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eee eee et dor americano Charles G. Leland Aradia, o Evangelho das Bruxas, é leitura indispensdvel Ere ee eee ne ca eee Ten | oe eee eee gura de Aradia, a filha de Diana que desce dos céus para redimir e vingar os pobres e oprimidos — dentre SOUXNJIG.S0p.O4j95U009.0.01pPoOLW rgiemeeretre lc: ‘Eglteete. vector ener Pprree ys ~The” ALEMDALENBA orev cme ele Pax Libris 9295 7457 Cireule Pago @ groupl45Z22@groupsim.com Aradia O Evangelho das Bruxas nas eT ee Cope naar © Outras Palavras Producées Editoriais e Comércio Lida, Todos os direitos reservados, Proibida a reproducéo total ‘ou parcial sem a expressa autorizacdo dos editores. Fotocomposicdo: Outras Palavras Capa ¢ Projeto Gréfico: Alexandre Rampazo Colegdo Outras Palavras/Alemdalenda Série “TODA MAGIA” Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagdo (C1P) rin Coctia Candelaa CRE 8/2888 ‘Leland, Chaves 6. ‘Arado ovangeha das bnuxas/ Chavos G. Leland ‘Tradugso © comontéres Claudio Grow Gunna. - See Paulo: (Gutras Palaras, 2000 (Colopée Outras Palavras / ‘Nardelenda Séw:Toda Magis} Biblogratia, IseN 85-66900:15.0 | 1 Rauals pagdos -2. Magia -2. Mos 4. Lendas | Tho | sere | Du 2013 Outras Palavras Producaes Editoriais ¢ Comércio Ltda. Rua Santo Egidio, 709, cj. 141 (2461-011 - Sao Paulo - SP Telefax: (Oxx11) 6959-4523 e-mail: reginama@uol.com.br Indice Prefacio 4 Edigdo Brasileira ; Sobre o Autor 13 Sobre a Stregheria 15 Stregheria: as Origens da Wicca? 7 ARADIA, O EVANGELHO DAS BRUXAS Preficio de Charles G. Leland 23 Comentarios ao Capitulo 1 29 Capitulo 1 — Como Diana Deu & Luz Aradia (Herodius) 31 Comentarios ao Capitulo 2 35 Capitulo 2 - O Sabbat, Treguenda ou Encontro de Bruxos. Como Consagrar a Refeigao 37 5 Comentarios a0 Capitulo 3 Capitulo 3 — Como Diana Criou as Estrelas a Chuva Comentirios ao Capitulo 4 Capitulo 4 - O Encantamento das Pedras Consagradas a Diana Comentarios a0 Capitulo 5 Capftulo 5— A Conjuraciio do Limo e dos Alfinetes Comentarios ao Capitulo 6 Capitulo 6—Um Encantamento para Conquistar um Amor Comentarios ao Capitulo 7 Capitulo 7 - Para Encontrar ou Comprar Algo ou para Atrair Boa Sorte Comentirios ao Capitulo 8 Capitulo 8— Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Comentarios ao Capitulo 9 Capftulo 9 - Tanae Danamone ou Diana e Endymion Comentrios a0 Capitulo 10 Capitulo 10 - Madona Diana Comentarios ao Capitulo 11 Capitulo 11 — A Casa do Vento Comentarios ao Capitulo 12 Capftulo 12 - Tana, a Deusa da Lua Comentarios a0 Capitulo 13 Capitulo 13 - Diana e as Criangas Comentarios 20 Capitulo 14 Capitulo 14— Os Mensageiros Gnomos de Diana e Merctri Comentarios ao Capitulo 15 Capitulo 15 -Laverna 43 45 49 53 37 59 6 65 a 15 71 81 83 OL 93 105 107 113 15 121 123 127 129 Apéndice As Criangas de Diana ou Como Nasceram as Fadas Notas Apéndices a Edigio Brasielira: Apéndice A — Elementos de Crenga da Stregheria Apéndice B - Os Dons de Aradia Apéndice C — Deidades do Pantedo Strega Apéndice D — Os Rituais Treguendas Referéncias: Para Saber Mais 139 151 154 157 159 161 165 167 Prefécio a Edigao Brasileira Quando, em 1899, Charles G. Leland publicou pela primeira vez.Aradia: Evangelho das Bruxas, seguramente no poderia antever a importéncia que sua obra teria para as futuras geraghes de estudiosos e praticantes da Bruxaria, bem como de historiadores ¢ folcloristas. Aradia foi apresentado por Leland como o resultado de anos de pesquisa e contato com legitimas representantes da Stregheria, a bruxaria italiana. Essas mulheres, co- nhecidas como Streghe (singular, Strega), concordaram em Ihe fornecer textos e lendas acerca de suas crengas e préticas, as quais permaneceram por longo tempo afastadas dos cireulos literrios académicos por varios motivos: em primeiro lugar, porque eram tradigGes pertencentes aos 9 Charles G. Leland camponeses simples e incultos, muitos dos quais absolu- tamente iletrados; em segundo, porque formavam um con- junto de tradigGes orais transmitidas apenas dentro de uma linhagem familiar. Por tltimo ~ e talvez principalmente-, porque poucos dentre seus praticantes se arriscariam a revelar suas crengas publicamente; afinal, a Italia havi muito deixara de ser pagi, e passara a abrigar a sede da Igreja Crista, que tanto fez e tem feito para difamar e distorcer os antigos Cultos da Terra—a Vecchia Religione, ou Antiga Religidio dos pagios, hoje conhecida em diversas vertentes, dentre elas a Stregheria modema e a Wicca. Os textos aqui apresentados so, por vezes, de uma rudeza impar, 0 que pode chocar 0 leitor, Hé momentos, em alguns rituais, nos quais a Strega ameaca literalmente Diana, sua principal deidade, caso nau obtenta a raga solicitada. Leland afirma que essa visio das divindades ‘como seres migicos, porém passivos de punicao pelas maos humanas, confirma a antigiiidade das praticas descritas ~ se assim 6, podemos atribuir a origem desses mitos a um perfodo da hist6ria da humanidade na qual os deuses viviam em contato intimo com os homens. E justamente essa proximidade que caracteriza também mitologias como a celta, na qual humanos e deidades interagem livremente. Ressalie-se, porém, que os mitos contidos em Aradia nao s&o de origem celta, mas sim greco-romana e, principalmente, etrusca. A propria Diana, principal divin- dade da Stregheria, é comparada a uma ainda obscura dei- dade etrusca chamada Tana, que seria como que uma ge- nitora de deuses e homens, o prinefpio eriador bésico, de onde surge toda a vida. Aradia, a muther divina que dé nome a este livro, énaverdade afilha de Diana, e representa a figura messia- 10 Aradia, O Evangetho das Bruxas nica feminina que desce dos céus para redimir e vingar os pobres ¢ 0s oprimidos —dentre eles, obviamente, a mulher. Esse aspecto “feminista’” de Aradia pode ser facilmente atribuido a um resgate da religido matrifocal primitiva, suplantada pelo surgimento e ascensdo do patnarcado judaico-cristo. Mas foi tamhém interpretado sociologica- ‘mente séculos depois, durante a popularizacao da Wicca nos Estados Unidos, na década de 60, em plena revolugao sexual, com o surgimento das tradigdes Wiecanas ditas Dianicas, como ade Z. Budapest. Se esta tltima tinha co- nhecimento dos textos de Leland ou se foi mera coincidén- cia é uma questo que pertence ao campo da especulagio. ‘Ao lermos os mitos lendas contidos em Aradia, temos que levar em consideragio que Leland os teria apenas compilado e traduzido para o inglés, alterando pouco ou nada de seu contetido, textos que Ihe foram transmitidos pela tradieao oral ou através de manuscritos obtidos de diversas streghe com quem manteve contato enquanto moraya na Itilia, nos extertores do século XIX. Por este motivo, os textos sfio por vezes atemporais € certamente representam versdes relativamente modernas das Iendas originais— podemos imaginar que até os mitos cristos contidos na Biblia teriam sofiido modemnizagées com 0 passar dos anos, caso nao tivessem sido cui- dadosamente escritos e editados pelos Hderes do clern cristo, que assim criaram a versio oficial e inquestionayel de seus textos mitol6gicos. Para tomar a leitura mais ficil, optamos por fazer um breve comentirio no inicio de cada capitulo iden- tificados em itélico, explicando 03 mitos e rituais apre- sentados; sempre que necessério, procuramos estabelecer um paralelo entre o material recolhido e transcrito por Wy Charles G, Leland Leland e 0 contexto atual, na intengdo de possibilitar ao Ieitor uma comparagao entre o momento hist6rico e cul- tural da época retratada e os dias de hoje. As tradigdes apresentadas em Aradia so, sem d- vida, de vital importéncia para aqueles que estudam o paganismo em geral, pois travamos aqui contato direto com mitos classicos, como Vénus, Baco e Jipiter, aborda- dos sob um ponto de vista basicamente popular, ¢ ndo académico, E também de igual valia aos estudiosos e seguidores da Religifo da Deusa, pois nele abundam ele- mentos do Sagrado Feminino que, nf fosse o diletantismo de Leland, teriam sido irremediavelmente destrufdos pelo zcloso clero cristo, como aconteceu com incontaveis ou- tras lendas e costumes paga Charles Leland editou mais dois livros ~ “Etruscan Roman Remains” e “Legends of Florence”, nos quais apresenta mais mitos e lendas compilados entre os segui- dores da Stregheria, Neste livro, os praticantes da Wieea encontrariio as origens mais remotas de muitas de suas préticas e crengas —dos Esbats da Lua Cheia & nudez ritual a céu aberto, Por tudo isso, Aradia, 0 Evangelho das Bruxas & um precioso livro do ponto de vista hist6rico ¢ religioso, um excelente complemento aos estudos dos Mistérios Pagiios Ocidentais, como também uma 6tima introdugao a0 mundo do Paganismo da Deusa-Mae. Claudio Crow Quintino (gios Btrusco-Romanos" e“Lencas de Florengt” (Nota do Tractor) R Sobre o Autor ‘Nascido na Filadélfia a 15 de agosto de 1824, 0 fol- clorista Charles Godtrey Leland foi exposto ao oculto ea magia desde tenra idade, Sua propria mle afirmava possuir uma antepassada que havia se casado “na magia,” e que teria retomado na figura do jovem Charles. Some-se a isso seu contato com o mundo da mitologia celta, através dos criados irlandeses que trabalhavam em sua casa, bem como com o Vodu, introduzido pelas cozinheiras negras, € podemos entender porque Leland, desde cedo, dedicou toda uma vida 4 compreensto do ocultismo e da magia. Por volta dos quarenta anos, Leland mudou-se para a Inglaterra, onde aprofundou seus conhecimentos sobre a cultura cigana, a ponto de ser admitido pelo “Rei dos 2B Charles G, Leland Ciganos” da Inglaterra como um deles, Leland, sempre vido por novos conhecimentos, acabou se mucando, em 1888, para Florenca, na Itilia, onde permanecen até o fim de seus dias. Justamente ali ele trava contato com uma cartomante vidente italiana chamada Maddalena Zaleni, que teria coneordado em compilar e transmitir a Leland o maximo de informagdes que pudesse recolher (e que lhe fosse per- mitido transmitir) sobre suas crengas —a Stregheria. Maddalena forneceu, durante anos a fio, incontéveis textos e encantamentos que formariam 0 conjunto da obra de Leland. Ele admite, a certa altura, questionar a origem ea autenticidade dos textos; mas, pouco depois, parece convencer-se de sua veracidade e os publica. Apesar de nunca ter declarado abertamente, muitas sa0 as evidéncias de que Leland era, cle proprio, um Stregone. ‘Ha quem afirme que ele, na verdade, nunca admitiu serum praticante da Stregheria porque temia as eriticas & represélias do clero e da sociedade italiana, que tolerava ‘mas marginalizava as Streghe. Charles Leland faleceuem 1903, antes de concluir a publicacdo de muitos de seus manuscritos e documentos, De qualquer forma, deixou um legado de inquestionvel importncia para o Ocultismo eo Paganismo. cca. 4 Sobre a Stregheria A Stregheria, ou Bruxaria Italiana, é apresentada na obra de Leland como um ancestral culto pagio cujas ori- gens remontam Acivilizacdo etrusca, portanto pré-romana, Por se tratar de uma tradigdo familiar, a Stregheria € uma vertente extremamente hermética do paganismo, e seus mitos so transmitidos oralmente gerago apés geragao, dentro de uma mesma familia, Chegoua gozar de tamanha importancia no sul da Itélia que, em determinado perfodo era tio ou mais influente que a Camorra, a méfia Napolitana. De acordo com um desses mitos, uma jovem que vivera no século XIV teria sido a reponsével pelo resgate dessa tradigao antiqiiissima — seu nome era Aradia. Conta Is Charles G. Leland a lenda que Aradia era filha de Diana ~ a Bela Deusa, Rainha das Bruxas— com seu irmfo Lifcifer ~“O Portador da Luz,” que nada tem a ver com a imagem demonizada criada pelo cristianismo na Idade Média. Aradia teria sido enyiada & Terra por Diana, sua Mie, para ensinar os segredos € artes da Magia aos humanos Com a chegada da Inquisicio & Itilia, para fugir & perseguicao, a Stregheria teria sido dividida em trés cor- rentes independentes, mas complementares: + Fanarra, responsével pela preservacdo dos Mistérios da Terra; + Janarra, contendo os Mistérios Lunares; ¢ = Tanarra, guardidies dos Mistérios das Estrelas. Atualmente, o maior expoente da Stregheria €0 ame- ricano Raven Grimassi, autor de importantes livros sobre paganismo, Grimassi é responsivel pela criagdo de uma nova tradicfo strega, conhecida como Aridiana, a qual visa reunificar os conhecimentos das Triplices Tradigoes acima citadas. Em sua obra, Grimassi apresenta muitas tradigdes da Wicca como tendo origem na Stregheria, Seus simpa- tizantes, bem como alguns praticantes de Stregheria que vieram a piblico, afirmam que a Stregheria seria entao a origem da Wicca, e justificam as afirmagdes ao comparar as datas de publicago das obras de Leland, autor de Aradia, ¢ Gerald Gardner, considerado 0 “pai” da Wicca. De fato, como jé vimos, Aradia foi publicado pela primeira vez em 1899, praticamente meio século antes de Gardner comegara divulgar a Wicca abertamente. As semelhangas entre ambas as correntes pagas sao muitas, e valem uma anélise mais profunda, CCQ. 16 Stregheria: as Origens da Wicca? Apesar de, teoricamente, possustem origens distin- tas — a Wicca buscaria um resgate das antigas tradicdes celtas, enquanto que a Stregheria teria raizes romano- etruscas — tanto uma quanto a outra possuem muitas se- methangas; a comecar pelo culto central a uma Divindade maxima feminina (Diana; a Grande Deusa) e de seu consorte (Dianus/Lticifer; Cernunnos/Deus Comifero). Podemos ilustrar essa comparag%o com o exemplo a seguir. Na margem norte do Lago Nemi, ainda existem alguns poucos vestigios do antigo Templo de Diana. Ao redor desse templo, bem como de todo o lago, espalhava- se o Bosque Ariciano, consagrado a Diana, Esse bosque possuia um misterioso guardido, conhecido como Rex 7 Charles G. Leland Nemorensis, ou “O Rei dos Bosques.” Muitas so as semelhangas com as antigas Iendas celtas que sobreviveram na Gra-Bretanhae na Irlanda, como ade Heme, 0 Cagador da Floresta de Windsor, Gwynn ap Nudd, no Pais de Gales © 0 Green Man, entre outras. ‘Se analisarmos friamente tais lendas e mitos, con- frontando essas informagses com fatos hist6ricos, veremos que quase certamente tanto as tradigdes celtas das ilhas britdncias quanto as etruscas do norte da Tidlia sao variagdes diferentes de um mesmo tema, de uma suposta mitologia creligido indo-européia, ancestral comum a cel- tas e etruscos. Vale lembrar, ainda, que as mais recentes descobertas arqueolégicas do conta que etruscos e celtas possufam muito mais em comum do que suas origens indo curopéias ~afinal, os celtas deixaram vestigios arqueolé- gicos lingtlisticos de sua presenga no norte da Itdlia muito anteriores & invasto de Roma por Brenno, em 390 aC. Ironicamente, as tradigGes celtas e etruscas voltariam ase cruzar milénios depois, através da Wicca apresentada por Gardner e da Stregheria descoberta por Leland. E af que surge o debate: teria Gardner se inspirado nas des- cobertas de Leland para instituir a religiao da Wicca? ‘Veremos, no decorrer de Aradia, quais so os ele- mentos comuns a ambas tradigGes, para que o leitor possa, por si s6, chegar a alguma conclusdo. Esse, contudo, €0 ponto em questo, Seja como for, o mais importante é que tanto a Wicca quanto a Stregheria sao reflexos da marayilhosa e ancestral Religiao da Deusa, a primeira ma- nifestagdo espiritual do ser humano, que cultuaa Natureza ecelebra a Magia da Vida que esta & nossa volta, por toda parte, e, principalmente, em cada um de nds. ‘Nao importa quem teria originado quem; nao importa se quem veio primeiro foi o ovo ou a galinha. O que 18 Aradia, O Evangetho das Bruxas realmente conta aqui é que, tanto um caminho quanto © outro, levam a um objetivo tinico, que é a integragéo (ou seria melhor dizer “re-integragao”) do ser humano a0 Divino presente em toda a Natureza. Com respeito responsabilidade. cca. 19 Ao apresentar sua obra ao leitor, Leland nos oferece um pouco das origens e historia das prdticas da Stregheria. Informa-nos ainda sobre como teria obtido acesso a tais textos, e como eles foram preservados até os dias anuais. Fica muito claro que ele foi seletivo ao escolher os textos que comporiam Atadia, pois éo préprio Leland que afirma que “esse trabalho poderia ser estendido ad infinitum se acrescentiissemos as ceriménias ¢ encantamentos que fazem parte das Escrituras da Bruxaria...”. Isso nos leva a perceber que muito ainda haveria para ser publicado; mas ndo foi, talvez por decisdo das Streghe em néo revelar por completo seus conhecimentos, talvez porque Leland néio tenha vivido 0 bastante para organizar de forma satisfatéria a rica colecdo de mitos que the fo- ram entregues; talvez por ambos motives. Atadia é a ponta do iceberg do conhecimento sobre a misteriosa Stregheria. al Prefécio Se por acaso o leitor jé foi apresentado a obra do re- nomado folclorista G. Pitre, ou aos artigos de “Lady Vere dde Vere” na italiana Rivista, ou ainda 2os deJ. H. Andrews em Folk-Lore, saber que existem na Ita inimeras strege, adivinhas ou bruxas que fazem suas previsdes através de cearias, praticam estranhas cerimdnias nas quais 0 espiritos sio supostamente invocados, confeccionam e vendem amuletos e, na verdade, se comportam como conyém & sua classe de modo geral, sejam praticantes do Vodu, ou feiticeiros de qualquer espécie. Mas a strega, ou feiticeira italiana, 6, em muitos as- pectos, uma personagem diferente destes, Na maioria dos ‘casos, ela é oriunda de uma familia na qual sua arte vem 23 Charles G. Leland. sendo praticada ha muitas geragdes, Nao restam diividas de que, em certos casos, essa ancestralidade remonta a tempos medievais, romanos ou até mesmo etruscos. O resultado disso é, naturalmente, o actimulo de muita tradicdo entre essas familias. Mas, no norte da Itélia, como atesta a sua literatura, apesar de alguns contos de fadas ¢ superstigdes populares compilados por estudiosos, nunca houve o menor interesse pelo estranho conhecimento das bruxas, tampouco qualquer suspeita de que esses conhe- cimentos abarcavam uma incriyel quantidade de antigos mitos menores e lendas romanas, como as registradas por Ovidio, mas das quais muito escapou & sua atencio © dos outros escritores latinos. Essa ignorincia foi amplamente favorecida pelos pro- prios bruxos e bruxas, que fizeram de todas as suas tradi- Ges um grande segredo, movidos que foram ent&io pelo temor aos sacerdotes. Na verdade, estes tiltimos, incons- cientemente, contribuiram para o desaparecimento de tudo. No entanto, esse desaparecimento € lento, e mesmo hoje ainda existem pessoas de idade na Romagna do Norte que conhecem os nomes etruscos dos Doze Deuses e invo- cages a Baco, Jipiter, Venus e Merctirio e as Lares ou espiritos ancestrais; e nas cidades existem mulheres que confeccionam estranhos amuletos, sobre os quais murmu- ram encantamentos, todos eles conhecidos no antigo perio- do romano, ¢ que espantam até mesmo 0s peritos por suas Tendas dos deuses latinos, mescladas & sabedoria encon- trada em Catao ou Teécrito. ‘Travei intimo contato com uma destas mulheres em 1886, e desde entdo encarreguei-a especialmente de cole- tar, entre suas irmas do encantamento oculto, todas as an- tigas tradig6es de diversos lugares. E verdade que me vali 24 Aradia, O Evangetho das Brucas de outras fontes, mas essa mulher, por sua vasta prética, aprendeu perfeitamente o que poucos compreendem, ou, exatamente o que desejo, e como extrair esse conhecimen- to de entre seus semelhantes, Entre outras estranhas reliquias, ela conseguiu, apos muitos anos, o“Evangelho” que se segue, do qual possuo. ‘© manuscrito de seu préprio punho. Um relato completo de sua natureza, rico em detalhes, pode ser encontrado em um Apéndice. Nao sei ao certo se minha informante obteve parte destas tradigGes de fontes escritas ou de relatos orais, mas creio que sua origem é principalmente a tiltima, Contudo, hé algumas poucas bruxas que copiam ‘ou preservam documentos referentes a sua arte, Nunca mais vi minha informante desde que ela me enviou 0 “Evangelho.” Espero, no futuro, obter mais informagdes. Posso dizer, de modo geral, que a bruxaria é conhe- cida entre seus praticantes como “la vecchia religione”, ou aantiga religiao, da qual Diana é a Deusa, sendo sua filha Aradia (ou Heriodius) o Messias feminino, e que esta pequena obra determina como esta tiltima nasceu, desceu A terra, estabeleceu as bruxas e a bruxaria, para depois retornar aos céus, Esto inclusas as cerimdnias e invoca- -s ou encantamentos referentes a Diana e Aradia, 0 exo cismo de Caim, eos encantamentos da pedra-sagrada, arru- dae verbena, que constituem, segundo o texto, 0 servigo religioso regular, por assim dizer, que deve ser entoado ou pronunciado nos encontros de bruxas. Também esto inelusos 0s curiosos encantamentos ou bénedos do mel, alimento e sal, ou 0s bolos da refeigao das bruxas, os quais. (0 curiosainente clssicos, um resquicio evidente dos Mistérios Romanos. Este trabalho poderia ser estendido ad infinitum se ‘acrescentissemos as cerimGnias e encantamentos que na 25 Charles G. Leland vyerdade fazem parte das Escrituras da Bruxaria, mas uma ‘vez que quase todos — ou pelo menos um grande mimero destes — podem ser encontrados em minhas obras Etruscan-Roman Remains e Legends of Florence, decidi- ‘me por ndo compilar tal volume sem antes verificar se existe um mimero suficiente de leitores dispostos a adquirir essa obra. Desde que escrevi este texto, conheci e li uma rica e interessante obra entitulada Romanzo dei Settimani, de G. Cayagnari, 1889, na qual o autor, na forma de um ro- mance, descreve vividamente os modos, habitos de pensamento e especialmente a natureza da bruxaria, bem como as diversas supersti¢des hoje existentes entre os camponeses da Lombardia. Infelizmente, apesar de seu vvasto conhecimento da érea, aparentemente nunca ocorreu a0 narrador que essas tradigdes eram tudo menos tolices nfo cristas sem sentido, O fato de que elas contém reliquias maravilltosas de antigas mitologias e um valioso folclore, © qual € 0 verdadeiro cor cordium da hist6ria, Ihe passa to desapercebido quanto a um Zoccolone comum ou a um franciscano andarilho, Pode-se supor que um homem que conhecia uma bru- xa que havia planejado matar sete pessoas num rito ceri- ‘monial para obter o segredo da riqueza infinita suspeitava que tal feiticeira possusse uma gama de lendas fantasticas; mas disto no restam tracos, e fica evidente que nada po- deria estar mais afastado de sua mente do que a possibi- lidade de existir nisso tudo algo interessante de um ponto de vista mais elevado ou genial. Seu livro, por fim, pertence ao grande grupo de livros escritos sobre fantasmas © superstigdes desde que estas Ultimas cafram em descrédito, nos quais os autores se pres- 26 Aradia, O Evangetho das Bruxas tama uma satirica ridicularizagao que é segura, mas barata, daquilo que para eles é vulgar e falso. Assim como Sit Charles Coldstream, eles subiram a cratera do Vestivio aapés o fim de sua “erupcao” e disseram nd ter visto “coisa alguma lé.” Mas jé houve algo; ¢ o homem das ciéneias, diferente de Sir Charles, ainda encontra nos vestigios muito a ser explorado, como o antiquério em Pompéia ou Her- culano = diz-se que ainda ha sete cidades a serem desen- terradas. Fiz 0 pouco (pois realmente pouco é) que pude, para desvelar um pouco do vuledo adormecido que é a Bruxaria Italiana. Se este € 0 modo pelo qual a bruxaria italiana é tratada pelo mais inteligente autor a retraté-la, € aparentemente desnecessario dizer que ha realmente poucos que se importariam em atestar a existéncia de um verdadeiro Evangelho das Bruxas, aparentemente de extrema anti- giiidade, incorporando a crenga numa estranha contra- religiio que se manteve acesa desde 0 periodo pré-historico até 08 dias atuais. “A Bruxaria um grande lixo, ou algo ainda pior,” diziam os antigos eseritores, “e portanto todos 08 livros que dela tratam no séo melhores que isso.” Eu realmente espero, contudo, que estas paginas caiam nas mios de alguns poucos que farao melhor juizo delas. Devo, no entanto, ¢ fazendo justiga aos que realmente se importam com a explorago de sendas obscuras ¢ ma- ravilhosas, explicar claramente que a sabedoria das bru- xas esté oculta, sob os mais escrupulosos cuidados, de to- dos, com a excegao de uns poucos na Itélia, do mesmo modo como o esté entre 0s Medas de Chippeway ou no ‘Vodu Negro. No romance da vida de I Settimani, uma as- pirante é representada vivendo com uma bruxa e adqui rindo ou coletando arduamente, fragmento por fragmento, 27 Charles G. Leland seus encantamentos, dedicando anos & sua empreitada, Meu finado amigo M. Dragomanoff contou-me como um certo homem na Hungtia, sabendo que ele havia compilado varios encantamentos (os quais foram posteriormente Publicados em jornais de folclore), roubou-os, para que no ano seguinte, quando Dragomanoff retornou, encon- trasse o ladrdo em pleno exercicio, como um préspero mago. Certamente ele nao possufa muitos encantamentos, ‘apenas cerca de uma duizia, mas um pouco se torna bastante no comércio, eme arrisco a dizer que talvez nao haja uma ‘nica bruxa na Italia que saiba tanto quanto eu publiquei, ‘uma vez que meus encantamentos foram assiduamente Coletados de diversas fontes, portoda parte. Ademais, todos Os textos deste tipo so geralmente destruidos cui- dadosamente por sacerdotes ou penitentes, ou pelo grande niimero de pessoas que, por seus medos supersticiosos, temem até mesmo permanecer na mesma casa que abrigue tais documentos, de modo que considero o resgate do Vangelo algo, no minimo, digno de nota. Este capitulo trata das origens de Aradia, filha da deusa Diana com seu irmao, aqui chamado de Liicifer. Nunca é demais lembrar que a deidade em questo nada tem aver com a nocito crista de Licifer como sendo sind- nimo do diabo, do inimigo de Deus. Ele é, isso sim, “o deus do Sol e da Lua, 0 deus da Luz.” A luz simboliza 0 principio ativo masculino, representado por Liicifer, o qual {fertiliza sua irma Diana, que por sua vez representa 0 principio feminino, sutil. Da uniao desses opostos surge 0 equilibrio, na figura de Aradia, a filha de Diana e Litcifer Quando Aradia é instrutda por Diana, antes de sua descida & Terra (nosso mundo fisico), onde a sociedade de entdo atravessava um periodo de crimes desigual-dades (fa- miliar, ndio?), ela é alertada para que jamais seja “como afilha de Caim”, ou “como araga que porfim se tomou de- pravada e infame pelo softimento”; certamente o texto se refere aos povos que adotaram as religides que pregam 0 sofrimento e a peniténcia como forma de elevagdo 29 Charles G. Leland espiritual —notadamente as religides judaico-cristas. Para © pagao, o desrespeito as forcas da Natureza e a condenagao dos prazeres fisicos é a propria negacao do divino dom da Vida. Aradia recebe instrucdes claras de como deve agir para divulgar a bruxaria, para que, através dela, os campo- neses simples e oprimidos possam se rebelar contra a tirania de seus senhores; recebe ainda conselhos sobre como agir quando tiver de enfrentar 0 clero cristo, que tdo ferozmente combatia os ancestrais cultos Pagdos (do latim, paganus, significando “do campo”, ou seja, simples, da natureza). De acordo com seu papel de “Mesias” feminino, Aradia deve instruir os camponeses a resistir as im: bosicdes ¢ restricdes da Nova Religido —o cristianismo— € a lutar pela preservagdo de seus direitos @ liberdade econémica e religiosa, O capttulo se encerra com as instrucées finais de Aradia suas seguidoras para que, tanto homens quanto mulheres Tetinam-se em segredo para cultuar Diana na noite de Lua Cheia; um trago comum com as praticas da Wicca, que celebram os esbats a cada Lua Cheia. Por se reunirem despidos (a nudez ritual de algumas tradicoes Wiccanas), os celebrantes estao livres das ostentacdes sociais; mais do que isso, anudez reflete aqui o estado de espirito ideal em uma celebragéo com os antigos deuses pagiios, que é o de “inequivoca liberdade” — perante Diana, a Deusa, ninguém é superior ou inferior a ninguém, 30. Capitulo 1 Como Diana Deu a Luz Aradia (Herodius) “Diana! Vejam! Elacresce em Crescente.” (Endimion de Krats) “Que o crescente da Rainha das Estrelas seja ainda mais brilhante em sua noite de mtipcias.” (bid) Este é o Evangetho das Bruxas: Diana amava muito a seu irmao Lucifer, o deus do Sol eda Lua, o Deus da Luz (Esplendor) que, de tio orgu- Ihoso de sua beleza, foi expulso do Paraiso. Diana tivera uma filha de seu irmo, a quem deram 0 nome de Aradia (Herodius), 31 Charles G: Leland Naquela época havia na terra muitos ricos ¢ muitos pobres. Os ricos escravizavam os pobres. Havia, naqueles dias, muitos escravos, 0s quais eram cruelmente tratados; tortura em toda parte, prisioneiros em todo castelo, Muitos escravos escapavam. Eles fugiam para os campos; assim, tornaram-se bandidos e pessoas de mé indole. Ao invés de dormir A noite, eles tramavam fugas e roubavam de seus mestres, para depois maté-los. Viviam entio nas montanhas ¢ florestas como ladrdes assassinos, tudo para evitar a escravidao. Diana disse um dia a sua filha Aradi E certo que és um espirito, Mas foste gerada para voltar a ser ‘Um mortal; deves descer a terra E ser uma mestra de homens e mulheres Os quais, de bom grado, deve estudar bruxaria em tua escola, Mas, como a filha de Caim jamais deves ser ‘Tampouco como a raga que por fim se tornou Depravada e infame pelo sofrimento, Como os judeus e os errantes Zingari (Os quais sdo todos ladrdes ¢ vildes; como eles Nao deves set E deves ser a primeira das bruxas conhecidas; E deves ser a primeira de todas no mundo; E deves ensinar a arte do envenenamento, Do envenenamento daqueles que s40 os maiores dentre os senhores; ° © Ciganos (N. do) 22 radia, O Evangetho das Bruxas ‘Sim, deves fazer com que morram em seus palécios; E deves sujeitar a alma do opressor (pela forca); E quando encontrares um campénio que seja rico, Deves entdo ensinar & bruxa, sua pupila, como Arruinar suas colheitas com tempestades terriveis, Com o relmpago e 0 trovao (terriveis), Ecomo granizo eo vento.. E quando um padre causar-te mal Com suas béngios, deves imputar a ele Males duas vezes piores, ¢ fazei-o em nome De mim, Diana, a Rainha de Todas as Bruxas! E quando os sacerdotes da nobreza Disserem que deves depositar sua f& No Pai, No Filho e em Maria, respondei ento; “Vosso Deus, O Pai e Maria sio Trés Dem@nios...” *Pois o verdadeiro Deus Pai nao & vosso; Pois vim para varrer 0 mal Os homens malignos destruirei a todos!” “Ves que sois pobres e sofrem com a fome, E labutam em miséria, sofrendo também Constantemente com a prisdo; Ainda assim Tendes uma alma, e por vosso sofrimento Sereis felizes no outro mundo, Mas negativo € 0 destino de todos 0s que vos causam mal!” Entio quando Aradia foi ensinada a operar a bruxaria, a como destruir a raga maligna (de opressores), ela (transmitiu a suas pupilas) e Ihes disse: 33 Charles G. Leland Quando eu tiver partido deste mundo, ‘Sempre que precisardes de algo, Uma vez por més, quando a lua estiver plena, Reuni-vos em algum local deserto, Quem assembléia num bosque Para adorar o poderoso espfrito de sua rainha, Minha mie, a grande Diana. Aquela que de bom grado Aprender toda a magia, mas que ainda nfo domina Seus mais profundos segredos, minha mie ir Ensinar, na verdade, todas as coisas ainda desconhecidas, E sereis libertos de qualquer escravidao, E sereis livres para qualquer coisa; E como sinal de sua inequivoca liberdade, Deveis comparecer desnudos em seus ritos, tanto homens ‘Quanto mulheres: isto deve perdurar até ‘Que morta o tiltimo de seus opressores; E deveis jogar 0 jogo de Benevento Apagando as chamas, para em seguida Desfrutar de sua refeigao da seguinte forma: 34. Os praticantes e estudiosos da Bruxaria moderna, em es- pecial da Wicca, conhecem a imporidncia da refeicao ritual que se segue aos Sabbats (grandes Festivais), chamados de Treguendas pela Stregheria, e Esbats (celebracées da Lua Cheia). Essa refeigdo, tradicionalmente conhecida como “pio e vinho” ou “po ¢ cerveja,” é abordada neste capitulo. Mais importante, porém, é a grande simbologia contida nas Conjuragoes (Invocacaes) do Trigo, do Sal, de Caim ede Diana. Cabe a cada leitor, no entanto, amparado em seus conhecimentos e sua percepedo, analisar os mitos abordados em cada conjuracdo, pois & essa andlise intima e pessoal que, em ultima instancia, leva & compreensio e ao entendimento do simbolismo contido. Alguns detalhes, contudo, saltam aos othos. Na Conjura- gio do Trigo, por exemplo, vemtos claramente a percepedo de que o trigo, o alimento por exceléncia, a primeira ma- téria-prima a ter sido transformada em produto pelo ho- 35 Charles G. Leland ‘mem primitivo, representa o precioso dom da vida, sem o qual tudo 0 mais fenece, e que s6 é fertilizado pela pre- senga dos‘“vaga-lumes que pertencem ao sol”, dos princt- pios ativos masculinos de que falamos na introdugdo. Na conjuragdo de Diana, o praticante a ameaca até que sua graga seja concedida, Caso isso ocorra, porém, segue sé uma grande celebracdo orgiaca, onde os celebrantes “se amario livremente”. Isto nos remete a outros ritos de fertilidade, onde 0 sexo era praticado de forma ritual ¢ mdgica, onde cada homem e cada muther simbolizavam um deus e uma Deusa, capazes de gerar vida, A sociedade moderna, com seu rango moralista judaico- cristdo, ndo admite mais esse tipo de comportamento. Doengas sexualmente transmissiveis também inibem essas praticas. Como tudo nas tradicdes antigas, no entanto, devemos avaliar tais tradicdes buscando 0 contexto tempo-espaco na qual eram praticadas. Nos dias de hoje, muitas tradigdes Wiccanas optaram por usar uma simbologia para o conhecido “Grande Rito” de unio entre 0 Deus ¢ a Deusa; 0 atame (punhal ritual) mergulhado no céllice é apenas uma delas. Aqueles que seguiam o que thes fora determinado, Diana concedia poderes magicos de béngdo e maldigiio, contato como Outro Mundo, resgate das tradigdes, compreensdo dos fendmenos naturais, habilidades de cura e de pre- digdes. Sao os presentes de Aradia para a humanidade. Por fim, hd uma bela e significativa Invocacdo a Aradia, a filha de Diana ¢ “Mesias” feminina. Apesar de seu inegdvel cardter divino, Aradia ndo estd livre de ameacas, apresentadas nos tiltimos versos da invocacdo... Sem divida, os deuses estavam muito mais proximos de nds. 36 . Capitulo 2 O Sabbat, Treguenda ou Encontro de Bruxos Como Consagrar a Refeicao ‘Segue abaixo arefeicdo, do que deve estaconsistir,e 0 que deve ser dito e feito para consagré-laa Diana. Sfio necessdrios trigo, sal, mel e 4gua; pratique este encantamento’ A Conjuragao do Trigo Eu te conjuro, 6 Trigo! Tu que és sem diivida nosso corpo, uma vez que sem ti Nao podemos viver, tu que (a principio como semente) Antes de florescer mergulhaste na terra, Onde se ocultam os profundos segredos, c enti, quando moido En Charles G. Leland Dangaste como pé ao vento, ¢ ainda assim Portavas contigo fugazmente, estranhos segredos! E entéo, quando estavas preso a haste, Na forma de um brilhante grao (dourado), Os vaga-lumes vinham lanear a ti sua luz Para auxiliar teu crescimento, pois sem sua ajuda Nao poderias crescer, e tampouco te tornares tio belo; Assim, pertences a raga Das bruxas ou fadas, ¢ porque Os vaga-lumes pertencem ao sol... Rainha dos Vaga-lumes! Apressa-te, Vem # mim como que numa carreira, Arreia teu cavalo enquanto me ouves cantar! Acteia, arreia o filho do rei! ‘Vem mui lesta, e traga-o a mim! O filho do rei em breve te libertara! E por ser para sempre brilhante e belo, Sob um vidro eu te preservarei, enquanto Que com uma lente estudo os segredos em ti ocultos, ‘Até que todos os mistérios brilhantes sejam por fim revelados, Sim, ¢ todo o maravilhoso conhecimento desconcertante Desta vida de nossa cruz.e da préxima, Assim, todos os mistérios hei de conhecer, Mesmo os tiltimos encerrados no gro; E quando por fim a todos realmente dominar, Vaga-lume, tua liberdade irei restaurar! Quando os segredos obscuros da terra forem por mim conhecidos, Langarei sobre ti finalmente minhas béngaos! 38 Aradia, O Evangetho das Bruxas (Segue-se a Conjuragio do Sal) Conjuragéo do Sal Bu te conjuro, Sal, veja! Cé ao meio-dia Exatamente no meio de um ribeiro ‘Tomo meu posto ¢ observo a égua a meu redor, Bem como 0 sol, ¢ ndo penso em mais nada Enquanto aqui, proximo a égua c ao sol; Pois toda a minha alma esté realmente voltada a eles; Nao desejo realmente nenhum outro pensamento, Almejo saber a propria verdade das verdades, Pois ha muito sofro com o desejo De conhecer meu futuro ou meu destino vindouro, Se o bem ou o mal nele prevalecera Agua e sol, sejam ternos comigo! (Scgue-se a Conjuragao de A Conjuragao de Caim Eu te conjuro, 6 Caim, pois jamais podes Descansar ou ter paz até que sejas liberto Do sol onde jazes cativo, e deves Bater suas maos enquanto corres em yelocidade: Peco-te, mostra-me meu destino; E se for maligno, muda seu curso por mim! Seme concedes esta graca, serei capaz de vé-lo claramente Nas Aguas e no esplendor do sol; E ty, Caim, deves propagar com tuas palavras O que quer que meu destino venha a ser. E anno ser que me concedas isto, ‘Que jamais tu possas ter paz. ou alegria! 39. Charles G. Leland (Segue-se entéo a Conjuragio de Diana) Conjuragdo de Diana Devem ser confeccionados bolos de trigo, vinho, sal, ¢ mel, na forma de uma lua ~ crescente ou chifruda ~, os quais devem ser postos para assar, enquanto se diz: ‘Nao asso 0 pao, nem com ele o sal, Nem cozinho o mel com o vinho; ‘Asso 0 corpo e o sangue e a alma, A alma da (grande) Diana, para que ela Nao tenha descanso nem paz, ¢ esteja sempre Em grande sofrimento, até que conceda Aquilo que pego, aquilo que mais desejo, Peco isto a ela, do fundo do meu coraczo! F caso a graga seja atendida, 6 Diana! Em tua honra celebrarei este banquete, Festejarei e secarei por completo 0 célice, Dangaremos e saltaremos animadamente, E se me concedes a graga que tanto desejo, Entdo, quando a danga atingir seu apogeu, todas as luzes Serio apagadas, © nos amaremos livremente! E assim deve ser feito: todos devem se sentar paraa refeigdio desnudos, homens e mulheres, e ap6s o banquete, devem dancar, cantar, tocar mtisica e em seguida amar na escuridao, com todas as luzes apagadas; pois € 0 Espirito de Diana que as apaga, e assim eles dancarfo e tocaraio misica em sua honra. E ocorreu que Diana, apés sua filha ter cumprido sua missdo ou ter passado seu tempo na terra entre os (mortais) vivos, chamou-a de volta, e The concedeu o poder 40. Aradia, O Byangetho das Bras para que, quando inyocada, tendo praticado algum bem, pudesse agraciar aqueles que a conjuraram com sucesso no amor: Para abengoar ou amaldigoar com poderes amigos ou inimigos (para praticar o bem ou o mal). Para interagir com os espfritos. Para encontrar tesouros ocultos em antigas rufnas. Para reunir os espiritos dos sacerdotes que morreram tendo deixado tesouros. Para compreender a voz do vento. Para transformar 4gua em vinho. Para fazer previsdes através das cartas. Para conhecer os segredos das maos (quiromancia) Para curar males. Para tornar belos os que sao feios. Para domar feras selvagens. E 0 que quer que fosse solicitado ao espitito de Aradia, seria concedido aiqueles que merecessem seus favores. E desta forma ela deve ser invocada: Assimeu busco por Aradia! Aradia! Aradia! A meia-noite, & meia-noite eu me dirijo a um campo, e comigo le-vo gua, vinho e sal, trago agua, vinho e sal e meu talisma ~ meu talismd, meu talisma e uma pequena bolsa vermelha sempre em minha mao ~ “con dentro, con dentro, sale,” com sal, dentro dela, dentro dela. Com agua e vinho eu me abengdo, me abeng6o com devocao para implorar um favor de Aradia, Aradia, (Enfase as repetig6es).. 4 Charles G. Leland (Segue-se a Invocagto a Aradia) Invocagao a Aradia Aradia! Minha Aradia! ‘Tu és minha filha daquele que era O mais maligno dos espiritos, que ha muito A.um tempo reinow no inferno apés ser expulso do parafso, Que através de sua irma tornou-se seu mestre, Mas assim como sua mae se arrependeu de seu pecado,, E desejou unir-te a um espirito que Fosse benevolente, Endo maléfico! Aradia! Aradia! Eu imploro elo amor que ela nutria por ti! E pelo amor que também eu nutro por ti! Rogo-te, conceda-me a graca que desejo! E uma ver, satisfeito este desejo, que ‘Um dos trés sinais inequivocos se me apresente: Ossibilar de uma serpente, ‘A luz de um vaga-lume, O coaxar de um Sapo! Mas se me recusas este favor, entio Que no futuro nao tenhas paz ou prazer, E que sejas obrigada a me buscar a distancia, Até que venhas a conceder-me meu desejo, O quanto antes, e entdo poderis retornar novamente A teu destino, Assim seja, Amém! 2 Comum a todas as vertentes da Religido da Deusa so os mitos nos quais 0 Deus é, a unt 36 tempo, filho e amante da Deusa. O chamado “incesto sagrado” ocorre aqui quando Diana, a criadora e criatura bdsica, 0 princtpio elementar da vida, se parte nos opostos luz.e escuridao, Ao perceber quido bela era a luz que emanava de Litcifer, seu irmiio (posto que nascido da mesma divisio basica) ¢ filho (uma vez que foi da propria Diana que ele se originou), ela 0 deseja com grande ardor e paixdo; essa paixdo se materializa na forma da aurora, um dos mais belos e representativos fendmenos da natureza, simboli- zando o ponto de equilibrio entre as trevas da noite — os dominios da Lua, representacao de Diana — e 0 poder do Sol — 0 esplendor de seu irmao Lucifer. Exsa simbologia é encontrada em intimeros outros mitos, onde as polaridades masculina e feminina, de luz e excu- riddo, ativa e passiva, buscam ardentemente a unido dos ‘opostos que gera.o equilibrio basico presente no momento B Charles G. Leland da criagéo, permitindo, assim a evolugdo. Estabelece- se, desta forma, a eterna busca pelo equilibrio ~ assim como Diana busca sua metade luz em seu irméoffilho Litcifer, cada um de nds busca 0 conhecimento absoluto que vem do equilibrio das polaridades. A principio, a Luz fugia de Diana “qual o rato que se oculta do gato”. Desesperada, Diana busca 0 consetho dos “pais e mies do Inicio”, ou seja, as forcas primordiais do universo. Temos aqui um confuso mas importante elemento, no qual percebemos que, apesar de Diana nos ser apresentada como a forca criadora bdsica, que ao se dividir, deu origem aos opostos luz e trevas, ela propria havia sido criada por outra fonte criadora de maior mag- nitude, como no caso do demiurgo dos conhecimentos gndsticos, De onde podemos depreender o mito da eterna criacdo — cada um de nds é, por si 6, criador e criatura. Essa forea criadora bésica afirma a Diana que, para po- der ser “a mestta das deusas”, ela deve cair para depois se reerguer — devemos antes compreender o mais basico dos mistérios antes de irem busca de ideais mais elevados, Em sua queda, Diana desce a Terra, onde cria a magia, sendo responsdvel pela origem de toda sorte de seres: as bruxas, seres humanos capazes de praticar magia; as fa- das, seres espirituais elevados; e os gnomos, seres elemen- tais que habitam e dao vida a todas as formas de criagao. Através de um truque de magia, Diana se une a seu irmdo, e dessa unido surge Aradia, Somente apds sua queda Diana desenvolve seus grandes poderes mdgicos para criar 0 céu eas estrelas. Ao ver tio maravilhoso feito, as bruxas a aclamam como sua Rainha. E assim comeca seu longo reinado. 44 Capitulo 1H Como Diana Criou as Estrelas e a Chuva ‘Diana foi a primeiraa sercriada antes de toda acria nela estayam todas as coisas; a partir dela mesma, a escuridao. primordial, ela se dividiu: em luz e trevas ela foi dividida. Licifer, seu irmao e filho, ela mesmae sua outra metade, era aluz. E quando Diana viu o quo bela era luz, aluz queera sua outra metade, seu irmao Licifer, ela cobigou-0 com grande desejo, Desejosa de receber novamente a luz em sua escuridao, de engoli-la em éxtase e prazer, cla tremeu de desejo, Este desejo foi a aurora, ‘Mas Licifer, aluz, fugia dela, endo cedia a seus desejos, ‘quala luz que se refugia nas partes mais distantes do infinito, qual o rato que se oculta do gato, 45 Charles G, Leland Entdo, Diana foi ter coms pais do Infcio, com as mies, ‘com os espiritos que existiam antes do primeiro espirito, ¢ Jamentou a eles que no podia controlar Liicifer. E eles enalteceram sua coragem; disseram-Ihe que, para poder se cergucr, cla deveria air; para se tomar a mestra das deusas, ela deveria antes se tornar mortal E, com opassar das eras e do tempo, quando o mundo foi feito, Diana desceu & Terra, assim como Liicifer, que havia caido, e Diana ensinou magia e feiticaria, de onde se originaram as bruxas, as fadas ¢ os gnomos ~ tudo o que se assemelha ao homem mas que no é mortal. E foi assim que Diana assumiu a forma de um gato. Seu irmao possufa um gato ao qual amava acima de todas as outras criaturas, e o gato dormia toda noite em sua cama, um gato mais belo que qualquer outra criatura, uma fada; ele nfo sabia disso. Diana convenceu 0 gato a trocar de formas com ela; assim, ela se deitou com seu irmao, e na escuridao ela assumiu sua propria forma, e de Lifcifer concebeu Aradia, Mas pela manhé, quando descobriu que estava deitado a0 lado de sua irma, e que a luz havia sido conquistada pelas trevas, Lttcifer ficou extremamente irado; mas Diana, através de sua magia, encantou-o de tal forma que ele cedeu ao amor dela. Esta foi a primeira fascinagdo; ela murmurou a canedo, que era como o zumbir de abelhas (ou o girar de um tear), um tear que tecia vida. Ela teceu a vida de todos os homens; todas as coisas foram tramacias pela roda de Diana. Lucifer movia a roda. Diana nao era conhecida pelas bruxas e pelos espf- ritos, as fadas e elfos que habitavam nos locais desertos, e ‘0s gnomos, como mie deles: ela humildemente se ocultou na forma de uma mortal, mas por seu desejo ela novamente 46 Aradia, O Evangelho das Bruxas se elevou acima de todos. Ela possufa uma paixio pela bruxaria, e se tornou téo poderosa que sua grandiosidade nao mais podia ser oculta. E assim foi que uma noite, no encontro de todas as feiticeiras ¢ fadas, ela declarou que escureceria 08 céus € transformaria todas as estrelas em ratos. Todos os presentes disseram: “Se podes efetuar feito assim estranho, se possuis tio elevado poder, deves ser nossa rain.” Diana saiu & rua; ela apanhou a bexiga de um boi e um pedago de dinheiro-das-bruxas, o qual possui a ponta cde uma faca - com tal dinheiro as bruxas cortam a terra de sob as pegadas de um homem - eela cortou a terra, e com ela © muitos ratos ela preencheu a bexiga, ¢ assoprou a bexiga até que esta estourasse. A partir dali surgiu uma grande marayilha, pois a terra que estava no interior da bexiga se tomnou 0 curvo firmamento acima de nés, e por trés dias houve grande chuva; 0s ratos se transformaram em estrelas ou chuva. E por ter criado as estrelas e a chuva, Diana se tornou a Rainha das Bruxas; ela era 0 gato que regia as estrelas rato, os céus ea chuva Ea No capitulo seguinte, travamos contato com trés impor- tantes amuletos da Siregheria: as ervas verbena e arruda, associadas, em intimeras tradigdes, & protegdo; e uma pedra com um furo natural no meio. Desde tempos imemoriais, atribui-se a essas pedras, normalmente encontradas no leito de rios ou em praias de seixos, propriedades magicas. A simbologia é obvia: uma pedra, um fragmento do solo que, emiiltima andlise, €o proprio corpo da Grande Mae, com um furo, ou seja, a repre- sentacao da Vagina da Terra, de onde advém toda vida, Na Irlanda, ainda vive a tradigdo de passar uma erianga recém-nascida pelo vao esculpido pela erosdo em uma grande rocha, para que essa crianca seja purificada protegida. Hoje associada ao cristianismo, essa crenga indubitavelmente possui ratzes no paganismo celta. Na segunda conjuracdo, 0 “Encantamento da Pedra Redonda”, nos deparamos com o espirito que reside na pedra sagrada, aqui chamado de “o Gnomo Vermelho”. 9 Charles G. Leland Ele representa a prépria energia da terra, contida na pedra furada, e seu cardter material (elemento Terra) ‘fica claro na sua utilidade: ele é invocado ou para cobrar dividas de maus pagadores, ou para atrair a pessoa amada para a cama daquele que o invoca. Deidades basicas, mais uma vez, para atender necessidades basicas... todavia, é importante ressaltar que a ética da bruxaria moderna, em especial a da Wicca, no admite que encantamentos desse tipo sejam laneados, pois ferem 6 livre arbitrio da outra pessoa, desrespeitando, assim, a conhecida lei Wiccana que reza: “Se mal nenhum causar, faca o que desejar.” Apesar de nao conter uma lei semelhante, veremos no Apéndice A que os Elementos da Crenca da Stregheria também fazem com que cada Strega seja responsdvel pelos seus atos, pois segundo esses Elementos cada Strega ou Stregone acredita “na Lei de Ago e Reagio, ¢ que 0 que fazemos afeta os outros, assim como 0 que os outros fazem ‘nos afeta.” Esse é um dos grandes diferenciais do paganismo mo- derno: cada individuo & 0 tinico responsdvel por seus atos € consegiléncias, 0 que faz com que cada um desses in- dividuos tenha ciéncia de sua responsabilidade perante ssi € perante os demais — sejam eles pessoas, animais, vegetais ou o proprio planeta Terra. E é justamente por isso que temos, entre os membros da comunidade paga atual, tantas pessoas envolvidas com causas ecoldgicas € que buscam desenvolver uma maior consciéncia am- biental nas pessoas e na sociedade como um todo. Afinal, 0 paganismo nao admite a idéia de que o homem é superior as demais espécies, podendo assim fazer o que quiser com elas, nem que elas foram criadas para nos 50 Aradia, O Evangetho das Bruxas servir; também ndo admite a suposicdo de que sé temos esta vida para viver, nem que ao fim dela iremos para 0 paraiso eterno ou para a tortura eterna. Essas crencas, difundidas pelo patriarcado judaico cristo, deram origem a devastacdo desenfreada dos recursos de nosso planeta, assim como ao materialismo gerado pela presunedo do homem em se dizer senhor do planeta. Somos todos iguais perante a Deusa ~ tanto humanos como animais, vegetais ¢ até mesmo os minerais sao igualmente sagrados, pois todos fazem parte da grande teia césmica que é a vida existente neste planeta. Se rompemos um fio da teia, comprometemos toda essa estrutura, Esté mais do que na hora de tomarmos consciéncia disso, e fazermos algo por nosso planeta. Enquanto é tempo. St Capitulo 1V O Encantamento das Pedras Consagradas a Diana Encontrar uma pedra com um buraco no meio é um, sinal especial dos favores de Diana, Aquele que assim 0 faz deve apanhé-la, e repetir o que se segue, observando a ceriménia do modo devido Invocagao da Pedra Sagrada Encontrei uma pedra sagrada no solo, Destino! Agradego por este feliz achado. ‘Também ao espfrito que sobre esta estrada A deu para mim; E que seja para meu real bem E minha boa sorte! 53 Charles G. Leland Levanto-me pela manhi, no inicio da aurora, E prossigo a caminhar por (prazerosos) vales, Por todas as montanhas ou pelos belos prados, Buscando por sorte enquanto adiante avango, Buscando pela arruda e pela verbena docemente perfumadas, ois elas trazem fortuna a todos. Mantenho-as em seguranga em meu peito, Para que ninguém saiba - é uma coisa secreta, E sagrada também, ¢ assim pronuncio 0 encantamento: “O verbena! sejas sempre benéfica, E que tuas béncfos jorrem sobre a bruxa_ Oua fada que te deu a mim!” Foi Diana que veioamim, A noite, durante um sonho, e me disse: ‘Se mantiveres todas as pessoas més & distincia, Entio tenhas sempre a verbena e a arruda Seguramente a teu lado!” Grande Diana! Tu Que és a rainha dos céus ¢ da terra, E das terras infernais - sim, és A protetara de todos os homens desafortunados, Dos ladrdes e assassinos, e das mulheres, também Que levam uma vida torpe, e tu sabes Que a natureza deles nao é maligna, tu, Diana, Conferiste a eles um pouco de alegria em suas vidas. Ou posso realmente em outra hora Conjurar-te assim, para que nio tenhas paz Nem felicidade, pois deves sempre estar Sofrendo até que me concedas 0 que Te peco, em extrema fé em ti! 54 Aradia, O Evangetho das Brussas (Aqui temos novamente a ameaga & Deidade, exata- mente como no xamanismo esquimé ou em qualquer outro, xamanismo, a qual representa a mais rude forma primitiva de conjuracao, quando os espiritos sto ameacados. Tragos desta prética sao encontrados entre os catélicos romanos rudes. Assim sendo, quando S. Bruno, alguns anos atras, numa cidade da Romagna, nao atendeu aos pedidos de seus devotos por chuva, eles prenderam sua imagem no, fundo de um rio, com a cabega voltada para baixo. Seguiu- se imediatamente a chuva, ¢ 0 santo foi restitufdo honro- samente a seu local na igreja...) O Encantamento ou Conjuracdo da Pedra Redonda Encontrar uma pedra redonda, seja grande ou pe- quena, é um bom sinal, mas jamais ela deve ser presenteada, pois nesse caso aquele que a recebe também recebe a boa sorte, e algum tipo de desastre atinge a quem a deu. Quando encontrar uma pedra redonda, erga aos céus os seus olhos, langando a pedra para cima trés vezes (sem- pre a apanhando), e diga: Espftito de bom press4gio, Quea mim vieste em auxilio, Acredite, muito eu necessitava de Espirito do Gnomo Vermelho, ‘Uma vez que vieste em meu auxilio, Rogo-te, nao me abandones; Peco-te para que ingresses nesta pedra, Para que em meu bolso eu possa levar-te, E assim, sempre que eu tiver necessidade, 35 Charles @. Leland Ecomoaunilioda bela Diana Pego por sorte antes de deixar esta casa! Primeiro, com trés gotas de dleo euremovo Toda a influéncia maligna, e humildemente peco, Bela Diana, ati, Que tire-a de sobre mim, Enyiando-a a meu pior inimigo! Quando 0 azar Forde mim afastado, Eu o langarei no meio da rua, E se me concedes este favor, Obela Diana, Todos os sinos de minha casa soarao alegremente! Entiio, satisfeito, Seguirei em frente, Pois estarei seguro que com teu auxilio Acharei antes de retornar Belos e antigos livros, E a um prego médico, B tu achards o homem, Aquele que possui o livro, E ids em pessoa Para por em sua mente, Levando-o a saber O que deves encontrar E faz com que ele faga Tudo o que pedires. Ouse um mannscrito Escrito em dias longinquos, Tu o obterés do mesmo modo, 2 ee paseo Aradia, O Evangetho das Bruxas Ble viréati, ‘Também com prego baixo. Comprarés o que desejas Com o auxilio da grande Diana. O texto acima foi obtido, ap6s alguma demora, em. resposta a um pedido de qual conjuragiio seria necesséria antes de partir, para assegurar que alguém encontrasse ‘um livro raro, ou outro objeto desejado, a um prego bem moderado, Assim, ainvocagdo foi elaborada adequadamente, para que fosse empregue em achados literdtios; mas aqueles desejosos de adquirir qualquer coisa em termos igualmente favoraveis deve tio somente alterar o pedido. mantendo a introdugao, na qual esta a virtude magica. Nao posso, contudo, resistir & conviegdio de que isto € mais indicado, ¢ trara melhores resultados, em buscas por objetos de antigiiidade, estudos ¢ arte, e deve ser adequadamente implantado firmemente na meméria de cada cagador de quinquilharias e biblidgrafo, Devemos observar, honestamente, que a oragao, ao inyés de ser atendida, tomar-se-4 negativa ou de mé sorte, a nao ser que aquele que a proferir o faga em plena fé, ¢ isto néo pode ser obtido apenas ao dizer a si mesmo, “cu acredito.” Pois para atingir f€ verdadeira em qualquer coisa, pre- cisamos de longa e séria disciplina mental, nao existindo, em realidade, nenhum assunto do qual se fale tanto e se compreenda to pouco. Falo, aqui, seriamente, pois o homem que pode treinar sua fé para realmente erer e cul- tivar ou desenyolver sua vontade pode realmente operur o ‘que o mundo, por consentimento geral, considera milagres, Viré o dia em que este principio formaré no s6 a buse de 73 Charles G. Leland toda educago, mas também de toda amoral e cultura social. Expus, acredito, completamente este prin-cipio numa obra entitulada “Have You a Strong Will?” ou “How to Develop It or Any Other Faculty or Attribute of the Mind, and Render It Habitual,” ". Contudo, o leitor de f€ devotada pode, como decla- ram as bruxas, usar este encantamento diariamente antes de partir na busca e obtengdo de quaisquer tipos de bar- ganas em lojas, ou encontrar objetos perdidos, ou, na verdade, achados de qualquer espécie. Se inclinado beleza em forma feminina, ele terd boa sorte; se homem de negécios, serdo suas as boas oportunidades. O boténico que o profere antes de partir rumo aos campos prova- vyelmente descobriré uma nova planta, e 0 astrGnomo & noite pode ter quase certeza de encontrar um novo planeta, ‘ou ao menos um asterdide. Deve ser repetido antes de ir 4s corridas, visitar amigos, locais de diversao, negécios, pronunciamentos, e especialmente antes de cagadas ou excurs0es noturmas, uma vez que Diana é a deusa da cacae danoite. Mas, ai daquele que o fizer por gracejo! 1 Voce Tem Forea de Vontatle?” ou “Como Desenvolvé-la ou Qualquer ‘Outra Capacidade ou Atributo da Mente e Torné-1os Habitus” Londres, George Redway (N. do") um O encantamento abaixo visa, a principio, a atender wna necessidade basica: a de garantir ao vinicultor uma boa safra, garantindo-the, dessa forma, bons lucros para sua subsisténcia. Esconde, porém, temas de grande profundidade nos Mistérios da Magia. O primeiro, como observado por Leland em seus comentarios, é a “ligacdo de Diana, a Lua, com Baco,” 0 deus romano do vinho. Isto pode nos remeter a antigos cultos extdticos de Dioniso, o Baco grego, que em illtima andlise éassociado @ Cernunnos, 0 Deus Cornifero das tradigées celtas. Através desta associagdo, vemos um interessante equilibrio entre as polaridades sutile ativa, ou feminina e masculina, Outro ponto fundamental, que aparentemente passou desapercebido a Leland, é a figura ancestral do sagrado sacrificio ritual aqui sutilmente representado pelo vinho tratado como 0 sangue de Diana —o préprio sangue da Desa, 0 fluido energético vital que, quando corretamente 75 Charles G. Leland invocado ¢ lancado sobre as plantagées, garante o sucesso da safra. Imimeros sdo os relatos que dao conta de sacrificios rituais visando colheitas bem sucedidas, em tradigdes tao distantes no tempo e no espaco como as, Celtas ¢ as Maias. O ritual que veremos simboliza justamente esse sacrifi Leland observou ainda que a proibicdo da antiga tradigao de se lancar um beijo & Lua, ou melhor, sua condenagao pelo biblico J6, atesta a antigitidade desta pratica que, sem diivida, precede os cultos judaico-cristaos. Mais interessante ainda é 0 reconhecimento de Jé de que ele proprio poderia ficar “secretamente excitado” ao “con- templar a lua em seu caminho brilhante”... mais uma prova, de que certamente a Antiga Religido buscara se perpetuar, apesar dos esforcos do patriarcado judaico-cristio em suprimi-la.. 6 Capitulo VHT Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Aquele que desejar obter uma boa safra de vinho fino, deve apanhar um chifre pleno de vinho ecom ele ditigr-se aos viinhedosou fazendas onde cresgamas vinhase, bebendo o vinho, dizer: Bebo, mas nfo € vinho o que bebo. Bebo do sangue de Diana, Pois o vinho se transformou em seu sangue, E se espalhou por fodas as minhas videiras em crescimento, O que me trard bom retorno em vinho, E mesmo que uma boa safra se me apresente, Estarei dispensado de maiores cuidados, pois se acaso ‘Asuvas amadurecessem na lua minguante, Entao todo o vinho azedaria, mas ” Charles G. Leland Se ao beber desta taga bebo do sangue - Do sangue da grande Diana - com seu auxilio- Se lango um beijo a lua nova, Rogando a Rainha para que guarde minhas uvas, No proprio instante em que o broto nasce Até que seja uma uva madura e perfeita, Bem seguida a safra e por fim Até que 0 vinho seja feito - que seja bom! E que ocorra que eu dele Obtenha bons lucros quando por fim o vender, E assim a boa fortuna é langada sobre minbas vinhas, E por todas as minhas terras, sejam lé onde forem! Mas, caso minhas vinhas nfo sejam a contento, Apanharei meu chifre langando-o vigorosamente Ao tonel das vinhas, & meia-noite, e farei Barulho tao forte e terrivel Que tu, bela Diana, no importa quao longe Estejas, ouvira o chamado, E abrindo a porta ou a janela, Virds a um s6 tempo sobre os ventos sibilantes, Encontrar-me e salvar-me -ou seja, salvar minhas vinhas, O que serd salvar-me de grandes infortinios; Pois se as perco, perco a mim mesmo, Mas com seu auxflio, Diana serei salvo, Esta € uma tradieZo e uma invocaga0 muito inte- ressante, provavelmente de grande antigiiidade segundo intrigantes evidéncias intrinsecas, Pois ¢, a princfpi dedicada a um t6pico que recebe pouca atengao a ligagao de Diana, como a Lua, com Baco, apesar de 0 grande 2 Aradia, O Evangelho das Bruxas Dizionario Storico Mitologico, de Pozzoli et al, afirmar expressamente que, na Grécia, seu culto estava associado-ao de Baco, Esculapio ¢ Apolo. O elo de ligagao € o chifre. ‘Numa medalha de Alexandre Severus, Diana de Efeso se- gura a comucépia da fartura. Este € 0 chifre, ou chifre da Lua Nova, sagrado a Diana, De acordo com Callimachus, © proprio Apolo erguet um altar totalmente feito de chifres aDiana. A ligago do chifre com o vinho € 6byia. Era cos- tume entre os antigos eslavdnios que o sacerdote de Svantevit, o deus Solar, cheeasse que o chifre na mao do fdolo estivesse cheio de vinho, para assegurar uma boa colheita no ano vindouro, Se estivesse cheio, tudo estava bem; caso contrério, ele encheria o chifre, beberia dele e substituiria 0 chifre na mao do fdolo, prevendo que tudo acabaria por correr bem. E impossivel que o leitor nao perceba a estranha semelhanga com a invocacio italiana, sendo a tinica diferenga o fato de que em uma o Sol € invocado enquanto que na outra é a Lua, para assegurar uma boa colheita. Enire as lendas de Florenea, temos ada Via del Corno, ng qual o heréi, caindo em uma grande tina de vinho, € salvo do afogamento ao soprar um chifre com tremenda forea. Ao ouvir o som, que percorre uma incrivel distinc, alcangando até mesmo terras desconhecidas, todos partem apressados, como que encantados para salv4-lo, Nesta con- juraeo, Diana, nas profundezas do parafso, é apresentada correndo ao som do chifre, ¢ saltando por portas ¢ janclas para salvar a safra daquele que sopra. H4 uma certa afi- nidade singular entre essas historias. Na hist6ria da Via del Como, o her6i € salvo pelo Gnomo Vermelho, ou Robin Goodfellow, o qual the dé um ~ chifre, ¢ este 6 0 mesmo duende que surge na conjuragao da Pedra Redonda, a qual é sagrada a Diana, Isto porque 0 espirito € noctivago, e €um servidor de Diana-Titania, Langar um beijo a Lua Nova é uma ceriménia de remota antigitidade, e J6, mesmo em sua época, a consi-derava paga © proibida —o que sempre quer dizer antiquada e fora de moda — como quando ele declara (XXXI, 26, 27) “Se ao eontemplar a lua em seu caminho brilhante... meu coragio ficarsecretamente excitado ou minha boca beijar minha mio, também isto serd uma inighiidade a ser punida pelo Juiz, pois eu terei negado o Deus acima de nés.” Disso podemos ou devemos inferir que J6 ndo achava que Deus tivesse criado a Lua estivesse presente em to-das as Suas obras, ou ainda que ele realmente acreditasse que a Lua era uma deidade independente. De qualquer forma, é interessante ver que 0 antigo rito proibido ainda vive, herético como sempre. A tradicio, como me foi transmitida, omite clara-mente uma parte da ceriménia, a qual pode ser fornecida por ‘autoridades cldssicas. Quando o camponés praticao rito, ele no pode fazé-lo como 0 fez um africano, 0 qual era empregado de um amigo meu. A fungao do homem era a cada manha derramar uma libagdo derum sobre um amuleto =e ele a derramava em sua propria garganta. O camponés devia também espargir as vinhas, assim como 0s fazendeiros de Devonshire, os quais observavam todas as ceriménias Natalinas, espargiam, também de um chifre, suas macieiras.. Diana, a Grande Deusa, é aqui apresentada em sua verso etrusca, Tana; apaixonada por um belo jovem chamado Endamone (Endymion), ela se vé ds voltas com uma vingativa e invejosa bruxa com que tem que competir pelo amor de Endamone. Apesar de “muito mais poderosa,” Diana ndo consegue desfazer 0 sortilégio lancado pela bruxa, através do qual Endamone fora condenado a dormir eternamente, desejando Tana em seus sonhos. Para burlar esse encantamento, Tana entra em contato com Endamone justamente através de seus sonhos. O tema aqui, como observado por Leland, é 0 do Irméo Sol/Irma Lua, ou dos amantes condenados a uma eterna e inatingivel busca um pelo outro ~ como 0 dia e a noite, como Diana e Apolo. 81 1 i l Capitulo IX Tana e Endamone, ou Diana e Endymion “Agora 6 sabido que Endymion, admitido no Olimpo, de onde havia sido expulso por desrespeito a Juno, foi banido por trinta anos, os quais passou na Terra. E porter podido dormir durante esse perfodo numa caverna no Monte Latmos, Diana, encantada com sua beleza, visitava- 0 todas as noites, até que tivesse dele gerado cingiienta, filhas e um filho. E apés isto, Endymion foi reconvocado, 40 Olimpo.” Dizionario Storico Mitologico A lenda que se segue, bem como os encantamentos, foram fornecidos sob o nome ou titulo de TANA. Este era © antigo nome etrusco de Diana, ainda hoje preservado 83 Charles G. Leland na Romagna Toscana, Encontrei, em mais de uma obraitaliana e francesa, algum registro ou lenda de como uma bruxa eneantou uma garota para que dormisse para um amante, mas esta € a Gnica explicagio de toda a ceriménia que conhego. A Lenda de Tana Tana é uma bela deusa, e ela amava um jovem mara- vilhosamente belo chamado Endamone; mas seu amor ha- via sido cruzado por uma bruxa sua rival, apesar de En- damone ndo se importar com a tltima, ‘Mas a bruxa estava resoluta em conquisté-lo, esti- vesse ele interessado ou no, e com este intuito ele induziu ‘ servente de Endamone a deix4-la passar a noite nos apo- sentos deste tiltimo. Lé estando, ela assumiu a aparéncia de Tana, a quem ele amava, para que ele se deliciasse ao contemplé-la, como ele cria, enquanto dava-lhe as boas vindas com apaixonados abragos. Isto o pds sob os poderes dela, pois permitiu que ela praticasse um certo encanta- mento magico ao cortar-Ihe um cacho de cabelos A seguir, ela partiu para casa, e com um pedago de intestino de ovelha, formou uma bolsa, na qual depositou © que hayia obtido, com uma fita preta e outra vermelha atadas em conjunto, com uma pena, ¢ pimenta e sal, e em seguida, cantou uma canedo. Esta é a letra, uma cangio de bruxaria de grande antigiiidade. Esta bolsa para Endamon criei, Eminha vinganga pelo amor, Pelo profundo amor que por ti nutri, qual nao has de me retornar, 34 Aradia, O Evangetho das Bruxas Mas, sim, derramar ao seio de Tana, E Tana jamais ha de ser tua! ‘Agora, todas as noites, em agonia, Por mim seras oprimido! Dia ap6s dia, hora apés hora, Farei com que sintas 0 poder da bruxa; ‘Com a paixao serds atormentado, Ecom prazer jamais satisfeito; Enyolto em sono deves jazer, Para saberes que tua amante est por perto, E, sempre a morrer, jamais morreré, Sem as forgas para pronunciar palavra, Nem a voz dela poderas ouvir; Atormentado pela agonia do amor, Nao haverd alivio para ti! Pois meu forte sortilégio nao podes quebrar, E.de tal sono jamais deves despertar; Ponco a pouco, deves fenecer, Qual vela sobre a brasa. Pouco a pouco, deves morrer, E em vida eterna, jazer torturado, Ardendo de desejo, mas sempre fraco, Sem forgas para se mover ou falar, Com todo o amor que nutro por ti, Deves ser atormentado, Pois todo 0 amor que recentemente nutri Sentiris como fosse ddio ardente, Curvado para sempre sob a tua tortura, Estou vingada e assim satisfeita. Mas Tana, que era muito mais poderosa que a bruxa, apesar de incapaz de quebrar 0 encantamento pelo qual ele foi levado a dormir, afastou-o de toda a dor (ela a 85 Charles G. Leland conheceu em sonhos) ¢, abragando-o, ela cantou este con- traencantamento: Endamone, Endamone, Endamone! Pelo amor que sinto, 0 qual eu jamais sentirei até que morra, ‘Trés cruzes fagoem tua cama, E apanho entio trés nozes, Na cama escondo as nozes, Abrindo a seguir a janela, Para que a Lua lance sua luz Sobre o amor, tio belo e brilhante, Oro, entao a ela no céu Para que nosso amor desfrute de grande prazer, E lance sua chama em cada coragiio, Os quais loucamente amam para jamais se abandonarem; E mais uma coisa de ti imploro! Se qualquer pessoa estiver enamorada, E a meuss cuidados depositar sen amor, Seu chamado atenderei sem demora Eassim foi que a bela deusa fez amor com Endamone ‘como se estivessem despertos (apesar de se comunicarem em sonhos). E assim ¢ até hoje, pois quem quer que faga amor com alguém que durma, terd o auxiflio da bela Tana, © ao fazé-lo obterd sucesso, Esta lenda, semelhante em muitos detalhes ao mito classico, é estranhamente permeada por praticas de bru- Xaria, mas mesmo estas, quando investigadas, provariam ser ttio antigas quanto o resto do texto. Assim sendo, intestino da ovelha —usado no lugar da bolsa de 14 vermelha empregada em magia benéfica~as fitas vermelhas e pretas, 46 Aradia, O Evangetho das Bruxas unindo tramas de alegria e pesar, a pena (de pavao), a pi- menta o sal, surgem em muitos outros eneantamentos, mas. sempre para atrair danos ¢ causar sofrimento. ‘Nunca havia visto isto antes observado, masé verdade que Keats, em seu belfssimo poema sobre Endymion, fugiu de ou ignorou completamente todo 0 espfrito e 0 signifi- cado do antigo mito, enquanto que nesta tosca cangtio de bruxa ele €ricamente detalhado, O conceito é ode um belo Jovem furtivamente beijado durante seu sono por Diana, ‘de notéria castidade. O antigo mito trata, para inicio de conversa, de luz e treva, ou dia e noite, de onde nascem as cingitenta e uma (agora cingiienta e duas) semanas do ano, Trata-se de Diana, a noite, e Apolo, o sol, ou aluz em outra forma. E expressa através da unidio amorosa du- ante 0 sono, a qual, quando realizada na vida real, ge- ralmente tem como agente ativo alguém que, sem ser modesto em absoluto, deseja preservar a aparéncia. O cariiter estabelecido de Diana entre os Iniciados (para os quais cla foi amargamente distorcida pelos Padres da Igreja) € 0 de uma bela hipécrita que silenciosamente buscava o amor em segredo. “Assim, como a lua Endymion se deitou com ela, também o fizeram Hipélito e Verbio.” Hé, porém, uma especialmente sutil e delicadamente cestranha idéia ou ideal na concepedo da aparentemente ccasta “clara e fria lua" langando furtivamente sua luz. viva nos recessos ocultos da escuridao ¢ atuando nos mistérios ocultos do amor ou dos sonhos. Assim, para Byron pareceu uma nogao original o fato de o sol ndo brilhar sobre metade dos feitos secretos testemunhados pela Lua, e isto fica enfatizado no poema bruxesco italiano. Nele, a Lua é dis- Lintamente invocada como protetora de um estranho e se~ 87 Charles G. Leland creto amor, bem como a deidade a ser especialmente invo- cada para a consumaedo de tal amor, Aquele que a invoca iz que a janela est aberta, “para que a Lua possa reluzir esplendidamente sobre a cama, assim como brilhante ¢ belo € nosso amor... e pego a ela que nos confira intenso prazer”. A témula e misteriosamente bela Juz do luar, que parece lancar um espirito de inteligéncia ou de emogiio, sobre a natureza silenciosa, despertando-a parcialmente — formando sombras sobre os pensamentos e fazendo com que cada Arvore cada pedra assumam a aparéneia de ‘uma forma viva, mas que, enquanto brilha e respira, ainda permanece adotmecida como que em sonho ~ nao deixou de ser notada pelos Gregos, c estes a representaram como a Diana que abraga Endymion, Uma vez, porém, que a noite € o perfodo sagrado ao segredo, e que a verdadeira Diana dos Mistérios era a Rainha da Luz, a qual usava o crescente, e a senhora de todas as coisas ocultas, inclu- sive os “doces pecados secretos e as queridas iniqlidades,” ha muito mais por tras deste mito do que podemos aparentemente supor. E do mesmo modo como Diana era tida como a Rainha das livres bruxas e da Noite, ou como a propria Vénus-Astarte notuma, também o amor pelo Endymion adormecido seria compreendido como sensual, € ainda assim sagrado e aleg6rico. E foi exatamente com este sentido que as bruxas da Italia, as quais podem afirmar com algum direito serem suas verdadeiras herdeiras, preservaram e entenderam 0 mito, ‘Trata-se da realizacao do amor proibido ou secreto, ‘com a atragao pela visio turva do belo-ao-luar, com 0 en- ccantamento de fadas ou de bruxas do sobrenatural ~ um ro- ‘mance combinadlo de modo tinico ~o encantamento da Noite! 88 Aradia, O Evangetho das Bruxas “HIé um petigoso silencio nessa hora ‘Uma imobilidade que permite & alma fntegra Abrir-se por completo, sem o poder De petmitira retomada de seu autocontrole; A luz prateada que, abengoando arvore ¢ flor, Derrama beleza e profunda suavidade sobre tudo, Suspirando também ao coragdo, sobre o qual Langa Uma adordvel languidez que nao é repouso.” isto que se refere o mito de Diana e Endymion. E o transformar em divino ou estético (0 que para os Gregos: era uma 86 coisa) aquilo que é alvo de paixio, secreto e proibido. E o encanto das dguas furtadas, doces, inten- sificadas pela poesia. E é admirdvel que tenha sido tao es-tranhamente preservado pelas tradigGes italianas. 49. Uma bela lenda nos é aqui apresentada em estado bruto. Do mesmo cunho dos contos-de fadas, como Cinderela ‘owA Bela Adormecida, “Madona Diana” é 0 tipico conto, da jovem sonhadora auxiliada por entidades mégicas — neste caso, Diana. A jovem Rorasa, amargurada com sua vida amorosa, decide tirar sua propria vida, ao se atirar do alto de uma torre. Ela, porém, @ salva por Diana, a qual € erroneamente identificada pelas testemunhas do feito, magico como sendo a Madona, a mae de Cristo, a operar um milagre. Diana aconselha Rorasa a seguir 0 “Evangelho das Bruxas,” pois entdo seus desejos seriam atendidos. Apds vagar pelos campos (um simbolismo do retorno a natureca), ela invoca Diana e é atendida em seu desejo de casar-se com grande pompa e felicidade. 0 suicédio aqui nada tem a ver com a literal destruigéo da propria vida, mas representa o ato voluntdrio de por {fima uma fase da vida, ede ingressar numa nova condigao 91 Charles G, Leland de existéncia, E 0 processo de Iniciagdo, quando deixamos para trds uma crenca que ndo mais nos satisfaz para ingressarmos em outra religido — no caso em questdo, 0 Paganismo, ou A Velha Religido. Quando Rorasa é salva de sua queda fatal, ela estd na verdade sendo acothida pela prépria Diana em seu culto; ela, em seguida, vaga a esmo pelos campos, ou seja, reintegra-se Q Natureza e a seus ciclos, 1d0 caros as praticas pagés, para depois despertar em um novo mundo, uma nova realidade, onde tudo é belo e todos os seus desejos so atendidos. Esse é 0 mundo da Magia e da Bruxaria, mas somente aqueles que acolhem a Deusa em seu coracdo sao capazes de experimentd-lo, como podemos ver na conclusao do conto, onde o sacerdote cristdo ndo percebe que as dez estdiuas de madeira ¢ terracota que surgiram mira- culosamente na igreja sdo, na verdade, representacées de Diana —e nao imagens da Madona, Outra coisa atestada por este conto é 0 convivio, ainda que marginal, da Stregheria com a Nova Religido crista. 2 Capitulo X Madona Diana erta vez, havia, nos idos tempos de Cettardo Alto, una bela garota de indescritivel beleza, cela se uniuaum jovem rapaz igualmente notvel por sua bela aparéncia; mas, apesar de bem nascidos e bem educados, a fortuna © os {nforttinios da guerra ou do destino fizeram com que fossem extremamente pobres. E sea joven donzela possufa algum defeito, este era seu grande orgulho, e ela nfo se casatia por vontade prdpria se nao fosse em grande estilo, com luxo ¢ festividades, um belo vestido, e com muitas damas de honra de bergo. Bisto se tornou para a bela Rorasa— pois este era seu nome — um objeto de desejo, a ponto de sua cabega ser parcialmente afetada por isso, as outras garotas que 93 Charles G. Letand conhecia, indignadas pelos muitos homens que ela re- cusara, trocavam dela amargamente, perguntando-a quan- do ocorreria belo casamento, além de muitas outras pro- vocagées, até que, tomada por momentanea loucura, ela subiu ao topo de uma alta torre, de onde se atirou; como se no bastasse, havia sob a torre uma terrfvel ravina, sobre aqual ela caiu. ‘Mas ela nao sofreu nenhum dano, pois enquanto cafa surgiu-lhe uma bela mulher, indubitavelmente no terrena, que tomou-a pela mao e a levou pelos ares para um local seguro. Entio, todas as pessoas 2o redor que viram ou ouvi- ram o fato gritaram, “Vejam! Um milagre!” e se reuniram celebraram um grande festival, tentando persuadir Rorasa de que ela havia sido salva pela Madona. ‘Mas a senhora que a salvou, indo ter com ela em segredo, disse-Ihe: “Se tens algum desejo, segue o Evan- gelho de Diana, ou o que se chama de Evangelho das Bruxas, as quais cultuam a Lua, Se adoras a Lua, obterds ‘que desejas!” Entdo, a bela garota saiu sozinha A noite a vagar pelos campos, € ao ajoelhar-se sobre uma pedra numa velha rusna, ela louvou a lua e assim invocou Diana: Diana, bela Diana! Tu que me salvaste de horrivel morte Quando cafa sobre a escura ravina! Peco-te para que me concedas outra graga. ‘Dé-me um glorioso matriménio, ¢ com ele Muitas damas-de-honra, belas e importante E se me concedes este favor, Sincera serei ao Evangelho das Bruxas! 9 Aradia, © Evangetho das Bruxas ‘Quando Rorasa despertou-se na manh seguinte, ela se vin em outra casa, onde tudo era magnifico e, tendo se Ievantado, uma bela camareira a conduziu a outro apo- sento, onde ela foi vestida com um soberbo traje de casa- mento, A seguir surgiram dez jovens mogas, todas clas em vestes espléndidas, e com elas e muitas outras pessoas distintas ela seguin para a igreja em uma carruagem. todas as ruas estavam tomadas por miisica e pessoas portando flores. Ela entio encontrou-se com 0 noivo, ¢ casou-se se- gundo 0 desejo de seu coraedo, com dez vezes mais pompa do que ela jamais havia sonhado. A seguir, ap6s a ceri- moénia, houve ums longa festa A qual toda a nobreza de Cettardo estava presente; ademais, toda a cidade, os ricos, ¢ 0s pobres, celebraram, Quando o casamento se encerrou, cada uma das da- mas-de-honra ofertou um magnifico presente & noiva — uma the deu diamantes, outra um pergaminho (escrito) em ouro, apés 0 que pediram permissao para ir em con- junto & sacristia. Lé permaneceram por algumas horas, sem serem perturhadas, até que 0 sacerdote enviou seu clérigo para perguntar se elas desejavam algo. Mas, para surpresa do jovem, este deparou-se nao com as dez damas-de-honra, mas com dez imagens ou repre- sentagdes em madeira e terracota de Diana, de pé sobre a Lua, e eram todas to ricamente adornadas que deve~ riam ser de imenso valor. Assim sendo, 0 sacerdote pos tais imagens no inte- rior da igreja, a qual é a mais antiga em Cettardo, e agora pode-se ver em muitas igrejas a Madona com a Lua, mas, esta 6 Diana, O nome Rorasa parece indicar 0 latim ros, 0 orvalho, rorare, rociar, orvalhar, rorulenta, rociada~na 95 F Charles G, Leland vyerdade, a deusa do orvalho. Sua grande queda, sendoem seguida erguida por Diana, sugere o derramar notumo do corvalho, seguido por sua evaporaczio sob a influéncia da lua E.possfvel que se trate de uma velha lenda mitica Latina. A seda branca e os diamantes remetem ao orvalho. Em seu intréito ao conto a seguir, Leland nos diz que tal conto, a exemplo do anterior, também prova a convi- véncia, mesmo que clandestina, entre a Stregheria e 0 cristianismo. Trata-se de uma bela lenda, na qual wma Jovem resiste aos planos de seus pais, que a querem num convento cristdo, enquanto que ela deseja casar-se e Ser {feliz ao lado de seu esposo. Surge entdo uma governanta que, por sua vasta cultura e bondade (A Ancia), tem a misao de incutir na jovenzinha valores cristaos e apreco pela fé no Deus. Tronicamente, é essa sdbia senhora que ird introduzir a Jovem no caminho da bruxaria. Tao logo ingressa nos caminhos da Stregheria, a jover: tem seu principal desejo prontamente atendido por Diana, na forma de um “valioso e rico cavaleiro,” 0 pretendente ideal d.sua mio. Sua mae, porém, teimosamente, se opde ao casamento, ainda que isso trouxesse imenso sofrimento a sua filha. A t6ria se desenrola até o gran finale, mas dois sao ox 7 Charles G. Leland pontos que néo podem fugir & percepgao do leitor; 0 primeiro, quando Leland compara 0 maritrio dos se- ‘guidores da Vecchia Religione, a Velha Religiao pagd, ao dos primeiros cristéios, perseguidos e atirados aos ledes pelos romanos. E 0 segundo, durante o didlogo entre a Jovem e a sdbia governanta, quando esta tiltima langa a pergunta: “Porque cultuar uma deidade a qual no podemos yer, quando possufmos a Lua, visfvel em todo 0 seu esplendor?” Nao é justamente esta a pergunta que todos e cada um de nds faz ao abragar a Arte do Paganismo? Por que nos contentar em temer um deus distante e vingativo, quando podemos amar honesta € desinteressadamente deidades pagds, tao proximas, intimas e prestativas? Isto é vélido tanto para a Wicca como para a Stregheria e todas as vertentes da Religido da Deusa. 98 Capitulo XI A Casa do Vento A seguinte hist6ria no pertence ao Bvangelho das Bruxas, mas eu a inelufpor confirmar o fato de que 0 cul-to a Diana coexistiu parlonga data com o cristianismo. Seu titulo completo no manuscrito original, o qual foi redi-gido por Maddalena apés ouvir o relato de um homem natural de Volterra, é “A Peregrina da Casa do Vento.” Podemos acrescentar que, como declara a lenda, a casa em questio ainda esté de pé. HA uma casa de camponeses no sopé do morro ou aclive que leva a Volterra, chamada Casa do Vento. Pr6- ximo a ela, havia outrora um pequeno palicio, a morada dle um casal, que possufa apenas uma crianga, uma filha por eles adorada. 99 Charles G. Leland ‘Com efeito, se a crianga tivesse uma simples dor de cabega, ambos tinham um ataque de medo. Pouco a pouco, @ crianga amadureceu, ¢ a yontade da mae, uma grande devota, era de que ela se tornasse uma freira. Mas, a garota apreciava a idéia, e declarou que desejava se casar, ‘comoas outras, Ao olhar atrayés de sua janela, um dia, ela viue ouviu 8 passaros a cantar por entre as videiras e as drvores, tio alegremente que disse esperar um dia ter uma familia de equenos passaros, cantando a seu redornum alegre ninho, Isso inritou sua mie de tal modo, que ela aplicou-lhe um tapa. A jovem moga desabou em prantos, mas respondeu espirituosamente, dizendo que se voltasse a receber esse tipo de tratamento, certamente logo descobriria um meio de fugir ese casar, pois nao admitia a hipotese de se tornar freira contra sua vontade. Ao ouvir isto, a mae ficou seriamente assustada, pois conhecia o cardter de sua filha, e temeu que ela ja Possufsse um amante, e que faria um grande escdindalo sobre 0 tapa; deixando isso de lado, lembrou-se de uma yelha ancia, de boa mas reduzida familia, famosa por sua inteligéncia, cultura e poder de persuasio, e pensou, “Esta é a pessoa ideal para induzir minha filha a se tornar pia, enchendo-a com devocao e fazendo dela uma freira.” Assim, ela foi ter com essa sabia pessoa, no- meando-a imediatamente governanta ¢ ama constante da Jovem donzela, que, ao invés de discutir com sua guardia, passou a ter-Ihe em alta estima, Contudo, nem tudo neste mundo ocorre como pla- hejamos, e ninguém sabe, ao certo, que tipo de peixe se ‘culta sob uma pedra no leito de um rio. Pois ocorreu que @ governanta nfo era nem um pouco catélica, como 100 \vudia, O Bvangetho das Bruxas veremos, ¢ nao constrangeu sua pupila com ameagas de uma vida entre freiras, tampouco aprovando tal vida. Ocorren que a jovem donzela, acostumada que estaya ‘\deitar-se acordada durante a noite para ouvir o canto dos rouxindis, pensou ter ouvido a governanta no quarto ao lado, cuja porta estava aberta, levantar-se e ir até a) guande varanda, Na noite seguinte, ocorreu a mesma coisa, ‘ao erguer-se silenciosamente—e sem ser vista-, ela viua senhora a orar, ou ao menos ajoelhada ao luar, 0 que lhe pareceu conduta das mais estranhas, sinda mais porque a senhora ajoethada pronuneiava palavras que a jovem niio conseguia compreender, e que certamente nada tinham a yer coma liturgia da Igreja. Por estar muito intrigada com a estranha ocorréncia, cla, finalmente, ¢ com timidas apologias, contou a goyer- nanta 0 que havia visto. Esta tiltima, apés uma breve re- flexio, primeiro f6-1a jurar segredo de vida e morte, pois, como declarou, era um assunto muito perigoso, e em seguida falou o seguinte: “Bu, como tu, quando jovem, fui instrufda por pa- res @ cultuarum deus invisfvel. Mas, uma velha senhora, nna qual eu depositara grande confianea, disse-me uma ve2: “Por que cultuar uma deidade a quem nao podemos ver, quando possuimos a Lua visfvel em todo o seu esplendor? Cultue-a. Invogue Diana, a deusa da Lua, e ela atendera seus pedidos.’ Isto é 0 que deves fazer, seguindo o Evangelho (das bruxas e) de Diana, a Rainha das Fadas ¢ daLva.” ‘A jovem donzela, persuadida, converteu-se ao culto, de Dianae da Lua e, tendo pedido do fundo do coragio por um amante (ela havia aprendido a conjuragao & deusa) foi logo atendida com a atengao e devogaio de um yalioso 101 Charles G. Leland e rico cavaleito, sem chivida um pretendente tio admirdvel ‘quanto se poderia desejar. Mas ame, muito mais propensait vinganeae A vaidade cruel do queaatendera felicidade de sua filha, ficou furiosa, e quando o cavalheiro veio lhe ditigir palavra, elaodispensou, pois sua filha estava destinada a tornar-se freira, uma fieira ela seria ou morreria, A jovem donzela foi entao trancafiada na cela de uma torre, sem nem mesmo a companhia de sua tutora, ¢ isolada em grande dor, sendo obrigada a dormir sobre 0 chao de pedra, e teria morrido de fome se sua mie persistisse em seus métodos. Entao, nesta desesperada situagao, ela orou por Diana Para que esta a libertasse; encontrou, para seu espanto, a porta da prisdo destravada, e fugiu com facilidade. Entao, tendo conseguido um vestido de peregrina, ela viajou para bem Tonge, ensinando e pregando a religiao antiga, a religidio de Diana, a Rainha das Fadas e da Lua, a densa dos pobres e oprimicos, E a fama de sua sabedoria e beleza se espalhou por toda a terra, € as pessoas a cultuavam, chamando-a de La Bella Pellegrina. Por fim, sua mae, ouvindo falar dela, enfureceu-se como nunca antes, e finalmente, apés muitos Problemas, conseguiu que ela fosse presa ¢ lancada & pristio. Em seguida, de modo realmente maldoso, ela the erguntou se virariafreira; ao que ela respondeu que isso era impossivel, pois havia abandonado a igreja catdlica e se tornado uma seguidora de Diana e da Lua. A conclusio desta histéria mostra que a mae, dando a filha como perdida, entregou-a aos padres para que fosse {orturada © morta, como faziam com todos aqueles que deles discordavam ou que abandonavam sua religio, 102 Aradia, 0 Evangelho das Bruxas ‘Mas as pessoas ficaram muito descontentes comisto, pois eles adoravam sua belezae bondade, e poucos foram os que ndo desfrutaram de sua caridade. Porém, com 0 auxilio de seu amante, ela obteve uma Ultima graga: que na tiltima noite antes de ser torturada € ‘executada ela pudesse, soba vigilncia de um guarda, sait ao jardim do palacio e orar. Isto ela fez, e de pé a porta da casa, ‘que ainda existe, ela orou soba luz da Lua Cheia de Diana, para que se libertasse da terrfvel perseguigzio a que fora sujeitada, uma vez que até mesmo seus proprios pais conscientemente a entregaram a uma horrivel morte. Ento, seus pais e os padres, e todos os que pediam sua morte, estavam reunidos no palécio vigiando para que ela ndo escapasse. Quando entdo, em resposta a suas oragdes, surgiu uma terrivel tempestade com ventos deyastadores, uma borrasca como 0 homem jamais vira, que desterrou e langou Longe o palicio e todos que nele estavam; nao restou pedra sobre pedra, tampouco uma alma viva dentre todos que ali estavam, Os deuses atenderam a sua prece. ‘A jovem donzela escapou alegremente com seu aman- te, comele se casou, e a casa do camponés onde ela ficou de pé ainda se chama a Casa do Vento. Esta é a versao da histéria exatamente como arecebi, ‘mas cu mesmo admito que condensei bastante a linguagem do texto original, composto de vinte paginas, o qual, no que tange informag6es sem importincia, indica a capacidade do narrador em escrever um conto moderno médio, ou mesmo uma novela francesa de segunda linha, © que é grande coisa. E verdade que nfo hé no texto descriges detalhadas dos cendrios, céus, érvores ou nu- 103 Charles G. Leland vyens ~e muito poderia ser dito de Volterra nesse aspecto— mas se desenrola de modo a indicar um certo dom, No entanto, a narrativaem sié bastante incomum e vigorosa, pois trata- se de uma reliquia do mais puro paganismo classico, e da sobrevivéncia da fé na antiga mitologia, a qual nao pode ser igualada pelo Helenismo de segunda mio refletido pelos Estetas. Que um verdadeiro culto ou crenga nas divindades classicas tenha sobrevivido até o presente nas proprias terras papais é um fato muito mais curioso do que um ma- mute vivo que tivesse sido descoberto em algum canto isolado do planeta, pois trata-se de um fendmeno humano, Antevejo a chegada de um dia, talvez nem tio distante, em que o mundo dos estudiosos se espantaré com 0 periodo tardio até o qual um imenso corpo de tradigdes, antigas sobreviveu no Norte da Itilia, e com que indi- ferenca cle foi tratado pelos homens cultos; e que tenha havido apenas um homem, ainda por cima estrangeiro, que devotou-se a colecionar e preservar essa tradicAo. E bem provavel que tenha havido tantos episddios focantes sobre os mértires pagdios que foram foreados a abandonar suas deidades amadas, como Diana, Vénus, as Gragas e tantas mais, cultuadas por sua beleza, quanto houve até mesmo entre os crist@os, langados aos romanos. Pois os pagtios amavam seus deuses com uma devi pessoal humana, sem misticismo ou temores, como se fos- sem parentes; e havia muitos dentre eles que realmente acreditayam que, quando alguma jovem senhorita cometia uma gafe, se livrava da acusagao ao atribuiro ato a algum deus, fauno ou satiro; o que é bem tocante. H4 muito a ser dito tanto a favor quanto contra os idélatras, ou cultua- dores de bonecas, como ouvi uma menininha defini-los. 104 Leland apresenta, no capitulo seguinte, um pequeno poema conhecido como “Tana, A Deusa da Lua”, compa rando-o a outro poema de William Wordsworth, poeta e dramaturgo inglés do século XVHL; segue-se entao pro- funda andlise acerca das tradugdes e versdes de mitos e lendas antigas. Leland afirma que a tradugao de poemas mitoldgicos e ocultos ndo deve se preocupar em demasia com a ma- nutencdo da métrica e da rima, pois isso pode omitir ou distorcer a poesia intrinseca, ndo apenas os sons e ritmos, mas 0 lirismo das idéias contidas no poema. CO capttulo termina com uma andlise que é uma verdadeira apologia aos tradutores que preservam o formato origi- nal dos textos, sem se importar tanto com a estética, conta ainda com um lembrete aqueles que niio conservam os livros. Todo livro é, em esséncia, um receptéculo de conhecimento, € se este, hoje, € banal, pode ser imensamente precioso para geragées futuras. 105 Capitulo XIT } Tana, a Deusa da Lua A historia a seguir, originalmente constante das Len-das de Florenga, compiladas entre o povo por mim, na verdade i nao pertence ao Evangelho das Bruxas, pois nao esté de completo acordo com ele; mesmo assim, ndo poderia ser, omitido, pois trata do mesmo assunto. Nela Diana surge simplesmente como a deusa lunar da castidade, portanto nao, como uma bruxa, Foi-me transmitida com o nome de Fana,, ‘mas minha informante me disse que pode ser Tana; ela nao, tinhacerteza, Uma vez que onome Tana surgecm outralenda, € posto que se trata certamente de Diana, hé pouco a ser «questionado. ‘Tana era uma bela jovem, mas extremamente pobre, € tio modesta e casta quanto bela e humilde, Ela seguia 107 Charles G. Leland de um contadino a outro, ou de fazenda a fazenda, para trabalhar,e assim levava uma vida honesta, Havia um jovem rude, muito feio, bestial e abru- talhado, que estava enlouquecido de amores por ela, mas ela mal podia suportar olhar para ele, e repelia todas as ‘suas investidas, Certa feita, tarde da noite, quando ela retornava so- zinha da fazenda onde estivera trabalhando para sua casa, este homem, que se havia ocultado num arbusto, pulow sobre ela e gritou, “Nao podes fugir, minha sera!” ‘Sem avistar quem a auxiliasse por perto, com apenas a Lua Cheia a olh4-la dos céus, Tana, em desespero, caiu de joelhos e gritou para a Lua: “Nao hd ninguém na terra que me defenda, Somente tu me vés nesta trilha; Assim, rogo-te, O Lua! Es bela como és brilhante Reluzindo teu esplendor sobre os homens; Portanto, peco-te que ilumine a mente Deste pobre rufido, que deseja me causar mal, As ultimas conseqiténcias, Langa tua luz sobre sua alma, Para que ele me deixe em paz, e ento Retorne em toda a tua luz para minha casa!” Aodizeristo, surgiu diante dela uma brithante mas sombria forma, que disse: Ergue-te e vai para casa Fizeste por merecer esta graca; Ninguém iré te importunar novamente, 108 Aradia, O Evangetho das Braxas Tu que ésamais purana Terra! Tuserds uma deusa, ADeusa daLua, Rainha de todos os encantamentos!” Foi assim que Tana se tornou dea ou espirito da Lua. ‘Apesar dea dria estar em outro tom, este é um poema de pura melodia, a mesma que “Goody Blake and Harry Gill”, de Wordsworth. Tanto Tana quanto a yelha dama. slo surpreendidas e estdo assustadas; ambas rogam por uma forga superior: “Com a fria, fria lua sabre sua cabega, De joethos orou Goody: jovem Harry ouviu sua stiplica, E imediatamente ficou frio como gelo.” O centro dramatico é exatamente 0 mesmo em am- bos, A balada inglesa sobriamente se transforma num in- curiivel ataque de calaftios a um avarento e réstico jovems a poctisa-bruxa italiana, com um senso mais refinado, ou, ‘com mais dé de sua herofna, langa longe o bruto sem maiores meng6es, enaltecendo a donzcla, ao identificd-la com alLua, O primeiro é mais pritico e provavel, o segundo mais postico Cabe aqui, apesar da digressao, atentar para 0 fato de uma imensa maioria das pessoas poder perceber, sentir € valorizar a poesia apenas por suas palavras ou forma - ou seja, objetivamente ~ mal the dando atengo quando esta é apresentada de modo subjetivo ou na forma de pensamento, sem no entanto possuir versos ou métrica, 109 Charles @. Leland Ecomoaunilioda bela Diana Pego por sorte antes de deixar esta casa! Primeiro, com trés gotas de dleo euremovo Toda a influéncia maligna, e humildemente peco, Bela Diana, ati, Que tire-a de sobre mim, Enyiando-a a meu pior inimigo! Quando 0 azar Forde mim afastado, Eu o langarei no meio da rua, E se me concedes este favor, Obela Diana, Todos os sinos de minha casa soarao alegremente! Entiio, satisfeito, Seguirei em frente, Pois estarei seguro que com teu auxilio Acharei antes de retornar Belos e antigos livros, E a um prego médico, B tu achards o homem, Aquele que possui o livro, E ids em pessoa Para por em sua mente, Levando-o a saber O que deves encontrar E faz com que ele faga Tudo o que pedires. Ouse um mannscrito Escrito em dias longinquos, Tu o obterés do mesmo modo, 2 ee paseo Aradia, O Evangetho das Bruxas Ble viréati, ‘Também com prego baixo. Comprarés o que desejas Com o auxilio da grande Diana. O texto acima foi obtido, ap6s alguma demora, em. resposta a um pedido de qual conjuragiio seria necesséria antes de partir, para assegurar que alguém encontrasse ‘um livro raro, ou outro objeto desejado, a um prego bem moderado, Assim, ainvocagdo foi elaborada adequadamente, para que fosse empregue em achados literdtios; mas aqueles desejosos de adquirir qualquer coisa em termos igualmente favoraveis deve tio somente alterar o pedido. mantendo a introdugao, na qual esta a virtude magica. Nao posso, contudo, resistir & conviegdio de que isto € mais indicado, ¢ trara melhores resultados, em buscas por objetos de antigiiidade, estudos ¢ arte, e deve ser adequadamente implantado firmemente na meméria de cada cagador de quinquilharias e biblidgrafo, Devemos observar, honestamente, que a oragao, ao inyés de ser atendida, tomar-se-4 negativa ou de mé sorte, a nao ser que aquele que a proferir o faga em plena fé, ¢ isto néo pode ser obtido apenas ao dizer a si mesmo, “cu acredito.” Pois para atingir f€ verdadeira em qualquer coisa, pre- cisamos de longa e séria disciplina mental, nao existindo, em realidade, nenhum assunto do qual se fale tanto e se compreenda to pouco. Falo, aqui, seriamente, pois o homem que pode treinar sua fé para realmente erer e cul- tivar ou desenyolver sua vontade pode realmente operur o ‘que o mundo, por consentimento geral, considera milagres, Viré o dia em que este principio formaré no s6 a buse de 73 Charles G. Leland toda educago, mas também de toda amoral e cultura social. Expus, acredito, completamente este prin-cipio numa obra entitulada “Have You a Strong Will?” ou “How to Develop It or Any Other Faculty or Attribute of the Mind, and Render It Habitual,” ". Contudo, o leitor de f€ devotada pode, como decla- ram as bruxas, usar este encantamento diariamente antes de partir na busca e obtengdo de quaisquer tipos de bar- ganas em lojas, ou encontrar objetos perdidos, ou, na verdade, achados de qualquer espécie. Se inclinado beleza em forma feminina, ele terd boa sorte; se homem de negécios, serdo suas as boas oportunidades. O boténico que o profere antes de partir rumo aos campos prova- vyelmente descobriré uma nova planta, e 0 astrGnomo & noite pode ter quase certeza de encontrar um novo planeta, ‘ou ao menos um asterdide. Deve ser repetido antes de ir 4s corridas, visitar amigos, locais de diversao, negécios, pronunciamentos, e especialmente antes de cagadas ou excurs0es noturmas, uma vez que Diana é a deusa da cacae danoite. Mas, ai daquele que o fizer por gracejo! 1 Voce Tem Forea de Vontatle?” ou “Como Desenvolvé-la ou Qualquer ‘Outra Capacidade ou Atributo da Mente e Torné-1os Habitus” Londres, George Redway (N. do") um O encantamento abaixo visa, a principio, a atender wna necessidade basica: a de garantir ao vinicultor uma boa safra, garantindo-the, dessa forma, bons lucros para sua subsisténcia. Esconde, porém, temas de grande profundidade nos Mistérios da Magia. O primeiro, como observado por Leland em seus comentarios, é a “ligacdo de Diana, a Lua, com Baco,” 0 deus romano do vinho. Isto pode nos remeter a antigos cultos extdticos de Dioniso, o Baco grego, que em illtima andlise éassociado @ Cernunnos, 0 Deus Cornifero das tradigées celtas. Através desta associagdo, vemos um interessante equilibrio entre as polaridades sutile ativa, ou feminina e masculina, Outro ponto fundamental, que aparentemente passou desapercebido a Leland, é a figura ancestral do sagrado sacrificio ritual aqui sutilmente representado pelo vinho tratado como 0 sangue de Diana —o préprio sangue da Desa, 0 fluido energético vital que, quando corretamente 75 Charles G. Leland invocado ¢ lancado sobre as plantagées, garante o sucesso da safra. Imimeros sdo os relatos que dao conta de sacrificios rituais visando colheitas bem sucedidas, em tradigdes tao distantes no tempo e no espaco como as, Celtas ¢ as Maias. O ritual que veremos simboliza justamente esse sacrifi Leland observou ainda que a proibicdo da antiga tradigao de se lancar um beijo & Lua, ou melhor, sua condenagao pelo biblico J6, atesta a antigitidade desta pratica que, sem diivida, precede os cultos judaico-cristaos. Mais interessante ainda é 0 reconhecimento de Jé de que ele proprio poderia ficar “secretamente excitado” ao “con- templar a lua em seu caminho brilhante”... mais uma prova, de que certamente a Antiga Religido buscara se perpetuar, apesar dos esforcos do patriarcado judaico-cristio em suprimi-la.. 6 Capitulo VHT Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Aquele que desejar obter uma boa safra de vinho fino, deve apanhar um chifre pleno de vinho ecom ele ditigr-se aos viinhedosou fazendas onde cresgamas vinhase, bebendo o vinho, dizer: Bebo, mas nfo € vinho o que bebo. Bebo do sangue de Diana, Pois o vinho se transformou em seu sangue, E se espalhou por fodas as minhas videiras em crescimento, O que me trard bom retorno em vinho, E mesmo que uma boa safra se me apresente, Estarei dispensado de maiores cuidados, pois se acaso ‘Asuvas amadurecessem na lua minguante, Entao todo o vinho azedaria, mas ” Charles G. Leland Se ao beber desta taga bebo do sangue - Do sangue da grande Diana - com seu auxilio- Se lango um beijo a lua nova, Rogando a Rainha para que guarde minhas uvas, No proprio instante em que o broto nasce Até que seja uma uva madura e perfeita, Bem seguida a safra e por fim Até que 0 vinho seja feito - que seja bom! E que ocorra que eu dele Obtenha bons lucros quando por fim o vender, E assim a boa fortuna é langada sobre minbas vinhas, E por todas as minhas terras, sejam lé onde forem! Mas, caso minhas vinhas nfo sejam a contento, Apanharei meu chifre langando-o vigorosamente Ao tonel das vinhas, & meia-noite, e farei Barulho tao forte e terrivel Que tu, bela Diana, no importa quao longe Estejas, ouvira o chamado, E abrindo a porta ou a janela, Virds a um s6 tempo sobre os ventos sibilantes, Encontrar-me e salvar-me -ou seja, salvar minhas vinhas, O que serd salvar-me de grandes infortinios; Pois se as perco, perco a mim mesmo, Mas com seu auxflio, Diana serei salvo, Esta € uma tradieZo e uma invocaga0 muito inte- ressante, provavelmente de grande antigiiidade segundo intrigantes evidéncias intrinsecas, Pois ¢, a princfpi dedicada a um t6pico que recebe pouca atengao a ligagao de Diana, como a Lua, com Baco, apesar de 0 grande 2 Aradia, O Evangelho das Bruxas Dizionario Storico Mitologico, de Pozzoli et al, afirmar expressamente que, na Grécia, seu culto estava associado-ao de Baco, Esculapio ¢ Apolo. O elo de ligagao € o chifre. ‘Numa medalha de Alexandre Severus, Diana de Efeso se- gura a comucépia da fartura. Este € 0 chifre, ou chifre da Lua Nova, sagrado a Diana, De acordo com Callimachus, © proprio Apolo erguet um altar totalmente feito de chifres aDiana. A ligago do chifre com o vinho € 6byia. Era cos- tume entre os antigos eslavdnios que o sacerdote de Svantevit, o deus Solar, cheeasse que o chifre na mao do fdolo estivesse cheio de vinho, para assegurar uma boa colheita no ano vindouro, Se estivesse cheio, tudo estava bem; caso contrério, ele encheria o chifre, beberia dele e substituiria 0 chifre na mao do fdolo, prevendo que tudo acabaria por correr bem. E impossivel que o leitor nao perceba a estranha semelhanga com a invocacio italiana, sendo a tinica diferenga o fato de que em uma o Sol € invocado enquanto que na outra é a Lua, para assegurar uma boa colheita. Enire as lendas de Florenea, temos ada Via del Corno, ng qual o heréi, caindo em uma grande tina de vinho, € salvo do afogamento ao soprar um chifre com tremenda forea. Ao ouvir o som, que percorre uma incrivel distinc, alcangando até mesmo terras desconhecidas, todos partem apressados, como que encantados para salv4-lo, Nesta con- juraeo, Diana, nas profundezas do parafso, é apresentada correndo ao som do chifre, ¢ saltando por portas ¢ janclas para salvar a safra daquele que sopra. H4 uma certa afi- nidade singular entre essas historias. Na hist6ria da Via del Como, o her6i € salvo pelo Gnomo Vermelho, ou Robin Goodfellow, o qual the dé um ~ chifre, ¢ este 6 0 mesmo duende que surge na conjuragao da Pedra Redonda, a qual é sagrada a Diana, Isto porque 0 espirito € noctivago, e €um servidor de Diana-Titania, Langar um beijo a Lua Nova é uma ceriménia de remota antigitidade, e J6, mesmo em sua época, a consi-derava paga © proibida —o que sempre quer dizer antiquada e fora de moda — como quando ele declara (XXXI, 26, 27) “Se ao eontemplar a lua em seu caminho brilhante... meu coragio ficarsecretamente excitado ou minha boca beijar minha mio, também isto serd uma inighiidade a ser punida pelo Juiz, pois eu terei negado o Deus acima de nés.” Disso podemos ou devemos inferir que J6 ndo achava que Deus tivesse criado a Lua estivesse presente em to-das as Suas obras, ou ainda que ele realmente acreditasse que a Lua era uma deidade independente. De qualquer forma, é interessante ver que 0 antigo rito proibido ainda vive, herético como sempre. A tradicio, como me foi transmitida, omite clara-mente uma parte da ceriménia, a qual pode ser fornecida por ‘autoridades cldssicas. Quando o camponés praticao rito, ele no pode fazé-lo como 0 fez um africano, 0 qual era empregado de um amigo meu. A fungao do homem era a cada manha derramar uma libagdo derum sobre um amuleto =e ele a derramava em sua propria garganta. O camponés devia também espargir as vinhas, assim como 0s fazendeiros de Devonshire, os quais observavam todas as ceriménias Natalinas, espargiam, também de um chifre, suas macieiras.. Diana, a Grande Deusa, é aqui apresentada em sua verso etrusca, Tana; apaixonada por um belo jovem chamado Endamone (Endymion), ela se vé ds voltas com uma vingativa e invejosa bruxa com que tem que competir pelo amor de Endamone. Apesar de “muito mais poderosa,” Diana ndo consegue desfazer 0 sortilégio lancado pela bruxa, através do qual Endamone fora condenado a dormir eternamente, desejando Tana em seus sonhos. Para burlar esse encantamento, Tana entra em contato com Endamone justamente através de seus sonhos. O tema aqui, como observado por Leland, é 0 do Irméo Sol/Irma Lua, ou dos amantes condenados a uma eterna e inatingivel busca um pelo outro ~ como 0 dia e a noite, como Diana e Apolo. 81 1 i l Capitulo IX Tana e Endamone, ou Diana e Endymion “Agora 6 sabido que Endymion, admitido no Olimpo, de onde havia sido expulso por desrespeito a Juno, foi banido por trinta anos, os quais passou na Terra. E porter podido dormir durante esse perfodo numa caverna no Monte Latmos, Diana, encantada com sua beleza, visitava- 0 todas as noites, até que tivesse dele gerado cingiienta, filhas e um filho. E apés isto, Endymion foi reconvocado, 40 Olimpo.” Dizionario Storico Mitologico A lenda que se segue, bem como os encantamentos, foram fornecidos sob o nome ou titulo de TANA. Este era © antigo nome etrusco de Diana, ainda hoje preservado 83 Charles G. Leland na Romagna Toscana, Encontrei, em mais de uma obraitaliana e francesa, algum registro ou lenda de como uma bruxa eneantou uma garota para que dormisse para um amante, mas esta € a Gnica explicagio de toda a ceriménia que conhego. A Lenda de Tana Tana é uma bela deusa, e ela amava um jovem mara- vilhosamente belo chamado Endamone; mas seu amor ha- via sido cruzado por uma bruxa sua rival, apesar de En- damone ndo se importar com a tltima, ‘Mas a bruxa estava resoluta em conquisté-lo, esti- vesse ele interessado ou no, e com este intuito ele induziu ‘ servente de Endamone a deix4-la passar a noite nos apo- sentos deste tiltimo. Lé estando, ela assumiu a aparéncia de Tana, a quem ele amava, para que ele se deliciasse ao contemplé-la, como ele cria, enquanto dava-lhe as boas vindas com apaixonados abragos. Isto o pds sob os poderes dela, pois permitiu que ela praticasse um certo encanta- mento magico ao cortar-Ihe um cacho de cabelos A seguir, ela partiu para casa, e com um pedago de intestino de ovelha, formou uma bolsa, na qual depositou © que hayia obtido, com uma fita preta e outra vermelha atadas em conjunto, com uma pena, ¢ pimenta e sal, e em seguida, cantou uma canedo. Esta é a letra, uma cangio de bruxaria de grande antigiiidade. Esta bolsa para Endamon criei, Eminha vinganga pelo amor, Pelo profundo amor que por ti nutri, qual nao has de me retornar, 34 Aradia, O Evangetho das Bruxas Mas, sim, derramar ao seio de Tana, E Tana jamais ha de ser tua! ‘Agora, todas as noites, em agonia, Por mim seras oprimido! Dia ap6s dia, hora apés hora, Farei com que sintas 0 poder da bruxa; ‘Com a paixao serds atormentado, Ecom prazer jamais satisfeito; Enyolto em sono deves jazer, Para saberes que tua amante est por perto, E, sempre a morrer, jamais morreré, Sem as forgas para pronunciar palavra, Nem a voz dela poderas ouvir; Atormentado pela agonia do amor, Nao haverd alivio para ti! Pois meu forte sortilégio nao podes quebrar, E.de tal sono jamais deves despertar; Ponco a pouco, deves fenecer, Qual vela sobre a brasa. Pouco a pouco, deves morrer, E em vida eterna, jazer torturado, Ardendo de desejo, mas sempre fraco, Sem forgas para se mover ou falar, Com todo o amor que nutro por ti, Deves ser atormentado, Pois todo 0 amor que recentemente nutri Sentiris como fosse ddio ardente, Curvado para sempre sob a tua tortura, Estou vingada e assim satisfeita. Mas Tana, que era muito mais poderosa que a bruxa, apesar de incapaz de quebrar 0 encantamento pelo qual ele foi levado a dormir, afastou-o de toda a dor (ela a 85 Charles G. Leland conheceu em sonhos) ¢, abragando-o, ela cantou este con- traencantamento: Endamone, Endamone, Endamone! Pelo amor que sinto, 0 qual eu jamais sentirei até que morra, ‘Trés cruzes fagoem tua cama, E apanho entio trés nozes, Na cama escondo as nozes, Abrindo a seguir a janela, Para que a Lua lance sua luz Sobre o amor, tio belo e brilhante, Oro, entao a ela no céu Para que nosso amor desfrute de grande prazer, E lance sua chama em cada coragiio, Os quais loucamente amam para jamais se abandonarem; E mais uma coisa de ti imploro! Se qualquer pessoa estiver enamorada, E a meuss cuidados depositar sen amor, Seu chamado atenderei sem demora Eassim foi que a bela deusa fez amor com Endamone ‘como se estivessem despertos (apesar de se comunicarem em sonhos). E assim ¢ até hoje, pois quem quer que faga amor com alguém que durma, terd o auxiflio da bela Tana, © ao fazé-lo obterd sucesso, Esta lenda, semelhante em muitos detalhes ao mito classico, é estranhamente permeada por praticas de bru- Xaria, mas mesmo estas, quando investigadas, provariam ser ttio antigas quanto o resto do texto. Assim sendo, intestino da ovelha —usado no lugar da bolsa de 14 vermelha empregada em magia benéfica~as fitas vermelhas e pretas, 46 Aradia, O Evangetho das Bruxas unindo tramas de alegria e pesar, a pena (de pavao), a pi- menta o sal, surgem em muitos outros eneantamentos, mas. sempre para atrair danos ¢ causar sofrimento. ‘Nunca havia visto isto antes observado, masé verdade que Keats, em seu belfssimo poema sobre Endymion, fugiu de ou ignorou completamente todo 0 espfrito e 0 signifi- cado do antigo mito, enquanto que nesta tosca cangtio de bruxa ele €ricamente detalhado, O conceito é ode um belo Jovem furtivamente beijado durante seu sono por Diana, ‘de notéria castidade. O antigo mito trata, para inicio de conversa, de luz e treva, ou dia e noite, de onde nascem as cingitenta e uma (agora cingiienta e duas) semanas do ano, Trata-se de Diana, a noite, e Apolo, o sol, ou aluz em outra forma. E expressa através da unidio amorosa du- ante 0 sono, a qual, quando realizada na vida real, ge- ralmente tem como agente ativo alguém que, sem ser modesto em absoluto, deseja preservar a aparéncia. O cariiter estabelecido de Diana entre os Iniciados (para os quais cla foi amargamente distorcida pelos Padres da Igreja) € 0 de uma bela hipécrita que silenciosamente buscava o amor em segredo. “Assim, como a lua Endymion se deitou com ela, também o fizeram Hipélito e Verbio.” Hé, porém, uma especialmente sutil e delicadamente cestranha idéia ou ideal na concepedo da aparentemente ccasta “clara e fria lua" langando furtivamente sua luz. viva nos recessos ocultos da escuridao ¢ atuando nos mistérios ocultos do amor ou dos sonhos. Assim, para Byron pareceu uma nogao original o fato de o sol ndo brilhar sobre metade dos feitos secretos testemunhados pela Lua, e isto fica enfatizado no poema bruxesco italiano. Nele, a Lua é dis- Lintamente invocada como protetora de um estranho e se~ 87 Charles G. Leland creto amor, bem como a deidade a ser especialmente invo- cada para a consumaedo de tal amor, Aquele que a invoca iz que a janela est aberta, “para que a Lua possa reluzir esplendidamente sobre a cama, assim como brilhante ¢ belo € nosso amor... e pego a ela que nos confira intenso prazer”. A témula e misteriosamente bela Juz do luar, que parece lancar um espirito de inteligéncia ou de emogiio, sobre a natureza silenciosa, despertando-a parcialmente — formando sombras sobre os pensamentos e fazendo com que cada Arvore cada pedra assumam a aparéneia de ‘uma forma viva, mas que, enquanto brilha e respira, ainda permanece adotmecida como que em sonho ~ nao deixou de ser notada pelos Gregos, c estes a representaram como a Diana que abraga Endymion, Uma vez, porém, que a noite € o perfodo sagrado ao segredo, e que a verdadeira Diana dos Mistérios era a Rainha da Luz, a qual usava o crescente, e a senhora de todas as coisas ocultas, inclu- sive os “doces pecados secretos e as queridas iniqlidades,” ha muito mais por tras deste mito do que podemos aparentemente supor. E do mesmo modo como Diana era tida como a Rainha das livres bruxas e da Noite, ou como a propria Vénus-Astarte notuma, também o amor pelo Endymion adormecido seria compreendido como sensual, € ainda assim sagrado e aleg6rico. E foi exatamente com este sentido que as bruxas da Italia, as quais podem afirmar com algum direito serem suas verdadeiras herdeiras, preservaram e entenderam 0 mito, ‘Trata-se da realizacao do amor proibido ou secreto, ‘com a atragao pela visio turva do belo-ao-luar, com 0 en- ccantamento de fadas ou de bruxas do sobrenatural ~ um ro- ‘mance combinadlo de modo tinico ~o encantamento da Noite! 88 Aradia, O Evangetho das Bruxas “HIé um petigoso silencio nessa hora ‘Uma imobilidade que permite & alma fntegra Abrir-se por completo, sem o poder De petmitira retomada de seu autocontrole; A luz prateada que, abengoando arvore ¢ flor, Derrama beleza e profunda suavidade sobre tudo, Suspirando também ao coragdo, sobre o qual Langa Uma adordvel languidez que nao é repouso.” isto que se refere o mito de Diana e Endymion. E o transformar em divino ou estético (0 que para os Gregos: era uma 86 coisa) aquilo que é alvo de paixio, secreto e proibido. E o encanto das dguas furtadas, doces, inten- sificadas pela poesia. E é admirdvel que tenha sido tao es-tranhamente preservado pelas tradigGes italianas. 49. Uma bela lenda nos é aqui apresentada em estado bruto. Do mesmo cunho dos contos-de fadas, como Cinderela ‘owA Bela Adormecida, “Madona Diana” é 0 tipico conto, da jovem sonhadora auxiliada por entidades mégicas — neste caso, Diana. A jovem Rorasa, amargurada com sua vida amorosa, decide tirar sua propria vida, ao se atirar do alto de uma torre. Ela, porém, @ salva por Diana, a qual € erroneamente identificada pelas testemunhas do feito, magico como sendo a Madona, a mae de Cristo, a operar um milagre. Diana aconselha Rorasa a seguir 0 “Evangelho das Bruxas,” pois entdo seus desejos seriam atendidos. Apds vagar pelos campos (um simbolismo do retorno a natureca), ela invoca Diana e é atendida em seu desejo de casar-se com grande pompa e felicidade. 0 suicédio aqui nada tem a ver com a literal destruigéo da propria vida, mas representa o ato voluntdrio de por {fima uma fase da vida, ede ingressar numa nova condigao 91 Charles G, Leland de existéncia, E 0 processo de Iniciagdo, quando deixamos para trds uma crenca que ndo mais nos satisfaz para ingressarmos em outra religido — no caso em questdo, 0 Paganismo, ou A Velha Religido. Quando Rorasa é salva de sua queda fatal, ela estd na verdade sendo acothida pela prépria Diana em seu culto; ela, em seguida, vaga a esmo pelos campos, ou seja, reintegra-se Q Natureza e a seus ciclos, 1d0 caros as praticas pagés, para depois despertar em um novo mundo, uma nova realidade, onde tudo é belo e todos os seus desejos so atendidos. Esse é 0 mundo da Magia e da Bruxaria, mas somente aqueles que acolhem a Deusa em seu coracdo sao capazes de experimentd-lo, como podemos ver na conclusao do conto, onde o sacerdote cristdo ndo percebe que as dez estdiuas de madeira ¢ terracota que surgiram mira- culosamente na igreja sdo, na verdade, representacées de Diana —e nao imagens da Madona, Outra coisa atestada por este conto é 0 convivio, ainda que marginal, da Stregheria com a Nova Religido crista. 2 Capitulo X Madona Diana erta vez, havia, nos idos tempos de Cettardo Alto, una bela garota de indescritivel beleza, cela se uniuaum jovem rapaz igualmente notvel por sua bela aparéncia; mas, apesar de bem nascidos e bem educados, a fortuna © os {nforttinios da guerra ou do destino fizeram com que fossem extremamente pobres. E sea joven donzela possufa algum defeito, este era seu grande orgulho, e ela nfo se casatia por vontade prdpria se nao fosse em grande estilo, com luxo ¢ festividades, um belo vestido, e com muitas damas de honra de bergo. Bisto se tornou para a bela Rorasa— pois este era seu nome — um objeto de desejo, a ponto de sua cabega ser parcialmente afetada por isso, as outras garotas que 93 Charles G. Letand conhecia, indignadas pelos muitos homens que ela re- cusara, trocavam dela amargamente, perguntando-a quan- do ocorreria belo casamento, além de muitas outras pro- vocagées, até que, tomada por momentanea loucura, ela subiu ao topo de uma alta torre, de onde se atirou; como se no bastasse, havia sob a torre uma terrfvel ravina, sobre aqual ela caiu. ‘Mas ela nao sofreu nenhum dano, pois enquanto cafa surgiu-lhe uma bela mulher, indubitavelmente no terrena, que tomou-a pela mao e a levou pelos ares para um local seguro. Entio, todas as pessoas 2o redor que viram ou ouvi- ram o fato gritaram, “Vejam! Um milagre!” e se reuniram celebraram um grande festival, tentando persuadir Rorasa de que ela havia sido salva pela Madona. ‘Mas a senhora que a salvou, indo ter com ela em segredo, disse-Ihe: “Se tens algum desejo, segue o Evan- gelho de Diana, ou o que se chama de Evangelho das Bruxas, as quais cultuam a Lua, Se adoras a Lua, obterds ‘que desejas!” Entdo, a bela garota saiu sozinha A noite a vagar pelos campos, € ao ajoelhar-se sobre uma pedra numa velha rusna, ela louvou a lua e assim invocou Diana: Diana, bela Diana! Tu que me salvaste de horrivel morte Quando cafa sobre a escura ravina! Peco-te para que me concedas outra graga. ‘Dé-me um glorioso matriménio, ¢ com ele Muitas damas-de-honra, belas e importante E se me concedes este favor, Sincera serei ao Evangelho das Bruxas! 9 Aradia, © Evangetho das Bruxas ‘Quando Rorasa despertou-se na manh seguinte, ela se vin em outra casa, onde tudo era magnifico e, tendo se Ievantado, uma bela camareira a conduziu a outro apo- sento, onde ela foi vestida com um soberbo traje de casa- mento, A seguir surgiram dez jovens mogas, todas clas em vestes espléndidas, e com elas e muitas outras pessoas distintas ela seguin para a igreja em uma carruagem. todas as ruas estavam tomadas por miisica e pessoas portando flores. Ela entio encontrou-se com 0 noivo, ¢ casou-se se- gundo 0 desejo de seu coraedo, com dez vezes mais pompa do que ela jamais havia sonhado. A seguir, ap6s a ceri- moénia, houve ums longa festa A qual toda a nobreza de Cettardo estava presente; ademais, toda a cidade, os ricos, ¢ 0s pobres, celebraram, Quando o casamento se encerrou, cada uma das da- mas-de-honra ofertou um magnifico presente & noiva — uma the deu diamantes, outra um pergaminho (escrito) em ouro, apés 0 que pediram permissao para ir em con- junto & sacristia. Lé permaneceram por algumas horas, sem serem perturhadas, até que 0 sacerdote enviou seu clérigo para perguntar se elas desejavam algo. Mas, para surpresa do jovem, este deparou-se nao com as dez damas-de-honra, mas com dez imagens ou repre- sentagdes em madeira e terracota de Diana, de pé sobre a Lua, e eram todas to ricamente adornadas que deve~ riam ser de imenso valor. Assim sendo, 0 sacerdote pos tais imagens no inte- rior da igreja, a qual é a mais antiga em Cettardo, e agora pode-se ver em muitas igrejas a Madona com a Lua, mas, esta 6 Diana, O nome Rorasa parece indicar 0 latim ros, 0 orvalho, rorare, rociar, orvalhar, rorulenta, rociada~na 95 F Charles G, Leland vyerdade, a deusa do orvalho. Sua grande queda, sendoem seguida erguida por Diana, sugere o derramar notumo do corvalho, seguido por sua evaporaczio sob a influéncia da lua E.possfvel que se trate de uma velha lenda mitica Latina. A seda branca e os diamantes remetem ao orvalho. Em seu intréito ao conto a seguir, Leland nos diz que tal conto, a exemplo do anterior, também prova a convi- véncia, mesmo que clandestina, entre a Stregheria e 0 cristianismo. Trata-se de uma bela lenda, na qual wma Jovem resiste aos planos de seus pais, que a querem num convento cristdo, enquanto que ela deseja casar-se e Ser {feliz ao lado de seu esposo. Surge entdo uma governanta que, por sua vasta cultura e bondade (A Ancia), tem a misao de incutir na jovenzinha valores cristaos e apreco pela fé no Deus. Tronicamente, é essa sdbia senhora que ird introduzir a Jovem no caminho da bruxaria. Tao logo ingressa nos caminhos da Stregheria, a jover: tem seu principal desejo prontamente atendido por Diana, na forma de um “valioso e rico cavaleiro,” 0 pretendente ideal d.sua mio. Sua mae, porém, teimosamente, se opde ao casamento, ainda que isso trouxesse imenso sofrimento a sua filha. A t6ria se desenrola até o gran finale, mas dois sao ox 7 Charles G. Leland pontos que néo podem fugir & percepgao do leitor; 0 primeiro, quando Leland compara 0 maritrio dos se- ‘guidores da Vecchia Religione, a Velha Religiao pagd, ao dos primeiros cristéios, perseguidos e atirados aos ledes pelos romanos. E 0 segundo, durante o didlogo entre a Jovem e a sdbia governanta, quando esta tiltima langa a pergunta: “Porque cultuar uma deidade a qual no podemos yer, quando possufmos a Lua, visfvel em todo 0 seu esplendor?” Nao é justamente esta a pergunta que todos e cada um de nds faz ao abragar a Arte do Paganismo? Por que nos contentar em temer um deus distante e vingativo, quando podemos amar honesta € desinteressadamente deidades pagds, tao proximas, intimas e prestativas? Isto é vélido tanto para a Wicca como para a Stregheria e todas as vertentes da Religido da Deusa. 98 Capitulo XI A Casa do Vento A seguinte hist6ria no pertence ao Bvangelho das Bruxas, mas eu a inelufpor confirmar o fato de que 0 cul-to a Diana coexistiu parlonga data com o cristianismo. Seu titulo completo no manuscrito original, o qual foi redi-gido por Maddalena apés ouvir o relato de um homem natural de Volterra, é “A Peregrina da Casa do Vento.” Podemos acrescentar que, como declara a lenda, a casa em questio ainda esté de pé. HA uma casa de camponeses no sopé do morro ou aclive que leva a Volterra, chamada Casa do Vento. Pr6- ximo a ela, havia outrora um pequeno palicio, a morada dle um casal, que possufa apenas uma crianga, uma filha por eles adorada. 99 Charles G. Leland ‘Com efeito, se a crianga tivesse uma simples dor de cabega, ambos tinham um ataque de medo. Pouco a pouco, @ crianga amadureceu, ¢ a yontade da mae, uma grande devota, era de que ela se tornasse uma freira. Mas, a garota apreciava a idéia, e declarou que desejava se casar, ‘comoas outras, Ao olhar atrayés de sua janela, um dia, ela viue ouviu 8 passaros a cantar por entre as videiras e as drvores, tio alegremente que disse esperar um dia ter uma familia de equenos passaros, cantando a seu redornum alegre ninho, Isso inritou sua mie de tal modo, que ela aplicou-lhe um tapa. A jovem moga desabou em prantos, mas respondeu espirituosamente, dizendo que se voltasse a receber esse tipo de tratamento, certamente logo descobriria um meio de fugir ese casar, pois nao admitia a hipotese de se tornar freira contra sua vontade. Ao ouvir isto, a mae ficou seriamente assustada, pois conhecia o cardter de sua filha, e temeu que ela ja Possufsse um amante, e que faria um grande escdindalo sobre 0 tapa; deixando isso de lado, lembrou-se de uma yelha ancia, de boa mas reduzida familia, famosa por sua inteligéncia, cultura e poder de persuasio, e pensou, “Esta é a pessoa ideal para induzir minha filha a se tornar pia, enchendo-a com devocao e fazendo dela uma freira.” Assim, ela foi ter com essa sabia pessoa, no- meando-a imediatamente governanta ¢ ama constante da Jovem donzela, que, ao invés de discutir com sua guardia, passou a ter-Ihe em alta estima, Contudo, nem tudo neste mundo ocorre como pla- hejamos, e ninguém sabe, ao certo, que tipo de peixe se ‘culta sob uma pedra no leito de um rio. Pois ocorreu que @ governanta nfo era nem um pouco catélica, como 100 \vudia, O Bvangetho das Bruxas veremos, ¢ nao constrangeu sua pupila com ameagas de uma vida entre freiras, tampouco aprovando tal vida. Ocorren que a jovem donzela, acostumada que estaya ‘\deitar-se acordada durante a noite para ouvir o canto dos rouxindis, pensou ter ouvido a governanta no quarto ao lado, cuja porta estava aberta, levantar-se e ir até a) guande varanda, Na noite seguinte, ocorreu a mesma coisa, ‘ao erguer-se silenciosamente—e sem ser vista-, ela viua senhora a orar, ou ao menos ajoelhada ao luar, 0 que lhe pareceu conduta das mais estranhas, sinda mais porque a senhora ajoethada pronuneiava palavras que a jovem niio conseguia compreender, e que certamente nada tinham a yer coma liturgia da Igreja. Por estar muito intrigada com a estranha ocorréncia, cla, finalmente, ¢ com timidas apologias, contou a goyer- nanta 0 que havia visto. Esta tiltima, apés uma breve re- flexio, primeiro f6-1a jurar segredo de vida e morte, pois, como declarou, era um assunto muito perigoso, e em seguida falou o seguinte: “Bu, como tu, quando jovem, fui instrufda por pa- res @ cultuarum deus invisfvel. Mas, uma velha senhora, nna qual eu depositara grande confianea, disse-me uma ve2: “Por que cultuar uma deidade a quem nao podemos ver, quando possuimos a Lua visfvel em todo o seu esplendor? Cultue-a. Invogue Diana, a deusa da Lua, e ela atendera seus pedidos.’ Isto é 0 que deves fazer, seguindo o Evangelho (das bruxas e) de Diana, a Rainha das Fadas ¢ daLva.” ‘A jovem donzela, persuadida, converteu-se ao culto, de Dianae da Lua e, tendo pedido do fundo do coragio por um amante (ela havia aprendido a conjuragao & deusa) foi logo atendida com a atengao e devogaio de um yalioso 101 Charles G. Leland e rico cavaleito, sem chivida um pretendente tio admirdvel ‘quanto se poderia desejar. Mas ame, muito mais propensait vinganeae A vaidade cruel do queaatendera felicidade de sua filha, ficou furiosa, e quando o cavalheiro veio lhe ditigir palavra, elaodispensou, pois sua filha estava destinada a tornar-se freira, uma fieira ela seria ou morreria, A jovem donzela foi entao trancafiada na cela de uma torre, sem nem mesmo a companhia de sua tutora, ¢ isolada em grande dor, sendo obrigada a dormir sobre 0 chao de pedra, e teria morrido de fome se sua mie persistisse em seus métodos. Entao, nesta desesperada situagao, ela orou por Diana Para que esta a libertasse; encontrou, para seu espanto, a porta da prisdo destravada, e fugiu com facilidade. Entao, tendo conseguido um vestido de peregrina, ela viajou para bem Tonge, ensinando e pregando a religiao antiga, a religidio de Diana, a Rainha das Fadas e da Lua, a densa dos pobres e oprimicos, E a fama de sua sabedoria e beleza se espalhou por toda a terra, € as pessoas a cultuavam, chamando-a de La Bella Pellegrina. Por fim, sua mae, ouvindo falar dela, enfureceu-se como nunca antes, e finalmente, apés muitos Problemas, conseguiu que ela fosse presa ¢ lancada & pristio. Em seguida, de modo realmente maldoso, ela the erguntou se virariafreira; ao que ela respondeu que isso era impossivel, pois havia abandonado a igreja catdlica e se tornado uma seguidora de Diana e da Lua. A conclusio desta histéria mostra que a mae, dando a filha como perdida, entregou-a aos padres para que fosse {orturada © morta, como faziam com todos aqueles que deles discordavam ou que abandonavam sua religio, 102 Aradia, 0 Evangelho das Bruxas ‘Mas as pessoas ficaram muito descontentes comisto, pois eles adoravam sua belezae bondade, e poucos foram os que ndo desfrutaram de sua caridade. Porém, com 0 auxilio de seu amante, ela obteve uma Ultima graga: que na tiltima noite antes de ser torturada € ‘executada ela pudesse, soba vigilncia de um guarda, sait ao jardim do palacio e orar. Isto ela fez, e de pé a porta da casa, ‘que ainda existe, ela orou soba luz da Lua Cheia de Diana, para que se libertasse da terrfvel perseguigzio a que fora sujeitada, uma vez que até mesmo seus proprios pais conscientemente a entregaram a uma horrivel morte. Ento, seus pais e os padres, e todos os que pediam sua morte, estavam reunidos no palécio vigiando para que ela ndo escapasse. Quando entdo, em resposta a suas oragdes, surgiu uma terrivel tempestade com ventos deyastadores, uma borrasca como 0 homem jamais vira, que desterrou e langou Longe o palicio e todos que nele estavam; nao restou pedra sobre pedra, tampouco uma alma viva dentre todos que ali estavam, Os deuses atenderam a sua prece. ‘A jovem donzela escapou alegremente com seu aman- te, comele se casou, e a casa do camponés onde ela ficou de pé ainda se chama a Casa do Vento. Esta é a versao da histéria exatamente como arecebi, ‘mas cu mesmo admito que condensei bastante a linguagem do texto original, composto de vinte paginas, o qual, no que tange informag6es sem importincia, indica a capacidade do narrador em escrever um conto moderno médio, ou mesmo uma novela francesa de segunda linha, © que é grande coisa. E verdade que nfo hé no texto descriges detalhadas dos cendrios, céus, érvores ou nu- 103 Charles G. Leland vyens ~e muito poderia ser dito de Volterra nesse aspecto— mas se desenrola de modo a indicar um certo dom, No entanto, a narrativaem sié bastante incomum e vigorosa, pois trata- se de uma reliquia do mais puro paganismo classico, e da sobrevivéncia da fé na antiga mitologia, a qual nao pode ser igualada pelo Helenismo de segunda mio refletido pelos Estetas. Que um verdadeiro culto ou crenga nas divindades classicas tenha sobrevivido até o presente nas proprias terras papais é um fato muito mais curioso do que um ma- mute vivo que tivesse sido descoberto em algum canto isolado do planeta, pois trata-se de um fendmeno humano, Antevejo a chegada de um dia, talvez nem tio distante, em que o mundo dos estudiosos se espantaré com 0 periodo tardio até o qual um imenso corpo de tradigdes, antigas sobreviveu no Norte da Itilia, e com que indi- ferenca cle foi tratado pelos homens cultos; e que tenha havido apenas um homem, ainda por cima estrangeiro, que devotou-se a colecionar e preservar essa tradicAo. E bem provavel que tenha havido tantos episddios focantes sobre os mértires pagdios que foram foreados a abandonar suas deidades amadas, como Diana, Vénus, as Gragas e tantas mais, cultuadas por sua beleza, quanto houve até mesmo entre os crist@os, langados aos romanos. Pois os pagtios amavam seus deuses com uma devi pessoal humana, sem misticismo ou temores, como se fos- sem parentes; e havia muitos dentre eles que realmente acreditayam que, quando alguma jovem senhorita cometia uma gafe, se livrava da acusagao ao atribuiro ato a algum deus, fauno ou satiro; o que é bem tocante. H4 muito a ser dito tanto a favor quanto contra os idélatras, ou cultua- dores de bonecas, como ouvi uma menininha defini-los. 104 Leland apresenta, no capitulo seguinte, um pequeno poema conhecido como “Tana, A Deusa da Lua”, compa rando-o a outro poema de William Wordsworth, poeta e dramaturgo inglés do século XVHL; segue-se entao pro- funda andlise acerca das tradugdes e versdes de mitos e lendas antigas. Leland afirma que a tradugao de poemas mitoldgicos e ocultos ndo deve se preocupar em demasia com a ma- nutencdo da métrica e da rima, pois isso pode omitir ou distorcer a poesia intrinseca, ndo apenas os sons e ritmos, mas 0 lirismo das idéias contidas no poema. CO capttulo termina com uma andlise que é uma verdadeira apologia aos tradutores que preservam o formato origi- nal dos textos, sem se importar tanto com a estética, conta ainda com um lembrete aqueles que niio conservam os livros. Todo livro é, em esséncia, um receptéculo de conhecimento, € se este, hoje, € banal, pode ser imensamente precioso para geragées futuras. 105 Capitulo XIT } Tana, a Deusa da Lua A historia a seguir, originalmente constante das Len-das de Florenga, compiladas entre o povo por mim, na verdade i nao pertence ao Evangelho das Bruxas, pois nao esté de completo acordo com ele; mesmo assim, ndo poderia ser, omitido, pois trata do mesmo assunto. Nela Diana surge simplesmente como a deusa lunar da castidade, portanto nao, como uma bruxa, Foi-me transmitida com o nome de Fana,, ‘mas minha informante me disse que pode ser Tana; ela nao, tinhacerteza, Uma vez que onome Tana surgecm outralenda, € posto que se trata certamente de Diana, hé pouco a ser «questionado. ‘Tana era uma bela jovem, mas extremamente pobre, € tio modesta e casta quanto bela e humilde, Ela seguia 107 Charles G. Leland de um contadino a outro, ou de fazenda a fazenda, para trabalhar,e assim levava uma vida honesta, Havia um jovem rude, muito feio, bestial e abru- talhado, que estava enlouquecido de amores por ela, mas ela mal podia suportar olhar para ele, e repelia todas as ‘suas investidas, Certa feita, tarde da noite, quando ela retornava so- zinha da fazenda onde estivera trabalhando para sua casa, este homem, que se havia ocultado num arbusto, pulow sobre ela e gritou, “Nao podes fugir, minha sera!” ‘Sem avistar quem a auxiliasse por perto, com apenas a Lua Cheia a olh4-la dos céus, Tana, em desespero, caiu de joelhos e gritou para a Lua: “Nao hd ninguém na terra que me defenda, Somente tu me vés nesta trilha; Assim, rogo-te, O Lua! Es bela como és brilhante Reluzindo teu esplendor sobre os homens; Portanto, peco-te que ilumine a mente Deste pobre rufido, que deseja me causar mal, As ultimas conseqiténcias, Langa tua luz sobre sua alma, Para que ele me deixe em paz, e ento Retorne em toda a tua luz para minha casa!” Aodizeristo, surgiu diante dela uma brithante mas sombria forma, que disse: Ergue-te e vai para casa Fizeste por merecer esta graca; Ninguém iré te importunar novamente, 108 Aradia, O Evangetho das Braxas Tu que ésamais purana Terra! Tuserds uma deusa, ADeusa daLua, Rainha de todos os encantamentos!” Foi assim que Tana se tornou dea ou espirito da Lua. ‘Apesar dea dria estar em outro tom, este é um poema de pura melodia, a mesma que “Goody Blake and Harry Gill”, de Wordsworth. Tanto Tana quanto a yelha dama. slo surpreendidas e estdo assustadas; ambas rogam por uma forga superior: “Com a fria, fria lua sabre sua cabega, De joethos orou Goody: jovem Harry ouviu sua stiplica, E imediatamente ficou frio como gelo.” O centro dramatico é exatamente 0 mesmo em am- bos, A balada inglesa sobriamente se transforma num in- curiivel ataque de calaftios a um avarento e réstico jovems a poctisa-bruxa italiana, com um senso mais refinado, ou, ‘com mais dé de sua herofna, langa longe o bruto sem maiores meng6es, enaltecendo a donzcla, ao identificd-la com alLua, O primeiro é mais pritico e provavel, o segundo mais postico Cabe aqui, apesar da digressao, atentar para 0 fato de uma imensa maioria das pessoas poder perceber, sentir € valorizar a poesia apenas por suas palavras ou forma - ou seja, objetivamente ~ mal the dando atengo quando esta é apresentada de modo subjetivo ou na forma de pensamento, sem no entanto possuir versos ou métrica, 109 Charles G. Leland Eu posso chamar por ti: seja 0 que for, Nao me abandones nem a noite nem de dia. Caso eu empreste dinheiro a qualquer um. Que no venha a me pagar quando devido, peco-te, Tu, o Gnomo Vermetho, fards com que pague a divida! E caso ele nao o faga, ¢ seja obstinado, ‘Va ale gritando “Brie - brie!” E caso ele durma, desperta-o com um beliscdio, E puxe suas cobertas assustando-o! E siga-o por onde quer que ele vi. Ensina-o com 0 incessante “Brie-brie!” Que aquele que se esquece de suas obrigacées Softerd as dificuldades até que salde sua divida. E assim, meu devedor, no dia seguinte Trard 0 dinheiro que me deve, Ou o enviard prontamente: assim eu pego-te, 6 meu Gnomo Vermelho, vem em meu auxilio! Ou, caso discuta com aquela a quem amo, Entio, espirito da boa sorte, Peco-te que vas Até seu leito enquanto dorme - puxe-a pelos cabelos, F traga-a pela noite até minha cama! E pela manhi, quando todos os espiritos partem. Para seu repouso, deves antes de retornar A tua pedra, levé-la de volta a sua casa, Para la deixd-la a dormir. Assim, 6 Duende! Pego-te que fagas desta pedra a tua morada! Obedeca-me em todas as ordens. Para que estejas sempre em meu bolso, E para que nunca nos separemos um do outro! Outra vez temos aqui a introducdo a uma euriosa pratica de magia com fins basicos ~ um limao espetado com alfinetes é presenteado a uma pessoa; dependendo da cor dos alfinetes, esta receberd boa sorte ou azar. O ritual é extremamente simples, e— ainda bem! ~ vem acompanhado de outro ritual, um “antidoto” para neutralizar 0 recebimento de um limdo “azarado”. final, ndo somos os tinicos a conhecer essas técnicas de encantamentos, ndo é mesmo? Vale lembrar, uma vez mais, que tais encantamentos devem ser cuidadosamente avaliados antes de praticados, pois aqueles que lancam qualquer encantamento, seja ele positivo ou negativo, estariam sujeitos, segundo as tra- dices da bruxaria moderna, a receber 0 resultado tripli- cado ~ é a famosa “Lei Triplice,” segundo a qual toda magia enviada a alguém acaba por retornar triplicada a quem a praticou. Toda acdo gera uma reagdo, e a Stregheria também possui sua versao da Lei Triplice. 37 Capitulo V A Conjuragao do Limao e dos Alfinetes Sagrada a Diana ‘Um limao espetado com alfinetes de diferentes cores ‘sempre atrai boa sorte. Serreceber como presente um limo cheio de alfinetes de diversas cores, sem nenhum preto entre eles, isto significa que sua vida serd perfeitamente feliz ¢ prospera ealegre. Caso hajam alguns alfinetes negros entre eles, porém, vocé pode desfrutar de boa sorte e satide, mas entremeadas de problemas de pequena monta. (Contudo, para reduzir sua influéncia, deve-se praticar a seguinte ceriménia, ¢ pronunciar este entcantamento, onde tudo é descrito 59 Charles G. Leland No instante da chegada da meia-noite, Apanhei um limo no jardim, Apanhei um limao e, com ele, ‘Uma laranja e uma (perfumada) tangerina. Colhi com cuidado esse objetos (preciosos), E enquanto os colhia, eu disse cuidadosamente: “Tu que és a Rainha do Sol e da Lua E das estrelas - vé! Chamo por ti! E.com a forga que possuo eu te conjuro Para que me concedas 0 favor que te imploro! Tiés coisas eu colhi neste jardim: Um limao, uma laranja e uma tangering; Colhi-os para que possam trazer-me boa sorte Dois deles eu os tenho em minhas mios, E aquele que ird servir a meu propésito, Rainha das Estrelas! Faga com que essa fruta permanega em minha mio”. (Algo foi omitido no manuscrito, Acredito que ambos si0 atirados ao ar sem olhat e, caso reste 0 limao, a ceriménia se segue como abaixo. Isto ¢ evidente, uma vez que 0 en- ‘cantamento fica confuso gragas a instrugdes em prosa de como proceder). Ao dizer isto, deve-se olhar para os céus, € 20 perceber o limaio em minha mao, uma voz me disse: “Apanha alguns alfinetes, ¢ espeta-os cuidadosamente no limo, alfinetes de muitas cores; e por teres boa sorte, e se desejares dar o limao a qualquer pessoa ou a um amigo, deves espeti-lo com alfinetes de muitas cores. “Mas, se desejas que alguém seja afetado por mal, espete- © com alfinetes negros. “Para tanto, deyes pronunciar um encantamento diferente (desta forma)” Aradia, O Evangetho das Bruxas Deusa Diana, eu te conjuro E com voz-elevada por ti eu chamo, Para que tud alma jamais tenha alegria ou paz € que venhas a mim para conceder-me auxilio. Assim, amanhii, na marca do meio-dia Esperarei por ti, com uma taga de vinho, E sobre ela uma lente ou pequeno vidro para queimar. E treze alfinetes insiro no sortilégio: Os que eu espeto serio sem diivida negros, Mas tu Diana, tu 0s pord todos! E deves chamar os demOnios do inferno; Enviando-os como companheiros do Sol, E todo o proprio fogo infernal Esses demOnios devem trazer, trazer com a forga ‘Do sol para ferver este vinho (tinto), Até que estes alfinetes fiquem em brasa por forca do calor, E com eles espeto este limao, Para que aquele que 0 receba Jamais conhega paz e prosperidade Se esta graca obter de ti Dé-me um sinal, eu pego a ti! Antes que 0 terceiro dia passe, Que eu ouga ou veja Um vento murmurante, 0 tamborilar da chuva, Ou o granizo a murmurar na planicit Até que um destes trés sinais me mostres, Paz, Diana, nao conhecerds, Responda & oragao que te encaminho, Ou atormentar-te-ei dia e noite! Assim como a laranja era. fruta do Sol, 0 limo é associado Lua ou a Diana, sendo sua cor o amarelo claro, No en- 61 Charles G. Leland tanto, o limao especialmente escothido para o encantamento € sempre verde, poisele “endurece”e fica preto. Nao é muito sabido o fato de que as cascas de limao e laranja, quando prensadas e misturadas 2 uma cola, pode formar uma subs- tincia s6lida que pode ser moldada on usada para diversos fins. Dediquei um capitulo inteiro a este tema no ainda nao publicado trabalho entitulado “One Hundred Minor Arts.” Isto me foi sugerido pelo limao endurecido que me foi dado por uma bruxa para um eneantamento, 2 Neste capitulo temos um interessante ritual para atrair uma pessoa amada ~ neste caso, uma muther sendo. airaida por um homem — para com ela fazer sexo. Uma veg que 0 sexo é 0 tema central do culto a Diana ~ tudo se inicia quando ela deseja seu irmao Litcifer, e a Aradia deste livro é 0 fruio dese contato sexual ~ nada mais natural do que a busca ardente pela satisfacdo dos im- pulsos sexuais de seus praticantes ~ a qual, neste capitulo, justifica até 0 desrespeito ao livre arbttrio através do emprego de técnicas de hipnose e metamorfose.. Note também o componente social representado pela frase “Fosse ela pobre, e a conquistaria com dinheiro.” Aparen- temente, na época em que foi criado este sortilégio, 0 dinheiro valia mais que o amor sincero (infeligmente ainda é assim nos dias de hoje...) A falta do dinheiro, porém, podia ser compensada pelo uso da magia... wn retrato fiel das injusticas sociais da Europa Medieval. Capitulo VI Um Eneantamento Para Conquistar um Amor Quancio um mago, um seguidor de Diana, alguém que wullue a Lua, deseja o amor de uma mulher, ele pode (ransformd-a em um eo, quando ela, esquecida de quem 6, © de todas as outras coisas, iré imediatamente a sua ‘sa, € I, quando estivera seu lado, assumiré novamente vin forma naturale com ele permanecers. quando for chegada a hora de sua partida, ela no- ‘vamente se transformara em co e ir para casa, onde vol- (uyiia se transformarem mulher, Hela de nada se recordaré, ou ao menos de pequenos ‘© meros fragmentos, que se assemelharao a um sonho ‘confuso, E ela assumira a forma de um cao porque Diana sempre tem um cdo a seu lado. 65 Charles G. Leland Beste é0 encantamento a ser proferido por aquele que deseja atrairum amorasuacasa, (O inicio deste encantamento parece ser meramente uma introdugZo em prosa, explicando a natureza da cerimOnia) Hoje é sexta-feira, e desejo despertar bem cedo, pois nao me foi possfvel dormir por toda a noite, uma vez que vi uma garota muito bela, a filha de um rico senhor, a quem nao ouso conquistar. Fosse ela pobre, e a conquistaria com dinheiro; mas, uma vez que ela é rica, nfo tenho esperangas. Assim, conjuro Diana para que me auxilie. Diana, bela Diana! Que és sem dtivida tao bondosa quanto bela, Por todo 0 culto que dediquei a ti, E por todo o prazer do amor que conheceste, Eu te imploro para que me auxilie em meu amor! O que desejas é verdade ‘Tu sempre podes fazé-lo: E se me concedes a graca que te pego, Chama entdo tua filha Aradia, E envia-a ao leito da garota, E concede a garota a aparéncia de um cio. E faz.com que ela venha até meu quarto, Mas, que quando nele adentre, pego-te, Que ela reassuma sua forma humana, Tao bela como jamais tenha sido antes, E que eu possa fazer amor com ela até Que nossas almas estejam satisfeitas de prazer. Entio, com o auxilio da grande Rainha das Fadas, 66 Avulia, O Bvangelho das Bruxas de sua filha, abela Aradia, Oui ela se transforme em cdo novamente, 1a seguirna forma humana como antes! 7 Oencantamento apresentado abaixo segue o mesmo tema, a busca pela protegéo e a satisfagdo de necessidades materiais bdsicas ~ desta vez, para garantir boas compras. Para a maioria de nds, cidadaos urbanos, é dificil imaginar um encantamento para cada vez que vamos as compras. Para o antigo camponés, contudo, uma excursdio comercial a grande cidade era algo tao extraordindrio quanto perigoso. Afinal, as estradas que levavam as cidades eram infestadas por incontdveis salteadores ¢ toda sorte de gatunos, e a propria cidade, com seu intenso movimento e grande afluxo de pessoas estranhas, era um ambiente hostil ao simplério camponés ~ ou “paganus,” em latim, o habitante do campo. Mas ndo s6 as necessidades basicas podem ser contem- pladas por estes encantamentos. Prova disso sao os pedi- dos de auxilio para a obtengdo de antigos livros e manus- critos, demonstrando preocupagdo quanto ao acesso a conhecimentos preciosos, contidos em livros raros. 0 Charles G Leland Aqui, pela primeira vez, Charles Leland apresenta co- mentarios mais profundos sobre a valia e os processos das oracées (encantamentos) contidos no texto. Como onto focal, ele destaca a necessidade de realmente se crer; com toda fé e profundidade, naquilo que se pede — um preceito bdsico para qualquer sistema de magia. Essa “Fé verdadeira,” como diz Leland, exige “longa e séria disciplina mental,” 0 que nos remete ao velho lem- brete de que somente quando possutmos uma vasta gama de conhecimento e responsabilidade & que podemos dar inicio ds praticas de magia afinal, as consegiténcias de um encantamento mal formulado podem ser desastrosas, ‘ou no minimo ineficazes. Leland conclui seus comentarios afirmando que o en- cantamento apresentado pode ser, desde que devidamente adaptado, de grande valia para diversas atividades ~ de astronomos acacadores, de botanicos a apostadores. Isso certamente nos dé margem de manobra para que o adaptemos as nossas préprias necessidades atuais. 70 Capitulo VIT Para Encontrar ou Comprar Algo ou Para Atrair Boa Sorte ‘Ohomem ou mulher que, quando prestes a partir para Acidade, deseja estar livre de perigos ou riscos de acidente, u para atrair sorte nas compras, ou, porexem-plo, quando, um estudioso deseja encontrar um raro ¢ anti-go livro ou, ‘manuscrito por prego bem acessfvel, ou quando qualquer um, deseja comprar algo muito desejaco ou en-contrar pechinchas ¢ ratidades, Esta scongiurazione serve para boa satide, alegria no coragao, para livrar-se de males ou para superar inimigos, Sao palavras de ouro ao crédulo. Hoje € terga-feira, e logo cedo Eu de bom grado atraio boa fortuna a mim mesmo, Primeiro em meu lar, ¢ a seguir onde quer que eu v4, mn Charles @. Leland Ecomoaunilioda bela Diana Pego por sorte antes de deixar esta casa! Primeiro, com trés gotas de dleo euremovo Toda a influéncia maligna, e humildemente peco, Bela Diana, ati, Que tire-a de sobre mim, Enyiando-a a meu pior inimigo! Quando 0 azar Forde mim afastado, Eu o langarei no meio da rua, E se me concedes este favor, Obela Diana, Todos os sinos de minha casa soarao alegremente! Entiio, satisfeito, Seguirei em frente, Pois estarei seguro que com teu auxilio Acharei antes de retornar Belos e antigos livros, E a um prego médico, B tu achards o homem, Aquele que possui o livro, E ids em pessoa Para por em sua mente, Levando-o a saber O que deves encontrar E faz com que ele faga Tudo o que pedires. Ouse um mannscrito Escrito em dias longinquos, Tu o obterés do mesmo modo, 2 ee paseo Aradia, O Evangetho das Bruxas Ble viréati, ‘Também com prego baixo. Comprarés o que desejas Com o auxilio da grande Diana. O texto acima foi obtido, ap6s alguma demora, em. resposta a um pedido de qual conjuragiio seria necesséria antes de partir, para assegurar que alguém encontrasse ‘um livro raro, ou outro objeto desejado, a um prego bem moderado, Assim, ainvocagdo foi elaborada adequadamente, para que fosse empregue em achados literdtios; mas aqueles desejosos de adquirir qualquer coisa em termos igualmente favoraveis deve tio somente alterar o pedido. mantendo a introdugao, na qual esta a virtude magica. Nao posso, contudo, resistir & conviegdio de que isto € mais indicado, ¢ trara melhores resultados, em buscas por objetos de antigiiidade, estudos ¢ arte, e deve ser adequadamente implantado firmemente na meméria de cada cagador de quinquilharias e biblidgrafo, Devemos observar, honestamente, que a oragao, ao inyés de ser atendida, tomar-se-4 negativa ou de mé sorte, a nao ser que aquele que a proferir o faga em plena fé, ¢ isto néo pode ser obtido apenas ao dizer a si mesmo, “cu acredito.” Pois para atingir f€ verdadeira em qualquer coisa, pre- cisamos de longa e séria disciplina mental, nao existindo, em realidade, nenhum assunto do qual se fale tanto e se compreenda to pouco. Falo, aqui, seriamente, pois o homem que pode treinar sua fé para realmente erer e cul- tivar ou desenyolver sua vontade pode realmente operur o ‘que o mundo, por consentimento geral, considera milagres, Viré o dia em que este principio formaré no s6 a buse de 73 Charles G. Leland toda educago, mas também de toda amoral e cultura social. Expus, acredito, completamente este prin-cipio numa obra entitulada “Have You a Strong Will?” ou “How to Develop It or Any Other Faculty or Attribute of the Mind, and Render It Habitual,” ". Contudo, o leitor de f€ devotada pode, como decla- ram as bruxas, usar este encantamento diariamente antes de partir na busca e obtengdo de quaisquer tipos de bar- ganas em lojas, ou encontrar objetos perdidos, ou, na verdade, achados de qualquer espécie. Se inclinado beleza em forma feminina, ele terd boa sorte; se homem de negécios, serdo suas as boas oportunidades. O boténico que o profere antes de partir rumo aos campos prova- vyelmente descobriré uma nova planta, e 0 astrGnomo & noite pode ter quase certeza de encontrar um novo planeta, ‘ou ao menos um asterdide. Deve ser repetido antes de ir 4s corridas, visitar amigos, locais de diversao, negécios, pronunciamentos, e especialmente antes de cagadas ou excurs0es noturmas, uma vez que Diana é a deusa da cacae danoite. Mas, ai daquele que o fizer por gracejo! 1 Voce Tem Forea de Vontatle?” ou “Como Desenvolvé-la ou Qualquer ‘Outra Capacidade ou Atributo da Mente e Torné-1os Habitus” Londres, George Redway (N. do") um O encantamento abaixo visa, a principio, a atender wna necessidade basica: a de garantir ao vinicultor uma boa safra, garantindo-the, dessa forma, bons lucros para sua subsisténcia. Esconde, porém, temas de grande profundidade nos Mistérios da Magia. O primeiro, como observado por Leland em seus comentarios, é a “ligacdo de Diana, a Lua, com Baco,” 0 deus romano do vinho. Isto pode nos remeter a antigos cultos extdticos de Dioniso, o Baco grego, que em illtima andlise éassociado @ Cernunnos, 0 Deus Cornifero das tradigées celtas. Através desta associagdo, vemos um interessante equilibrio entre as polaridades sutile ativa, ou feminina e masculina, Outro ponto fundamental, que aparentemente passou desapercebido a Leland, é a figura ancestral do sagrado sacrificio ritual aqui sutilmente representado pelo vinho tratado como 0 sangue de Diana —o préprio sangue da Desa, 0 fluido energético vital que, quando corretamente 75 Charles G. Leland invocado ¢ lancado sobre as plantagées, garante o sucesso da safra. Imimeros sdo os relatos que dao conta de sacrificios rituais visando colheitas bem sucedidas, em tradigdes tao distantes no tempo e no espaco como as, Celtas ¢ as Maias. O ritual que veremos simboliza justamente esse sacrifi Leland observou ainda que a proibicdo da antiga tradigao de se lancar um beijo & Lua, ou melhor, sua condenagao pelo biblico J6, atesta a antigitidade desta pratica que, sem diivida, precede os cultos judaico-cristaos. Mais interessante ainda é 0 reconhecimento de Jé de que ele proprio poderia ficar “secretamente excitado” ao “con- templar a lua em seu caminho brilhante”... mais uma prova, de que certamente a Antiga Religido buscara se perpetuar, apesar dos esforcos do patriarcado judaico-cristio em suprimi-la.. 6 Capitulo VHT Para Obter Vinho Bom e Vinho Muito Bom com o Auxilio de Diana Aquele que desejar obter uma boa safra de vinho fino, deve apanhar um chifre pleno de vinho ecom ele ditigr-se aos viinhedosou fazendas onde cresgamas vinhase, bebendo o vinho, dizer: Bebo, mas nfo € vinho o que bebo. Bebo do sangue de Diana, Pois o vinho se transformou em seu sangue, E se espalhou por fodas as minhas videiras em crescimento, O que me trard bom retorno em vinho, E mesmo que uma boa safra se me apresente, Estarei dispensado de maiores cuidados, pois se acaso ‘Asuvas amadurecessem na lua minguante, Entao todo o vinho azedaria, mas ” Charles G. Leland Se ao beber desta taga bebo do sangue - Do sangue da grande Diana - com seu auxilio- Se lango um beijo a lua nova, Rogando a Rainha para que guarde minhas uvas, No proprio instante em que o broto nasce Até que seja uma uva madura e perfeita, Bem seguida a safra e por fim Até que 0 vinho seja feito - que seja bom! E que ocorra que eu dele Obtenha bons lucros quando por fim o vender, E assim a boa fortuna é langada sobre minbas vinhas, E por todas as minhas terras, sejam lé onde forem! Mas, caso minhas vinhas nfo sejam a contento, Apanharei meu chifre langando-o vigorosamente Ao tonel das vinhas, & meia-noite, e farei Barulho tao forte e terrivel Que tu, bela Diana, no importa quao longe Estejas, ouvira o chamado, E abrindo a porta ou a janela, Virds a um s6 tempo sobre os ventos sibilantes, Encontrar-me e salvar-me -ou seja, salvar minhas vinhas, O que serd salvar-me de grandes infortinios; Pois se as perco, perco a mim mesmo, Mas com seu auxflio, Diana serei salvo, Esta € uma tradieZo e uma invocaga0 muito inte- ressante, provavelmente de grande antigiiidade segundo intrigantes evidéncias intrinsecas, Pois ¢, a princfpi dedicada a um t6pico que recebe pouca atengao a ligagao de Diana, como a Lua, com Baco, apesar de 0 grande 2 Aradia, O Evangelho das Bruxas Dizionario Storico Mitologico, de Pozzoli et al, afirmar expressamente que, na Grécia, seu culto estava associado-ao de Baco, Esculapio ¢ Apolo. O elo de ligagao € o chifre. ‘Numa medalha de Alexandre Severus, Diana de Efeso se- gura a comucépia da fartura. Este € 0 chifre, ou chifre da Lua Nova, sagrado a Diana, De acordo com Callimachus, © proprio Apolo erguet um altar totalmente feito de chifres aDiana. A ligago do chifre com o vinho € 6byia. Era cos- tume entre os antigos eslavdnios que o sacerdote de Svantevit, o deus Solar, cheeasse que o chifre na mao do fdolo estivesse cheio de vinho, para assegurar uma boa colheita no ano vindouro, Se estivesse cheio, tudo estava bem; caso contrério, ele encheria o chifre, beberia dele e substituiria 0 chifre na mao do fdolo, prevendo que tudo acabaria por correr bem. E impossivel que o leitor nao perceba a estranha semelhanga com a invocacio italiana, sendo a tinica diferenga o fato de que em uma o Sol € invocado enquanto que na outra é a Lua, para assegurar uma boa colheita. Enire as lendas de Florenea, temos ada Via del Corno, ng qual o heréi, caindo em uma grande tina de vinho, € salvo do afogamento ao soprar um chifre com tremenda forea. Ao ouvir o som, que percorre uma incrivel distinc, alcangando até mesmo terras desconhecidas, todos partem apressados, como que encantados para salv4-lo, Nesta con- juraeo, Diana, nas profundezas do parafso, é apresentada correndo ao som do chifre, ¢ saltando por portas ¢ janclas para salvar a safra daquele que sopra. H4 uma certa afi- nidade singular entre essas historias. Na hist6ria da Via del Como, o her6i € salvo pelo Gnomo Vermelho, ou Robin Goodfellow, o qual the dé um ~ chifre, ¢ este 6 0 mesmo duende que surge na conjuragao da Pedra Redonda, a qual é sagrada a Diana, Isto porque 0 espirito € noctivago, e €um servidor de Diana-Titania, Langar um beijo a Lua Nova é uma ceriménia de remota antigitidade, e J6, mesmo em sua época, a consi-derava paga © proibida —o que sempre quer dizer antiquada e fora de moda — como quando ele declara (XXXI, 26, 27) “Se ao eontemplar a lua em seu caminho brilhante... meu coragio ficarsecretamente excitado ou minha boca beijar minha mio, também isto serd uma inighiidade a ser punida pelo Juiz, pois eu terei negado o Deus acima de nés.” Disso podemos ou devemos inferir que J6 ndo achava que Deus tivesse criado a Lua estivesse presente em to-das as Suas obras, ou ainda que ele realmente acreditasse que a Lua era uma deidade independente. De qualquer forma, é interessante ver que 0 antigo rito proibido ainda vive, herético como sempre. A tradicio, como me foi transmitida, omite clara-mente uma parte da ceriménia, a qual pode ser fornecida por ‘autoridades cldssicas. Quando o camponés praticao rito, ele no pode fazé-lo como 0 fez um africano, 0 qual era empregado de um amigo meu. A fungao do homem era a cada manha derramar uma libagdo derum sobre um amuleto =e ele a derramava em sua propria garganta. O camponés devia também espargir as vinhas, assim como 0s fazendeiros de Devonshire, os quais observavam todas as ceriménias Natalinas, espargiam, também de um chifre, suas macieiras.. Diana, a Grande Deusa, é aqui apresentada em sua verso etrusca, Tana; apaixonada por um belo jovem chamado Endamone (Endymion), ela se vé ds voltas com uma vingativa e invejosa bruxa com que tem que competir pelo amor de Endamone. Apesar de “muito mais poderosa,” Diana ndo consegue desfazer 0 sortilégio lancado pela bruxa, através do qual Endamone fora condenado a dormir eternamente, desejando Tana em seus sonhos. Para burlar esse encantamento, Tana entra em contato com Endamone justamente através de seus sonhos. O tema aqui, como observado por Leland, é 0 do Irméo Sol/Irma Lua, ou dos amantes condenados a uma eterna e inatingivel busca um pelo outro ~ como 0 dia e a noite, como Diana e Apolo. 81 1 i l Capitulo IX Tana e Endamone, ou Diana e Endymion “Agora 6 sabido que Endymion, admitido no Olimpo, de onde havia sido expulso por desrespeito a Juno, foi banido por trinta anos, os quais passou na Terra. E porter podido dormir durante esse perfodo numa caverna no Monte Latmos, Diana, encantada com sua beleza, visitava- 0 todas as noites, até que tivesse dele gerado cingiienta, filhas e um filho. E apés isto, Endymion foi reconvocado, 40 Olimpo.” Dizionario Storico Mitologico A lenda que se segue, bem como os encantamentos, foram fornecidos sob o nome ou titulo de TANA. Este era © antigo nome etrusco de Diana, ainda hoje preservado 83 Charles G. Leland na Romagna Toscana, Encontrei, em mais de uma obraitaliana e francesa, algum registro ou lenda de como uma bruxa eneantou uma garota para que dormisse para um amante, mas esta € a Gnica explicagio de toda a ceriménia que conhego. A Lenda de Tana Tana é uma bela deusa, e ela amava um jovem mara- vilhosamente belo chamado Endamone; mas seu amor ha- via sido cruzado por uma bruxa sua rival, apesar de En- damone ndo se importar com a tltima, ‘Mas a bruxa estava resoluta em conquisté-lo, esti- vesse ele interessado ou no, e com este intuito ele induziu ‘ servente de Endamone a deix4-la passar a noite nos apo- sentos deste tiltimo. Lé estando, ela assumiu a aparéncia de Tana, a quem ele amava, para que ele se deliciasse ao contemplé-la, como ele cria, enquanto dava-lhe as boas vindas com apaixonados abragos. Isto o pds sob os poderes dela, pois permitiu que ela praticasse um certo encanta- mento magico ao cortar-Ihe um cacho de cabelos A seguir, ela partiu para casa, e com um pedago de intestino de ovelha, formou uma bolsa, na qual depositou © que hayia obtido, com uma fita preta e outra vermelha atadas em conjunto, com uma pena, ¢ pimenta e sal, e em seguida, cantou uma canedo. Esta é a letra, uma cangio de bruxaria de grande antigiiidade. Esta bolsa para Endamon criei, Eminha vinganga pelo amor, Pelo profundo amor que por ti nutri, qual nao has de me retornar, 34 Aradia, O Evangetho das Bruxas Mas, sim, derramar ao seio de Tana, E Tana jamais ha de ser tua! ‘Agora, todas as noites, em agonia, Por mim seras oprimido! Dia ap6s dia, hora apés hora, Farei com que sintas 0 poder da bruxa; ‘Com a paixao serds atormentado, Ecom prazer jamais satisfeito; Enyolto em sono deves jazer, Para saberes que tua amante est por perto, E, sempre a morrer, jamais morreré, Sem as forgas para pronunciar palavra, Nem a voz dela poderas ouvir; Atormentado pela agonia do amor, Nao haverd alivio para ti! Pois meu forte sortilégio nao podes quebrar, E.de tal sono jamais deves despertar; Ponco a pouco, deves fenecer, Qual vela sobre a brasa. Pouco a pouco, deves morrer, E em vida eterna, jazer torturado, Ardendo de desejo, mas sempre fraco, Sem forgas para se mover ou falar, Com todo o amor que nutro por ti, Deves ser atormentado, Pois todo 0 amor que recentemente nutri Sentiris como fosse ddio ardente, Curvado para sempre sob a tua tortura, Estou vingada e assim satisfeita. Mas Tana, que era muito mais poderosa que a bruxa, apesar de incapaz de quebrar 0 encantamento pelo qual ele foi levado a dormir, afastou-o de toda a dor (ela a 85 Charles G. Leland conheceu em sonhos) ¢, abragando-o, ela cantou este con- traencantamento: Endamone, Endamone, Endamone! Pelo amor que sinto, 0 qual eu jamais sentirei até que morra, ‘Trés cruzes fagoem tua cama, E apanho entio trés nozes, Na cama escondo as nozes, Abrindo a seguir a janela, Para que a Lua lance sua luz Sobre o amor, tio belo e brilhante, Oro, entao a ela no céu Para que nosso amor desfrute de grande prazer, E lance sua chama em cada coragiio, Os quais loucamente amam para jamais se abandonarem; E mais uma coisa de ti imploro! Se qualquer pessoa estiver enamorada, E a meuss cuidados depositar sen amor, Seu chamado atenderei sem demora Eassim foi que a bela deusa fez amor com Endamone ‘como se estivessem despertos (apesar de se comunicarem em sonhos). E assim ¢ até hoje, pois quem quer que faga amor com alguém que durma, terd o auxiflio da bela Tana, © ao fazé-lo obterd sucesso, Esta lenda, semelhante em muitos detalhes ao mito classico, é estranhamente permeada por praticas de bru- Xaria, mas mesmo estas, quando investigadas, provariam ser ttio antigas quanto o resto do texto. Assim sendo, intestino da ovelha —usado no lugar da bolsa de 14 vermelha empregada em magia benéfica~as fitas vermelhas e pretas, 46 Aradia, O Evangetho das Bruxas unindo tramas de alegria e pesar, a pena (de pavao), a pi- menta o sal, surgem em muitos outros eneantamentos, mas. sempre para atrair danos ¢ causar sofrimento. ‘Nunca havia visto isto antes observado, masé verdade que Keats, em seu belfssimo poema sobre Endymion, fugiu de ou ignorou completamente todo 0 espfrito e 0 signifi- cado do antigo mito, enquanto que nesta tosca cangtio de bruxa ele €ricamente detalhado, O conceito é ode um belo Jovem furtivamente beijado durante seu sono por Diana, ‘de notéria castidade. O antigo mito trata, para inicio de conversa, de luz e treva, ou dia e noite, de onde nascem as cingitenta e uma (agora cingiienta e duas) semanas do ano, Trata-se de Diana, a noite, e Apolo, o sol, ou aluz em outra forma. E expressa através da unidio amorosa du- ante 0 sono, a qual, quando realizada na vida real, ge- ralmente tem como agente ativo alguém que, sem ser modesto em absoluto, deseja preservar a aparéncia. O cariiter estabelecido de Diana entre os Iniciados (para os quais cla foi amargamente distorcida pelos Padres da Igreja) € 0 de uma bela hipécrita que silenciosamente buscava o amor em segredo. “Assim, como a lua Endymion se deitou com ela, também o fizeram Hipélito e Verbio.” Hé, porém, uma especialmente sutil e delicadamente cestranha idéia ou ideal na concepedo da aparentemente ccasta “clara e fria lua" langando furtivamente sua luz. viva nos recessos ocultos da escuridao ¢ atuando nos mistérios ocultos do amor ou dos sonhos. Assim, para Byron pareceu uma nogao original o fato de o sol ndo brilhar sobre metade dos feitos secretos testemunhados pela Lua, e isto fica enfatizado no poema bruxesco italiano. Nele, a Lua é dis- Lintamente invocada como protetora de um estranho e se~ 87 Charles G. Leland creto amor, bem como a deidade a ser especialmente invo- cada para a consumaedo de tal amor, Aquele que a invoca iz que a janela est aberta, “para que a Lua possa reluzir esplendidamente sobre a cama, assim como brilhante ¢ belo € nosso amor... e pego a ela que nos confira intenso prazer”. A témula e misteriosamente bela Juz do luar, que parece lancar um espirito de inteligéncia ou de emogiio, sobre a natureza silenciosa, despertando-a parcialmente — formando sombras sobre os pensamentos e fazendo com que cada Arvore cada pedra assumam a aparéneia de ‘uma forma viva, mas que, enquanto brilha e respira, ainda permanece adotmecida como que em sonho ~ nao deixou de ser notada pelos Gregos, c estes a representaram como a Diana que abraga Endymion, Uma vez, porém, que a noite € o perfodo sagrado ao segredo, e que a verdadeira Diana dos Mistérios era a Rainha da Luz, a qual usava o crescente, e a senhora de todas as coisas ocultas, inclu- sive os “doces pecados secretos e as queridas iniqlidades,” ha muito mais por tras deste mito do que podemos aparentemente supor. E do mesmo modo como Diana era tida como a Rainha das livres bruxas e da Noite, ou como a propria Vénus-Astarte notuma, também o amor pelo Endymion adormecido seria compreendido como sensual, € ainda assim sagrado e aleg6rico. E foi exatamente com este sentido que as bruxas da Italia, as quais podem afirmar com algum direito serem suas verdadeiras herdeiras, preservaram e entenderam 0 mito, ‘Trata-se da realizacao do amor proibido ou secreto, ‘com a atragao pela visio turva do belo-ao-luar, com 0 en- ccantamento de fadas ou de bruxas do sobrenatural ~ um ro- ‘mance combinadlo de modo tinico ~o encantamento da Noite! 88 Aradia, O Evangetho das Bruxas “HIé um petigoso silencio nessa hora ‘Uma imobilidade que permite & alma fntegra Abrir-se por completo, sem o poder De petmitira retomada de seu autocontrole; A luz prateada que, abengoando arvore ¢ flor, Derrama beleza e profunda suavidade sobre tudo, Suspirando também ao coragdo, sobre o qual Langa Uma adordvel languidez que nao é repouso.” isto que se refere o mito de Diana e Endymion. E o transformar em divino ou estético (0 que para os Gregos: era uma 86 coisa) aquilo que é alvo de paixio, secreto e proibido. E o encanto das dguas furtadas, doces, inten- sificadas pela poesia. E é admirdvel que tenha sido tao es-tranhamente preservado pelas tradigGes italianas. 49. Uma bela lenda nos é aqui apresentada em estado bruto. Do mesmo cunho dos contos-de fadas, como Cinderela ‘owA Bela Adormecida, “Madona Diana” é 0 tipico conto, da jovem sonhadora auxiliada por entidades mégicas — neste caso, Diana. A jovem Rorasa, amargurada com sua vida amorosa, decide tirar sua propria vida, ao se atirar do alto de uma torre. Ela, porém, @ salva por Diana, a qual € erroneamente identificada pelas testemunhas do feito, magico como sendo a Madona, a mae de Cristo, a operar um milagre. Diana aconselha Rorasa a seguir 0 “Evangelho das Bruxas,” pois entdo seus desejos seriam atendidos. Apds vagar pelos campos (um simbolismo do retorno a natureca), ela invoca Diana e é atendida em seu desejo de casar-se com grande pompa e felicidade. 0 suicédio aqui nada tem a ver com a literal destruigéo da propria vida, mas representa o ato voluntdrio de por {fima uma fase da vida, ede ingressar numa nova condigao 91 Charles G, Leland de existéncia, E 0 processo de Iniciagdo, quando deixamos para trds uma crenca que ndo mais nos satisfaz para ingressarmos em outra religido — no caso em questdo, 0 Paganismo, ou A Velha Religido. Quando Rorasa é salva de sua queda fatal, ela estd na verdade sendo acothida pela prépria Diana em seu culto; ela, em seguida, vaga a esmo pelos campos, ou seja, reintegra-se Q Natureza e a seus ciclos, 1d0 caros as praticas pagés, para depois despertar em um novo mundo, uma nova realidade, onde tudo é belo e todos os seus desejos so atendidos. Esse é 0 mundo da Magia e da Bruxaria, mas somente aqueles que acolhem a Deusa em seu coracdo sao capazes de experimentd-lo, como podemos ver na conclusao do conto, onde o sacerdote cristdo ndo percebe que as dez estdiuas de madeira ¢ terracota que surgiram mira- culosamente na igreja sdo, na verdade, representacées de Diana —e nao imagens da Madona, Outra coisa atestada por este conto é 0 convivio, ainda que marginal, da Stregheria com a Nova Religido crista. 2 Capitulo X Madona Diana erta vez, havia, nos idos tempos de Cettardo Alto, una bela garota de indescritivel beleza, cela se uniuaum jovem rapaz igualmente notvel por sua bela aparéncia; mas, apesar de bem nascidos e bem educados, a fortuna © os {nforttinios da guerra ou do destino fizeram com que fossem extremamente pobres. E sea joven donzela possufa algum defeito, este era seu grande orgulho, e ela nfo se casatia por vontade prdpria se nao fosse em grande estilo, com luxo ¢ festividades, um belo vestido, e com muitas damas de honra de bergo. Bisto se tornou para a bela Rorasa— pois este era seu nome — um objeto de desejo, a ponto de sua cabega ser parcialmente afetada por isso, as outras garotas que 93 Charles G. Letand conhecia, indignadas pelos muitos homens que ela re- cusara, trocavam dela amargamente, perguntando-a quan- do ocorreria belo casamento, além de muitas outras pro- vocagées, até que, tomada por momentanea loucura, ela subiu ao topo de uma alta torre, de onde se atirou; como se no bastasse, havia sob a torre uma terrfvel ravina, sobre aqual ela caiu. ‘Mas ela nao sofreu nenhum dano, pois enquanto cafa surgiu-lhe uma bela mulher, indubitavelmente no terrena, que tomou-a pela mao e a levou pelos ares para um local seguro. Entio, todas as pessoas 2o redor que viram ou ouvi- ram o fato gritaram, “Vejam! Um milagre!” e se reuniram celebraram um grande festival, tentando persuadir Rorasa de que ela havia sido salva pela Madona. ‘Mas a senhora que a salvou, indo ter com ela em segredo, disse-Ihe: “Se tens algum desejo, segue o Evan- gelho de Diana, ou o que se chama de Evangelho das Bruxas, as quais cultuam a Lua, Se adoras a Lua, obterds ‘que desejas!” Entdo, a bela garota saiu sozinha A noite a vagar pelos campos, € ao ajoelhar-se sobre uma pedra numa velha rusna, ela louvou a lua e assim invocou Diana: Diana, bela Diana! Tu que me salvaste de horrivel morte Quando cafa sobre a escura ravina! Peco-te para que me concedas outra graga. ‘Dé-me um glorioso matriménio, ¢ com ele Muitas damas-de-honra, belas e importante E se me concedes este favor, Sincera serei ao Evangelho das Bruxas! 9 Aradia, © Evangetho das Bruxas ‘Quando Rorasa despertou-se na manh seguinte, ela se vin em outra casa, onde tudo era magnifico e, tendo se Ievantado, uma bela camareira a conduziu a outro apo- sento, onde ela foi vestida com um soberbo traje de casa- mento, A seguir surgiram dez jovens mogas, todas clas em vestes espléndidas, e com elas e muitas outras pessoas distintas ela seguin para a igreja em uma carruagem. todas as ruas estavam tomadas por miisica e pessoas portando flores. Ela entio encontrou-se com 0 noivo, ¢ casou-se se- gundo 0 desejo de seu coraedo, com dez vezes mais pompa do que ela jamais havia sonhado. A seguir, ap6s a ceri- moénia, houve ums longa festa A qual toda a nobreza de Cettardo estava presente; ademais, toda a cidade, os ricos, ¢ 0s pobres, celebraram, Quando o casamento se encerrou, cada uma das da- mas-de-honra ofertou um magnifico presente & noiva — uma the deu diamantes, outra um pergaminho (escrito) em ouro, apés 0 que pediram permissao para ir em con- junto & sacristia. Lé permaneceram por algumas horas, sem serem perturhadas, até que 0 sacerdote enviou seu clérigo para perguntar se elas desejavam algo. Mas, para surpresa do jovem, este deparou-se nao com as dez damas-de-honra, mas com dez imagens ou repre- sentagdes em madeira e terracota de Diana, de pé sobre a Lua, e eram todas to ricamente adornadas que deve~ riam ser de imenso valor. Assim sendo, 0 sacerdote pos tais imagens no inte- rior da igreja, a qual é a mais antiga em Cettardo, e agora pode-se ver em muitas igrejas a Madona com a Lua, mas, esta 6 Diana, O nome Rorasa parece indicar 0 latim ros, 0 orvalho, rorare, rociar, orvalhar, rorulenta, rociada~na 95 F Charles G, Leland vyerdade, a deusa do orvalho. Sua grande queda, sendoem seguida erguida por Diana, sugere o derramar notumo do corvalho, seguido por sua evaporaczio sob a influéncia da lua E.possfvel que se trate de uma velha lenda mitica Latina. A seda branca e os diamantes remetem ao orvalho. Em seu intréito ao conto a seguir, Leland nos diz que tal conto, a exemplo do anterior, também prova a convi- véncia, mesmo que clandestina, entre a Stregheria e 0 cristianismo. Trata-se de uma bela lenda, na qual wma Jovem resiste aos planos de seus pais, que a querem num convento cristdo, enquanto que ela deseja casar-se e Ser {feliz ao lado de seu esposo. Surge entdo uma governanta que, por sua vasta cultura e bondade (A Ancia), tem a misao de incutir na jovenzinha valores cristaos e apreco pela fé no Deus. Tronicamente, é essa sdbia senhora que ird introduzir a Jovem no caminho da bruxaria. Tao logo ingressa nos caminhos da Stregheria, a jover: tem seu principal desejo prontamente atendido por Diana, na forma de um “valioso e rico cavaleiro,” 0 pretendente ideal d.sua mio. Sua mae, porém, teimosamente, se opde ao casamento, ainda que isso trouxesse imenso sofrimento a sua filha. A t6ria se desenrola até o gran finale, mas dois sao ox 7 Charles G. Leland pontos que néo podem fugir & percepgao do leitor; 0 primeiro, quando Leland compara 0 maritrio dos se- ‘guidores da Vecchia Religione, a Velha Religiao pagd, ao dos primeiros cristéios, perseguidos e atirados aos ledes pelos romanos. E 0 segundo, durante o didlogo entre a Jovem e a sdbia governanta, quando esta tiltima langa a pergunta: “Porque cultuar uma deidade a qual no podemos yer, quando possufmos a Lua, visfvel em todo 0 seu esplendor?” Nao é justamente esta a pergunta que todos e cada um de nds faz ao abragar a Arte do Paganismo? Por que nos contentar em temer um deus distante e vingativo, quando podemos amar honesta € desinteressadamente deidades pagds, tao proximas, intimas e prestativas? Isto é vélido tanto para a Wicca como para a Stregheria e todas as vertentes da Religido da Deusa. 98 Capitulo XI A Casa do Vento A seguinte hist6ria no pertence ao Bvangelho das Bruxas, mas eu a inelufpor confirmar o fato de que 0 cul-to a Diana coexistiu parlonga data com o cristianismo. Seu titulo completo no manuscrito original, o qual foi redi-gido por Maddalena apés ouvir o relato de um homem natural de Volterra, é “A Peregrina da Casa do Vento.” Podemos acrescentar que, como declara a lenda, a casa em questio ainda esté de pé. HA uma casa de camponeses no sopé do morro ou aclive que leva a Volterra, chamada Casa do Vento. Pr6- ximo a ela, havia outrora um pequeno palicio, a morada dle um casal, que possufa apenas uma crianga, uma filha por eles adorada. 99 Charles G. Leland ‘Com efeito, se a crianga tivesse uma simples dor de cabega, ambos tinham um ataque de medo. Pouco a pouco, @ crianga amadureceu, ¢ a yontade da mae, uma grande devota, era de que ela se tornasse uma freira. Mas, a garota apreciava a idéia, e declarou que desejava se casar, ‘comoas outras, Ao olhar atrayés de sua janela, um dia, ela viue ouviu 8 passaros a cantar por entre as videiras e as drvores, tio alegremente que disse esperar um dia ter uma familia de equenos passaros, cantando a seu redornum alegre ninho, Isso inritou sua mie de tal modo, que ela aplicou-lhe um tapa. A jovem moga desabou em prantos, mas respondeu espirituosamente, dizendo que se voltasse a receber esse tipo de tratamento, certamente logo descobriria um meio de fugir ese casar, pois nao admitia a hipotese de se tornar freira contra sua vontade. Ao ouvir isto, a mae ficou seriamente assustada, pois conhecia o cardter de sua filha, e temeu que ela ja Possufsse um amante, e que faria um grande escdindalo sobre 0 tapa; deixando isso de lado, lembrou-se de uma yelha ancia, de boa mas reduzida familia, famosa por sua inteligéncia, cultura e poder de persuasio, e pensou, “Esta é a pessoa ideal para induzir minha filha a se tornar pia, enchendo-a com devocao e fazendo dela uma freira.” Assim, ela foi ter com essa sabia pessoa, no- meando-a imediatamente governanta ¢ ama constante da Jovem donzela, que, ao invés de discutir com sua guardia, passou a ter-Ihe em alta estima, Contudo, nem tudo neste mundo ocorre como pla- hejamos, e ninguém sabe, ao certo, que tipo de peixe se ‘culta sob uma pedra no leito de um rio. Pois ocorreu que @ governanta nfo era nem um pouco catélica, como 100 \vudia, O Bvangetho das Bruxas veremos, ¢ nao constrangeu sua pupila com ameagas de uma vida entre freiras, tampouco aprovando tal vida. Ocorren que a jovem donzela, acostumada que estaya ‘\deitar-se acordada durante a noite para ouvir o canto dos rouxindis, pensou ter ouvido a governanta no quarto ao lado, cuja porta estava aberta, levantar-se e ir até a) guande varanda, Na noite seguinte, ocorreu a mesma coisa, ‘ao erguer-se silenciosamente—e sem ser vista-, ela viua senhora a orar, ou ao menos ajoelhada ao luar, 0 que lhe pareceu conduta das mais estranhas, sinda mais porque a senhora ajoethada pronuneiava palavras que a jovem niio conseguia compreender, e que certamente nada tinham a yer coma liturgia da Igreja. Por estar muito intrigada com a estranha ocorréncia, cla, finalmente, ¢ com timidas apologias, contou a goyer- nanta 0 que havia visto. Esta tiltima, apés uma breve re- flexio, primeiro f6-1a jurar segredo de vida e morte, pois, como declarou, era um assunto muito perigoso, e em seguida falou o seguinte: “Bu, como tu, quando jovem, fui instrufda por pa- res @ cultuarum deus invisfvel. Mas, uma velha senhora, nna qual eu depositara grande confianea, disse-me uma ve2: “Por que cultuar uma deidade a quem nao podemos ver, quando possuimos a Lua visfvel em todo o seu esplendor? Cultue-a. Invogue Diana, a deusa da Lua, e ela atendera seus pedidos.’ Isto é 0 que deves fazer, seguindo o Evangelho (das bruxas e) de Diana, a Rainha das Fadas ¢ daLva.” ‘A jovem donzela, persuadida, converteu-se ao culto, de Dianae da Lua e, tendo pedido do fundo do coragio por um amante (ela havia aprendido a conjuragao & deusa) foi logo atendida com a atengao e devogaio de um yalioso 101 Charles G. Leland e rico cavaleito, sem chivida um pretendente tio admirdvel ‘quanto se poderia desejar. Mas ame, muito mais propensait vinganeae A vaidade cruel do queaatendera felicidade de sua filha, ficou furiosa, e quando o cavalheiro veio lhe ditigir palavra, elaodispensou, pois sua filha estava destinada a tornar-se freira, uma fieira ela seria ou morreria, A jovem donzela foi entao trancafiada na cela de uma torre, sem nem mesmo a companhia de sua tutora, ¢ isolada em grande dor, sendo obrigada a dormir sobre 0 chao de pedra, e teria morrido de fome se sua mie persistisse em seus métodos. Entao, nesta desesperada situagao, ela orou por Diana Para que esta a libertasse; encontrou, para seu espanto, a porta da prisdo destravada, e fugiu com facilidade. Entao, tendo conseguido um vestido de peregrina, ela viajou para bem Tonge, ensinando e pregando a religiao antiga, a religidio de Diana, a Rainha das Fadas e da Lua, a densa dos pobres e oprimicos, E a fama de sua sabedoria e beleza se espalhou por toda a terra, € as pessoas a cultuavam, chamando-a de La Bella Pellegrina. Por fim, sua mae, ouvindo falar dela, enfureceu-se como nunca antes, e finalmente, apés muitos Problemas, conseguiu que ela fosse presa ¢ lancada & pristio. Em seguida, de modo realmente maldoso, ela the erguntou se virariafreira; ao que ela respondeu que isso era impossivel, pois havia abandonado a igreja catdlica e se tornado uma seguidora de Diana e da Lua. A conclusio desta histéria mostra que a mae, dando a filha como perdida, entregou-a aos padres para que fosse {orturada © morta, como faziam com todos aqueles que deles discordavam ou que abandonavam sua religio, 102 Aradia, 0 Evangelho das Bruxas ‘Mas as pessoas ficaram muito descontentes comisto, pois eles adoravam sua belezae bondade, e poucos foram os que ndo desfrutaram de sua caridade. Porém, com 0 auxilio de seu amante, ela obteve uma Ultima graga: que na tiltima noite antes de ser torturada € ‘executada ela pudesse, soba vigilncia de um guarda, sait ao jardim do palacio e orar. Isto ela fez, e de pé a porta da casa, ‘que ainda existe, ela orou soba luz da Lua Cheia de Diana, para que se libertasse da terrfvel perseguigzio a que fora sujeitada, uma vez que até mesmo seus proprios pais conscientemente a entregaram a uma horrivel morte. Ento, seus pais e os padres, e todos os que pediam sua morte, estavam reunidos no palécio vigiando para que ela ndo escapasse. Quando entdo, em resposta a suas oragdes, surgiu uma terrivel tempestade com ventos deyastadores, uma borrasca como 0 homem jamais vira, que desterrou e langou Longe o palicio e todos que nele estavam; nao restou pedra sobre pedra, tampouco uma alma viva dentre todos que ali estavam, Os deuses atenderam a sua prece. ‘A jovem donzela escapou alegremente com seu aman- te, comele se casou, e a casa do camponés onde ela ficou de pé ainda se chama a Casa do Vento. Esta é a versao da histéria exatamente como arecebi, ‘mas cu mesmo admito que condensei bastante a linguagem do texto original, composto de vinte paginas, o qual, no que tange informag6es sem importincia, indica a capacidade do narrador em escrever um conto moderno médio, ou mesmo uma novela francesa de segunda linha, © que é grande coisa. E verdade que nfo hé no texto descriges detalhadas dos cendrios, céus, érvores ou nu- 103 Charles G. Leland vyens ~e muito poderia ser dito de Volterra nesse aspecto— mas se desenrola de modo a indicar um certo dom, No entanto, a narrativaem sié bastante incomum e vigorosa, pois trata- se de uma reliquia do mais puro paganismo classico, e da sobrevivéncia da fé na antiga mitologia, a qual nao pode ser igualada pelo Helenismo de segunda mio refletido pelos Estetas. Que um verdadeiro culto ou crenga nas divindades classicas tenha sobrevivido até o presente nas proprias terras papais é um fato muito mais curioso do que um ma- mute vivo que tivesse sido descoberto em algum canto isolado do planeta, pois trata-se de um fendmeno humano, Antevejo a chegada de um dia, talvez nem tio distante, em que o mundo dos estudiosos se espantaré com 0 periodo tardio até o qual um imenso corpo de tradigdes, antigas sobreviveu no Norte da Itilia, e com que indi- ferenca cle foi tratado pelos homens cultos; e que tenha havido apenas um homem, ainda por cima estrangeiro, que devotou-se a colecionar e preservar essa tradicAo. E bem provavel que tenha havido tantos episddios focantes sobre os mértires pagdios que foram foreados a abandonar suas deidades amadas, como Diana, Vénus, as Gragas e tantas mais, cultuadas por sua beleza, quanto houve até mesmo entre os crist@os, langados aos romanos. Pois os pagtios amavam seus deuses com uma devi pessoal humana, sem misticismo ou temores, como se fos- sem parentes; e havia muitos dentre eles que realmente acreditayam que, quando alguma jovem senhorita cometia uma gafe, se livrava da acusagao ao atribuiro ato a algum deus, fauno ou satiro; o que é bem tocante. H4 muito a ser dito tanto a favor quanto contra os idélatras, ou cultua- dores de bonecas, como ouvi uma menininha defini-los. 104 Leland apresenta, no capitulo seguinte, um pequeno poema conhecido como “Tana, A Deusa da Lua”, compa rando-o a outro poema de William Wordsworth, poeta e dramaturgo inglés do século XVHL; segue-se entao pro- funda andlise acerca das tradugdes e versdes de mitos e lendas antigas. Leland afirma que a tradugao de poemas mitoldgicos e ocultos ndo deve se preocupar em demasia com a ma- nutencdo da métrica e da rima, pois isso pode omitir ou distorcer a poesia intrinseca, ndo apenas os sons e ritmos, mas 0 lirismo das idéias contidas no poema. CO capttulo termina com uma andlise que é uma verdadeira apologia aos tradutores que preservam o formato origi- nal dos textos, sem se importar tanto com a estética, conta ainda com um lembrete aqueles que niio conservam os livros. Todo livro é, em esséncia, um receptéculo de conhecimento, € se este, hoje, € banal, pode ser imensamente precioso para geragées futuras. 105 Capitulo XIT } Tana, a Deusa da Lua A historia a seguir, originalmente constante das Len-das de Florenga, compiladas entre o povo por mim, na verdade i nao pertence ao Evangelho das Bruxas, pois nao esté de completo acordo com ele; mesmo assim, ndo poderia ser, omitido, pois trata do mesmo assunto. Nela Diana surge simplesmente como a deusa lunar da castidade, portanto nao, como uma bruxa, Foi-me transmitida com o nome de Fana,, ‘mas minha informante me disse que pode ser Tana; ela nao, tinhacerteza, Uma vez que onome Tana surgecm outralenda, € posto que se trata certamente de Diana, hé pouco a ser «questionado. ‘Tana era uma bela jovem, mas extremamente pobre, € tio modesta e casta quanto bela e humilde, Ela seguia 107 Charles G. Leland de um contadino a outro, ou de fazenda a fazenda, para trabalhar,e assim levava uma vida honesta, Havia um jovem rude, muito feio, bestial e abru- talhado, que estava enlouquecido de amores por ela, mas ela mal podia suportar olhar para ele, e repelia todas as ‘suas investidas, Certa feita, tarde da noite, quando ela retornava so- zinha da fazenda onde estivera trabalhando para sua casa, este homem, que se havia ocultado num arbusto, pulow sobre ela e gritou, “Nao podes fugir, minha sera!” ‘Sem avistar quem a auxiliasse por perto, com apenas a Lua Cheia a olh4-la dos céus, Tana, em desespero, caiu de joelhos e gritou para a Lua: “Nao hd ninguém na terra que me defenda, Somente tu me vés nesta trilha; Assim, rogo-te, O Lua! Es bela como és brilhante Reluzindo teu esplendor sobre os homens; Portanto, peco-te que ilumine a mente Deste pobre rufido, que deseja me causar mal, As ultimas conseqiténcias, Langa tua luz sobre sua alma, Para que ele me deixe em paz, e ento Retorne em toda a tua luz para minha casa!” Aodizeristo, surgiu diante dela uma brithante mas sombria forma, que disse: Ergue-te e vai para casa Fizeste por merecer esta graca; Ninguém iré te importunar novamente, 108 Aradia, O Evangetho das Braxas Tu que ésamais purana Terra! Tuserds uma deusa, ADeusa daLua, Rainha de todos os encantamentos!” Foi assim que Tana se tornou dea ou espirito da Lua. ‘Apesar dea dria estar em outro tom, este é um poema de pura melodia, a mesma que “Goody Blake and Harry Gill”, de Wordsworth. Tanto Tana quanto a yelha dama. slo surpreendidas e estdo assustadas; ambas rogam por uma forga superior: “Com a fria, fria lua sabre sua cabega, De joethos orou Goody: jovem Harry ouviu sua stiplica, E imediatamente ficou frio como gelo.” O centro dramatico é exatamente 0 mesmo em am- bos, A balada inglesa sobriamente se transforma num in- curiivel ataque de calaftios a um avarento e réstico jovems a poctisa-bruxa italiana, com um senso mais refinado, ou, ‘com mais dé de sua herofna, langa longe o bruto sem maiores meng6es, enaltecendo a donzcla, ao identificd-la com alLua, O primeiro é mais pritico e provavel, o segundo mais postico Cabe aqui, apesar da digressao, atentar para 0 fato de uma imensa maioria das pessoas poder perceber, sentir € valorizar a poesia apenas por suas palavras ou forma - ou seja, objetivamente ~ mal the dando atengo quando esta é apresentada de modo subjetivo ou na forma de pensamento, sem no entanto possuir versos ou métrica, 109 Charles G. Leland ou forma regulada. Este é um experimento curioso, digno de estudo. Tome uma passagem de algum poeta famoso; reescreva-a em prosa simples e pura, dando 0 valor devido a seu significado real, e se ainda assim ela ainda emocionar ‘como poesia, trata-se entdo de poesia do mais alto nivel. ‘Masse tiver perdido totalmente seu brilho, éde segunda, ou inferior; pois a fina-flor da poesia nao pode ser composta apenas de simples palavras envemizadas com associacBes, sejam de idéias ou de sentimentos. Este nfo é um ponto tao afastado do tema quanto se pode cret. Lendo-as e sentindo-as subjetivamente, sou amitide alertado para o fato de que nestas tradigdes das bruxas que compilei ha uma maravilhosa poesia de pensamentos, que supera em muito os esforcos dos bardos moderos, e que requerem (Go somente os cuidados de um habil arteséo das palavras para que assumam o mais clevado patamar: Prova do que afirmo pode ser encontrada no fato de que, em poernas famosos como O Achamento da Lira, de James Russell Lowell, bem como 0 da inyengao da flauta por Pa, da Sra, Browning, a parcela mais diferenciada refinada dos mitos originais foi omitida por ambos os autores, simplesmente porque eles nao perceberam ou no tomaram conhecimento dela, Assim, no primeiro caso no somos informados de que foi o sopro do deus Ar(o qual é alma inspiradora da antiga mésica, ea Bellaria da moderna mitologia das bru- as) sobre os filamentos secos de uma tartaruga que suge- riu a Hermes a confeeeto de um instrumento com o qual ele compos a mtisica das esferas e guiou o curso dos plane- tas. Quanto Sra, Browning, ela simplesmente ignora por completo a Siringe, ou seja, a voz da ninfa ainda rever- berando no interior da flauta que havia sido seu corpo. 110 Aradia, O Evangetho das Bruxas Em minha concepgao, a velha narrativa em prosa destes mitos é muito mais profundamente poética e tocante,e muito mais inspirada por beleza e romance, do que as ver-sdes. ‘bem rimadas e métricas, mas muito imperfeitas, de nossos poetas, Erna verdade, tal desejo de inteligéncia e percepea0 pode ser encontrada em todos os poemas “clés-sicos”, no. apenas nos de Keats, mas de quase todos os poetas do periodo que lidaram com os asstintos gregos. Permite-se grande licenga aos pintores e poetas, mas quando estes lidam com uma tradigdo subjetiva, e espe- cialmente profunda, e no conseguem perceber seu real significado ou quando ndo conseguem chegar a0 ponto, presenteando-nos com algo muito bonito, mas sem a ins- piragao ou o significado do original, fica dificil afirmar que tenham atingido seu objetivo do modo como poderia, ou melhor, deveria ter sido feito. Creio que tal problema nfo ocorre nas versOes das bruxas italianas ou toscanas das antigas fabulas; pelo conirario, elas realmente apre- ciam, chegando até a expandir, o antigo espirito. Daf que ‘em muitas ocasides afirmei nao ser impossivel que, em alguns casos, a tradig&o popular, mesmo em sua forma atual, foi melhor e mais integralmente preservada do que nas obras de qualquer escritor latino. A prop6sito, gostaria de lembrar alguns leitores muito literais que, caso encontrem muitos erros gramaticais, de grafia ou outros ainda piores nos textos italianos contidos nesta obra, que ndo sejam, como o fez um distinto revi- sor, atribuidos todos &ignorancia do autor, mas sim & edu- cago imperfeita da pessoa que os compilou e registrou. Fui lembrado deste detalhe ao ver numa biblioteca uma cépia de meu Legends of Fldrence, na qual uma boa e cuidadosa alma deu-se ao trabalho de corrigir a lapis todos 0s arcafsmos. Em tal livro, ele ou ela agiu como um certo nL As, Charles G. Leland leitor revisor de Boston que, num livro meu, alterou a grafia de muitas de minhas citagdes de Chaucer, Spenser e outros com base no mais puro, ou impuro, formato Webster; agia com aimpressdo de que eu ignorava por completo a ortografia. Quanto a escreverem ou danificarlivros, os quais pertencem em parte & posteridade, é um pecado tanta de vulgaridade quanto de moralidade, in-dicativo de que as pessoas so mais do que sonham. “Somente um ser vil como um bandido Esereve em livro ou arranca-lhe uma folha, Pois € vilania, como bem se sabe, Apossar-se de algo que no é nosso.” iu A seguir temos a historia de uma nobre mas decadente familia, que possuia nos jardins de seu paldcio uma estdtua de Diana. As criancas da familia ofertaram, de modo inconsciente, flores @ estdtua, no exato momento em que por ali passava “o grande poeta e mago Virgilio.” Este diz as criancas que a oferenda havia sido feita ‘exatamente como faziam os antigos pagdos e, em seguida, ensina as criangas antigas preces a Diana. Como conseqiléncia, a familia deixou de viver em privagdo de alimento, pois sempre que proferiam a oracdo, surgia, ha manhd seguinte, wn gamo abatido aos pés da estdtua (Diana também é a deusa da caca), garantindo por dias alimentagdo para a famtlia, A estdtua de Diana é, em seguida, desrespeitada por um intolerante padre da regido, e obviamente a fiéria da Deusa se abate sobre ele. Fica aqui evidenciado que, aqueles que “com fervor” buscam por seu auxilio, Diana garante bons resultados. Aos que, por outro lado, the i 13 Charles G, Leland faltam com 0 respeito, Diana pune impiedosamente. Le- land conclui este captullo nos remetendo novamente a questo das tradugdes poéticas, e a validade (ou auséncia desta) das interpretagoes modernas dos mitos e lendas antigos ua Capitulo XHT Diana e as Criangas Havia em Florenga, em eras remotas, uma nobre fami liamas que, de tio empobrecida, possufa poucos e esparsos dias de celebragao. Contudo, ainda residiam em seu velho ito a rua hoje conhecida como La Via Cittadella), 0 qual era um belo prédio antigo, e assim mantinbam bela aparéncia perante o mundo, enquanto que por vezes mal tinham 0 que comer. ‘Ao redor de tal paldcio havia um grande jardim, no qual havia uma antiga estétua de Diana em métmore, representada como uma bela mulher que parecia corer com um cao a seu lado, Carregava em sua mio um arco, c em sua fronte uma pequena lua. B dizia-se que, a noite, quando tudo estava quieto, a estétua assumia vida e fugia, 11s Charles G. Leland retornando apenas quando a Lua desaparecesse ou 0 Sol nascesse novamente, pai dessa familia possufe duas criancas, as quais eram boas ¢ inteligentes. Um dia, elas retornaram para casa com muitas flores que lhes haviam sido dadas, e a pequena garota disse a seu irmao: “A bela senhoracom 0 arco deve receber algumas (estas flores.” Dizendo isto, eles depositaram as flores diante da estétua ¢ fizeram uma guirlanda, que foi colocada pelo garoto na cabega da estatua. Exatamente entao, o grande poeta e mago Virgilio, que sabia tudo acerca dos deuses e das fadas, ingressou no jardim e disse, a sorrir, “Vocés ofertaram as flores & deusa do modo correto, como era feito em antanho; tudo o que resta é pronunciar a oragio do modo correto, eéassim:” Entio ele repetiu a invocagio a Diana: Adoradla Deusa do arco! Adorada Deusa das flechas! De todos os ces e de toda cage Tu que caminhas pelo céu estrelado Quando o sol adormece no poente ‘Tu que portas a Lua em tua fronte, E que a cagada noturna preferes A cagar sob a luz do dia, ‘Com tuas ninfas ao som da miisica Das trompas —tu mesma, acagadora, Ea mais poderosa: rogo-te Para que penses, ainda que por breve instante, Em nds que oramos por ti! 6 Aradia, O Evangelho das Bruxas Entao Virgilio ensinou-Ihes também o encantamento aserproferido quando pede-se especialmente por boa fortuna ‘oualgo diferent Bela deusa do arco iris, Das estrelas e da Lua! Mais poderosa rainha Dos cacadores da noite! Rogamo-te por tua ajuda, Para que possas nos conceder ‘A melhor das sortes! Se atendes nossa evocagao E nos traré boa sorte, Entio, manda-nos uma prova, um sinal! Apés ensinar isto aos garotos, Virgilio desapa- receu, Entio, as criangas correram para dizer aos pais que ocorrera, ¢ estes fizeram com que jurassem segre~ do, sem mencionar palavra ou dica a ninguém. Qual 1ndo foi sua surpresa ao encontrar pela manha, a0 lado da estitua, um gamo recém-abatido, que thes forneceu boas, refeigdes por varios dias; e eles nunca mais tiveram necessidade de caga de qualquer espécie, quando a ora- do era pronunciada com fervor. Havia um vizinho desta familia, um padre, que de- testaya todos os costumes e cultos dos deuses antigos, © 0 que quer que fosse que no pertencesse a sua reli gio, Eis que ele, ao,passar pelo jardim num dia, vis~ lumbrow a estétua de Diana coroada com rosas outras flores. Tomado de célera, e vendo na rua um repolho a apodrecer, rolou-o na lama e atirou-o contra 0 rosto da deusa, sujando-a, e dizendo: “Veja, vil besta da nT Charles G. Leland idolatria, este é 0 culto que te dedico, e que 0 diabo se encarregue de i!” EnfZo o sacerdote ouviu uma vor.vinda de onde moita ceradensa, a dizer, “Muito bem! Alerto-te, uma ver.quefizeste tua oferta, um pouco de caga te trarei; ters tua poredo pela : Durante toda aquela noite, o padte sofreu com sonos horriveis e temores, até que, por fim, pouco antes das trés horas, acabou por adormecer. Instantes depois, porém, ele subitamente despertou de um pesadelo no qual ele tinha ‘a impresstio de haver algo pesado apoiado sobre seu peito. E realmente algo caiu de sobre cle e rolou pelo chao. Quando ele se ergueu e apanhou o objeto, contemplando- © A luz do luar, percebeu que era uma cabeca humana, em decomposicao. Outro padre, ao ouvir seu grito de horror, ingressou em scu quarto, e ao ver a cabeca, disse: “Conheco este rosto! E de um homem que veio se confessar, e que foi degolado ha trés meses em Siena.” Trés dias depois, 0 padre que insultara a deusa faleceu. A lenda acima niio me foi passada como pertencente ao Evangelho das Bruxas, mas sim a uma vasta série de tradigdes ligadas a Virgilio como mago. Mas, possui lugar neste livro, pois contém a invocago e o encantamento de Diana, os quais so notavelmente belos ¢ originais. Quando consideramos © modo como estes “hinos” foram transmitidos e preservados por mulheres idosas, sendo sem diivida alterados, deturpados e deformados no processo, nao podemos deixar de nos maravilhar com a beleza cldssica ainda presente neles, como, por exemplo, nos versos a seguir: U8. Aradia, O Evangetho das Brawas ‘Adorada Deusa do arco! ‘Adorada Deusa das flechas! ‘Tu que despertas no céuestrelado Robert Browning foi um grande poeta, mas se com- pararmos os poemas das bruxas italianas sobre ¢ para Diana com o mui admirado discurso de Diana-Artemis de autoria do primeiro, certamente teremos que admitir, numa critica imparcial, que os encantamentos so exatamente iguais ao texto abaixo, do bardo: ‘Sou a deusa das cortes ambrosfacas, E excegio feita a Hera, Deusa do Orgulho, superada Por nenhuma outra cujos templos alvejam o mundo; Pelo firmamento rolo minha luzidia Lua, Derramando no inferno paz sobre minha gente pélida, Sobre a terra, cuido das criaturas, Guardo cada loba e raposa prenhe de pelos brilhantes, E cada filhote imaturo de mae emplumada, E todos que amam o verde ea sotidao. Belo, mas ¢ apenas uma imitag&o, e nem em forma nem em espitito se equiparam aos encantamentos, 0s quais sto sinceros em sua £6, E aqui devemos observare lastimar, se bem que é verdade, que um grande nimero de versoes poéticas modernas de mitos clissicos foram transformadas por seus autores, apesar de sua genialidade artistica, em obras barrocas que assim parecerdo a outras geracbes, simplesmente porque eles no se aperceberam do ponto central, ou por terem omitido, por conta de sua ignoraincia, algo vital que o folclorista provavelmente nao perderia. ‘Aquiles pode ser retratado, como jé vi, com uma peruca U9 Charles G. Leland Lafs XIV e uma cimitarra turca, mas poderiamos esperar que ‘o desenhistativesse um pouco mais de familiaridade com as vestimentas e armas greges. Provavelmente 0 texto mais rico em simbolismos, 0 capitulo a seguir fala das origens do Sol e da Lua, ¢ de como os poderes masculinos — aqui representados pelos poderes de Merciirio — e femininos ~a forca de Diana — se equivalem. Mais do que equivalentes, os poderes masculino e feminino se completam, endo pode haver equiltbrio se um suplanta ‘outro. Justamente por isso é que a Deidade elementar~ neste caso “o deus pai”, como Diana no primeiro capitulo = decide criar 0 sole a lua para iluminar a Terra, até entéio envolta em trevas. E 0 mito do Irmao Sol / Irma Lua novamente em sua mais pura esséncia. 120 121 Capitulo XIV Os Mensageiros Gnomos de Diana e Meretirio ‘A seguinte lenda me foi dada nfo como parte do Evangelho das Bruxas, mas uma ver. que Diana esta nela presente, ¢ que todo o conceito trata de Diana e Apolo em, outra forma, inclui-ana série. ‘HA muitos sculos, haviaum gnomo ouespifito ov anjo- deménio, ¢ Merctirio, que era 0 deus da yelocidade e da rapidez, muito satisfeito com esse ser, concedeu-lhe o dom de correr como o vento, com o privilégio de que, sejao que fosse que ele estivesse a perseguir, espirito, ser humano ou animal, certamente o alcangaria ou 0 apanharia, Este gnomo possufa uma bela irma que, como ele, servia como mensageira, ndo aos deuses, mas as deusas, (havia uma deusa para cada deus, até mesmo entre os 123 Charles G. Leland espiritos menores); e Diana, no mesmo dia, conceden aessa fada o poder de, quando perseguida, nao importa quem estivesse uo seu encaleo, jamais seralcangada. Certo dia, seu irméo a viu correndo como um raio Pelo firmamento, ele sentiu um estranho desejo repentino de rivalizar com elae ultrapassé-la. Assim, ele partin em seu encalco quando ela passou por ele; porém, apesar de Ser seu destino alcanc4-la, era destino dela jamais ser alcancada, ¢ 0 desejo de um deus supremo foi equilibrado pelo de outro. Assim, ambos continuaram a correr aos confins do Universo, o que fez. com que, a prinefpio, os deuses desatassem em risos; posteriormente, eles com- Preenderam a situacdo, ficaram sérios ¢ se perguntaram ue fim teria aquilo, Entio, o grande deus-pai disse, “Vejam a Terra, envolta em treva e escuridao! Transformarei a irmi em uma Lua, ¢ seu irmao num Sol. Assim, ela jamais fugira dele, enquanto que ele sempre a alcangard com sua luz, que sobre ela se derramara a distancia; pois os raios do Sol so suas maos, lancadas a frente em fogosa busca, ‘mas que sao sempre evitadas,” Eassim, diz-se, acomtida se reiniciou e, no primeiro dia de cada més, quando a Lua esté fria, ela esta coberta com ‘arias camadas, como uma cebola. Mas quando comeca a cortida, a medida que a Lua se aquece ela deita fora veste ap6s Veste, até que esteja nua, quando entio ela para. Apos vestir-se novamente, reinicia-se a corrida, Qual pesada nuvem de tempestade que se derrama em gotas brilhantes, os grandes mitos de outrora se fragmen- taram em pequenas lendas e contos de fadas para, como as. ‘g0las, posterionmente virem a se reunir. 124 Avadia, O Evangelho das Brexas “Bm silencioso lago ou solitério ribeirio,” como escreveu. Villon, até mesmo 0s mitos menores se formam novamente @ partir de éguas cafdas, Nesta historia temos claramente 0 cA0 criado por Vulanoe o lobo — Jiipiter solucionow a questiio, a0 pettificd-los — como podemos ler em Julius Pollux, seu ‘quinto livro, ouem qualquer outro sobre mitologia. ‘Onde 0 edo de caga, como se sabe, “Poi por Jtipiter transformado em pedra. Enotdvel que nesta historia @ lua seja comparada a uma cebola, “No Egito, a cebola era,” diz Friedrich, “ por conta de suas muitas peles, simbolo e hieréglifo da Lua em suas _muitas formas, cujas diferentes fases sao cla-ramente vistas na raiz.quando cortada, e também porque seu erescimento ou diminuigdo correspondem ao do pla-neta. Assim, ela foi dedicada a Isis, a Deusa Lua.” Poreste motivo, a cebola era to sagrada que se cri existem seu interior algo de divino; porestarazlo, Juvenal afirma que os egipeios eram um povo feliz por possufrem deuses que cresciam em seus jardins, “Laverna,” a deidade que empresta seu nome ao tiltimo capitulo de “radia: Evangelho das Bruxas,” éa deusa “dos furtose de toda forma de vilania”, a padrocira dos ladrées e gatunos, A lenda narra como a habil e astuta ~ além de desonesta — Laverna engana seu credor, um sacerdote, de quem comprara uma extensao de terra “para nele construir um templo para (nosso) deus”. Ela havia feito 0 mesmo ao senhor de wm castelo, que também nao obtém pagamento. Quando convocada ao julgamento por seus atos, Laverna age com grande habilidade diante dos dois aténitos credores, 0 que leva Jove (hipiter) a decidir por sua instituigéo como “deusa de todos os pulhas ¢ comerciantes desonestos.” Sem diivida, hd espaco para todos nos pantedes pagdos! A propria Diana era a protetora dos desassistidos, como veremos ainda no apéndice. Por fim, temos um detalhado ritual de culto a Laverna, ricamente descrito. 27 Capitulo XV Laverna {0 curioso conto que se segue, bem como 0 encan- tamento, nao integra o texto do Vangelo, mas evidente-mente pertence ao ciclo on série de lendasa ele associadas. Diana é apresentada como a protetora de todos os en-jeitados, daqueles a quem a noite é dia, e consegiien-temente, dos ladrées; ¢ Laverna, como depreendemos a partir de Horécio « Plautus, era predominantemente a patrona dos furtos ¢ de toda forma de vilania, Nesta historia, ela se apresenta ainda ‘como uma bruxae satirist. Foj-me dada como uma tradigao de Virgilio, o qual ‘geralmente aparece como alguém familiarizado com oma- ravilhoso conhecimento oculto dos tempos passados. ‘Aconteceu numa época em que Virgilio, que conhecia to- 129. Charles G. Leland das as coisas ocultas e mégicas, cle que era um magoe um poeta, apds ouvir o discurso (ou ora¢o) de um famoso palestrante sem muitas posses, foi perguntado acerea de sua opinido sobre o que ouvira. Ao que cle respondeu, “Quer me parecer impossfvel dizer se tudo era uma introdugdo ou se tudo era conelusio; certamente ndo havia corpo, Pareceu- ‘me como peixe do qual nio se tem certeza do que é cabeca eo queé canda; ou comoa deusa Laverna, de quem ninguém jamais soube dizer se era toda eabeca ou toda corpo, ou ‘ainda nenhum on ambos.” O imperador a seguir indagou sobre quem seria essa deidade, pois ele jamais ouvira dela falar. E Virgilio respondeu: “Entre os deuses ¢ espftitos de tempos remotos — que eles nos sejam sempre favoraveis! Entre eles (havia) uma que eta a mais habil e desonesta de todos. Seu nome era Laverna. Era uma ladra, pouco conhecida pelas outras deidades, as quais cram honestas e dignas, pois raramente estava no parafso ou nas terras das fadas. Ela passava quase todo o seu tempo na terra, entre os ladroes, punguistas e salteadores — cla vivia nas trevas, Corta feita, ela se ditigiu (a um mortal), um grande sacerdote, na forma de uma bela e honrada sacerdotisa (de alguma deusa), e Ihe disse; ‘Possuis uma propriedade a qual desejo comprar. Desejo nela construir um templo para (nosso) Deus. Juro sobre meu corpo pagar-te em um ano.” Assim, o sacerdote transferiu-lhe a propriedade, Prontamente, Laverna havia vendido toda a colheita, os griios, 0 gado, a madeira e as aves. Nada restava que ¥: lesse um centavo. 130 Aradia, © Evangetho das Bruxas : ‘Mas no dia determinado para o pagamento, Laverna no podia ser encontrada. A bela deusa ja longe ia, deixan- do seu credora ver navios!” Enquanto isso, Laverna foi a um grande senhore de Je comprou seu castelo, muito bem decorado em seu inte- rior e com vastas terras férteis no exterior. “Mas desta vez ela jurou por sua cabega que pagaria emseis meses. E aquilo que ela fizera ao sacerdote ela fez ao senhor do castelo, roubando e vendendo cada bastio, mobiliario, gado, servo e rato ~ nada restava que bastasse para alimen- tar uma simples mosca. Entfo, o sacerdote e o senhor, descobrindo de quem se tratava, recorreram aos deuses, queixando-se que eles haviam sido roubados por uma deusa. E logo todos souberam que esta era Laverna, ‘Assim sendo, ela foi chamada a julgamento perante os deuses. Quando perguntada sobre o que fizera com os bens do sacerdote, a quem havia jurado por seu corpo que pagaria na data indicada (e por que havia quebrado seu juramento), Ela respondeu com um estranho feito que a todos surpreendeu, pois ela fez seu corpo desaparecer, restando visivel apenas a sua cabega, ¢ esta gritou: - i “Vejam! Jurei por meu corpo, mas corpo nao possuo! Entéio, todos os deuses se puseram a tir. Depois do sacerdote, veio o senhor que também havia sido ludibriado, a quem ela havia jurado por sua cabega, Em resposta, Laverna exibiu a todos seu corpo desnudo, BI

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