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Colegio Pypeerephos Diego: Ato Crl de Soe Lima 1. Processos ¢escolhas: estudos de sociologia politica a Perare Ris 2.0 guru. o iniciador ¢oueras varies ancropologicas Fredrik Bach genes Tam Leal} 3c enmodeenidade brasileira contemporinea idade socal, subjetividade coleiva Joo Mento Domingus FREDRIK BaRTH {organiagio: Tome Lask] 0 guru, o iniciador @ outras variacdes antropoldgicas Tradugio Jobn Canka Comerford Os grupos étnicos e suas fronteiras Esta coletdnea de ensaios aborda a problemética dos grupos érni- cos e de sua permanéncia', Apesar de negligenciado, esse tema é de grande imporsancia para a antropologia social. Praticamente todo raciocinio antropolégico baseia-se na premissa de que a variagio cultural € descontinua: supde-se que hé agregados humanos que comspartilham essencialmente uma mesma cultura e que hi difecen~ «as interligadss que distinguem eada uma dessas culturas de codas as outras. Uma vez que cultura nada mais €do que uma maneira de descrever o comportamento human, segue-se disso que hé grupos delimitadas de pessoas, ou seja, unidades érnicas que correspondern a cada cultura, Muits atengio tem sido dedicads 3s diferengas ence culturas, bem como 3s suas fronteiras ¢ As conexdes histéricas en- tre elas; mas © processo de constituigio dos grupos érnicos e a natureza das fronteiras entre estes nio tém sido investigados na mesma medida, Os antropélogos sociais vém evitado esses proble- mas usando um conceito extremamente abstrato de "sociedade” para tepresentar o sistema social abrangente dentro do qual grupos & unidades menores ¢ concretes podem ser analisados, Esce uso do Forlageu Lite Beown, 1968. "N.do R.daT: Esta colenes de cox es escandinavos organizads ik Barth a partie de um simpésio financiado for Anthropological Research, realizado na Us 26 de fevertito de de 1967, eve estudo das questdes grupos éxnicos de au raeqiéncias fundament exnicidade €& construgio de frontei acon Dart conceito, porém, desconsidera as catacteristicas ¢ fronteiras empfticas, dos grupos érnicos, bem como as importantes questées teSricas que uma investigagio das mesmas levanta Ainda que hoje ninguém mais sustence a ingénua suposicéo de aque cada eribo e cada povo mantém sua cultura através de uma indi- ferenga hostil com relagio a seus vizinhos, ainda persiste a visio simplista de que os isolamentos social e geogrifico foram os fato- res ctuciais para a manucengio da diversidade culeural. Uma inves- tigacio empfcica do cardver das fconteiras étnicas, tal come apre- sentada nos ensaios que se seguem, traz duas descobertas que, ape- sat de nio serem nem um pouco surpreendentes, demonstram bem 2 inadequacio dessa vis. Em primeico lugat, comna-se claro que as fronteiras émnicas permanecem apesar do fluxo de pessoas que as atravessam. Em ourras palavras, as distingdes entre categorias éunicas nao dependem da auséncia de mobilidade, contato e informagio, mas implicam efetivamence processos de exclusio ede incosporagio. atra- és dos quais, apuar das mudangas de participagio e pertencimento a0 longo das histérias de vida individuais, estas distingSes so mantidas. Em segundo lugar, hi celagbes sociais escdves, persistentes ¢ freqientemente vitais que nfo apenas atravessam essas fronteiras como também muitss vezes baseiam-se precisamente na existéncia de status étnicos dicotomizados. Dito de outro modo, as distingdes Enicas no dependem da austncia de interacio ¢ accitacio sociais mas, a0 contritio, si0 feeqiientemente a prépria base sobre a qual sistemas sociais abrangentes sio construfdos, A interagio dentro des- ses sistemas nfo leva& sua destruigio pela mudanga e pela aculturagao: 4s diferengas culturais podem persistir apesar do contato interétnico dz interdependéncia entre exnias. Principios gerais da abordagem Hi aqui, portanto, um importante campo de quest&es que precisa set repensado. E necessério um ataque simultaneamente teérico empfcico: precisamos investigar detalhadamente os fatos empiricos em diversos casos e adequar nossos conceites a esses Fatos, de modo 26 COsowaserteot cscs enoriaes elucids-los da maneira mais simples e pertinence possivel e a per- rmitic explorar suas implicagBes. Nos ensaios seguintes, cada auror aborda um caso com o qual esti intimamente familiarizado em fun- «fo de seu trabalho de campo, ¢tenta aplicar 8 andlise um conjunco ‘comum de conceitos. O principal ponto de partida tedrico é com- posto por vérias partes interconectadas. Em primeira lugzs, tenfatizamos 0 fato de que grupos étnicos s30 cate gorias atribucivas ¢ identificadoras empregadas pelos préprios atores; consequente- mente, tém como caracteristica organizar as interagSes entre as pes- sozs. Tentamos relacionar oucras caractetisticas dos geupos étnicos a essa caracteristica bisica. Em segundo lugar, codos os crabalhos apresentados assumem na anélise um ponto de vista gerativo: em ver de trabalharmos com uma tipologia de formas de grupos e de celacdes étnicas, tentamos explorar os diferentes processos que parecem estar envolvidos na geragio ¢ manutengio dos grupos é- nicos. Em cerceira lugar, para observarmos esses processos, deslo- camos 0 foco da investigagso da constituigio interna e da hist6ria de cada grupo para as fronteicas érnicas ¢ 2 sua manutengio. Cada um desses pontos requer certa elaboracio. Definigao de grupo étnico A expressio grupo étnico € geralmente entendida na liceratura an- tropolégica (vet. por exemplo, Narrol! 1964) como a designagio de uma populagio que 1. em grande medida se autoperpetua do posto de vista biolé- gico: 2. compartilha valores culturais fundamentais, realizados de modo patentemente unitirio em decerminadas formas culturais: 3. constitui um campo de comunicacio ¢ inceraczo: 4. tem um conjunco de membros que s¢ identificam ¢ sio iden tificados por outros, como constituindo uma categoria que pode ser distinguida de outras cacegorias da mesma ordem, Essa definigio tipico-ideal nao est4 muito longe, em termos de concetido, da proposigio tradicional de que uma raga = uma 7 Faxon Bac cultura = uma lingua, e de que sociedade = unidade que rejeita ou discrimina outros. Mesmo assim, na forma modificada apresentada acima, nao deixa de ser uma definigo que se aproxima suficiente- mente de muitas situagdes etnogréficas empfricas, a0 menos tal como elas apateceram e foram relatadas, de modo que esse signi- ficado continua a ser Gtil para os objetivos da maioria dos antro péloges. Minha discordincia no diz respeito tanto ao conteddo substantivo dessas caracterfsticas, ainda que eu pretends demons- tar que temos muito 2 ganhar com uma certa mudanca de tnfase; mioha principal objegio € que, tal como esti formulada, essa de- finigio nos impede de compreender o fenbmeno dos grupos é- nicos e seu lugar na sociedade e na culeura humanas. Isso porque cla evita as questées mais fundamentais: a0 tentat oferecer um modelo t(pico-ideal de uma forma empifrica encontrada recorren- temente, essa formulagio traz implicita uma visio preconcebida de quais sio os fatores significativos para a génese, 2 estrutura € a fungio de tais grupos. ‘© principal problema desta visio € 0 seu pressuposto de que a manutengio das fronteiras nio € problemitica, e que isto se dé como conseqiiéncia do isolamenco que as caracterisicas arvoladas implicam: diferencas racial e culeural, separagio social, brreiraslin- giifsticas, inimizade espontinea e organizada. Com isso, limita-se cambém a gaina de fatores que usamos para explicar a diversidade cultural: somos levados a imaginar cada grupo desenvolvendo sua forma cultural e social em isolamento relativo, eespondendo prin= cipalmente 2 fatores ecolégicos locais, ateavés de ume histSria de adaptagéo por invengio e empréstimos seletivos. Essa histéria pro- duziu um mundo de povos separados, cada qual com sua cultura e ‘organizado em uma sociedade, passivel de ser legitimamence isola- da pata descrigio como se fosse uma itha. Os grupos fnicos como wnidades portadoras de cultura Em vez de discutic a adequagio dessa versio da hist6ria da cultura para qualquer coisa que nio ilhas pelgicas, apontarei algumas das 28 ‘Osottrosercors ss owrans inconsisténcias légicas desse ponto de vista, Dentre as caract ‘as listadas, gecalmente o compartilhamento de uma mesma cultura assume importincia central. Na minha concepgie, € muito mais vantajoso considerar essa importante caracterfstica como uma con- seqitncia au resultado 20 invés de tomé-la como um aspesto pr inirio ou definidor da organizagio dos grupos éenicos. Quando se opt por considerar como caracterfatia priméria dos grupos éeni- cos seu aspecto de unidades portadoras de cultura, hi uma strie de implicagées de longo alcance. Somos levados a identificar distin- guir os grupos éenicos pelascaracterfsticas morfolégicas das culta- tus das quais cles si0 os portadores, Esse ponto de vista concém tum opinido preconcebids 2 respeito (i) da natureza da continuida de dessas unidades no tempo; € (ii) do locus dos fatores que de- terminam a forma dessas unidades. 1. Dada a énfase na dimensio desses grupos como portadores dde cultura, a classificagdo das pessoas e dos grupos locais como membros de um grupo énico deve necessariamente depender da presenga de cracos culturais particulaces. Na tradigio das éreas cul- curais, isso é algo que pode ser julgado objecivamente pelo observa- dot ecnogréfico, sem que se feve em conta as categorias ¢ preconcei- cos dos atores. Diferengas entre os grupos tornam-se diferengas entie inventarios de teagos; a atengSo concentra-se sobre a andlise das culturas, em detrimento da organizasio étnica. Conseqitente- mente a telagio dindmica entre os grupos seré descrita através de estudos de aculeuragio do tipo que atrai cada vez menos interesse na antropologia, ainds que sua inadequagio te6rica nunca venha sido discutida a fundo. E uma vez que a origem histérica de qual- quer conjunto de tragos culvurais€ sempre diversifical, esse poa- to de vista abre espago também para uma “etnobistéria” que pro- duz uma crdnica de aquisigSes € mudancas culturais © centa exp! car a causa do empréstimo de certos itens. No entanto qual ¢ efe- tivamente 2 unidade cuja continuidade no cempo ¢ representada nesses estudos? Pacadoxalmente, af devern ser inclufdas culcuras existentes no passado, que no presente seriam evidentemente 28 Funan exclufdas devido a diferengas entre suas formas — juscamente as diferengas usadas para identificar a difecenciagdo sincr6nica de uni~ dades étnicas. Essa confusio certamente no ajuda a esclarecer a interconexao entre “grupo étnico” e “culeura”. 2. As formas culturais aparentes que podem ser arcoladas em séries de tragos exibem os efeitos da ecologia. Nio me refiro aqui 0 fato de que elas refletem uma histéria de adaptagio ao meio ambiente; em um sentido mais imediaco, elas também ceflecem 25 circunstincias externas 3s quais os atores t2m que se acomodar. ‘Sera que as mesmas pessoas, com os mesmos valores e idéias. nio adotariam diferentes padres de vida e institucionalizariam dife- rentes formas de comportamento, se postas diante de oportunida- des diferentes oferecidas por ambientes distintos? Além disso, tam- bém € razofvel esperar que um dado grupo étnico, distribuindo-se sobre um territério que apresenta circunsrincias ecolégicas vacis- veis, mostce uma diversidade regional de comportamentos insticucionalizados manifestos que nao reflete diferencas de orien- tagio cultural. Como entio classificar essa diversidade, se adota- ios a8 formas institucionais explicieas como critério diagnéstico? Um exemplo pertinente € 2 distribuigio e a diversidade dos siste- mas sociais locais dos Pathan’. Em fungio de seus valores bisicos, tum pathan das reas montanhosas 20 sul, nas quais hé uma organi zagio homognea baseada em linhagens, necessariamente percebe 0 comportamento dos Pathan, de Swat, como algo tio diferente ¢ tio repreensivel em termos de seus préprios valores, que dizem que seus itmios do norte “no so mais pachan”. De fato, em termos de critérios “objerivos", 0 padsio explicito de organizacao destes ilti- mos parece mais préximo daquele dos Punjabi. Mas eu descobri que, explicando aos Pathan do sul as circunscincias existentes no norte, era possivel fazé-los concordar que os do norte eramn tam- ‘bém pathan, ¢ até mesmo admirir que, naquelas ciecunstincias, eles IN. do E. Ver, no presente volume, o capicule “A identidade pathan e sas manatengio”, p. 69-93, 30 COseauroscrcos vais RON préprios tlvez agissem da mesma mancica , portanto, inadequado Considerar que as formas insticucionais manifescas constituem as earaccerfsticas culturais que a todo momento permitem distinguir tum grupo Etnico, pois estas formas sio determinadas tanto pela ecologia quanto pelo legado cultural. Também nio é correto alegar que coda diversificagio intecns s um grupo seja um primeico passo rume 3 subdivisio ¢ 3 multiplicagio de unidades. Hé casos bem conhecidos e documentados de um mesmo grupo étnico, caracte- rizando-se também por um nivel eelativamente simples de orgeniza- gio econdmica, ocupando varios nichos ecol6gicos diferentes e, ainda assim, mantendo uma unidade culsural e écnica bisica durance lon- gos perfodos de tempo, como, por exemplo, 0 caso dos Chuckchee do interior e do litoral (Bogoras 1904-9) ou dos lapSes das renas. dos rics ¢ do litoral (Gjessing 1954). Em seu ensaio "Diferenciagio étnica e cultural”, Blom? apresenca argumencos convincentes a respeito desse ponto 20 estudar os agri- cultores das regides montanhosas da Noruega central. Ele mostra como a participaglo e auro-avaliagio desses agricultores no que diz respeito 20s valores noruegueses mais gerais assegura um pertencimento continuo a0 grupo étnico mais amplo, apesar dos padrées de atividade extcemamence especficos ¢ desviantes que a ecologia locat Ihes impée. Para analisar casos como esse, precisa- ‘mos assumir um ponto de vista que nio confunda os efeitos das circunstincias ecolégicas sobre o comportamenco com os efeitos da tradigio cultural, tornando posstvel a separagio desses fatores € 2 investigagio dos componentes culturais ¢ sociais nio-ecolégicos que agem no sentido da criagio de diversidade. Os grupos étnicos como tipo orpanizacional ‘Ao se enfocar aquilo que & soialmeme efetivo, os grupos éenicos passam 2 see vistos como uma forma de organizacio social. A caracceristica pow Pete Ethnicand cut difrencaon” Enc Ba ed) Ede goapend Sunder Op ce Pn sone critica passa a ser entio o item + da lista da pigina 27: a auto- atribuigio e a atvibuigio por outros. A atribuigdo de uma categoria é uma atribuigio é:nica quando classifica uma pessoa em termos de sua identidade bisica, mais geral, determinada presumivelmente por sua origem e citcunstincias de conformagio. Nesse sentido organizacional, quando os atores, tendo como finalidade a interacio, usam identidades écnicas para se categorizar e categotizar os ou- ros, passam a formar grupos émnicos. E imporcante reconhecer que apesar das caegorias érnicas le- vacemn em conta diferengas cultural, nio podemos pressupor qual- aquec relagio de correspondéncia simples entre as unidades étnicas ‘eas semelhancas e diferengas culturais. As caracteristicas a serem efetivamence levadas em conta nio carrespondem 20 somat6rio das diferenges “objetivas"; so apenas aquelas que os proprios atores consideram significativas. Por um lado, variagBes ecaldgicas 3s ve~ zes marcam ¢ exageram certas diferensas; por outro, algumas dife- rengas culturais sio usadas pelos atores como sinais ¢ emblemas de diferengs, ignorando-se outras. Além disso, em algumas relagées diferencas radicais sio atenuadas e denegadas. O conteiido culeural das dicotomias étnicas parece set, em termos analiticos, de duas ordens diferentes: (i) sinais e signos manifestos, que constituem as caracteristicas diactiticas que as pessoas buscam e exibem para mostrar sua identidade; eeata-se freqdentemente de caracteristicas tais como vestimenta, lingua, forma das casas ou estilo geral de vida; e (ji) orientagdes valoracivas bisicas, ou seja, os padrées de moralidade e exceléncia pelos quais as performances sio julgadas. Uma vez que pertencer a uma categoria étnica implica sec um certo tipo de pessoa e ter determinada identidade bésica, isto também implica ceivindicar ser julgado e julgar-se a si mesmo de acordo com os padrdes que sio relevantes para tal identidade. Nenhum des- ses tipos de “contetidos” culturais deriva de uma simples lista deseci- tiva de caracteristicas ou diferencas culturais; ndo se pode prever partir de princtpios primérios quais caracteristices 0s atores iio efecivamence enfatizar e tornar organizacionalmente celevantes. 32 sexo tricone mores [Em outras palaveas, as categorias étnicas oferecem um recipiente organizacional que pode receber contetido em diferentes quantida- des ¢ formas nos diversos sistemas socioculeurais. Poder ter gran- de importincia em termos de comportamento, mas nio necessaria- mente; podem calorie coda a vida social, mas também ser velevances apenas em determinados setores de atividade, Hé claremente equi uum grande campo para descrigdes etnograficas e comparativas das diferentes formas de organizacio étnica, ‘A énfase na atribuigio como caracteristica fundamental dos grupos étnicos resolve também as duas dificuldades conceituais discutidas anteriormente. 1. Quando as unidades étnicas sio definidas como um grupo atributivo ¢ exclusive, a sua continuidade € clara: ela depende da manutengio de uma fronteira. As caracter(sticas culturais que assi- nalam a fronteira podem mudar, assim como podem ser cransfor- rmadas as caracterfsticas culturais dos membros ¢ até mesme aleera~ da a forma de organizagio do grupo. Mas o fato de havet uma continua dicotomizasio entre membros € nio-membros nos pet- mite especificar a natuceza da continuidade e investigar forma conteido culturais em mudanga. 2, Apenas os fatores socialmente relevances tornam-se impor tances para diagnosticar o percencimento, e nio as diferencas expl citas e “objetivas” que so geradas a partic de outros fatores. Nio importa qui diferentes sejam os membros em termos de seu com- portamento manifesto: se eles dizem que sio A, em contraste com ourra categoria B dz mesma ordem, desejam ser cratados eter seu comportamento interpretado ¢ julgade como prépric de Ae no de B. Em outras palavras, declaram sua adesio 3 cultura compacti- thada por A, Os efeitos disso, comparados com outros fatores que influenciam 0 comportamento efetivo, podem entio ser tomados como objeto para investigasio. As fronteiras dos grupos érnicos Desse ponto de vista, 0 foco central para investigagio passa a sera B rapa Sa fronteira éenica que define o grupo & no o contedo cultural por cla delimitado. As fronteiras sobce as quais devemos concentrar nossa acengio sio evidentemente fronteiras sociais, ainda que pos- sam ter contrapartida territorial. Se um grupo mantém sua identi- dade quando seus membros interagem com outros, disso decorre a existéncia de ctitérios para determinagio do pertencimento, assim como as maneiras de assinalar este pertencimento ou exclusio. Os grupos étnicos nio sfo apenas ou necessariamente baseados na ocupacio de cerritérios exclusivos; eas diferentes maneiras acravés das quais cles sio mantidos, nfo s6 as formas de reccutamento definitivo como também os modos de expressio e validacio contt- rnuas, devem ser analisadas. ‘Além disso, a fronteira éenica canaliza a vida social. Ela implica ‘uma organizaglo, na maior parte das vezes bastante complexs, do comportamento e das relagies sociais. A identificagio de uma ou- tra pessoa como membro de um mesmo grupo étnico implica um compartilhamento de critérios de avaliagio e de julgamento. Ou seja, € pressuposto que ambos estejam basicamente "jogando 0 mesino jogo”, isso significa que hd encre eles um potencial para diversificasio ¢ expansio de suas relagBes sociais, de modo a even tualmente cobrir todos os diferences setores ¢ dominios de ativida- de. Por outro lado, a dicotomizacio que considera os outros como estranhos, ou seja, membros de outro grupo étnico, implica 0 reco- phecimento de limitagbes quanto is formas de compreensio com- paruilhadas, de diferengas nos critérios para julgamento de valor ¢ de performance, bem como uma testrigie da interagio iqueles se- ores em que se pressupée haver compreensio comumn e interesses miétuos. Isso rorna possivel compreender uma dltima forma de manu- tengio de fronteiras étnicas através da qual unidades e fronteiras culturais petsistem, A manutengio de fronteiras €enicas implica tam- bem a existéncia de sicuagbes de contato social entre pessoas de diferentes culturas: os grupos étnicos s6 se mantém como unida- des significativas se acarretam diferengas marcantes no comporta- 34 ‘Oscnoros eracor neat wT mento, ou sea, diferencas culturais persiscentes. No entanto, ha- vendo interagéo entre pessoas de diferentes culeuras, seria espera- do que essas diferencas se reduzissem, uma vez que a interagio ranto requer como gera certa congruéncia de cddigos ¢ valores — em outras palavras, uma similacidade ou comunidade culcural (ef. Barth, 1966 para minha argumentagio a esse respeito). Assim, a persisténcia de grupos émnicos em contaro implica nfo apenas a exiscncia de critérios e sinais de identificagio, mas também uma escrucuragio das interagdes que pecmita a persiscencia de diferen- gas culturais. Considero que a caracterfstica organizacional que deve ser geral em todas as relagdes interétnicas € um conjunco siscematico de regras que governam os encontros sociais ineerétnicos. Em toda vida social organizads, aquilo que pode ser tomado como relevante para a interagio em qualquer situagio social particular é prescrito (Goffman 1959). Havendo conformidade quanto a essas prescrigdes, a concordincia das pessoas quanto a eédigos e valores no precisa estender-se para além diquilo que é relevance pata aquelas situacSes sociais nas quais elas interagem. Relagées incerérnicas estiveis pressupéem precisamente e:se tipo de esteutura de intetagio: um conjunco de prescrisées que gover- nam as situagdes de concato e permite uma articulaggo em alguns setores ou dominios de atividade especificos e um conjunto de interdiges ou proscrigées com relagio a dererminadas situagdes sociais, de modo a evitar interagées interétnicas em outros setores: com isso, partes das culturas sio protegidas da confrontagio e da modificagio. Sistemas sociais poliétnicos Evidentemente, € isso 0 que Furnivall (1944) retratou com grande clareza em sua andlise da sociedade plural: una sociedade poliéenica incegrada no Aambito do mercado sob o controle de um sistema estatal dominado por um dos grupos, mas preservando amplos es- pagos de diversidade cultural nos setores de atividade doméstica ¢ religiosa. wpm me Am (© que os ancropélogos posteriores nio levaram suficiente- mente em conta foi a possivel variedade dos setores de articulagio e de separasio, ea vatiedade de sistemas politnicos que isso impli- cea, Sabemos alguma coisa a respeito dos sistemas melanésios de troca de objetos pertencentes 3 esfera de alto prestigio da econo- ia. €at€ algo sobre a etiqueta e as prescrigSes que governam esta situagio de troca que a isolam de outras atividades. Temos informa- «Ges também a resprito de vérios sistemas policéntricos tradicionais, do Sudeste Asistico' em que hé integracio tanto na esfera do comés- cio regulado pelo prestfgio, quento nas estruturas politicas quase- Feudais. J4 algumas regides do sudoeste da Asia mostram formas ba- seadas em uma economia de mercado monctatizada de maneira mais plena, concomitantea uma integracdo polftica de caréter policénctico. Devemos lembrar ainda a cooperacio ritual e produtiva ea incegragio politica observadas no sistema de cascas indiano, no qual ealvez ape~ nas 0 parentesco ¢ a vida doméstica permanegam como setor prose to ¢ fonte de diversidade cultural. Nada é ganho 20 se juntar esses varios sistemas sob o rétulo cada vez mais vago de sociedade ral", 20 passo que a investigacio das diferentes variedades de esteu- ruta pode langar luz sobre as formas sociais e : Aguilo que no nivel macre podemos chamae de articulagio © curais. separagio corresponde, no nivel micro, a conjuntos sistemsticos de restrig6es com relacio a paptis. Todos esses sistemas tém em co- mum 0 principio de que a identidade étnica implica uma série de restrigdes quanto aos tipos de papel que um individuo pode assumir, quanto aos parceitos que ele pode escolher para cada tipo diferente de transagio.' Em outeas palavras, se considerarmos a identidade * Cf. taxowre, ‘Neighbours in Laos”. Em: F. Ban (ed) Ei rouprand boundaries, Op cic. E ‘comconvengbes enoemas de caster Eenico, 36 ‘Ovonuroseeor eso plows anica como um status, este seré superior em telagio A maioris dos ‘outros status e definird a constelacio permissivel de status, ou per= sonalidades sociais, que um individuo com uma dada idencidhde feniea pode assumie. Neste sentido, a identidade étnicaé semelhan~ te 20 sexo € 3 posicio social, pois ocasiona restrigBes em todas as, jreas de atividade e nio apenas em determinadas situagSes socizis® Assim, pode-se dizer que € uma identidade imperstva, uma vez que ido pode ser desconsiderada e temporariamente deixada de hdo tem funcio de outras definigdes da sieuagio. As restrigdes quanto 0 comportamento de uma pessoa que decorem de sua identidade Genica tendem portanto a ter carder absoluto ¢, no caso de socieda- des poligcnicas complesas, bastante abrangente. As convengbes so ‘emorais componentes dessa identidade cornam-se ainda mais csi ces 4 mudanga ao serem agrupadas em conjuntos estereotipadas, coi siderados caracteristicos de uma identidade singular. As associagits entre identidades ¢ padroes valovatives A andlise das caracterfsticas interacionais e organizacionais dat re- lagées interéenicas foi prejudicada pela falta de atensio dada aos problemas da manucencio de frontetas. Isso talvez se deva 20 fato de os antropélogos tecem passado a raciocinar com uma idéia equi- vocada a respeito da situagio interétnica prototipica. A tendéncia foi pensar em tecmos de povos diferentes, com histérias e culcuras diferentes, que em dado momento se retinem ¢ se acomodam uns Mas eu argumen: 205 outros, geralmente em um contexte coloni taria que, para melhor visualizar os requisitos bisicos da coexistén~ cia de diferentes grupos Etnicos, deverfamos nos perguntar 0 cue é necessario para que as distingdes étnicas surjam em uma dada irea. Em termos organizacionais, fica claro que esses requisitos sio, em pe'~ ‘meio ugar, uma classificasio de secores da populacio em categorias * Aaiferenca entre grupos &nicoseestracos soca, apatentementeproblensica neste momento da argumentagso, seek desenvalvidaadiance 7 Frepaiibuee de scatus exclusivas ¢ imperativas e, em segundo lugar, uma aceica- fo do princtpio segundo o qual os padres aplicados a uma des- sas categorias podem ser diferentes daqueles aplicados 2 uma ou- tra, Ainda que isso por si s6 no explique por que as diferengas culeasais suxgem, permite-nos perceber como elas persistem. Cada categoria pode ser associada a uma escala de valores distiata. Quanto maiores as diferencas entre esses padcées valorativos, maiores as, estrigGes & intecagdo éenica, pois os scatus eas situagSes presentes nna rotalidade do sistema social que envolvam comportamentos discrepances com selagio as orientagées valorativas de uma pessoa devem ser por esta evitados, uma vez que esses comportamentos sofrerio sangies negativas. Além disso, dado que as identidades sio tanco sinalizadas como assumidas, todas as novas formas de comportamento tendeeio a ser dicoromizadas; potcanto, esperarfa- mos que as testrigdes em relagio aos papéis sociais operassem de modo que houvesse relutancia em agie de maneiras inovadoras por~ {que uma pessos teria medo de que o comportamento inovador fos- se inadequado para alguém com sua identidade. Especarfamos tam- bém que as pessoas rapidamente classificassem todas as formas de atividade associando-as a um ou a outro conjunto de caracterfsti- cas étnicas. Do mesmo modo que as dicotomizagdes em termos de crabatho masculino versus trabalho feminino patecem proliferar er algumas sociedades, a existéncia de categorias érnicas bésicas patece constituir um fator que incentiva a proliferagio de difecenciagSes cultueais, Nesses sistemas, as sangSes que produzem a adesio aos valo- res espectficos de cada grupo no sfo exercidas apenas por aqueles gue compactitham da mesma idencidade. Também esse aspecto © paralelo com outtos status imperativos é util: do mesmo modo que ambos os sexos ridicularizam o homem que é efeminado, e todas as classes punem o prolerdvio com ares de tiqueza, também € provivel que os membcos de todos os grupos étnicos em uma sociedade poliéenica ajam de modo a manteras dicotomias e diferencas. Onde as identidades sociais so organizadas e alocadas de acordo com 38 Oseruros frscos sine rims esses principios, haverd uma tendéncia no sentido de canslizar e padronizar a interagio ¢ no sentido da emergéncia de fronteiras que mantém ¢ produzem diversidade étnica dentro de sistemas so- ciais maiores € mais abrangentes. A interdependincia dos grupos Enicos O vineulo positive que conecta varios grupos écnicos em um siste- sma social abrangente depende da complementaridade dos grupos com relagio a algumas de suas caracter(sticas cultursis peculiares. Essa complementaridade pode dar ovigem a uma interdependéncia ou simbiose, constituindo as areas de articulagio 3s quais nos sefe- rimos. Jé nos campos em que nio hé complementaridade, ndo exis- te também nenhuma base para a organizacio de acordo com linkas Eenicas: no hayerd interagio alguma ou haverd interacio sem cefe- réncia A identidade éenica. Hi grandes diferengas entre os sistemas sociais quanto a0 grau em que a identidade étnica como scatus imperativo cria restrigBes & variedade de status ¢ papéis que a pessoa pode assumir, Nos casos em que os valores distintivos ligados a identidade étnica forem selevantes apenas para poucos tinos de atividade, a orgenizagio social rela bascada seré igualmente limitada. [& os sistemas poliéenicos complexos claramente acarcetam diferengas de valor amplamente relevantes ¢ milciplas restrigdes quanto a possiveis combinagées de status ¢ modalidades de pacticipacio social. Nesse tipo de siste- ma, os mecanismos de manutengio de fronteiras devem ser muito eficazes pelas seguintes razdes: (i) a complexidade esti baseada na existéncia de diferencas culturais importantes e complementares; (Gi) esas difecengas dovem ser largamente padronizadas dentco de cada grupo érnico — ou sea, 6 coi social, de cada membro de um grupo deve ser altamente estertori- pado para que a interagio possa basear-se em identidades Ecnicas; ¢ (iii) as caracteristicas culturais de cada grupo étnico devem perma- necer estiveis, para que 2s diferencas complementares que esto na base do sistema possam persistir diante de contatos interéenicos mito de status, ou a pessoa 9 Faions hr bastante préximos. Nos casos em que estiverem presentes tais con= digdes, o: grupos étnicos podem adaprar-se uns aos outros de for- ima estével e simbiStica: 05 outros grupos étnicos presentes na re- gido tornam-se parte do ambiente natural; os setores em que hi articulagio oferecem dreas que podem ser exploradas e, do ponto de vista dos membros de qualquer um dos grupos, 0s outros seto- res de atividade dos demais grapos parece em grande medida iecelevantes. A perspective ecoligiva Essas interdependéncias podem ser parcialmente analisadas do ponto de vista da ecologia cultural: os setares de atividade em que diferentes populacSes com diferences culturas se arciculam podem ser pensados como nichos aos quais o grupo esté adaptado. Essa interdepeadéncia ecol6gica pode assumic diversas formas, das guais E possivel consteuir uma tipologia aproximada. Nos casos em que dois ou mais grupos étnicos estéo em contato, suas respectivas adaptagBes podem cer as seguintes formas: 1. Cada grupe pode ocupar nichos distintos no ambiente na- tural e reduzir a0 minimo a competisio por recursos. Nesse caso, sua interdependéncia secé limitada apesar de cesidirem na mesma regido, ¢ a articulago tenderé a se dar principalmente através do comércio ¢ talvez em uma esfera cerimmonial-ritual, 2. Os grupos podern monopolizar territérios separados, e nesse caso eles estario em competigio por recursos e sua articulagio en- volverd a politica 20 longo da fronteita e possivelmente ineluirs outros serores. 3. Os grupos podem oferecer bens e serviges importantes uns 208 outros, ou seja, ocupar nichos reciprocos ¢ portanto distintos, porém intimamente interdependentes. Caso nio haja ume atticula- cdo muito préxima no setor politico, decorrers dat uma situagio simbidtica clissica e surgies uma variedade de campos de articula- ‘io possiveis, Se houver também competigio e acomodagio através da monopolizacio diferencial dos meios de produgio, decorrers 0 COsencoosérsteonu sca nonsts daf uma articulacio politica e econémica bastante esteeita, abrindo possibilidades para outras formas de interdependéncia. Essas alsernativas referem-se a situagGes estiveis. Mas € muito comum encontrar uma quarta forma bisiea nos casos em que dois ‘ou mais grupos entcemeados em um terricério competem, 20 me- nos parcialmente, pelo mesmo nicho. Com o tempo. esperat-se-ia que um dos grupos deslocasse 0 outro ou que surgisse uma aco- modagio envolvendo uma crescente complementaridade ¢ inter- dependéncia. A literatura antropolégica sem diivida oferece exemplos tipi- cos dessas situagbes. Todavia a observagio cuidadosa da maioria dos casos empfricos mostra situagdes consideravelmente miscura- das, e apenas através de simplificagées bastante grosseicas se pode- ria reduzi-las a tipos simples. Em outro trabalho (Barth 19646), procure’ ilusted-lo no caso de uma regizo do Baluquistio, e minha ‘expectativa € que de maneira geral seja verdadeico que um dado grupo étnico, nas diferentes fronteiras que delimitam sua discri- buigio € nas suas diferentes formas de acomodacio, exiba simul- caneamente diversas dessas formas em suas relacdes com outros grupos. A perspectiva demogrifica Essas varidveis, porém, desccevem apenas parcialmente a forma de adapragio de um determinado grupo. No que diz respeito a isso, mesmo que essas variéveis mostrem a estrutuca qualicativa — € idealmente também quantitativa — dos nichos ocupados por um determinado grupo, no se pode ignorar os problemas de nimero e equilibrio envolvidos em sua adaptasio. Sempre que uma popula- io depe: amente, para 0 tamanho que essa populacio pode alcangar, um li- mite superior que corresponde & capacidade suporte desse nicho, ‘Qualquer adapragio estivel implica controle do tamanho da popu- lagio. Além disso, se duas populagdes sio ecologicamence inter- dependentes, como no caso de dois grupos éenicos em uma celagio da exploragio de um nicho natural. havers necessari- 4“ simbiética isso significa que qualquer vatiagio no tamanho deuma deve cer efcitos importantes no tamanho da outea. Assim, em qual- quer anilise de sistemas poliérnicas com um minimo de profundi- dade temporal, devemos ser capazes de explicar os processos atra- vés dos quais os tamanhos dos grupos étnicos interdependentes aringem um ponto de equilforio. Cada equilibrio demogrifice en- volvido € bastante complexo: a adaptagio de um dererminado gru- po a um nicho natural € afecada por seu tamanho abslito, mas a adaptagio de um grupo étnico a0 nicho constitufdo por um outro € afetada por seu tamanho relativo. ‘Os problemas demogeéficos envolvidos na andlise das relagbes inceréenicas em uma dada regio concentram-se, portanto, em ques- tes como as formas de recrutamento para 0s grupos étnicos € 2 sensibilidade das taxas de recrutamento 2s pressbes execcidas sobre 6 diferentes nichos explorados por cada grupo. Estes fatores si0 cviticos pata a estabilidade de qualquer sistema poliétnico, ¢ pode- ria inclusive parecer que qualquer mudanga populacional ceria con- seqiiéncias desirutivas. Nao & necessariamente isso © que ocorre, como podemos observar no trabalho de Siverts”. Na maioria das situag6es, porém, os sistemas poliétnicos que remos observado en- volvem processos bastante complexos de movimento ¢ ajuste popu- Iacional. Torna-se claro que virios outros fatores além da fertilidade ¢ mortalidade humanas afetam os balancos demograficos. Tomando um deteeminado territério, hS, por exemplo, facores relatives aos deslocamentos individuais e grupais: a emigragio que alivia a pres- sfo, aimigragio que faz com que um ou virios grupos que residem rio mesmo lugar se mantenham como postos avancados de reserva- {érios populacionais maiores situados em algum outro lugar. A gracio e as conquistas tém papel incermitente na redistribuigio das populagdes ¢ nas mudangas de suas relagdes. Mas o papel mais * Sivenrs, Henniag, “Ethnic stability and boundary dynamics in Southern “Mexico”, Em: F Baki (ed) Etbicgros end burda. Op. ct. a Oscavon Arsene BAR HOST inceressante ¢ muitas vezes fundamental é desempenhado pot ou- tro conjunto de processos que modificam as identidades de indivt- duos e grupos. Afinal de concas, o material humano organizado em uum grupo étnico nio é imutivel,e ainda que os mecanismos sociais discucidos até aqui cendam a manter as dicotomias e as Fronceivas, cles niio acarretam necessariamente uma “estase” do marerial huma- no que organizam: as fronteiras podem persistir apesar do que podertamos qualificar igurativamente de “osmose” das pessoas que as arravessam. Essa perspectiva leva a um imporcante esclarecimento a respel- to das condigdes necessirias para o surgimento de sistemas poliéenicos complexos, Ainda que o surgimenco € a persisténcia esses sistemas pategam depender de relativa estabilidade das ca- ractertsticas culcurais associadas aos grupos étnicos — ou seja, grande rigidez nas Feonteiras de interagio baja rigidez semelhante no que diz cespeito aos padres de recru~ tamento dos grupos érnicos ou de atribuigio de pertencimento a eles: a0 contesrio, as relagdes intacéenicas que observamos freqiientemente envolvem diversos processos que ocasionam mudangas nas identi- dades individuais e grupais e, conseqtientemente, modifica os ou- tos fatores demogréficos presentes na situagio. Exemplos de fron- teiras étnicas estiveis ¢ persistentes que, todavia, sio atravessadas por fluxos de pessoas sio bem mais comuns do que 2 liceratucs ceenogrifica nos levaria a acreditar. Os trabalhos apresentados na coletinea Os grupos finios¢ suas frontiras por mim organizada trazem exemplos dos diferentes processos que acarretam essas teavessias de Fronceica ¢ também mostram que as condigSes que as causam sio dliversificadas. Abordaremos brevemente alguns desses processos. af nie decorte que Fatores envolvidos na mudanga de identidade Os Yao deseritos por Kandse (1967b) so um dos muitos poves das montanhas que vivern na bord sul da regito chinesa. Os Yao se organizam para a produgio em grupos domésticos compostos por familias excensas, que por sua vez se alinham em clis e em aldeias. “8 ean Bae A lideranga do grupo doméstico € muito clara, 20 passo que a co- munidade ¢ a regio so aucéccones e acéfalas, ligadas de diversas maneiras a dominios politicos poliérnicos. A identidade e as dis- tingdes sido expressas em complexos idiomas rituais, envolvendo sobretudo 0 culto 20s ancestrais. Esse grupo, no entanto, apresenta uma taxa de incorporacio extremamente alta, com 10% de nio- vyaos rornando-se yaos a cada geracio (Kandre 19672: 594). A mu- danga de pectencimento ocore de maneira individual e principal- mente com eriangas, envolvendo a compra da pessoa pelo lider de um grupo doméstico yao, a adogio, que acarteta assumir 0 status de parente, ea assimilagio ritual completa. Ocasionalmente, ¢ mu~ dana de pertencimento étnico é também realizada por homens adul- tos através do casamento uxorilocal; os homens chineses sio contrapartes aceitéveis nesses arranjos. As condigSes para essa forma de assimilag5o claramente envol- vem um duplo aspecto: em primeiro lugar, a presenga de mecanis- mos culturais que permitem implementar a incorporagio, incluin- do-se af a idéia de obrigagdes para com os ancestrais, compensagio por pagamento etc.; em segundo lugsr, o incentivo representado pelas vantagens evidentes para 0 grupo doméstico ao qual se di a incerporagio, bem como para o seu lider. Essas vantagens esto relacionadas 20 papel do grupo doméstico como unidade produti- va, As téenicas de gestio agricola — em fungio das quais 0 tama- ho étimo da unidade € de seis a oito pessoas trabalhando — ¢ também ao padrio de competicio intracomunitéria entre os Kideres dos grupos domésticos por riqueza ¢ influéncia. Por sua vez, o caso dos movimentos através das fronteiras nor- eee sul da Scea pathan*iluseea formas e condigées bastante diferen- tes, Os Pathan do sul tornam-se baluchis, sem que ccorra o contré- rio. Essa transformagio pode ocorter com individuos, mas é mais comum que envolva grupos domésticas inteiros ou pequenos con- ''N, do E, Ver, no pesene volume, o captulo "A idenidade puthan sua manutengi",p. 69.93. 44 Osununsstmecornsuarrnowrins juntos de geupos domésticos: ocasiona a perda de posicie dentro do rigide sistema segmentar genealégico e territorial dos Pathan ¢ 2 incorporagio no sistema hieréequico e centealizado dos Balu auravés de conteatos clientelfsticos. A accitagio no grupo receptor depende da ambigio e do oportunisme dos lideres politicos baluchis, Em contrapartida, os Pathan do norte, a0 softecem wima perda andloga de posigio em seu sistema nativo, geralmente se transferi- ram pata ¢ Kohistio © conquistacam af novos certitérios. Com 0 tempo, 0 eftito foi uma reclassificagie das comunidades que se transferitam, com sua incorporagdo aos conjuntos localmente di- versificados de tribos e grupos kohistanis. Talvez 0 caso mais marcante seja 0 de Darfur, apresentado por Haaland®, que mostca os membros do grupo Far, do Sudio. Eles so agricultores e mudam de identidade, assumindo a de érabes némades criadores de gado. Esse processo dependeu de uma cunscincia econdmica muito especifica: a auséncia de oporcunida- des de investimento de capital na economia das aldeias fur, inversa- mente 20 ocortido entre os némades. O capital acumulado e as oportunidades para administeé tivos para que grupos domésticos fur abandonassem seus campos aldeias ¢ mudassem de vida, passando a acompanhar seus vizi- nos Baggara. Nos casos em que a mudanga foi bem-sucedida do ponto de vista econmico, passaram também a unit-se a uma ov outra das unidades politicas frouxas, pocém formalmente cencrali- zadas, dos Baggara. ¢ aumencé-lo ofereceram incen- Esses precessos que induzem um fluxo de pessoas que acre- vessam fronceiras étnicas afetam necessariamente 0 equilibrio demogeifico entre os respectivos grupos. Saber se esses processos contribuem para a estabilidade desse equilibrio € uma questi completamente diferente. Para que isso acontega, esses processos te- riam de ser sensiveis de forma homeostética a mudangas no grau de * Flaatawo, Gunna “Bconemic determinants in ethnic processes”. Ems E Batt (04) Eshnegroups and boundait. Op. it 45 Faron Bane pressio sobce os nichos ecolégicos. Normalmente néo parece ser esse 0 c250. A assimilagio de nio-yaos parece aumentar ainda mais, a taxa de crescimento © expansio dos Yao as expensas de outros grupos. e pode ser visto como um fator, ainda que de menet impor- tincia, coneribuindo para o processo de progressive predominio da ecnia chinesa, que vem ocasionando uma firme reducio da diver sidade érnica e culeural em uma grande regido. Jé 0 grau de assimi- agdo de pathans por tribos baluchi apresenta indubitavelmente uma sensibilidade & pressio populacional nas regiées des Pathan, mas a0 mesmo tempo acarreta um desequilibrio em fungio do qual as tribos Baluch vém se espalhando em diresio a0 norte, apesar da maior pressio populacional nessa regizo. A assimilaczo pelos gru- pos do Kohistio, por sua vez, aliviaa pressio populacional sobre a regio dos Pachan a0 mesmo tempo que mantém estivel a fronteira geogrifica. J4 a nomadizagio dos Fur reforga os Baggara, que em outros lugares estio se tornando sedentfrios. A taxa de assimila- gio, todavia, nio estd correlacionads & pressio sobre as tertas dos Fur: uma vez que a nomadizagio depende da acumulagio de rique- as, essa taxa possivelmence decresct conforme o aumento da pres- sio populacional entce os Fur. O caso dos Fur demonstra também a instabilidade inerente de alguns destes processos e mostra que mu- dangas bastante [i inovagio tecnolégica na horticultura 20 longo dos sltimos dez anos, surgiram novas oportunidades de investimento, que provavelmente reduzirio.em muito ou mesmo revercerio momentaneamente 0 pro- cesso de nomadizagio. Assim, ainda que os processos que induzem 3 mudanga de identidade sejam importantes paca a compreensio da maioria dos casos de interdependéncia étnica, eles nao necessariamente condu- zem & estabilidade populacional. Pede-se, no entanto, argumencac em termos gerais que, sendo as relagSes étnicas estéveis durante longos periodos de tempo, e particularmente nos casos em que a interdependéncia é estreita, € provivel que haja um razoavel equili- brio demogréfico. A andlise dos diferentes fatores envolvidos nesse itadas podem ter resultados draméeicos: com a 46 Oserurosemtcas sus RENTERS equilfbrio & uma parte importante da anslise dos relagSes nteréenicas na regio. A porsistincia das fronteiras culturais Na discussto precedente a respeito da manutenglo de feonceicas éxnicas ¢ dos fluxos de pessoas entre grupos érnicos, deixei de lado uma questio muito importante, Examinamos vétios exemplos de como individuos ¢ pequenos grupos podem mudar de local de moradia, de padtio de subsisténcia, de lealdades « formas politicas ow de percencimento a grupos domésticos em fungdo de circuns- tancias econdmicas ¢ poltticas espectficas relativas 4 sua posigio original e em meio 20 grupo assimilador. Mas isso ainda no expli- ca completamente por que tais mudancas levam a mudangas de iden- tidade éenica, sem que essa troca de pessoal afete os grupos étnicos dicotomizados (a nio set quanto a0 némero de componentes de cada grupo). No caso da adagio e incorporacio de indivfduos iso- Iados, geraimente imacuros, por grupos domésticos jé estabeleci- dos, como no caso dos Yao, a assimilagio culrusal completa é com- preensivel: neste caso, cada pessoa incorporada é rotalmente imersa no padtio yao de relagdes ¢ expecrativas. Jé nos outros exemplos io fica tio claro por que ocorrem mudangas corais da idencidade. No se pode argumentar que isso decorea de uma regea universal de integracao cultural que faria com que assumir as priticas politicas proprias a um dado grupo ou seus padrées de adaptacio ecolégica na esfera da subsisténcia e da economia implicasse necessariamente adotar também as outras partes e formas que carneterizam © grupo Exnico. Na verdade, 0 caso dos Pathan (Ferdinand, 1967) mostra diretamente a falsidade desse argumento, ji que as fronteiras do ‘grupo étnico Pathan cruzam os limives de unidades politicas ¢ eco- légiczs. Com isso, um pequeno grupo pathan, usando aauto-iden- tificagio come eritécio fundamental de identidade éxnica, poderia perfeitamente assumir obrigagSes politicas corcespondentes 20 pertencimento a uma tribo baluchi ou adatar peévices agticolas € pecudtias kohistani, e mesmo assim continuar 2 identificar-se como 7 Fasgma Bet pathans: Do mesmo modo, poder-ei esperar que a nomadizasio Prete os Fur levasse ao surgimento de um setor ndmade encre eles, semelhante aos Baggara quanto 20 modo de subsisténcia, mas dis- tinto destes quanto a outras caracteristicas culeurais € 20 seu rétu- Io étnico. J Evidencemente € isso 0 que sconteceu em muitas hhiseéricas. Mas nos casos em que isso ado acontece, podemos ver 0s efeitos organizadores e canalizadores das distingées étnicas. Para cexplorar os farores causadores desta diferenga,examinaremos pri- icagbes espectficas atribufdas is mudangas de identi- dade nos exemplos apresentados acima. No caso das Areas fronteirigas dos Pathan, a influéncia e a se- guranga que alguém pode obeer, ro contexco das sociedades seg- mentares e andequicas dessa regido, dependem de suas agSes prévi- 4s, ow melhor, do respeito que se obcém com esses atos em fungio do julgamento dos mesmos, de acordo com os padrdes aceitos de avaliagio. Os principais espagos para exibir as vietudes pathan si ‘o conselho tribal e as oportunidades para 2 demonstracio de hos- pitalidade. Quem mora em uma aldeia no KohistZo tem um padrio de vida que ndo permite competir em hospitalidade nem mesmo com o¢ servos conquistados pelos Pathan das regies vizinhas; e 0 cliente de um Ider baluchi nao tem o direito de se expressac no consetho tribal. Mancer uma identidade pathan nessas citcunstan- cias, ou seja. declarar-se participante da compecigio por se melhor em termos de padres valorativos pachan, equivale a condenar-se ancecipadamente a uen fracasso completo, Mas se a pessoa optar por assumir uma idencidade kohistani ou baluchi, poderd alcancar ‘com s mesma performance uma posicao bastante elevada em cermos das escalas de valores que tornam-se entio relevances. Assim, nesse ‘caso 08 incencivos para a mudanga de identidade sZo inecentes 3 miudanga das circunstincias. E claro que diferentes circunstincias favorecem diferentes performances. Uma vez que a identidade étnica esté associads a um conjunco culeuralmente espectfico de padrdes valorativos, segue-se agées a Cscauvosimecoss sus owiines que hs ciscunstincias em que tal idencidade pode ser reizada com relativo sucesso, e limites para além dos quais esse sucesso & impos- vel. Meu argumento € que as identidades étnicas nao si mantidas quando esses limices so ultrapassados, pois © compromisso com determinados padrdcs valoratives aio ser4 sustentado em eircuns- cdncias que tornam a performance comparativamente muito inade- quada em termos desses padeées". Os dois componentes dessa me- dida relativa de sucesso so, em primeiro lugar, a performance dos ‘outros ¢,em segundo lugar, as alternativas abertas para cada urn. Deve ficar claco que no se trata aqui de um apeloa adaptagio ecolégica. A viabilidade ecolégica ea adequagSo ao arnbiente natural 6 importam se colocarem limitagSes & sobrevivéncia fisica, coisa que raramente entra em questo quando se crata de grupos érnicos. O que importa & 2 qualidade da performance des outros com quem se interage ea quem se & comparado, e também as identidades ¢ conjuntos de pi diées alternatives disponiveis para um dado indivfduo. Identidade étnica ¢ recursos materiais Essa argumentagio nfo esclarece, porém, 0s fatores de manutengio de feonteira no caso dos Fut. Haaland!" discuce como a rida néma- de & avaliada de acordo com os padrées fur e mostra que desse ponto de vista o balango entre vantagens ¢ desvantagens permancce inconcluso. Para que esse caso comparivel a outros, temos que examinar de maneira mais geral todos of fatores que afetam o com= portamento em questio. Apresentaremos dados que derivam de con- textos ctnogrificos muito diferenciados, ocorrendo variagies si multineas em diversos farores. A telagio do individuo com os recursos produtivos aparece como um significativo contraste entre o Oriente Médio e a regio * Escou preocupado aqui apenas com o fracasso individual em mantee 2 ‘dentidade, o que éconseguide pela maioria dos membros, eniocam as quescies ais amplas da vitalidade ed anomia culeurais, © Haatano, Gunnse "Economic determinants in ethnie processes”. Op. ci. +” Faapase ba de Darfur. No Oriente Médio, os meios de producio sao conside- rados come propriedade definida eceansCerivel,seja de cardterpri- ado, seja de eardter corporado. Uma pessoa pode obté-la arravés dde unta eransagio especifica e restrita, como uma compra ou um arvendamentor mesmo quando hi conquista, os direitos que se obtém sfo padronizadas e limitados. Em Darfur, por outro lado, bem como em boa parte do Cinturdo Sudanés, prevalecem ourras convenes. A terra para cultive € alocada para os membros da co- munidade de acordo com suas necessidades, A distingio entre © propriexério e aquele que trabalha a terra, tio importante para a esurutuca social da maioria das comunidades do Oriente Médio, no pode ser feita nesse caso porque a posse nic envolve direitos separiveis, absolutos ¢ transferfveis. © acesso aos meios de produ «fo em uma aldeia fur depende apenas da mclusio na comunidade da inclusio na identidade éenica fur. De modo semelhance entre os Baggata, direitos sobre pastagens nio so alocados € mo- nopolizados, nem mesmo entre diferentes cribos. Ainda que gru- pos e tribos tendam a usar as mesmas rotas € Steas a cada ano, possam algumas vezes tentar, de mancira ad be, evitar 0 acesso de outros as dreas que querem usar, normalmente se misturam ¢ njo cém nenhuma prerrogativa definida e absoluta. O acesso as pasta- gens ocorre automaticamence desde que se exerga a atividade de criagio animal, redundando em ser baggara. ‘Os mecanismos bisicos de manutencio de fronteira em Darfur sio portanto bastante simples: uma pessoa tem acesso 203 meios fundamentais de produgSo porque pratica uma certa modalidade de subsisténcia; isso traz como resultado todo um estilo de vida, ¢ esse conjunto de caracteristicas estd subsumido nas denominagdes écnicas fur e baggata. Jé no Oriente Médio, pode-se obter controle sobre os meios de produsio através de transagdes que nie envol- vem outras atividades da pessoa; a identidade érnica, nesse caso. nfo é necessatiamente afecada, o que abre caminho para a diversifi- casio. Assim, no Oriente Médio os némades, os camponeses ¢ os citadinos podem pertencer 2 um mesmo grupo éenico; a persisténcia 50 Corcausee imecat sus ravines das fronteias Exnicas depende de mecanismos mais sutis ¢ espect- ficos, igados principalmente & inviabilidade de certas combinacBes de status ¢ papéis. Grupo: étnicos ¢ estratificagio Onde um grupo érnico tem controle sabre os meios de produsdo utilizados por outro grupo surge uma relagio de desigualdade ¢ estratificagio. Portanco os Fur ¢ 05 Baggara no compdem um sis tema esteatificado, pois ocupam nichos diferentes ¢ tém acesso a eles de forma independence; jé em cectas partes da dea pathan, encontramos uma estratificagio baseads no controle da terra, com os Packan na posigio de senhores da terra e outros grupos fazendo fo cultivo em regime de servidio. Em termos mais gerais, pade-se dizer que os sistemas poliétnicos estratificados existem sempre que os grupos caracterizam-se por um controle diferenciado sobre re- cursos valorizados por todos os grupos participantes do sistema, Dessa forma, as culcuras dos grupos étnicos de tais sistemas sio invegradas de uma maneira especial, pois compartilham certas ori- entagbes € escalas valorativas gerais, com base nas quais podem fa- zr julgamentos em termes hicrSquicos. Em contrapartida, um sistema de estratificagio no implica necessatiamente 2 existéncia de grupos étnicos. Leach (1967) ar- gumenca convincentemente que as classes sociais distinguem-se por diferentes subculeuras e que essa caraceristica é mais fundamental do que 0 ordenamento hierirquico entre as classes. Em muitos sistemis de estratificagio, todavia, nie hé esteatos claramente deli- mitados: nesses casos a estratificacio baseia-se simplesmente em uma nogio de escalas € no reconhecimento de um nivel centrado em Ego, de “pessoas que sio como nés”, em oposigio aqueles que sio vis-os como mais seletos ¢ 2queles que so vistos como mais vwulgares. Nesses sistemas, quaisquer que sejam as diferengas cultu- cais, els se apcesentam de maneira gradativa, sem que surja algum tipo de organizagio social de grupos éenicos. Em segundo lugar, a maioria dos sistemas de estratificagio permite ou implica uma su | avon Barc mobilidade de acordo com as escalas de avaliagSo que definem a hierarquia: um fracasso moderado no setor "B” da hierarquia trans- forma a pessoa em “C”,€ assim por diante. Por sua vez, 05 grupos dxnicos no tém abercuta para esse tipo de entrada, pois a atribui- io da identidade éenica baseia-se em outros critérios mais cestr vos. Isso é claramente ilustrado pela andlise de Knutsson a respeite dos Galla no contexto da sociedade erfope"®. Trata-se de um siste- ima social em que grupos étnicos inteiros sio estratificados de acor- do com suas posigdes de privlégio ou de incapacidade dentro do Estado. No entanto chegar ac governo no transforma um galla em tum amhara, nem a expulse como fora-da-lei redunda em perda da identidade galla Desa perspectiva,o sistema de castas indiano apareceria como tum caso especial de sistema poliétnico estratificado. As fronteitas enue as castas sio definidas por exitérios Eunicos: Fracassos indivi- dluais na performance levam a uma expulsdo da casta, € ndo a um rebaixamento para uma casta inferior © processo pelo qual o sistema hierérquico incorpora novos grupos érnicos é demonstrado pela sanaritigagao dos povestribis a aceicagSo das escalas basicas de valores que definem sua posigio na hierarquia de purcza e poluigéo rituais é a Ginica mudanga de valores necesséria para que um desses povos se reansforme em uma casta indiana. Creio que uma andlise dos diferen- tes pracessos de manutencio de fronteiras envolvidos em diferentes relagSes entce castas e em diferentes variag6es regionais do sistema de castas esclareceria muitas de suas caracterfsticas. A discussio precedente traz 3 tona uma caracterfstica geral um tanto andmala da identidade étnica como status: a atribuigi ® KxUTsSON, Kal Erie "Dichotomization and integation”. Em: F Baars (ec) Exbic groups nd boundaries. Op. cite "Emm opesigio a clsssificagio peesumsids em encantzos sociassfortuitos — [penso er uma pestox em seucontexco social nocmal,noqual os outros possuern quancidade considerivel de informacées prévias sobre ela, ¢ nfo xs possibilidades propiciadas ocasionalmence para mascarar a propria identidade dance de estanhos. 52 Ceonuver ericor sens nenronss depende do controle de algum recurso espectfico, mas bascia-se em critétios telativos 3 origem e ao compromisso, enquanto em outros sistemas a pecformance no status, ou scja, 0 desempenho adequado dos papéis necessfrios para realizar a identidade requer tais recur- sos. No casode um cargo burocrético, contrastantemente, a pessoa que ocupao cargo recebe os recursos necessirios paca a performance de seu papel jf as posigdes no sistema de parentesco, atributdas sem referéncia aos recursos possufdos por uma pessoa, também no dependem da performance — pessoa continua a set pai mes- mo que nao consiga suprir o filho com alimentos. Assim, quando os grupos étnicos se inter-relacionam em um sistema escratficado, so necessérios processos especiais que man- tenham 0 coatrole diferencial de recursos. De modo esquemitico, uma premissa bisica da organizacio de grupos érnicos & que toda pessoa do grupo A possa desempenhar os papéis 1, 2 € 3. Se hé concordincia dos stores quanto a isso, a premissa necessariamente se realiza, a menos que o desempentio desses papéis necessite de recursos que estio distribufdos de acordo com um padiio discre- pante. Se esses recursos sio obtidos ou perdides por vias que independem do fato de uma pessoa ser um A, se eles sio busca dos ou evitados sem nenhuma referéncia 2 identidade da pessoa como A, a premissa serdfalsificada, pois alguns As tornam-se inca- pazes de desempenhar os papéis esperados. Na maioria dos siste- mas estratifizados, a solugio para manter a integridade do sistema quando isso ocorre é deixar de considerar estas pessoas como A. Mas no caso da idencidade étnica ocorre 0 conteario: a solucio & passar a eeconhecer que todos os As nao podem mais ou no mais assumirio, pot exemplo, os papfis I € 2, por exemplo. A persistén- cia de sistemas poliétnicos estratificados implica, portanto, a pre- senga de farores que getem e mantenham uma distribuigio de recur sos diferenciada, de acordo com as categorias érnicas: controles estatais, como no caso de alguns sistemas modernos, plutais e ra- cistas; diferengas bem demarcadas nos padrées de avaliagio, que canalizem os esforgos dos atores em diregdes distintas, como nos 33 | Faron Bat sistemas que incluem ocupagbes consideradas poluidoras; ou dis- ringées culturais que gerem diferencas marcantes na organizagio politica ou econdmica ou nas habilidades individuais. A questi da variagio Apesar desses processos, um rétulo étnice subsume virias caracte- ‘sticas simuledneas que sem divida nenhuma se apresentam agru- padas em termos estatisticos, sem se tornarem interdependentes conectadas de forma absoluta. Assim, haverd variagSes entre mem- bros. alguns mostrando muitas das caracceristicas préprias ao gru- po € outros, poucas. Especialmente nos casos em que hd mudancas, nas identidades das pessoas, isso cria ambigiiidades, pois nesses casos o pertencimento étnica é tanto uma questio de origem quan- to de identidade atual. Haaland. por exemplo, foi levado 2 certos lugares para conhecer “os Fur que moram em acampamentos néma- des”, e eu pr6prio ouvi membros de sec6es tribais baluchi explica- tem que cles na verdade eram pathans. Nesses casos em que as distingSes efetivas sio to difusas, 0 que resta dos processos de manutengio de feonteira e das dicoromias categéricas? Em ver de desesperar-se ance o fracasso do esquematismo tipolégico, é legiti- mo cegistrar que as pessoas de fato usam rowulagées éenicas e que de fato hd, em muitas partes do mundo, diferengas bastante mareanies de acordo com as quais determinadas formas de comportamento se agrupam; assim grupos inteiros tendem a se encaixar em tais cate- gorias em termos de seu comportamento objetivo. O que é surpre- endente ado é a existéncia de alguns atores que se posicionam en- te essas categorias ¢ de algumas regises do mundo nas quais as pessoas nfo tendem a se distinguir dessa maneis que as variagSes tendem efetivamente a se agrupar. Nao se trata de nos preocupacmos com 0 aperfeigoamento de uma tipologia, mas de rentarmos descobris quais sio os processos que produzem tal agrupamento. ‘Outta abordagem que tem sido adotada na anteopologis é 4 dicoromizagio do material etnogréfico em que se apse o idesl a0 54 ‘Oserros trices sus Roxas real, 9u 0 conceitual ao emptrico, concentrando-se entio nas con- sisténcias (a “eserutura") da parte ideal ou conceitual dos da- dos e empregando algumma nogio vaga referente a normas ¢ a desvi- 0s individuais para dar conta dos padrées reais, estatiscicamence observados. E claro que é perfeitamente vidvel distinguir o modelo que um povo tem de seu sistema social do padrio agregado de seu comportamento pragmitico, € de fato € bastante importante nio confundir as duas coisas. Mas os problemas mais férteis na antro- pologia social dizem respeito justamente 20 modo como essas duas coisas s¢ interconectam; a dicotomizacao ¢ 0 conftonto dos dois aspectos como sistemas torais nfo € necessariamente a melhor ma- neita de elucidé-los. Nos trabalhos de Os grupos dics suas fronte- ras, centamos construir a andlise enfocando um nfvel mais bisico de interconexSo entre status e comportamento. Acredito que é para 0 agit que as pessoas tém cetegorias, ¢ que € 2 interagio, ¢ nio a contemplagio, que as afeta significativamente, Ao indicar a cone- xio entte 08 rétulos érnicos ¢ a manutengio da diversidade culeu- ral, estou preocupado basicamente em mostear como, dependendo das circunseancias, certas constelacées de categorias e de orienta- ges salorativas acabam por realizar a si pr6prias, outras tendem a ser felsificadas pela experiéncia, ¢ outras ainda sio impossiveis de secem realizadas nas interag6es. As fronceitas émmicas s6 podem emer- gir epersistir na primeira situagio, tendendo a se dissolver ow escar ausecces nas outras. Havendo esse feedback entre as experiéncias dos individuos € as categorias que eles empregam, torna-se possivel manter dicotomias €tnicas simples e reforcar os diferenciais estere- otipados de comportamento, apesar da considerivel variagio obje tiva, Isso ocoree porque os atores lutam por manter definigdes de situagio convencionais nos encontros sociais, através da percepcio seletiva, do tato e de sancies, além da dificuldade de encontrarem outeas codificacées mais adequadas para a experiéncia, A cevisio s6 ocorre nos casos em gue as categorizagbes se mostram grosseira- mente inadequadas — ¢ nio apenas porque sio nio-verdadciras em aigum sentido objetivo, mas porque agie em termos dessas 35 Fasoau ers ceategotias ndo traz aenhuma cecompensa no dominio em que 0 acot coma essa categorizacio relevance. Assim, a dicocomia entee furs aldedes e baggaras némades € mantida apesar da presenca evi- dente de win acampamenco de némades fur nas vizinkangas: 0 fato de que aqueles n8mades falam fur e tém conexdes de parentesco com aldedes fur de algum lugar no muda a situagio social em que 10s aldedes interagem com eles; simplesmente facilita as transagées comuns que normalmente se dariam com os Baggara, como a com- prade leite, aalocagio de dreas para acampamento ou a obtengio de esterco. Jaa dicotomia entre donvs de terra pathan ¢ trabalhadores rnio-pathan nio pode ser mantida em uma situagio na qual estes cobtém a propriedade da cerca e deixam constrangidos os Pathan a0 se recusarem a trati-los com o respeito que a posicio atribufda de servos imporia, Minorias, parias ¢ as caracteristicas organigacionais da periferia Em alguns sistemas sociais, os grupos €tnicos residem lado a lado, ainda que nenhum aspecto fundamental da esteutuca baseie-se nas relacbes interétnicas. Esses casos sfo normalmente referidos como sociedades com minorias, ¢ 2 anilise da situagio das minorias en- volve uma vatiante especial das relagSes interétnicas. Penso que, na imaioria dos casos, essas situacSes surgiram como resultado de even- tos histéricos externos. Nestes, as diferengas culturais nio surgi- ram a partir do contexto organizacional local; a0 contrétio, um contrasce cultural preestabelecido passa a se conjugar com um sis- tema social também preestabelecido, tornando-se relevante de di- versas maneiras para a vida local ‘Uma forma extrema da posicio de minoria, ¢ que tlustra algu- ‘mas mas ado todas as suas caracterfsticas, € a situagio dos grupos parias. Esses grupos sio ativamente rejeitados pela populagio que 8 recebe por causa de comportamentos ou caracterfsticas que s30 claramente condenados, ainda que na prética se mostrem deeis de alguma maneira espectfica. Nos éltimos séculos, 08 grupos de périas nna Europa, como os carrascos, os negociantes de catne ¢ couro de 36 Osunrosimacose sus OnTHMAS ‘eaalo, os coletores de dejetos humanos, os ciganos ete., exem- plificam a maiosia das caracteristicas: como nao respeitavam tabus bésicos, eram rejeitados pela sociedade abrangence. Sua identidade impunha uma definigéo da situagio que cesulcava em muito pouco espago paca a interacio com pessoas da populacio majoritéria ¢ x0 mesmo tempo, como status imperativo, representava uma incapaci- dade permanente que os impedia de assumir os status normais en- volvidos em outras definicdes da situacio de interagio. Apesar des- sas enormes barreiras, esses grupos no parecem ter desenvolvide a complexidade interna que nos levaria a considerd-los como grupos éxnicos no sentido pleno, exceto os ciganos"', um grupo cultural mente estrangeito AAs fronteicas delimitando um grupo péria sto mancidas forte- mente pela populagio receptors que of exclu. Os pias feeqiien- temente sio forgados a fazer uso de sinais dizcriticos facilmente perceptiveis para anunciar sua identidade (mas muitas vezes essa identidade fornece 2 base para um decerminado modo de vida, ain- da que altamente inseguro, e por isso essa sobre-comunicagio da identidade pode em alguns casos servir aos interesses individuais de um piria em sua competicfo com outros phrias). Nos casos em ‘que os pirias tentam ingressar na sociedade mais abrangente, nor- malmente j4 tém bom conhecimento da cultura da populacio receptora; com isso, 0 problema reduz-se 3 questio de como evicar cos estigmas de incapacidade, separando-se da comunidade péria e simulando outra origem. Muitas situagdes de minoria t@m um trago dessa rejeigio ativa por parte da populagio receprora. Mas a caracteristica geral de to- das as situagdes minotitérias est na organizagio das atividades ¢ da interagio: no sistema social cotal, todos os setores de atividade "+0 comportamenco condenado que confere ums posisSo de pia as ciganos Ecomposto, mas bastia-sesobretudo na sua vida ean, ariginslmente em contraste com os gos de servidto na Europa, e depois em sa Ragrantevolgio da etic puritana da responsabildade, do trabalho &cduo e da maralidade, 57 nn rem Frooni bare estio organizados de acordo com status abertos para os membros do grupo majoritério, enquanto o sistema de status da minoria é relevante somente para as relacées entre os membros da populagdo minoritétia ¢ apenas em alguns setores de atividade, sem oferecer uma base pata ago nos demais setores, também valorizados na cul- tera minoritéria. Hi, portanto, uma disparidade entre valores e fa- cilidades organizacionais: os objetivos mais valorizados esto fora do campo organizado pela cultura e pelas categorias da minotia, Apesar dc esses sistemas conterem virios grupos étnicos, a inceracio entre os membros de diferentes grupos nao provém da complemen- taridade das idencidades érnicas; ela ocorre dentro da moldura das instituigdes e status do grupo dominante e majoritério. na qual a identidade como membro da minoria nfo dé nenhuma base para o agit, ainda que possa em algum grau implicar uma incapacidade pata assumir status operatives. O trabalho de Eidheim oferece uma anilise muito clara desss sicuagio, tal como encontrada entre os lapses do litoral. Em outro sentido, contudo, pode-se dizer que em um sistema poligtnico desse tipo as caracter(sticas culturais contrastantes dos grupos componentes estio localizadas nos setores da vida em que 2 articulagio nfo ocorre. Para a minoria, esses setores constituem “bastidares” em que as caracteristicas que sio estigmatizantes em termos da cultura dominante podem implicitamente transformar. seem objetos de transagio. ‘A atual situagio de minoria dos lapses surgiu em fungio de cireunstancia externas recences. Anteriormente, o concexto de interagio mais importante era a situagZo local em que dois grupos érnicos, com suficiente cont mento métuo das respectivas cui- turas, mantinham uma relagio relativamente limitada e parcialmen- te simbiética, basesda em suas respectivas identidades, Com a cres- cente integracio & sociedade norueguesa, que trouxe a periferia norte para dentro do sistema nacional, a velocidade da mudanga cultural aumentou deasticamente. A populagio do norte da Noruega tornou- se cada vez mais dependente do sistema institucional da sociedade 8 ‘oscrvrorertcose sus rRanrans mais ampla.€ 2 vide social dos norucgueses do notte passou a or ganiza-secrescentemene no sentido da realizasio de avividades ¢ ae gbtencio de beneficios na esfera do sisterna mais amplo, Esse Sistema, por sua ver, € muito recentemente nde levava em conta em Sua estrutura a identidade étnica, ¢ até uma década atr4s no havia praticamente nenhum lugar no sistema em que se pudesse partcipar amo lapis. Por outro lado, os lapées como cidadios no- ruegueses si0 perfeitamente livees em sua patticipagio, ainda que ofrendo de uma dupla deficigncia em fungio de sua localizagio na periferia e do seu dominio inadequade da Kingua ¢ culcura nome uesas. Nas cegides interioranas de Finmark, essa situngio abriu espago pats lapées inovadores, com um programa politico baseado no ideal do pluralismo étnico (ver Eidheim 1967), mas eles no conseguiram seguidores na cegio dos lapdes do liroral (ver Eidheim 1969). Para esses lapSes, a relevincia de seus status ¢ convencoes torna-se bastante reduzida em um ndimero cada vez maior de setores de suas vidas (ver Eidheim 1966), enquanto sua performance rela- tivamente inadequada no sistema mais abrangente ocasiona frus- ragbes e crises de identidade. Contato ¢ mudanga culturais “Trata-se de um proceso que nas atuais condigées tornou-se muito generalizado, conforme a dependéncia dos produtos ¢ insticuigbes da sociedade industrial se espalha por todas 25 partes do mundo, (© mais importante é reconhecer que uma drSstica reducio das dife- rengas culcurais entre os grupos étnicos nko se correlaciona de maneica simples com uma redugio na celevincia das identidades Gtnicas em termos organizactonais ou com uma cuptura dos pro- cessos de manucengio de fronteiras. Isto fica demonstrado em: bea parte dos estudos de caso. ‘A melhor maneira de analisar essa interconex3o € 0 exame dos agentes de madanga: quais estratégias se abrem e sio inceressantes para eles, €quais so as implicasSes organizacionais das diferentes escolhas que eles vertham a realizar? Os agentes, nesse c3s0, sio os 9 Faus Bar individuos que costumam sec chamados, tricamente, de novas elites: aquelas pessoas que, nos grupos menos induscrializados, t2m maior contato com os bens e as organizag5es das sociedades industrializadas, bem como maior dependéncia dos ‘mesmos. Em sua busca por participagio nos sistemas sociais mais amples, visando obter novas formas de valor, eles podem escolher centre as seguintes estratégias bisicas: (i) tentar passar para a socie- dade e o grupo cultural industrial previamente estabelecido, incor- porando-se a ele; (ii) aceitar um status de “minoria” 20 mesmo tempo que tentam se acomodar as deficiéncias relacionadas com o seu cariter de minoria ¢ reduzi-las encapsulando todos os diferenciadores culturais nos setores em que nao hf articulagio e participando do sistema mais smplo nos outros secores de ativida- de; (iii) optat pela énfase de sua idencidade écnica, usando-a para desenvolver novas posig6es padres a fim de orgenizar atividades naqueles setores previamente ao encontredos em sua sociedsde, ou que no eram suficientemente desenvolvidos no que diz respei- to 208 novos abjetivos surgidos. Caso os inavadores culturais te- rnham sucesso na primeica escratégia, seu grupo étnico perdecé sua Fonte de diversificacio interna provavelmente permaneceré como um grupo étnico conservador ¢ pouco articulado & sociedade abrangente, situado em uma posigio baixa na hierarquia da mesma. Ura aceitagio geral da segunda estratégia fard com que se evite o surgimento de uma orgenizacio poliérnica claramente dicotomizante e, dada a diversidade da sociedade industrial e a conseqiiente varia- tanto etnocen- gio ¢ multiplicidade de campos de articulagfo, provavelmente ocor- recé como tempo uma assimilagio da minoria, A terceira estratégia gera muitos dos inceressantes movimentos que podem ser observa- dos hoje, desde movimentos nativistas at€ os novos Estados No sou capaz aqui de apresentar as varidveis que afecam a opsio por uma ou outra das estratégizs biésicas, a forma concteta que essa esteatégia vomars em cada easo, 0 grau de sucesso aleanga- do e quais suas implicagSes cumulativas. Tais fatores abrangem desde o niimero de grupos é:nicos inclufdos no sistema até as caracterts- 60. ‘Oserunes erscote sua rari icas do regime ecoldgico e decalhes celatives as culturas que cons- ticwem cal sistema. Muicos exemplos desses fatores podem ser en- conttados nos tcabalhos de Os grupos dtnicos¢ sas fronteiras. Todavia pode ser interessante registrar qui algumas das formas pelas quais 1 identidade étnica assume relevncia organizacional em relacio aos novos setores surgides na stual situacio. Em primeiro lugar, os inovadores podem optar por enfatizar uum dado nivel de idencidade dentre os virios presentes na o:gani- zacio social tradicional, Tanto tribo como casta, grupo lingtistico, regio ou Estado, cm caracterfsticas que os tornam ums identida- de &rnica primitia potencialmente adequada para servic como refe- réncia do grupo; qual delas ser adotada efetivamente depende da presteza com que se possa fazer outras pessoas assumirem cssas identidades. bem como dos fatos téticos friamente avaliados. As- sim, mesmo que © ttibalismo parega ser capaz de obter o mais alto nivel de adesio em mutes regides da Africa, os grupos resulrantes desse proceso patecem ser incapazes de resistir a0 aparaco sancionador de uma organizacio estatal, ainda que esta seja mutto udimentar Em segundo lugar, variam tanto 0 modo de organizagio do grupo érnico como 2 articulagio interérnica que é buscada em cada caso. O fato de que as formas contemporineas sejam predominan- temente politicas nio reduz em nada seu caréter étnico. Essts mo: vimentos politicos constituem novas maneiras de cornar organiza- cionalmente relevantes as diferengas culturais (Kleivan, 1967), € também de articular os grupos Etnicos dicotomizados. A prelifera- io de grupos de pressio, partidos politicos, ideais de Estados independentes. bem como um grande ntimero de associagdes subpoliticas (Sommerfele 1967), todos com base éiaiea, demons- team a importancia dessas novas formas. Em outras regides, movi mentos religiosos ou stitas introduzidas pelas missdes eligiosas sio usados para dicotomizar ¢ articular grupos de novas maneiras. Umm aspecto marcante € que esses novos padres $6 muite rara mente trazem uma preacupacio com a esfera econdmica — fator 6 econ Bar tio fundamental nas situagdes de contato cultural — com excegio de algumas formas de socialismo esratal adotadas por novas na- «es. Isso contrasta com os sistemas poliésnicos complexos tradi- clonais, que se baseiam predominantemente na articulagdo com essa cesfera de atividade, através da diferenciagio ocupacional e articula- ‘io no mercado, como ocorte em muitas regiGes da Asia e da Amé- rica Central, ou de forma mais elaborada através da producto age/- cola, como no sul da Asia. Acualmente, os grupos étnicos em opo- | educacional e tentam contcolar ou monopolizar as estruturas educacionais com essa fi- nalidade (Sommerfelt 1967), mas isso ocorre nio canto na pers- pectiva da difecenciagio ocupacional, mas sobretudo por causa da <ébvia conexio entre competéncia bucocrética e oporcunidades de sucesso na politica. Poderiamos especulat que uma articulagio que implica uma complexa diferenciccio de habilidades, sancionada pela constance dependéncia com relagio a um modo de ganhar a vida, secd muito mais forte e estivel do que uma articulacio baseada em afiliagSes politicas revogiveis, sancionada pelo exercicio da forgs ¢ do decreto politico, de modo que essas novas formas de sistemas poliétnicos talvez sejam inerentemente mais curbulentas ¢instéveis do que as formas mais antigas ‘Quando os grupos politicos articulam sua oposiggo em tee- mos de crieérios tnicos, a diresdo de mudanga cultural também afetada. Um confeonto politico s6 pode vir a ser implementado se ‘05 grupos se situarem como semelhantes e portanto compariveis, ¢ isso terd efeitos sobre todos os noves secores de atividade que se tornarem politicamente relevantes. Assim, partidos que se opéem tendem a se tornar escrutucaimeate semethantes, diferenciando-se apenas atcavés de poucos sinais diacrfticos. Nos casos em que os grupos érnicos se organizam em um confronto politico, © proces- so de oposigio deverd levar a uma reducio das diferengas culeurais entre eles. sige cerdem a se diferenciar quanto 20 Por isso, boa parte da atividade dos inovadores politicos esta voltada para a codificagio dos jomas: a selegio dos sinais de iden- 62 Ceenures erate sas motes tidade e a afirmagio do valor desses sinais diacriticos, bem como a supressio ou a negacio da relevincia de outros tcagos diferen- ciadotes. A questio de quais so as novas formas culturais compa- tiveis com a identidade énica nativa sempre ocasiona um debate acelorado, mas normalmente é cesolvida a favor do sincretismo, pelas razGes observadas acima. E possivel, contudo, que se dé grande atengio a0 reavivamento de tracos culturais cradicionais selecicna- dos e 20 estabelecimento de tradighes histéricas que justifiquem € glorifiquem os idiomas ¢ identidades adorados. A interconexdo entre os sinais diacriticos escolhidos paca se- rem enfatizados, as fronteiras definidas ¢ os valores diferenciadores adotados constituem um fascinante campo de estudos'’. Evidente- mente, hf diversos fatores relevantes nesse sentido. Os idiomas variam quanto 20 seu grau de adequacio aos diferentes tipos de unidades. Eles no sio igualmente adequados para os objetivos dos inovadores, seja como meios de mobilizar apoio, seja cemo base para as estratégias de confrontagio com outros grupos. Sio importantes também suas implicagSes em kermos dos padres de estratificagio dentro de e entre os grupos. Eles implicam diferences fontes e formas de distribuicao de influéncia dentro do grupo e diferentes teivindicagSes de reconhecimento por parte de outcos ‘grupos, por meio da supressio ou valorizagio de diferentes formas de estigmacizagio social. Evidentemence, nfo existe nenhuma co- nexio simples entre a base ideoldgica de um movimento e 08 idio- mas cacolhidos pelo mesmo; ambos os aspectos, no entanto, :ém implicagdes para a subseqiente manutengio das fronteiras e para a diregio das futuras mudancas. Variagaes no cendrio das velagdes tnicas Essas variances modernas da organizagio poliéinica emergem em um mundo marcado pela administeagio burocrética, por sistemas 1 Ro que me conscs 0 ensaio de Mitchell (1956) sobre a dang kale 9 primeitoe ainda o mais instigane estudo sobre oassunto. 6 Frum Burnt de comunicagio bem desenvolvidos e pela ceescente urbanizagio, Evidentemente, sob condigées radicalmente diferentes, os fatores fandamentais para a definigio e manutengio das fronteiras énicas setiam diferentes. Ao nos basearmos em dados limitados e contem- porineos, nés cemos dificuldade para produzir generalizagées a respeito de processos étnicos, jS que é possivel que estejamos ig- norando varidveis fundamentais simplesmente porque elas nao ¢s- ‘do presences nos casos disponiveis para exame, Nio hi divida que os antropélogos sociais em geral realizaram seus estudos na situa- io um tanto quanto especial da paz colonial e da administragio externa, que € 0 pano de fundo da maioria das monografias mais influences, como se isso epresentasse as condigées existentes na raioria dos lugares e épocas. Isso pode ter etiado um bias na incer- pretagio ranco dos sistemas pré-coloniais como das formas emer- ggentes contemporineas. Os trabalhos apresentados em Or grupos Ainieos e suas fonteiras tentam cobric casos regionalmente muito dife- rentes, mas isse por si s6 nfo € uma defesa adequada contra 0 mencionado bias, e essa questo merece ser enfrentada diretamente. Os regimes coloniais sfo um caso bastante extremo quanto 20 grau em que a administragio e suas cegras se apresentam divorcia- das da vids social local. Sob tal regime, 0s individuos t@m certos direitos & protesio distribuidos de maneita uniforme através de grandes regides ¢ agregados populacionais, estendendo-se, portan- to, bem pata além do aleance das préprias relagies sociais ¢ insti- tuigdes desses individues. Isso nfo s6 permite a proximidade fisica oportunidades de contato entre pessoas de diferentes grupos ét- nicos, independentemente da auséncia de entendimento compatti- halo entce elas, como também remove com claceza uma das rescri- {ges que normalmence operam nas relagées inveréenicas. Nessa si- ‘acto, as interagées podem se desenvolver e proliferar; na verdade, apenas as formas de interacio que forem inibidas por outros fatores io estatio presences ¢ formario setores de nio-articulagZo. Assim, nessas situagées as fronteiras étnicas representam uma organizagio. positiva das celagSes sociais em torno de valores diferenciados e com- 4 Orexivox rcs suas owns plemencaes, es diferengas culeurais tendem a ser reduridas com 0 tempo, aproximando-se de um minimo necessiric. Contudo, na maioria dos regimes politicos em que hi baixo rau de seguranga eas pessoas vivem sob ameaca de abitraredade © de violéncia se estiverem fora de sua comunidade primfria, a prépria imseguranga age como uma restrcfo aos contatos interétnicos. Nessa sirwagio, muitas formas de interagio entre membros de diferentes grupos é:nicos podem nio se desenvolver, inclusive quando hi uma potencial complementaridade de interesses, Pode haver bloqueio de formas de interagéo em razio da falta de confianga ou da falta de oportunidades para realizar transag6es, Além disso, hé também san- gées internas em tais comunidades que tendem a aumentat 2 confor- idede explicita dentro delas e as diferencas culturais entre elas. Se uma pessoa depende, para sua seguranga, do apoio voluntirio e es- pontineo de sua prépria comunidade, a identificagio de si préprio como membro dessa comunidade precisa ser explicitamente expressa e confirmada, ¢ qualquer comportamento desviante em relagio 20 padio pode vira ser interpretado como um enfraquecimento daiden- tidade ¢, portanto, das bases para a seguranca. Bm «ais situagées, diferengas histSricas fortuitas entre diferentes comunidades tende- to a se perpetuar sem qualquer base organizacional positiva; assim, uitas das diferengas culturais observaveis alvez sejam de relevincia muito limitada pars a organizagio éenica. Os processos pelos quais as unidades étnicas se mantém so claramente afetados, ainda que nio fundamentalmente teansforms- dos, pela varidvel ‘seguranca regional’. Isso também pode ser de- monstrado pelo exame dos casos apresentados em Os grupos fnicos¢ sus frontevas, que trazem uma gama considerdvel de situacées, des- de a colonial até a policéntrica, chegando 2 situagdes relativamente andrquicas, £ importante, contudo, teconhecer que essa varidvel de fundo pode mudar muito rapidamente, o que cria uma dificuldade muito grande para as projegdes de processos a longo prazo. Assim, no caso fur, vemos uma situacio de paz mantida por fatores exter- nos € atividade politica local em escala extremamente pequena, ¢ 6 saan Boer podemos formar um quadro dos processos interétnicos € mesino de suas proporsées nesse cenfrio. Mas sabemos que ao longo das dlki- mas geragées, a situagio variou de um confronte baggara-fur sob um sultanato fur expansive, até uma anarquia quase total no tempo dos turcos € dos Mahdi, ou seja, é muito dificil estimar os efeicos dessas vatiagBes sobre os processos de nomadizagio ¢ assimilacio e chegar 2 alguina projegio de longo prazo sobre taxas € mudancas. Grupos étnicos ¢ evolugéo cultural A perspectiva das andlises apresentadas em Os grupes éimices « suas {frontenas tem relevancia para o tema da evolugio cultural. A histéria humana sem divida € 0 celato do desenvolvimento de formas emer- gentes, tanto de calturas como de sociedades. A questo pars a antropologia tem sido encontrar a melhor maneiea de retratar essa histéria, e de quais sio os tipos de anilise adequados para desco- brie principios gerais nas mudangas. A andlise evolutiva no sentido rigoroso que o termo assume no campo da biologia tem um méto- do baseado na construgio de linhas filogentticas. Esse mécodo pres- supe a presenga de unidades em que as fronteitas e os proce:soz de sua manutencio podem ser descritos, tornando possivel especi- ficar a continuidade. Concretamente, 2s linhas filogenéticas sio sig- nificativas porque fronteiras especificas impedem a troca de mate- rial genético; com isso, pode-se insistir que o iselado reprodutivo & a unidade, ¢ que ele manteve sua identidade sem ser perturbado pelas mudangas nas caracteristicas morfolégicas da espécie. Argumentei que entre as unidades éenicas as fronteiras tam- bém sie mantidas, e que conseqiientemente é possivel especificar a patureza da continuidade e da persisténcia destas unidades. Os tra- balhos citados ee em cada caso por um conjunto limitado de earacteristicas culcurais A pessisténcia da unidade depende, poccanco, da persisténcia des- sas diferencas culturais, enquanco a continuidade também pode ser cespecificad através das mudangas na unidade ocasionadas por trans formagées nas diferencas culeutais definidoras de fronteiras, mostrar que as frontsiras €tnicas sio mantidas 66 Osemvrostiacest mas oNttss No entanto a maior parte da matéria cultural que a qualquer momento do tempo esté associada a uma populagio humana nda tem seu movimento impedido por essa fronteira; ela pode varia. ser aprendida € mudar, sem que isso tenha qualquer implicagio para a manatengio da fronteira do grupo étnico. Assim, quando alguém reconstitui a histéria de um grupo étnico através do tempo. nao esté 20 mesmo tempo € no mesmo sentido descrevendo a histé- ria de"uma caltura™: os elementos da cultura atual do grupo étnico em questio no surgitam do conjunto especifico que constitufa a cultura do grupo em um momento anterior, ainda que este grupo tenha existéncia continua do ponto de vista organizacional. com fronteiras (ctitérios de pertencimento) que, apesar de modifica. rem-se, demarcam efetivamente uma unidade que apresenta conti- nuidade no tempo. ‘A impossibilidade de especificar as fronteiras das culoras im- pede a consttugio, referida a elas, de linhas filogenéticas no senti- do mais rigoroso, evolutivo, do termo. A partir dz andlise apresen- tada, porém, deve ser possivel fazé-lo para os grupos étnicos €, nesse sentido, para os aspectos dz cultura que tim af sua ancora- gem organizacional. 67

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