estatisticos em grande escala e mesmo videografias vividas (ver, p. ex., Van Maanen, 1988). ‘Quando compreendemos diversos no- vos fendmenos sociais, construfmos os sig- nificados dos termos metodoldgicos de uma nova forma, A antropologia é um campo muito diverso, com uma série de normas, € a etnografia se espalhou muito além dela, mudando campos e sendo mudada por eles no processo. Nessas circunstAncias, o que é “a coisa verdadeira”, ou seja, uma etnogra- fia genuina, auténtica, fiel, confidvel, é uma peca de trabalho etnografico que satisfaz algum grupo ou determinados padrées de grupos para o que é necessirio em um de- terminado momento. Hine (2000) esta ab- solutamente correto ao afirmar que muitos antropélogos, de seu elevado poleiro de ca- pital cultural, t@m encarado com menospre- zo as etnografias de comunidades online e, talvez, muitos outros tipos de etnografias de estudos culturais n&o-inventados-aqui (bai- xa cultura?). Escrevendo de dentro do cam- po da antropologia para seus colegas antro- pélogos, Lysloff (2003) diz 0 mesmo. Mas isso certamente nao significa que suas crfti- cas sejam verdadeiras ou devam ser aceitas ao pé da letra, principalmente por aqueles que suam e desenvolvem a etnografia de fo- ra do campo da antropologia. Ou inclusive, com certeza, por aquele grupo de estudio- 80s indisciplinados e sempre questionadores que praticam de dentro dela. Sob certas condigées, as netnografias so necessariamente “parciais”. © que pre- cisamos discernir é quais poderiam ser es- sas condicées. Quando uma netnografia é com base somente em dados online insufi- ciente? E, inversamente, quando ela é sufi- ciente? Sua suficiéncia ou parcialidade de- penderia totalmente do foco e das questdes de pesquisa que o etndgrafo estava tentando investigar. O etndgrafo est estudando al- gum fenémeno diretamente relacionado as comunidades ¢ a cultura online? Ou o etné- grafo esta interessado no estudo de um fe- némeno social geral que tem algum aspecto de grupo da internet? Qual é 0 grau de im- porténcia, ou ndo, do componente fisico que est sempre atrelado ao comportamento so- cial humano? Isso leva a uma importante distingaio que ajuda a guiar a coordenagao da netno- grafia e etnografia. Essa distincéo e suas im- plicagées ajudam a iluminar a natureza da hetnografia como uma abordagem que as vezes é usada como téenica independente e, em outras vezes, como parte de um estu- do maior que inclui entrevistas em pessoa, trabalho de campo ¢ talvez outros métodos. Na secao a seguir, distinguimos pesquisa em “comunidades online” ¢ pesquisa “online em comunidades”, DIFERENCIANDO A PESQUISA DE COMUNIDADES ONLINE DA PESQUISA ONLINE EM COMUNIDADES Pesquisa de “comunidades online” ara simplificar esse argumento, faremos uma dicotomia. A pesquisa em “comunidades on- line” estuda alguns fenémenos diretamente relacionados &s comunidades eletrénicas ¢ a cultura online em si, uma determinada ma nifestacéio delas, ou um de seus elementos. Por exemplo, uma pesquisa interessada nos processos sociais que governam o compor- tamento de novatos que ingressam em co- munidades eletrénicas baseadas em hobby seria, por essa definicdo, pesquisa em “co- munidades online”. Investigaces que con- sideram os diferentes tipos de papéis que se manifestam em uma variedade de diferen- tes culturas online relacionadas a discussao NETNOGRAFIA 65 politica estariam exclusivamente preocupa- das com um fenémeno relacionado a CMC. Estudos sobre a mudanca no uso da lingua- gem, imagens e simbolos por comunidades online seriam, mais uma vez, pesquisa em “comunidades online”. © estudo etnografico de Nancy Baym (1999) do grupo de discussao de novelas rec. arts.tv.soaps foi um estudo de uma comuni- dade online especifica, assim como o estudo de Shelley Correll (1995) sobre o Lesbian Ca- fé, Em um sentido mais geral, 0 estudo de ‘Annette Markham (1998) sobre o que signif. ca estar vivendo em espacos virtuais e intera- gindo em comunidades eletrénicas também foi claramente um estudo sobre comunidade e culturas online. Um estudo de um deter minado grupo de noticias, de um determina- do mundo virtual, de um tipo de comporta- ‘mento em um website de rede social, de um padrao linguistico em um microblog, de um determinado tipo de padrao de vinculacéo em blogs: todos esses so exemplos de pes- quisa relacionada com comunidades online. Esses estudos so notdveis porque comuni- dades online, identidade online, padrdes so- Giolingufsticos online, cibercultura(s), rela- cionamentos que emergem por meio de CMC € vitios outros elementos interativos sociais humanos online serdo construtos centrais es- senciais que a pesquisa tenta explicar. Pesquisa “‘online em comunidades” Por outro lado, temos a pesquisa online em comunidades”. Esses estudos examinam al- gum fendmeno social geral cuja existéncia social vai muito além da internet e das in- teragées online, ainda que essas interagées possam desempenhar um papel importante com a afiliagdo ao grupo. Estudos online de comunidades tomam um determinado fend- ‘meno social ou comunal como sua Area fo- cal de interesse e depois estendem isso, ar- gumentando ou presumindo que, por meio do estudo da comunidade online, algo signi- ficativo pode ser aprendido sobre a comuni- dade ou cultura focal mais ampla, e depois generalizado para o todo. Em muitos casos, o pesquisador esta in- teressado nesse estudo da comunidade on- 66 ROBERT V. KOZINETS line porque as comunicacdes do grupo in- formam e se relacionam ao fenémeno social mais amplo, seus comportamentos, seus participantes, seus valores ou crencas. Kozi- nets (2001) examinou o fendmeno mais am- plo da cultura e comunidade de Jornada nas esirelas, e de modo mais generalizado, co- mo as culturas e comunidades de fas cria- vam e distribuiam significados e estruturas sociais altenativas relacionados a produ- tos produzidos comercialmente. Esse foi um. “estudo online de uma comunidade”. Embo- ra.as perspectivas dos participantes, com ba- se na internet, tenham sido extremamente valiosos, a comunidade eletrénica de fas de Jornada nas estrelas e seus varios interesses ciberculturais nao foi a drea focal de interes- se desse artigo. De modo semelhante, Cam- pbell (2006) estudou um grupo eletrénico de skinheads para compreender o significa- do que o grupo associava a “raga branca”. Os resultados de Campbell foram usados pa- ra informar nosso entendimento do alega- do racismo das culturas skinheads em geral, no simplesmente no que se refere & cultura skinhead expressada online. Estudos de ado- lescentes e 0 efeito da tecnologia em suas vi- das, de imigrantes indonésios na China, ou modo como fis de Twilight so influencia- dos pelo programa de televisio, poderiam envolver 0 uso que esses grupos fazem da internet e das comunidades online, Mas es- se componente provavelmente néo teria im- portancia central para o estudo. Em rela- fo A pesquisa sobre comunidades online, a questo fundamental a perguntar € se 0 componente online é consideravelmente me- nos importante para a orientaco tedrica da investigacdo do que outros aspectos da pes- quisa. As informacies e acesso eletrénicos, em vez disso, agucam nossa compreensao de algum construto, teoria ou conjunto de interesses focal mais amplo? Essa dicotomia 6 uma conveniéncia, ¢ sobreposigdes entre essas categorias eviden- temente vao ocorrer. Como quase todas as dicotomias neste livro, essa deve ser inter- pretada mais como um continuum. Estudos podem variar de um foco geral em um t6pi- co social para um foco mais especifico em varios elementos do website online que in- forma nosso entendimento daquele tépico. Entretanto, como regra geral, eu gostaria de sugerir que a pesquisa em comunidades on- line tenderia a ter um foco primordialmente netnogrdfico. Para a pesquisa online de uma comunidade, a netnografia desempenharia um papel auxiliar ou secundério. MESCLANDO ETNOGRAFIA E NETNOGRAFIA As seguintes caracteristicas também podem, ajudar a esclarecer o uso relativo da netno- grafia em um projeto e também a mescla de uma netnografia. Vamos pensar em uma netnografia “pura” como aquela que é con- duzida exclusivamente usando dados gera- dos de interagdes online ou de outras inte- rag6es relacionadas a CMC ou TIC - sejam elas entrevista online, participagéo online ‘ou observacio e descarregamento online. ‘Uma etnografia “pura” seria conduzida uti- lizando-se dados gerados por meio de inte- rages face a face e sua transcrigao em notas de campo, sem dados de interacdes online. ‘Uma etnografia/netnografia seria uma com- binacdo de abordagens, incluindo dados co- letados em interacao face a face bem como online. Etnografias/netnografias mistas po- dem assumir muitas formas, utilizar mui- tos métodos especificos e favorecer diferen- tes proporcées de interacao, dados e anéllise online para face a face. Devemos nos perguntar, em. primei- ro lugar, se estamos estudando uma comu- nidade online, ou conduzindo outra pes- quisa com foco em fendmenos culturais ou comunais online, ou seus elementos. Em caso afirmative, podemos utilmente em- pregar a netnografia como um método tini- co e independente. Podemos justificada- mente conduzir uma netnografia “pura”. Uma netnografia nesse caso € inteiramen- te apropriada, exaustiva e completa dentro de si mesma. Alternativamente, quando o constru- to focal estende-se além do contexto da co- munidade online para o mundo social mais amplo, seria errdneo presumir que podemos obter um quadro completo por meio de uma netnografia pura. Se estivéssemos estudan- do as experiéneias de trabalhadores migran- tes tureos na Dinamarca, e encontréssemos ‘um pequeno quadro de avisos dedicado a esse tema, nossa netnografia do quadro de avisos nao deveria ser tomada como um en- tendimento geral das experiéncias de traba- Ihadores migrantes turcos escandinavos. Pa- ra fazer alegagdes mais gerais ¢ adequadas de uma etnografia desse tipo, precisariamos suplementar 0 trabalho netnogréfico com varios outros tipos de investigagio, tais co- moa observagio de participantes em pessoa ¢ entrevistas face a face. Dependendo do ti- po de acesso fornecido e dos discernimentos ¢ revelagdes de seus participantes, a netno- grafia do quadro de avisos poderia ser um componente muito itil de uma investigacéo mais ampla mesclando netnografia com et- nografia. Mas sozinha, a nemografia seria parcial e incompleta. O pesquisador vai querer considerar cuidadosamente os seguintes aspectos da questao de pesquisa e seus interesses focais antes de decidir conduzir uma netnografia pura, uma etnografia pura ou etnografia/ netnografia mista: ¥ Integragéo versus Separagéo de Mundos Sociais. Quao intimamente relacionados sao 0s comportamentos online e os de situagées face a face? Existe uma rela- cdo direta, ou eles sdo comportamentos diferentes, separados? Por exemplo, se estivermos estudando 0 uso de websites de redes sociais por adolescentes, preci- samos vé-los digitando em seus teclados para saber que eles esto realizando essa tarefa? Os mundos sociais do uso estiio interligados ao nivel de online/offiine. Por outro lado, se estivermos teorizando sobre como adolescentes que estao disputando jogos em rede na mesma sala interagem entre si, provavelmente sera insuficiente estudar apenas o que é transmitido e ‘manifestado na tela do computador. Esses mundos sociais serao diferentes. VY Observagiio versus Verbalizagdo de Dados Relevantes. Quao importante é a repetida observacao de comportamentos fisica- ‘mente manifestos em vez de verbalmente articulados? E provavel que exista nova informacao til que serd comunicada ou NETNOGRAFIA = 67 néo online? Existem ricas representa- Ges virtuais do comportamento, talvez incluindo fotografias ou registros audio- visuais? Por exemplo, embora as pessoas possam conversar sobre 0 modo como elas interagem com seus cAes, uma real observagiio pode revelar elementos técitos interessantes do comportamento que elas nao comunicam, nao podem comunicar, ou niio esto dispostas a comunicar, ¥ Identificagio versus Desempenho dos Mem- bros. Quo importante a identificacdo adicional do membro individual da cultu- ra, isto é, sua ligagao com caracteristicas como idade, raca, género e assim por diante? Ou si os desempenhos das acoes capturadas e registradas na comunidade ‘ou cultura online totalmente suficientes pata a geracéo de teoria? Por exemplo, se 0 pesquisador estd estudando um de- terminado grupo de pessoas, digamos, jovens pais solteiros, ento a confirma- Gio e a verificacdo das identidades dos publicadores das mensagens pode estar justificada e ser util, Se o anonimato nao {nfluencia os resultados, como seria 0 caso se estivéssemos estudando as estrarégias de persuasao de blogueiros com interes- ses comerciais que espalham boatos em seus blogs, a identificacdo pode nao ser necesséiria ‘A Figura 4.2 oferece uma representacao visual da ponderagio de trabalho de campo online e offline que leva a netnografias e et- nografias puras ou mistas. Na pratica, estas avaliacées so delicadas. Nao obstante, uma pesquisa que mais se assemelha a um estudo de uma comunidade online teria um compo- nente netnografico muito mais proeminente e central, ao passo que a netnografia desem- penharia mais um papel coadjuvante em es- tudos online de comunidades. Quiio prevalentes so essas distingdes? Ou, colocado de outra forma, os dias da et- nografia pura estdo contados? Talvez sim. Garcia e colaboradores (2009) iniciam sua avaliacéo das aborda- gens etnogréficas na internet afirmando que a distingao entre os universos conectados desconectados (online e offiine) esta se tor- nando cada vez mais inutil. A razéo? Essas 68 ROBERT V. KOZINETS 7 Interagioecoleta = Z s eideane 4 2 ineremone 2 online Inceracto e coleta Any 3 5 3 de dados culturais "5 2 é tanto face a face ce 3 quanto online S Inceracio e coleta de dados culturais inteiramente face a face Estudos de Estudos online de Estudos de comunidades ou caulturas online (Gem elementos cnline importantes) FIGURA 4.2 comunidades ou culturas (elementos ‘online importantes) comunidades ou culturas ‘online (sem elementos presencia importantes) ‘Coordenando a interacao e a coleta de dados online e face a face. categorias tornaram-se_irremediavelmen- te entrelacadas em nossa sociedade con- tempordinea. Eles observam que “a maioria dos emnégrafos ainda conduzem estudos fir- memente situados no mundo social desco- nectado” (Garcia et al., 2009, p. 53). Entre- tanto, estamos rapidamente chegando ao ponto, se jd nfo estivermos 4, em que pre- Cisamos referenciar, estudar e compreender os dados em comunidades e culturas online a fim de estudar de modo efetivo e significa- tivo alguns dos “interesses centrais e dura- douros da pesquisa etnogréfica em antropo- logia, sociologia estudos culturais” (Garcia et al., 2009, p. 53). Estes incluitiam tépicos como: natureza, configuracao e hibridiza- ao de subculturas e microculturas; 0 pro- esso ¢ os elementos de construgio da iden- tidade; 0s valores e as visdes de mundo que impelem a aco humana e a vida social con- temporénea; a influéncia das tecnologias e das midias; ¢ as raizes e transformacées dos movimentos sociais e do ativismo social Os autores chegam a aconselhar que prati- camente todas as etnografias da sociedade contemporanea “devem incluir comunica- do, comportamento ou artefatos mediados tecnologicamente (p. ex., websites na inter- net) na definicdo do campo ou ambiente pa- raa pesquisa” (Garcia et al., 2009, p. 57). Se acreditarmos nesse argumento, e1 to 0 valor das descrigées netnograficas “mis tas” s6 vai se amplificar no futuro, & medi- da que as comunidades e as culturas online permeiem cada vez mais a sociedade mun- dial, O que o argumento sugere & que comu- nidade online e mediacao tecnologica nio sao mais uma nova forma de comunicacao e de comunidade, mas passaram — ou em bre- ve passarao - para a esfera do status quo, 0 modo como nossa sociedade simplesmente 6, Se isso for verdade, os pesquuisadores que ignoram essa realidade verdo seu trabalho cada vez mais ignorado, representado e con- siderado irrelevante. Tendo feito essas importantes diferen- ciagées, ¢, cuidadosamente, considerado es- sas justificacées, podemos agora partir para uma discussdo mais especifica sobre como abordar o trabalho netnogrifico. A préxima e tiltima tarefa deste capitulo ¢ desenvolver uma estrutura sobre como 0 ambiente me- diado por computador encarado pelos net- négrafos ¢ diferente do ambiente face a face fencarado pelos etnégrafos. Uma vez. compre- endido isso, teremos uma estrutura nortea- dora para a adaptacgio dessas téenicas. © CONTEXTO DO CAMPO DE TRABALHO MEDIADO POR COMPUTADOR Rice e Rogers (1984, p. 82) afirmaram que ‘9 novo ambiente online fornece contextos que “podem limitar como um delineamen- to experimental e métodos fielmente tradi- Cionais podem ser aplicados [...] a natureza dos meios em si pode criar limitagdes, bem como novas oportunidades”. A adaptacio das técnicas etnograficas ao ambiente onli- ne ndo é, portant, direta, Se fosse, nao ha veria necessidade deste livro. Para adaptar as técnicas da etnografia face a face ao con: texto online, um passo inicial necessério é especificar as diferengas entre interagGes s0- tiais face a face e mediadas por computador. Felizmente, dispomos de mais de uma década de literatura etnogréfica e cientifi- a social relacionada as comunicagdes me- iadas por computador e comunidades onli- ne para guiar nossa adapracéo. Uma leitura atenta dessa literatura revela que podemos fdentificar, significativamente, quatro dife- rencas fundamentais. A primeira, ¢ talvez mais Obvia, é a alteragdo, Alteracao signt- fica simplesmente que a natureza da inte- racdo esta alterada — tanto coagida quanto fiberada - pela natureza e por regras espe- cificas do meio tecnolégico em que ela ¢ re- flizada, Depois vem 0 anonimato, diferenca amplamente analisada, particularmente re- Jevante nos primeiros anos de interacao on- line, mas ainda significativa hoje, A ampla acessibilidade de muitos féruns eletronicos & participacéo de qualquer pessoa é a terceira Giferenca crucial que nossas técnicas revisa- das precisam acomodat. Por fim, existe 0 ar- quivamento automético das conversacées ¢ Gos dados facilitado pelo meio online. Repe- tidamente retornaremos a essas diferencas a NeTNoGRAFA = 69 fim de desenvolver e justificar nossa aborda- gem netnogrifica diferenciada. Assim, nos- Ea compreensio se beneficiard de uma dis- cusstio sobre essas quatro diferencas. Alteracao Muito tem sido feito da chamada “medi Gio tecnolégica” da interagao online. Nao Gxiste, evidentemente, nada intrinsecamen- te “artificial” em relagdo a interacdo social mediada tecnologicamente. Historiadores, arquedlogos e outros analistas de artefatos culturais precisam lidar com o fato de que grande parte dos seus dados vem na forma Ge comunicagées “mediadas”: cartas, docu- mentos piblicos, epitetos em lépides, hie- réglifos em rolos de pergaminhos de papi- to, incisdes em blocos de argila e assim por diante, A radical textualizacio das comuni- cagbes pela internet nao é, sob esse angulo, ‘uma coisa muito nova. Considere, também, que entrevistas telefnicas so comunica- gées mediadas por tecnologia e programas Ge televiséo sto uma forma de TIC. Algu- mas cartas e telefonemas sofrem do mesmo anonimato ciibio e auséncia de corporifica- fo que comunicagdes textuais ¢ interacbes online. ‘A hist6ria nos ensina que as novas €po- cas anunciadas pela introducio de novas tec- nologias nem sempre sio.revolucionérias ‘como elas a principio podem parecer. Como observou Schivelbusch (1986, p. 36), apés fa introducao da ferrovia acreditava-se que q ferrovia aniquilava 0 espaco e o tempo Lud feontudo] 0 que se experimentou ani- quilado foi o continuum de espaco-tempo tradicional que caracterizava a tecnologia de transporte tradicional”. Mas assim como as ferrovias alteraram a percepcio subjeti- ‘ya das pessoas do que era possivel em ter~ nos de cobrir uma determinada distancia fm uma determinada quantidade de tem- po, também a computacéo em rede trans- formou radicalmente as ideias das pessoas sobre com quem, quando, como, com que frequéncig e até por que elas podiam se co- municar. E essa compreensao subjetiva que, ‘em muitos aspectos, é tao significativa pa- fa um entendimento cultural da internet, 70 ROBERT V. KOZINETS pois ela vem acompanhada de reflexivida- de, consciéncia, percepcdes de limitacio e discursos de emancipacao. Por parecerem, a principio e quan- do de sua introducao, to pouco naturais, as comunicacées online abrem miiltiplas possibilidades. Elas também privam. Limi- tacoes tecnolégicas e de largura da banda podem criar a caracteristica de defasagem de tempo, evidente em meios de comunica~ Gio sinerénicos como janelas de bate-papo, principalmente quando ha varias pessoas conversando no mesmo momento. A defa- sagem de tempo também pode ser eviden- te em mundos ou jogos virtuais, os quais podem exigir conjuntos de teclas para co- municar linguagem corporal sutilmente por ‘meio de um avatar. As interagdes por esses meios tendem a ser no apenas mais pro- Tongadas do que comunicacées face a face, ‘mas também mais fragmentadas. As mensa- gens sofrem interrupcoes, tentativas frustra- das, lapsos e frequéncia esporddica (Baym, 1995; Cherny, 1999). Em meios assincronos (temporizados) de CMG, tais como quadros de avisos, grupos de noticias, foruns ¢ blogs, a textualizacéo € 0 prolongamento das comunicaces sio acentuados, O resultado é uma topografia simb0lica e temporal alterada para a intera- fo social - apresentando a seus participan- tes uma forma mais artificial de comunica- Gio, mais oportunidades de aplicar controle estratégico sobre as informacoes ¢ autoa- presentacio do que em intercmbios face face, e requerendo investimentos de tempo para obter as informacGes e o nivel de con- forto necessérios para compartilhamento de cultura e intimidade comunal. Parece relativamente claro que quan- do uma pessoa esta conectada, principal- ‘mente durante suas primeiras experiéncias online, aspectos técnicos do meio comuni- cativo criam uma experiéncia cultural niti- damente nova e, a prinefpio, importuna. Es- sa sensaco de inabilidade e inadequacio, misturada com um senso de possibilidade fascinio, € muitas vezes sua introducio a ci- bercultura (ver, p. ex., Cherny, 1999; Hole- ton, 198; Jones, 1995; Markham, 1998) A interacdo online forca o aprendizado de no- vos cédigos ¢ normas, abreviaturas, emo- ticons, sequéncias de teclas e outras habi- lidades técnicas para transferir informacéo emocional vital as relacdes sociais. Depois de um certo tempo, contudo, as convencées linguisticas e técnicas come- gam a parecer uma segunda natureza, co- mo as linguagens aculturadas tendem a fa zet. Os elementos dessa segunda natureza com frequéncia sao altamente informativos para 0 netnégrafo. A alteracao tecnolégica da participacao online é uma razio funda- ‘mental pela qual os procedimentos etnogra- ficos face a face devem ser alterados para os ‘universos culturais da interac online. Anonimato Sem recorrer a causalidade simplista do de- terminismo tecnolégico, pode-se considerar que as interacées mediadas por computa- dor oferecem novas oportunidades distin- tas para liberar comportamentos nfo tio facilmente proporcionados por interacbes face a face. Um dos fatores fundamentais, que precipitam essa sensacao de liberacio 0 anonimato, muitas vezes opcional, pro- porcionado pelo meio online. Esse anonima- to confere aos atores online um novo sen- so de flexibilidade de identidade. No mundo do texto e das imagens controladas, a autoa- presentacéo tem graus de liberdade muito mais amplos, e a vida social online oferece muito mais oportunidades para experimen- tacéo de identidade. Ou como Peter Steiner expressou em um conhecido cartum publi- cado na New Yorker em 1993 (5 de julho) — e eu parafraseio aqui: “Na internet, nin- guém esté ciente do fato de que na verdade voce é uma pequena criatura canina usando ‘um computador e um teclado, fingindo que é um ser humano”. Sherry Turkle (1995, p. 190) descre- ve tum jovem que simultaneamente abriu va- tias janelas em seu computador, agindo co- mo um homem “florido e romantico” em um forum eletrénico, um homem “quieto” e “seguro de si” em outro, e uma mulher “pa- queradora” e sexualmente receptiva em ou- tro, Jones (1995) sugere que o desempenho de papéis e disputa de jogos online oferece miltiplas oportunidades para um tipo de ser “sem género”, e a habitagao de “corpos nao, humanos imagindrios”. O anonimato combi- na-se com a imaginacao de modos que per- mitem a exibicio de caracteristicas e desejos que poderiam ser dificeis, socialmente ina- ceitdveis, ou ilegais se expressos em outros contextos, como demonstra 0 imenso suces- so das salas de sexo virtual, pornografia on- line, webcams eréticas, diatribes subversivas ¢ jogos ultraviolentos. Assim, as expresses online de identidade podem ser, em alguns aspetos, mais reveladoras das “verdadeiras”, ou ocultas, identidades e intencdes dos con- sumidores do que uma observacao prosaica da vida e consumo cotidianos poderia divul- gar (Jones, 1995; Turkle, 1995). ‘Nao obstante, esse anonimato tam- bém pode confundir e perturbar pesquisa- dores que pretendem fixar algum dado de- mogréfico sobre producdes textuais, ou de outro tipo, publicadas online. Com quem es- tamos nos comunicando em uma interacéo cultural online ou em uma entrevista onli- ne? O meio torna dificil ver 0 mensageiro. O anonimato € seu primo préximo, o pseudo- anonimato (0 uso de pseudénimos em vez de nomes), torna a abordagem netnogréfica necessariamente diferente da abordagem da etnografia face a face. Acessibilidade ‘Uma vez superadas as barreiras financeiras ¢ técnicas necessarias para adquirir aptidéio na procura e na comunicagio mediada por computador, uma grande variedade de in- teragées sociais tomna-se disponivel a. uma pessoa. A ética participativa igualitéria da internet, ao que parece, originou-se de seu contato com comunidades académicas e de hackers cujo etos era “a informacio deve ser gratuita’, As interagbes sociais online mani- festam esse etos por meio da democracia ge- rale da incluso de muitos, se nao da maio- ria, dos grupos sociais online. Muitos grupos de noticias, féruns e quadros de avisos ofe- recem livre adesdo, além de uma seqio de perguntas frequentes (FAQ) para introduzir 0s neéfitos as excentricidades culturais do grupo e conduzi-los diretamente ao status de membros participantes. Os blogs geral- INETNOGRAFIA 7I ‘mente sio inclusivos, e os mundos virtuais, clas de jogos ¢ redes sociais tém seus pré: prios conjuntos de regras que regem a afilia- ao, muitas vezes baseada na expansio de redes e no enriquecimento de comunidades existentes pela adigao frequente de “sangue novo”, Embora ganhar aceitacao e status em comunidades online ainda dependa de co- nhecimento e normas, e certamente néo independa de nossa posigao social e capi- tal cultural em outros mundos sociais, um etos participative e democratico ¢ predo- minante. Além disso, 0 universo online ofe- rece uma inédita acessibilidade mundial. A reuniio social de participantes geogra- ficamente dispersos dispée de acesso qua- se instantaneo uns aos outros. A acessibili- dade mundial acarreta a potencial afiliagéo em massa, mas outros fatores acarretam fragmentacéo. O mais importante entre es- tes sdo as diferencas linguisticas. Falantes do mandarim tendem a permanecer como falantes do mandarim, e raramente partici- pam de conversas com falantes de hiingaro € portugués, por mais que 0 grupo ou 0 t6- pico seja mundial. Estudos anteriores sugerem que gru- pos online grandes s4o menos comunais, so- Ciais e amigaveis do que pequenos grupos (p. ex., Baym, 1995; Clerc, 1996). Os gru- pos menores sao os mais {ntimos, como no caso da frase de convite, “[Vocé quer] iz pa- ra a sala privativa?”. Comunidades online menores e os subgrupos dentro delas ofe- recem uma sensacao mais comunal, hibri- dizando e transcendendo os marcadores de limites tradicionais de “comunidade” ~ geo- grafia, politica, género, genealogia, etnici- dade, ocupacio, religido. Quer estejamos falando da audiéncia de um blog, de uma rede social ou de uma “corrida” construida por computador em um mundo virtual, os Participantes nesses grupos com frequéncia se auitossegmentam organizando-se em gru- pos online definidos por interesses, gostos, ‘ou comprometimentos preexistentes. ‘A interac social virtual é um hibri- do puiblico-privado sem igual que oferece aos participantes a seducdo de ser o centro das atenges perante uma “audiéncia” sem deixar os limites seguros de seu préprio lar. 72 ROBERT V. KOZINETS ‘As oportunidades so abundantes no ape- nas para divulgar suas préprias informa- g6es privadas, mas também para partici- par publicamente nas informagoes privadas Gos outros. Esse novo nivel de voyeurismo e exibicionismo é significativamente dife- rente de qualquer coisa que um etnégrafo face a face encontraria. A acessibilidade , portanto, outra diferenca fundamental com a qual a abordagem netnogréfica deve es- tar sintonizada, Arquivamento Existe outra coisa que distingue as conexdes e comunicagdes online. O termo mundo per- sistente foi criado para referir-se & persistén- cia dos mundos virtuais, e &s mudancas fei- tas neles pelos usuarios, mesmo depois de 60 usuario ter saido do website ou progra- ma de computador. Essa qualidade de per- sisténcia se aplica igualmente bem a muitos aspectos da internet. Newhagen e Rafaeli (1997, n.p.) observam que “a comunicagao na internet deixa mais rastros do que em qualquer outro contexto - 0 contetido é fa- cilmente observavel, gravado e copiado. Os dados demograficos do comportamento de consumo, escolha, atencio, reacéo, apren- dizagem, etc. dos participantes sio ampla- mente capturados e registrados”. Grupos de noticias, foruns e outros quadros de avisos, blogs, listas de correio e a maioria de outros meios assincronos sao automaticamente arquivados. A Wayback Machine ou Internet Archive captura retra- tos da internet em determinados momen- tos no tempo e os salva para futura referén- cia. Mecanismos de busca eficientes tornam acessivel toda interagio ou toda postagem em um dado tépico em um grupo de discus- sio especifico, ou toda postagem por um de- terminado individuo em qualquer grupo de discussdo. A analogia fisica seria ter acesso aos registros de todo contato social publi- co em uma dada cultura, ou todos 0s con- tatos sociais publicos de um individuo espe- cificado. Meios sinerOnicos podem nao ser arquivados de maneira automética em um formato publicamente acessivel. Entretanto, 0 registro de conversas e interacées sincré- nicas nao constitui um desafio técnico mui- to grande, Em qualquer um dos casos, ter tum registro quase completo de interagées sociais online é muito mais fécil do que no- tas de campo sub-repticiamente registradas e recordacées fragmentadas do etndgrafo em pessoa. Gragas ao equipamento e aos progra~ ‘mas, temos os vestigios textuais dos artefatos de interacao ctiados instan- taneamente, no momento da elocu- do. Para estudiosos interessados em andlise de discurso, critica literdria, estudos da retérica, andlise textual e assemelhados, a internet é um am- biente de pesquisa por exceléncia, pra- ticamente irresistivel em sua disponi bilidade. (Jones, 199, p. 13) Nao é de surpreender, entéo, que as técnicas de analise de contetido esto usu- fraindo um renascimento em sua aplicacdo a andlise de conversas online. 0 arquiva- mento instantaneo de comunicacées sociais presente na esfera da internet torna este um contexto muito diferente para fazer pesqui- sa etnografica comparado com o contexto da interagio social face a face. RESUMO ‘Anetnografia é uma abordagem da pesquisa online de observacio participante que segue um conjunto de procedimentos e protocolos distinto. A netnografia é apropriada para o estudo tanto de comunidades virtuais quan- to de comunidades e culturas que manifes- tam interacdes sociais importantes virtual- ‘mente. Consideragdes norteadoras do uso e coordenacao do campo de trabalho netno- grafico e etnografico incluem: o grau de in- tegragéio de comportamentos sociais online e face a face focais, a relativa importancia da observagio corporificada em vez da au- torrepresentacio verbal ou de outro tipo, ¢ anecessidade de identificacdo individual. capitulo identifica quatro diferencas funda- mentais entre interacio social online ¢ fa- ce a face: adaptagio a varios meios emol6- gicos; participagiio em condicées opcionais de anonimato; acessibilidade cultural ampla- mente maior; e arquivamento automético dos intercdmbios. A etnografia é calibrada para essas contingéncias tinicas no resto do livro. Iniciamos os primeiros dos cinco capf- tulos procedimentais a seguir com uma dis- cussio e conjunto de diretrizes especificas para o planejamento do trabalho de cam- po etnogréfico e a realizacdo da entrada no ‘campo netmogtafico. NeTNoGRAFA 73 Leituras fundamentais Hine, Christine (2000) Virtual Ethnography. London: Sage. Kozinets, Robert V. (2002a) “The Field Behind the Screen: Using Netnography for Marketing Resear- ch in Online Communities’, Journal of Marketing Research, 39 (February): 61-72. Markham, Annette N. and Nancy K. Baym (2008) Internet Inquiry: Conversations about Method. ‘Thousand Oaks, CA: Sage.

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