Você está na página 1de 387
‘Sato De CARVALHO Organizador Eprrora LUMEN Juris Ebrrones Joio de Almeida ‘Joao Luis. da Silva Almeida Conseuio Boronia Alexandre Freitas Camara ‘Antonio Bockor ‘Augusto Zimmermann Eugénio Roca : : : Fauzi Hassan Choukr Critica A EXECUGAO PENAL Firly Nascimento Filho : ; oe Geraldo LM. Prado | Doutrina, Jurisprudéncia Carga acemincaate | e Projetos Legislativos Manoel Mess Marcello Ciotola Marcos Juruena Vitela Souto Paulo de Bessa Antunes Salo de Carvalho unison dens Peixinho Conset0 Consuinvo Blida Seguin Gisele Cittadine Humberto Dalla Bernardina de Pinho José dos Santos Carvalho Filho José Fernando C. Farias, José Ribas Vieira Marcellus Polastri Lima Eprrora Lumen Juris Omar Gama Ben Kauss Rio de Janeiro Sergio Demoro Hamilton 2002 Copyright © 2002 Editora Lumen Juris Surgnvisio EDIroniaL ‘Antonio Becker Eprroracao Marcos Gongalves Corréa Cara Marcia Campos ALIVRARIA 5 EDITORA LUMEN JURIS LTDA. néo so reeponsabiliza pela originalidade dos artigos const dosta obra, bem como pelas opinides neles emitidas por seus Autores. & proibida a reprodugdo total ou parcial, por qualquer meio ou proceso, ‘quanto as caracteristicas gréficas e/ou editorials. A violagao de direitos autorais ‘digo Penal, art. 184 e 88, e Lei ne 6.895, sujeitando-se a busca e apreensao indenizacoes diversas (Lei ns 9.610/98). ISBN 85-7387-266-7 ‘Todos os direitos desta edigdo reservados & Livraria e Editora Lumen Juris Lida ‘Telefone (21) 2531-2199 Fax (21) 2591-1126 Rio de Janeita, RI - CEP 20011-000 Impresso no Brasil Printed in Brazil Arrisca teus passos por caminhos que ninguém passou: Arrisca tua cabeca pensando o que ninguém pensou ‘Teatro Odeon (Paris), ‘maio de 1968, Sumario Autores desta Obra Apresentagéo Parte J ~ Funpagoes: Da ()LEGIMADADE e ()LEGALIDADE DO ‘Sistema DE ExECUGAO PENAL 1. Teoria Agnéstica da Pena: O Modelo Garantista de Limita- {go do Poder Punitive .. Salo de Carvalho 2. A Crise de Legalidade na Execugao Penal ‘Andrei Zenknor Schmidt Parte I ~ Da INDIVIDUALIZAGAO JUDICIAL & EXECUTIVA DA PENA /dualizagio da Pena ‘José Anténio Paganella Boschi 2, O Dividir da Execugao Penal: Olhando Mulheres, Olhando Diferengas - ‘Samantha Buglione 3, Praticas Inquisitivas na Execugao Penal (Estudo do Vin- culo do Juiz. aos Laudos Criminolégicos a partir da Juris- prudéncia Garantista do Tribunal de Justica do RS) ‘Salo de Carvalho ‘Tratamento Penal: A Dial tuinte : Miriam Krenzinger A. GQuindani 5. A Psicologia e suas Transigdes: Desconstruindo a "Lente" Peicolégica na Pericia odo J. Pacheco e Jilio Casar D. Hoonisch | 6. A Lei de Execucio Penal e as Atribuigses do Servigo Social no Sistema Penitencidrio: Conservadorismo pela Via da } “Desassisténcia” Social ses 208, ‘Andrea Almeida Torres “Avéxpice JURISPRUDENCIAL 1. Contradicao entre Zaudos Criminolégicos e Comporta- mento Carcerdrio feces a3 1a do Instituide © do Insti 2, Prognésticos de Reincidéncia (Impossibilidade Empiri- ca de Constatagao) e Auséncia de Arrependimento (In- significdnela Juridica) 3, Auséncia de Fundamentagéo e/ou Contradigao do 1: Nulidade Formal do 10 Minima e Nulidade ‘de Decisaa Adesiva por Falta de Fundamentacao 5. Decisdo Judicial Contréria aos Laudos Criminolagicas pela Falta de C Parte Ill Da EstavTuna Apuanisrearivo-DiSCIPLINAR 1. Diteitos, Daveres ¢ Disciplina na Execugéio Penal “Andrei Zanknor Schmidt 2. O Labirinto, 0 Minotauro e o Fio de Ariadne: Os Encarce- rados e a Cidadania, Além do Mito ‘Marcos Rolim “APénbicg LEGISLATIVO Garantias e Regras Minimas para a Vida Prisional .. 1, Falta de Instaurag: Disciplinar para Avoriguagao de Falta Grave 2. Auséncia de Ampla Defesa e Contraditério no Procedi mento Administrative Disciplinar 3. Movimento Pacifico: Nao Configuragao de Falta Grave Part IV ~ Da JURISDIGAO E Do PROCESSO DE EXECUGAO PENAL, 1, Execugio Penal: Controle da Legalidade jalista (MacCormick) ..... 3. O Ministério Pablico na Execugio Penal . . ‘Eduardo M. Cavalcanti 4, A lnstrumentalidade Garantista do Processo de Execugao Penal . fae coves Autry Lopes Jr. 5. A Execucdo Penal ¢ o Sistema Acusatério .. Geraldo Prado 6, Da Necessidade de Efetivacéo do Sistema Acusatério no Processo de Execucéo Penal ‘Salo de Carvalho ‘cugao Penal Antecipada oa Alexandre Wundertich 8. Embargos de Declarago no Processo de Execugao Penal Daniel Gerber “AbEnprce JuniseRUDENCIAL 1. Sistema Jurisdicional: Exigéncia de Ampla Defesa e Con- traditério .. 2, Nocessidade de Oralidade na Execugao Penal: Indis- pensabilidade de Audiéncia Prévia .... Execugdo Penal Proviséria . Pane V ~ Dos INciwentes na ExecugAo Penat 1. Crimes Hediondos ¢ Regime Carcerdrio Unico: Novos Motivos de Inconstitucionalidade . . ‘Tupinambé Pinto de Azevedo 2, Regressio de Regime: Uma Releitura Frente aos Princfpios Constitucionais, i ‘Simone Schrooder 3, O Apenado, a Familia, a LEP ¢ a Constituigao ‘Aramis Nassif ¢ Samir Hofmeister Nassif 4, Breve Reflexio sobre o Indulto Condicional Daniel Gerber 5. Prisdo ~ Tempo, Trabalho e Remicao: Reflexdes Motivadas pela Inconstitucionalidade do Artigo 127 da LEP... Lulz Antonio Bogo Chies APENDICE JURISPRUDENCIAL, 1. Progresso de Regime em Crime Hediondo 2. Superveniéncia de Delite (Insignificante) o Regress’o de Regime: Principio da Proporcionalidade 2. Falta de Estabelecimento Adecuado: Progressao por Sal tos e Friséo Domiciliar 4, Indulto © Comutacdo de Pena: Falta Grave Cometida avés Promulgagao do Decreto e Inexigibilidade de Avaliagto Criminolégica como Re: 5, Remicdo: Remicéo Analégica, Admissibilidade em Regi- ‘me Aberto e Inconstitucionalidade do Art. 127 da LEP (Parda do Tempo Remido em Decorrancia de Falta Grave). Detragéo sem Nexo Processual . sot sat 533 555 573 887 6. Impossibilidade de Revogagéo de Livramento Condicio- nal em Decorréncia de Proceso Penal em Curso ‘7. Inadmissibilidade de Maus Antecedentes Obstaculariza~ rem Livramento Condicional: Cizcunstancia Sopesada na Aplicagao da Pena: bis in idem . 8, Prazo de Trinta Anos (art. 75 do Cédigo Penal) como Balizador para Todos os Direitos Decorrentes da Exe- cugéo da pena ; Autores desta Obra ALEXANDRE RosA ~ Juiz de Direito em Santa Catarina. Mestre em Direito na UFSC ¢ Professor Universitario em Santa Catarina. ALEXANDRE WUNDERLICH ~ Advogado. Conselheiro da OAB/RS. Presi- dente do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (TEC). Especialista © Mestre em Ciéncias Criminais pela PUC/RS, Doutorando em Direites Humanas pela Universidad Pablo de Olavide-Sevilla. Professor do Programa de Pés-gra- ‘duagéo em Ciéncias Criminas da PUC/RS e da Faculdade de Direito de Vitéria (FDV-ES). Professor da Escola Superior da ‘Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (AJURIS). AnReA ALaeiDA Tortus ~ Assistente Social, Doutoranda em Servigo Social na PUC-SP ¢ em Direitos Humanos e Desenvolvimento na Universida¢ Pablo de Olavide-Sevilla. ANDREI ZENKWER ScumivT — Advogado. Mestre em Ciéncias Criminais, pela PUC-RS, Conselheiro do Instituto Transdisciplinar de Estudos Crimnais (ITEC) e Conselheiro Ponitenciério do Estado do Rio Grande do Sul. ‘Ananas Nasstr - Desembargador do Tribunal de Justiga do Rio Grande do Sul e Professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (AJURIS). Auny Lopes Jr. ~ Advogado. Doutor em Direito Processual pela Universidad Complutense de Madrid. Professor da Fundagao Universidade Federal do Rio Grande - FURG/RS. Professor no Programa de Pés-Graduacéo - Mestrado e Especializacdo om Cigncias Criminais - da PUC/RS. Membro do Conselho Penitenciario do Estado do Rio Grande do Sul Dawiet GeRver - Advogado. Membro do Conselho Penitenciério Estadual. Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal na ULBRA. Mestrando em Ciéncias Criminais pela PUC/RS. ‘EDUARDO M. CAVALCANTI ~ Promotor de Justiga no RN. Especialista em Criminologia pela UFRN © Mastrando em Ciéncias Criminais pela PUC/RS. GeraLpo PRrabo - Magistrado no RJ. Professor de Direito Processual Penal dos Cursos de Mestrado em Direito das Universidades Estdcio de Sé ¢ Candido Mendes, Doutorando em Direito pela Universidade Gama Filho. Mestre em Direito pela Univer- sidade Gama Filho, 1998. Membro do Grupo Brasileiro da ‘Associagao Intemacional de Direito Penal - AIDP Jost AnTonro PacaNeia Boscia - Desembargador do Tribunal de Justia do Estado do Rio Grande do Sul. Mestre em Ciéncias Criminals pela PUC-RS. Professor da PUC-RS e Diretor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (AJURIS) ‘Jouo César D. Hormsca ~ Psicblogo. Especialista em Satide Publica e ‘Mestrando em Psicologia Social e da Personalidade da PUC/RS. Pesquisador vineulade a0 Nicleo de Pericia do Cento do Obser: jlégica da Superintendéncia dos Servigos Penitenciarios do Estado do Rio Grande do Sul. Membro do Conselho Penitenciario do Estado do Rio Grande do Sul Low Antonio Bogo Cis ~ Advagado. Professor Adjunto da Universidade Catélica de Pelotas-RS, Doutor em Ciéncias Juridicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino. Membro do GITEP (Grupo Interdisciplinar de “kehalho e Estudos Peni- tenciarios da Universidade Catélica de Pelotas). ‘Marco Antonio Banostra Scarsit~Desembargador do Tuibunal de Justiga, do Estado do Rio Grande do Sul e Professor da Escola Superior da ‘Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul (AJURIS). ‘Marcos Roti ~ Joralista. Deputado Federal (PT/RS), ex-Presidente da Comisséo de Cidadania e Direitos Humanos da Assembiéia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul MinIAM Kxswznicer A, GuINDANI ~ Assistente Social. Diretora do Centro de Observagao Criminlégica da Superintendéncia dos Servi- Gos Penitenciérios ~ Secretaria da Justica e da Seguranga do Estado do Rio Grande do Sul. Membro do Conselho Peniten- cidrio do Rio Grande do Sul. Doutora pela Pés-graduacao de Servigo Social da PUC-RS. Professora dos cursos de Servico Social da PUC-RS e ULBRA. PepRo J. PacHEco ~ Psicélogo-coordenador do Nacleo de Formagao, Pesquisa e Extensio do Centro de Observacao Criminalégica da Superintendéncia dos Servicos Penitenciarios do Estado do Rio Grande do Sul. Mestrando em Psicologia Social e Insti- tucional da UFRGS, ‘SaLo DE CanvALHO - Advogado ¢ ex-Presidente do Conselho Peniten- ciério do Estado do Rio Grande do Sul. Mestre pela UFSC e Doutor em Diteito pela UFPR. Professor do Programa de Pés- Graduagéo em Ciéncias Criminais da PUC-RS e Professor do Programa de Doutorado Derechos Humanos y Desarollo da Universidad Pablo de Olavide - Sevilla. ‘SaManttia BUGLIONE ~ Advogada. Mestranda em Direite da PUC-RS, bol- sista do CNPq, Fellow MacArthur e Consultora da The Assossoria Juridica e Estudos de Género. Sann Hormmisrer NassiF - Académico de Diteito. ‘Simowe ScHROEDER - Advogada e Conselheira Penitenciaria do Estado do Rio Grande do Sul, Mestranda em Diroito P RS, Professora da Universidade Luterana do Bi nas Faculdades Integradas Ritter dos Reis. ‘TueINamBA Pnvro ve Azxven0 — Degembargador do ‘Tribunal de Justiga, do Estado do Rio Grande do Sul e Profesear da UFRGS, Apresentagéo Critica a Execugdo da Pena: do Discurso a Prética Atualmente, no direito @ no processo penal brasileiro, algumas {déias, muitas vezes conflitantes, tornaram-se consensuais, sendo pre- sentes nos discursos das mais diversas perspectivas politico-criminais. ‘Ao discurso do garantismo e do direito penal minimo, por exemplo, s80, agregadas, sob 0 signo da necessidade de reformas, perspectivas de formalizagao da justica penal, afericao de interesse processual penal A vitima e aceleragio do processo, sem haver um minimo de questiona- ‘mento sobre se estas posigées séo, efetivamente, compativeis entre si ‘ direcionadas ao mesmo fim ‘Jacinto Coutinho percebe com nitidez o problema ao sustentar que a tandéncia do reformador do proceso penal aponta na diregéo de ‘89 ter menas burocracia, ainda que néo se saiba bem o que ela quer dizer quando a questo é manter ou néo regras de um instrumento tido, inilu- divelmente, come um mecanismo de garantia do cidadao, Assim, burocracia ~ para ganhar-se velocidade, naturalmente ~ pode significar 2 supressdo dos recursos; a superagao da axigéncia de certas provas como, por exemplo, o exarne de corpo de delito nos crimes que deixam vestigios; decisées sem motivagées; © assim por diante.1 Em realidade, os consensos invaciem o discurso penal e sao (re)pro- duzidos, com impressionante rapidez, como verdades absolutas @ inquestionaveis. Trata-se de algo “posto”, sendo ilicita qualquer forma de critica e/ou tesisténcia, sob pena de desau Na execuco da pena, principalmente a reclusiva cumprida em regime fechado, determinado consenso faz-se presente ha muito ‘tempo, construindo o imagindrio ndo apenas dos da defesa social mas, inclusive, da critica crimi oficial” poderla ser expressa na seguinte constatagdo: a Lei de j0 Penal possui qualidades indiscutiveis, sous fins séo humanis- tas ¢ sua instrumentalidade garantista. O problema radica, fundamen. talmente, na falta de “vontade politico-administrativa” em Ihe auferir efetividade. O problema, pois, estaria no plano da eficdcia e da efetivi- dade das normas de execugéo. 1 Jasino Couto, 0 Papal do Pansamento Economia ne Diet Criminal Hoje, p82 Sule de Carvatno A obra que ora é apresentada ao piblico nega absolutamente esta falacia que desloca toda responsabilidade do suplicio gético da execucao da pena no Brasil ao Poder Executivo, eximindo a responsabilidade dos operadores do direito com os direitos e garantias do cidade preso. Indubitavelmente, néo se nega o inadimplemento da Administragao Pablica. Pretendemos chamar atengao para o fato de que ndo s6 o esta- tuto (LEP) carece de instrumentalidade garantista, legitimando inime- ras barbéties inadmissiveis desde a perspectiva dos direitos humanos ~ © que toma falacioso seu discurse “humanista” da ressocializagdo -, como pode o operador do diteito, se efetivamente comprometido com a Constituicao, atuar de forma incisiva, questionando a legitimidade de inimeros institutos penais, processuais e penitenciérios que tornam ‘cada vez mais aflitiva a permanéncia do individto no cércere, Assim, cremos que 0 titulo justific seguindo os pas le, pretende suscitar © ara explicar 0 visivel, crer e a dizer que a realidade limita-se ao aparente - a teoria critica permite néo s6 descobrir os diferentes aspectos escondidos de uma realidade em movimento, mas sobratudo abre entao as portas wa dimensdo: a da “emancipagio” inicial do livro, que seria produzir uma pequena coletanea bre a execugao da pena, nasceu da experiéncia concreta, ro ConsELHO PENTTENCIARIO DO Estan0 Do RIO GRANDE Do Sut, de uma série de pesquisadores gatichos da criminologia e do direito penal (material e instrumental), em quase sua totalidade vinculados (como docentes ou mestrandos) ao Programa DE POs-GRADUAGAO Rot CrENCIAS (Canatwats na PUC-RS. (Os membros do Conselho Penitenciério, apés 0 inicio dos traba~ thos da gestéo empossada em maio de 2000, comegaram a perceber a falta de instrumentalidade garantista da LER bem como inimeros casos de ofensa do estatuto & Constituicéo da Republica. A preocupacdo com o déficit de constitucionalidade de imimeros, institutes produziu um discurso pratico-teérico invader e, como tal, desestabilizador dos consensos sobre a operatividade do dire sede executivo-penal. Questées como a legitimidade dos laudos e pericias erimi as, a legalidade dos procedimentos administrativos de averiguacao de faltas, a proporcionalidade das sancées disciplinares, a sobrevaloti zagao das faltas administrativas na esfera judicial, a auséncia de fun- 2 ‘Michel Misite, mtrodugso Critica 20 Direito,p. 23. Aprenentegto damentagao dos atos judiciais, 0 papel do Ministério Péblico e da Defensoria como sujeitos processuais, os critérios subjetivos irrefuté- vais presentes nas avaliagdes dos incidentes da execugao et coetera, chamaram atengio deste grupo de juristas, psicélogos e assistentes sociais. Desta forma, surgiu a necessidade de exposicéo das idéias que orientam o labor cotidiano deste grupo que integra o Conselho. ‘Todavia, apés a selegéo dos temas € 0 inicio da produgo dos tex- tos, pesquisa mais minuciosa possibilitou aos Conselheiros notar que intimeras de suas idéias, tidas até entéio como solitérias, encontravam respaldo na jurispradéncia do Taasunal. De Jusmiga D0 Rio GRANDE DO SUL ‘A aproximagao com a linha critica do Judiciério gaticho foi inevitavel, daf 0 motivo da participagao de Juizes e Desembargadores na obra, bem como a necessidade instrumental de publicizagao dos julgados. O livro que se pretendia uma coleténea de textos jé ganhava 0 contorno que possui atualmente. (Outros dois fatores foram fundamentais para a ampliagao do mate- rial aqui publicado: @ posse da nova diretoria no CENTRO De OssenvAGAD CCanatwoxbaica po Rio Grane po Sut (COC/RS), capitaneada pela assis- tente social Miriam Guindani, e o trabalho realizado pelo Deputado Federal Marcos Rolim (PT/RS) na presidéncia da ComssAo bz Dixsrros Humanos pa Cénana Dos DaPurapos. ‘A linha teérica adotada no COC/RS, absolutamente compativel ‘com © modelo criminolégice exitico do Conselho Penitenciério, aprexi- ‘mou as duas instituigSes, sendo natural a presenga daqueles pensado- res no livro, Outrossim, o resultado da If Caravana Nacional dos Direitos Humanos, publicada no relatérlo Uma Amostra da Realidade Prisional Brasileira (Camara dos Deputados - Comissao de Direitos Humanos. Brasilia: Centro de Documentagao e Informagao, 2000), reforou neces- sidade de contar nao apenas com a presenga do Deputado Marcos Rolim ‘na obra mas, igualmente, com a publicagdo das Garantias e Regras ‘Minimas para a Vida Prisional, proposta normativa de regulamentagao das relagées intramuros fundada nos direitos humanos. ‘A obra nao pretende ser hermética e fechada, pelo contrétio, intenta ser um texto aberto e em constante movimento. Procura ser, em. realidade, um constante convite a reflexio ¢ @ ago critica de todos faqueles que lutam cotidianamente para reduzir ao méximo a violencia institucional contra a pessoa presa. Cremos, pois, que 0 simbolo do trabalho aqui apresentado pode ser sintetizado nas ligées de Alessandro Baratta, notavel crimindlogo italiano, que em momento importante de sua obra sustenta: Cualquier ‘Sale de Carvatno ‘paso que pueda darse para haver menos dolorosas y menos danosas las condiciones de vida en la cérael, aunque sea sélo para un condenado, debe ser mirado con respecto cuando esté realmente inspirado en el inte +85 por los derechos ¥ #l destino de las personas detenidas, y provenga de una voluntad de cambio radical y humanista y no de un reformismo tecnocrético cuya finalidad y funciones sean las de legitimar a través de ‘cualquier mejoramiento la instituicién carcelaria en su conjunto3 Porto Alegre, outubro de 2001 Salo de Carvalho 3 Alossandro aratta, Resolaizaciin 0 Control Social Por un Concapto Critica de "Rointegracien Soci” del Condenado, D254 Parte I Funpagoks: Da (1[)LEGITIMIDADE E (I)LEGALIDADE DO SISTEMA DE ExEcugAO PENAL ‘Teoria Agnéstica da Pena: O Modelo Garantista de Limitagéo do Poder Punitivo Salo de Carvalho § 12 Breve Nota Introdutéria: A Critica do Abolicionismo ac Sistema Penal: Resposta Negativa ao Jus Puniendi jalmente, 0 estudo das doutrinas da pena prin tantes ndo s6 do direito penal mas também da teoria pol qué punir? Entendemos que tal debate pressupée uma consideragao anterior, qual seja a de responder se 6 ou no imperativo sancionat. £ que as manifestagdes sobre as teorias da pena ja pressupdem como impres- cindivel a existéncia mesma da san¢o penal, excluindo do universo académico as respostas teGricas negativas a res} dade da sangéo. Partem do pressuposto positive 4 pergunta punir ou 1ndo punir o infrator. No entanto, a aceitagéo deste ponto de partida arbitrério, convencionado fundamentalmente pela dogmética penal contemplativa e formalista, isola néo somente qual de reflexao séria sobre alternativas externas ao sistema dé que posteriormente tais teorias sejam negadas. essa forma, urge que paralelamente a avaliagdo reconstrutiva, das teorias da pena, e de sua necessidade, debrucemo-nos sobre a matriz tedrica que nega a atividade estatal sancionatéria: 0 abolicionis- ‘mo penal. Antes de mais nada, é interessante percebermos que o surgimen- ‘to da pena privativa de liberdade, "a" pena das sociedades modernas, fj éxito obtido por um movi abvlicionista que buscava substitu- tivos aos castigos corporais na dade Média, fundamentalmente a pena de morte. Este movimento ta quanto aos suplicios modificou a estrutura da justiga penal, determinando sua elevacéo a um grau de maturidade (civilidade) ‘Na temtativa de reconstruit 0 modelo abolicionista contempord- neo, entendido como movimentos de formulagéo wérico-cxtiea acerca, a questo penal/penitenciaria e dos instramentos formais de controle social, percebemos que sua matriz. genealégica encontra-se no substra- 10 ideolégico de escritores anarquistas como Stimer, Godwin, Bakunin, Kropotkin, Molinari e Malatesta. Kropotkin! © Godwin,? sobrotudo, so o¢ autores anarquistas que ‘melhor direcionaram sua andlise ao sistema penal, sendo que os demais ‘oria Agniatica de Pens: (Modelo Garant de Linstagso do Poder Punkivo privilegiam o debate sobre @ questéo da legalidade e estatalidade do controle social ‘Mas, apesar de identificado em sua origem doutrinés mento anarquista, o movimerto aboli " ice dos atuais movimentos de Politica Criminal Alternativa, muito destas desgastadas manifestagées historicas, ni Geterminados momentos, recair em alguns de seus mites fundantes, como 6 0 caso do mito do bom selvagem ‘Na atualidade, o discurso abolicionista congrega o debate sobre ‘a contracéo do sistema penal/carcerério, em propostas que va0 Gesde a sua eliminagdo até buscas de alternativas aos regimes de apartacao. ‘Como vertente teérica dizecionada a construir discurso critico do sistema penal, as correntes multiplicam-se, pois, segundo Sheerer, hay ‘poco consenso entre los autores que puedem ser considerados “abolicio- nistas"* Fundamental, portanto, definirmos preliminarmente 0 que entendemos por abolicionismo ‘concebemos © movimento. Concordamos com Luigi i quando considera abolicionis- tas solamente quelle dottrine .giche che contestano come ille alo de Carvaine gittimo il diritto penale, o perché non ammettono moralmente nessun possibile scopo come giustificante delle afflizioni da esso arrecate, oppure perché reputano vantaggiosa l'abolizione della forma gluridi co-penaie della sanzione punitiva e la sua sostituzione con mezzi ‘ostrumenti di contralo di tipo informale e immediatamen- Difere-se, portanto, das doutrinas cri jicas substitucionistas convergentes com 0 correcionalismo positivista que, ao pretender encontrar substitutivos penais, relegitimam o discurso da ressocializa- ao (discurso da nova defesa social). © abolicionismo congregaria autores, principalmente os do norte da Europa (escandinavos e holandeses) que, partilhando do modelo sociolégico critico das décadas de sessenta ¢ sotenta, comungam pro- ppostas politico-criminais estruturadas na premissa da radical contra- (¢4o/substituico do sistema penal por outras insténcias resolutivas dos conflitos socials ‘A dificuldade de precisa conceituagio do abolicionismo parte fun- damentalmente da questéo de se aprosentar ao exterior mais como “movimento” do que como “escola”. A indagagso acerca de ser sua produgdo doutrinaria eubstrato suficiente para consolidacéo de teoria ou modelo paradigmético levou Scheerer a afirmar que o mero fato de cxistir importante literatura sobre o abolicionisme nao o converteria em paradigma no sentido Kauneano, Prefere 0 autor referit-se a0 abolicio- nismo como uma “teoria sensibilizadora”, ou soja, una “teoria” que tenga la posibilidad y el objetivo de transcender los modelos, clasifica- clones y presunciones tradicionais, pero sin presentar pruebas acabadas de estas nuevas ideas ni el inventario de sus proprias herramientas con ‘ceptuales y metodolégicas.® Fundamental demonstrat, pois, que 0 movimento abolicionista, integra amplo rol de projetos de twtela de direitos estruturados a partir de uma matriz paradigmatica comum (paradigma da reacéo social), a qual possibilitou a desconstrucao tebrico-académica do modelo do +2 tamento (paradigma etiolégico). Em se tratando de movimento essencialmente negativo, ou seja, de descontrugio da base mitolégica sobre a qual é estruturado 0 Diteito Penal, 0 abolicionismo caracteriza-se pela estrutura plural ¢ polissémica de suas manifestagdes tedricas. 5 Fetal, tag. irra « Raging,» 238, 6 Scheer Sebastian, Ob ct, P22 6 “Teodia Agndctica da Pons O Modeto Gatantata de Limitogao do Poder Panitivo Dentre as iniimeras formas de manifestacée do proj nosso estudo segaindo a tipologia proposta pot Zatferoni ites nao conflitantes: (a) a tendéncia estrut ‘ variante marcista de Thomas a perspectiva fenomenolégica de Louk Hulsman. § 12 a. Michel Foucault, embora nao possa ser considerado um abo- ca contemporaine constitutiva deste saber contracultural. A analise {das estruturas de poder proporcionadas por ele, principalmente a rela~ tiva aos estabelecimentos carcerdrios, confete enormes subsidios a0 movimento. ‘A anilise foucaultiana sobre a questéo carceréria, realizada no capolavoro Vigiar e Punir, possibilitou a construgéo de um saber ctiti- ‘co que potencializou o discurso abolicionista. Direcionando o trabalho do autor ao saber penal, podemos constatar dois niveis especificos de ‘analise. O primeiro versa sobre a criminologia tradicional e o segundo sobre as estruturas capilares de poder. ‘A primeira decorténcia, extremamento titil para entendermos 0 discurso da criminologia oficial que atualmente impée as premissas estruturantes da execugao penal, é a constatagdo de ma de poder se legitima através do um disourso ci stificar as pratioas punitivas através do stagdo ocotrida na criminologia etio- Programa de Marburgo e por Rocco na i880 sassarena mas acentuada com a crise imposta pelo para- digma da reagao social,® justifica plonamente essa hipéteso. Independente do fato de sua desqualificagao cientifica em relagio as domais ciéncias correlatas, © modelo criminolégico-administrativiz minar na fase legislativa de graduagdo na fase judicial de comina- (gdo da pena, para solidificar sua importéncia no momento executivo ~ ug. exames criminolégicos e estrutura disciplinar de faltas e recom- pensas administrativas 7 alaon, Bagenlo Rail im Busca das Ponas Pordidas,p. 8. ‘9 Neste sat, confer Carvlh, Salo, Pena 6 Garantie: Uma Lature do Garentamo do ‘gt Rerajl no Brae pp. 62-81, Salo de Carvatho A segunda conseqléncia do discurso foucaultiano é a de romper ‘que as relagées de cionamentos invisivels que néo permitem ao dor a apropria- do do objeto. Néo existiia um sujeito ou possuidera do poder, pois onde hd poder ele se exerce. Ninguém é, propriamente falan do, sou titular; e, no entanto, ele sempre se exerce em determinada dire- (940, com uns de um lado # outros do outro; ngo se sabe ao certo quem 0 detém; mas se sabe quem ndo 0 possui.10 constatagéo da transferéncia (ns cia disciplinar, conduz exatamente a esta diferenciacao entre os niveis de exercicio de poder na sociedade: 0 poder atua sobre 0 corpe social de forma constante e imperceptivel. © enfoque foucaultiano sobre a estrutura social ¢ sua relagéo com a forma de punir, gera radical mudanga no interior do discurso da cri- minologia critica, que Passaré a exigir ruptura com as instancias for- ais de controle social. Nesse sentido, como legado, apresentam-se as, propostas de Hulsman, Christie e Mathiesen, principais divalgadates das idéias abolicionistas na atualidade. § 1eb, Em 1972, Thomas Mathiesen, professor da Universidade do Oslo, publicou a primeira parte da obra The Politios of Abolition, ladle dos modelos carcerésios notuegués, h ivamente possivel. Esta utopia conci' a crlagdo da Organizagdo Norueguesa Anti ado na aboligio do cércere, tivas (penas alternativas), dado insformar fécilmente en nuevas proposta era estabelecer uma “revolucdo permanente”, sem limite a priori, fomentando roformas negativas de curte Prazo para néo obstaculizar 0 abolicionismo. Nao femodelar o sistema de penas, mas, 10. Reucaak, he Oe Italorunira o Peder Conver de Micka Foucault Olls Deleuze, p78. 11 Mathioeen, Tomas. bs Pola dl Abaleienismo, p10. 8 ‘Tosi Agntstica da Pen. (0 Modelo Garaateta de Limitagto do Poder Punktivo ° Sato de Carvatio Do fandamento da aboligéo do modelo carcerério, Mathiesen Processo de moratoria na construcdo de novas institui- is a partir de oito conclusdes: (a) a criminologia e a sociologia ja dem¢ (preveng: destruigao da pe: ° de e a incitagéo da reincidéi to da prisdo no que diz a prevengéo geral é absolutamé certo, sendo possivel apenas estabelecer alguma relagdo entre a dissua. 50 © as politicas econémicas e sociais; (c) grande parte da popula- ‘go carcerdria ¢ formada por pessoas que praticaram delitos contra a propriedade, ou seja, contra bens isponiveis; (d) a cons- trugao de novos presidios ¢ irrew ) © sistema carcerério, enquanto instituigo total, tem car ansionista, ou soja, sus- cita novas construgées; (f) as prisdes funcionam coms formas insti- tucionais ¢ sociais desumanas; (g) o sistema carcerdrio produz vio fencia e degradagao nos valores culturais; ¢ (h) 0 custo econémico do modelo carcerario é inaceitavel. de prevencién individual, disuacién general, irreversibilidad de la construcién, del caré. ter expansionista del sistema carcelario, humanitarismo, valores cultu- rales € economia, todos apunta contra la construcién de més cérceles. Los argumentos funcionam conjuntamente. Aunque algunos por separa- exmporeamantal das controlador nko confemar 0 prognGetion de cuttcladores (exe ‘Pena a Nova Parte Gera p. 298) ‘oor Agora de Pena: (0 Modeio Garaets do Lmitagso do Poder Punisiva do no sean suficientes, juntos respaldam firmemente una moratoria por ‘mucho tiempo. ‘Atualmente, embora peresbendo a tendéncia mundial no sentido poste ao da abolicéo, Mathiesen reflete sobre os escudos protetores da priséo, mecanismos que teriam por fungao ocultar sua irracionalidade, ‘Antev®, pois, formas de destrut-los e, dessa maneira, desmo! titugses que protegem. Os escudos seriam formados pelos administragdo carceréria, pelos cientistas sociais (intelectuais e pesul- sadores da criminologia oficial - clinica) e pelos meios de comunicacao, Sustenta o autor que os administradores conformam a mais cen- zal insténcia de tutela da instituigao, Seu siléncio, derivado da coopta- ‘40, lealdade ou disciplina, agrega-se ao dos cientistas sociais (crimi- néloges) que, se néo esto silenclosos, apenas murmuram protestos. Entretanto, a grande problemética deriva da ocultagio e distorgio da realidade prisional operada pelos meios de comunicagéo. A convergén- cia desses fatores impodiria a visibilidade do barbarist.c da instituigéo ~ as pessoas néo sabem quao irracionais séo nossas prisbes. As pessoas so Jevadas a acreditar que as prisdes funcionam, A irracionalidade verda dita da priséo é um dos segredos melhor guardados em nossa socieda. de. So o segredo fosse revelado, destruiria as raizes do sistema atual ¢ implicaria o comego de sua Acmitindo que a possibilidade de encarcerar alguns individuos ainda permanega, Mathiesen sustenta duas teses que entende reduzi- riam drasticamente a necessidade do cércere e do sistema penal como uum todo: politica social ¢ descriminalizagao das drogas. E fato notério que grande parte da populagéo carceréria é composta por pessoas que praticaram crimes contra patriménio.1® Sabe-se que a agao na érea Social reduz essa espécie de criminalidade ~ a guerra contra 0 crime doveria tornar-se uma guerra contra a pobreza.*® J4 a tese politico-cri- minal da descriminalizagéo das drogas atingiria, segundo 0 autor, 0 16 Mathioron, Thomae. Ob, chp. 278 Sale de Carvatho centro do erime organizado, neutralizando o mercado ilegal e reduzindo drasticamente a quantidade de crimes.%? ‘Todavia, a proposta mais desconstrutera do atual modelo penal é a referente as formas de apoio as vitimas. Compensacao financeira pelo Estado, sistema de seguro simplificado, apoio econémico em casos de luto, abrigos protetivos e centros de apoios seriam fundamentais para modificar © sistema, Sustenta Mathiesen que as vitimas néo recebem. absolutamente nada do sistema atual, e propée uma guinada de 180 ‘graus: Ao invés de aumentar a punigdo do transgressor de acordo com a gravidade da transgresséo, o que 6 basico no sistema atual, eu proporia © aumento do apoio a vitima de acorde com a gravidade da transyres. ‘fo.*® Ao contrério de uma escala de punigdes, uma escala de apoio. A teoria abolicionista de Mathiosen agrega uma concepgéo mate- fialista da sociedade. Diferentemente de Foucault, que wabalha na erspectiva invisivel ¢ imperceptivel do poder, Mathiesen elabora seu mode considerado o estrategista do abolicionismo, basicamente pela idéia de revolugéo permanente e sem limites. Sustenta que sua tética abolieio. nnista encontra: © grande problema desta concepcéo estruturalista 6 © entendi- ‘mento de que o poder é visivel com as nogées marxistas clissicas de infra. gal. Diferentemente de fel na critica a0 modelo proposto por Mathiesen, afirmando ser ingénua, pouco consistente ¢ nada frutifera @ sua fundamentagao metodolégica materialista, gerando uma andlise inveal no que diz respeito ao poder, sua manifestagao e as formas de detecté-lo.% ogenio Raul Em Busca das Fenas Perdis: A Porda de Legitimidade do 98. ‘Sobre la undamentecin Metodslogica del Enfou Abotconista de Sstema Boh ‘Justice Penal Una Comparacin de ne Ideas de Haman Matheson e Roses tro ‘Teoria Agta (0 Modelo Garsatsts de Limit § 18. A matriz abolicionista na vertente de ‘méxima na qual o sistema penal, ¢ principalment. ras de controle social encarregadas de produzir sofrimento o impor dor. Assim, los sistemas sociales deberian construirse de manera que reduje- la necesidad percibida de imponer dolor para lograr ef ia do autor é baseada em formas de redugéo ou de imposigao minima de sofrimento, buscando opgdes aos castigos endo castigos opcionais como sao as sancdes penais alternativas o/ou subs- cléssicos do tratamento, a ce periculosidade. O autor segue os postulados do paradigma da reacéo a a desconstrugao do modelo etiolégico om trés pre- celtos ~ como o de periculosidade - 240 absolutamente dicagao. Logo, la ideologia del tratamiento nos llevé al castigo escondi- do, a la impasicién secreta de dolor, al hacer creer que ofrecia una cura oterapia. Conelui meas as ideologias da prevencéo especial e da isto que, so tratamento tem por objetivo modificar disuasién es un intanto cle cambiar la conducta de la gente. En ambos casos es un dolor com un propésito. Se supone que tiene lugar algiin tipo de modificacién de la conducta. Os modelos ideolégicos sustentar-se-iam sobre falsas imagens do homem, da sociedade e das forrnas de resposta ao crime. : Para o autor, um dos grandes problemas do sistema penal 6 a apli- cago de modelos classificatérios bindrios, nos quais a oposigao entre tos corretes ou incorretos, © pessoas culpadas ou inocentes, produz a lagos comunitarios horizontals da sociedade. ara o ‘as de justica participativa e comunitaria, mais préximas rivatistas do que do modelo processual @ sancionatério Ghia, ts, Lo Limiter dl Dolor, p35. 22 tae, p63 23 Taam, p98 Salo de Carvalho criminal, Nesses sistemas, as formas de instrumentalizar @ sancionar abdicariam da privacao e/ou restricao da liberdade, assumindo a repa ago ou indenizagao como ideal para responder o contfito. ‘Nota que en Jos tltimos ands hemos observado un mayor interés por la aplicacién de medidas no penales, como una alternativa al casti- 90, la mayoria de las cuales se basa en discusiones directas entre las par- ‘tes, que con frecuencia terminam en acuardos de reparacién dal dafio causado. Este cambio va desde el uso monopélico de la pena por parte del estado hacia los intentos par permitir que las partes tengan oportu: nidad de encontrarse y buscar por si mismos formas de reparar el datio. Estas ideas en conjunto se llaman “ideas abolicionistas”, aunque algu- ‘nas voces so la encuentra bajo denominaciones como “descarcelacisn 0 descriminalizacién" % Desde a percepcao das relagées sociais como interagdes comunité- ras de pessoas, Christie nega o que denomina “falsa imagem” do confli- to operada pelo direito penal, direcionando seu modelo “Ie controle social A construgao de organismos locais informais de manejo do conflto, ‘Assume a informalizagao baseado na afirmagao de que a estatiza- cao do contito vitimiza novamente o sujeito passivo, ao impedir sua par- ticipagdo na resolugdo do caso. A tmica saida saria a (rejincorporagao da vitima, colocando-a em posigao de igualdade processual com o r6u, auferindo-lhe capacidade de negociagao na busca de compensagéo — La compensacién de Ja victima es una solucién sumamente abvia que ha tusado la mayoria de Ja gente dal mundo en la mayoria de las situaciones 6 § 12d. Louk Hulsman, um dos principais pensadores da teoria poli- tica abolicionista, entende ser ontolégico o problema do sistama crimi- nal. Diferentemente do modelo propugnado por Mathieson, entende fundamental um absoluto e radical cambio nas estruturas de controle social, abandonando gradualmente todos sistemas formals, nao somen- te 0 cércere, para otimizar modelos informais e societérios (comunita- ros) de resolugao de confiitos. Segundo o autor, 2 modelo de justiga penal 6 (a) extremamente incontrolével,(b) distribuidor de softimento desnecessario, (c) substan- clalmente desigual ¢ (d) expropriador dos direitos des cidadaos dirata- mente envolvides no conflto, principalmente das vitimas. Sustentado pela afirmacéo na qual o sistema penal 6 especificamente concebido Ne. Za Imagenee de Hombre one! Derecho Penal Mono, 180 ‘Teoia Agndaticn da Pon: Modelo Garantavs de Limitegso do Poder Punitive para fazer mal,2 Hulsman descreve as fungées de selotividade, etique- tamento © estigmatizacho operada pela incidéncia arbitréria, ¢ ndo- paritéria como quer a tradicional doutrina liberal, do modelo nos dife- rentes estratos sociais, "Ao avaliar as cifras ocultas da criminalidade, formula a hipétese contral das razées do abolicionismo: a criminalizacdo efetiva é um even- to raro e excepcional2” Sustenta que os conflitos existem mas, a0 con- ‘uésio do que se pensa, 940 resolvidos em esferas alternativas infor- ‘mais, distantes da justiga criminal ‘Leciona que a grande maioria de eventos criminalizaveis (“sérios” @ "menores”) pertence, assim, a cifra negra. Todos esses eventos so, ‘portanto, lidados fora da justica criminal. Digo “lidadas” de propésito, ‘porque néo devemos conieter 0 erro do pensar que o que nao é in acto indo est in mundo, O fafo de néo sabermos que se “lidou” com alguma ‘coisa nao significa que no se “lidou” com ela... Quase todos os eventos ‘problematicos para alguém (uma pessoa, uma organ‘ragé, um movi- ‘mento) podem ser abordados num processo legal de uma forma ou de outra (justia criminal, civil ou administrativa), mas muito poucos deles ‘sdo realmente abordados desta forma, como mostram a cifra negra € outras formas de justiza.2 Hulsman sustenta que a limitagéo das situagées problematicas a terminologia utilizada pela justiga penal (crime) 6 uma forma diver- sa de compreensao dos fatos e de providenciar resolugbes. Afima serem imimeras as possibilidades de acertamento e de reacdes pos- 1a punigao como, por exemplo, a compensagao, a media ao, a conciliagéo, a arbitragem, a terapia, a educacao, entre outras, £ que a restricdo, au privilégio, do sistema penal pela coergio puni ‘iva faz com que a ago de resposta ao problema seja uma aco uni- lateral e arbitraria. ‘A primeira orientago proposta pelo autor 6 a radical modifi- cagao da linguagem penal (abolicionismo académico). Somente com este cémbio haveria possibilidade de alcangar verdadeiras alterna tivas, pois, chamar um fato de “crime” significa excluir de anteméo BH Filean, oun Penae Praids, p88. 2) Hutemaa, Lou Temas e Conetifos numa Abordagom Abalicinia da Justiea Criminal 28, Sobre o tema, entero primsite capitulo ittlado “A Cia Neara", da obra de Augwse 29 Huleman, Louk. Ob. cit. pp. 202-204 Sao de Carvatio todas estas outras linhas; significa se limitar ao estilo punitive ~ a0 estilo punitivo da linha sécio-estatal, ou se/a, um estilo punitivo dominado pelo pensamento juridico, exercido com uma disténcia ‘enorme da realidade por uma rigida estrutura burocratica. Chamar um fato de “crime” significa se fechar de antemao nesta opeao Infe- cunda. Para mim néo existem nem crimes nem delitos, mas apenas \960s probleméticas.° A primeira estratégia para alcangar 0 abo- 10 seria, pois, pela mudanga da linguagem. Tal modificagao maior tolerancia com modelos culturais diferenciados e a 0 da situacdo problemética como um acidente, um fato da vida, um case fortuito. A conseqiiéncia positiva seria a ndo-segre- gagdo maniqueista da sociedade entre vitimas ¢ criminosos, rom- pendo com a estrutura ideolégica dos modelos de defesa social ‘estruturados sob o principio do bem e do mal. Posto isto, alcancar-se-iam condigdes de modificagao de toda es- trutura penal que, principiando pela ampla descrimina’ ago e descar- deixaria de lado seu aspecto limitado e formal para adotar informais @ floxiveis de processualizagao © penalizagio. A .ga0 proposta tem como contraponto étimo os modelos de jus- ivil @ administrative, Entendendo ser imprescindivel devolver as pessoas envalvidas © ominjo de seus conflites,*! Hulsman v6 nos sistemas civeis @ adminis trativos modelos de flexibilizagao processual e penalégica que possibi- iam a vitima e ao imputado didlogo face to face na busca de reso- 40 do problema inter-individual - esta flexibilidad tiene muchas ven tajas. Aumenta mediante negociaciones, las posibilidades de dar un sig: nificado comiin a las situaciones probleméticas.”® Negaria, assitn, ® {ato de o Estado se apropriar ~ roubar, nas palavras de Christie’ — do direi- to da vitima e estigmatizar os réus, esta forma, a estratégia nao seria somente a gradual e constante abolicdo da coergéo criminal, mas do préprio sistema de justiga penal, substituindo-o pela estrutura informal e flexivel da justiga eivil ¢ aémi- nistrativa. Todavia, advoga Hulsman que antes de mais nada é necessé- ria uma espécie de "conversao coletiva”, no sentido metaférico do termo, 30 Hileman, Louk, Pones Paris, pp. 100101 31 tem. i02 52 Hulernn,Losk, Crminlona Critica y Canonpo del Dato. 10. 38 Chet, a, tne Umites de Dla, p28. ‘ose Agtien da Pens © Maelo Gataatieta de Fimitagso do Peer Puntina pols @ abolipés é, assim, em primeiro lugar, a abolicdo da justica criminal ‘am nés mesmos: mudar percepgtes, atitudes e comportamentos. Quanto a sua fundamentagéo da politica abolicionista, tanto Folter*® como Zaffaroni%8 entendem que Hulsman nao nos oferece uma completa e explicita estrutura metadolégica como faz, por exemplo, ‘Mathiesen, Contudo, pelo fato de o autor constrair suas criticas na vea- lidade mesma do sistema, tommando sua disfuncionabilidade visivel ao leigo ¢ impondo sensibilidade ao leitor quando busca a revitalizagao da cestrutura social, poderiamos afirmar que hé uma clara indicagao diro- cionada ao enfoque fenomenclégico. Uma fenomenologia mundarta, no idealista, que nos faz sensivels & interpretagéo das experiéncias vivi- das e ao fato de ser a criminalizacdo apenas uma entre as imimeras for- mas de resolugéo de conflitos. Uma fenomenologia ecolégica, de raiz crista, expressa pela orientagao de aproximar-nos do problema mesmo. § 20 Criticas ao Modelo Abolicionista (© garantismo juridico-penal, entendido desde a perspectiva critica do direito, nao se apresenta apenas como alternativa vidvel aos mode- los de criminalizagao excessiva e punicéo desproporcional, mas, tam- ‘bém, como modelo alternative ao proposto pela teoria abolicionista, 1 mister ressalvar, desde jé, que nogamos terminantemente as cri- ticas demonizadoras do modelo Entendemos que as varias matizes do abolicionismo ‘mente titeis e importante: cécia do sistema penal; ancorados no paradigma da reagéo social, sao izreversivels, do ponto de vista académico, na ciéncla criminolégica; e (¢) algumas de suas propostas, fandamentalmente aquelas que dizem Tespeito & abolicéo da pena privativa de liberdade curmpzida.em regime carcerério fechado, ‘0s processos de descriminalizagao e & negativa da ideclogia do trata. na perspectiva de Alessandro dora de extrema importéncia, . @ NO momento em que o Baratta, ou seja, como uma utopia or heuristica. Nao ha mudanga sem ut {37 Filo, Louk Tamar ¢ Conese numa Abordagem Abalone da usp Crna 212 25 Fotter, Roll Ob. cin, pp. 6088, ‘46 Zaffaron, Bugonio Rail. im Busca des Penas Padides: A Pards de Lagtimidede do ‘Sistema Penal 5.98, homem renuncia a utopia acaba por renunciar sua prépria condigao humana’? Este dado 6 importante para que née ocorra o enclausura- ‘mento da teoria aqui proposta. ‘® que entendemos como um dos grandes problemas das teorias abolicionistas a possibillade de conversao do sisteme formal de contro- le processual penal em modelos desregulamentados de composigéo dos conflitos, que tendem reeditar esquemas pré-contratuais (sociedade pri- mitiva) e/ou formar modelos disciplinares (panoptismo social), ou ainda a criagao de insténcias formais civil-administrativas isentas das garan- tas tipicas do processo penal. O primeiro modelo revela um estado isen- to de legalidade ¢ limites as liberdades, configurando um modelo de resposta irracional a violacdo dos direitos, ou instaura modelos pedagé- gicos de higionizacdo s6cio-politica de sociedades de tecnologia maxi- mizada e total. O segundo modelo, administrativizado, acaba por ser um dos modelos vigentes na estrutura processual contemporanea (modelos anteriores e supervenientes ao proceso penal de cognicéo), ¢ represen- ta sistema de extrema violéncia aos direitos fundamenvais, Porcebe-se que a critica desonvolvida pelas correntes abolicionis- tas indicam a necossidade de erradicacéo do sistema penal fundamen- talmente em decorréncia (a) das ilegalidades produzidas pelo préprio poder, fruto das violacées dos direitos fundamentais dos in¢ submetidos ao sistema (réus e condenados), @ que detém 0 monopélio do direito de punt, to” legitime da vitima, § 2° a. Quanto ao papel da vitima no proceso penal, concordamos .gnéstico, que em realidade nao é exclusive do pé oma como seu direite de outrem. A ligo de Juan Montero Aroca, 6 precisa: ..puede decirse que el Estado produjo una cierta ‘expropria- clén” de los derechos subjetivos penales, de modo que éstos no existen en menos de los particulares.*® Apesar de correta anamnese, discordamos, com 0 prognéstico olitico-criminal abolicionista, ou soja, a necessidade de devolver & vitima 0 seu direito expropriado. Nao obstante, s4o cada vez mais comune os clogios aos modelos de justica penal consensual, a tendén- cia de tomar a vitima sujeito do proceso, tudo indicando uma nova 3 Aud attaron, Sugeno Ras, Sitoms Penal an lor Pais de América Latin, p. 224 ‘8 Arce, uss Monte Principes dal Proceso Penal Una Explain Baraca en la Pas,» 22. (0 Modelo Garant de Limitagso do Poder Putte fase de "privatizagao do processo penal",* tipica da estrutura acusa- t6rla privada germénica do medievo. No pedemos olvidar, fundando nossa matriz, que a principal con- quista da modernidade foi a redugdo do poder de resolugéo do caso penal, aplicagao da pena e execucéo da sancdo em uma tinica figura: 0 Estado. Tal perspectiva esta posta como conditio sine qua non de civi- lidade em todos os filésofos do ilurninismo, ou seja, © homem, abdican- do do seu direito de resolver 0 conflito individuaimente (auto-tutela), confere este poder-dever a um terceiro imparcial que atua como subs- tituto (processual). Dai porque jurisdigéo nada mais é do que atividade substitutiva da dos membros da comunhéo social, pelo Estado, através dos agentes do Poder Judiciério ~ juizes e tribunats. E que 6 da natureza dos procedimentos administrativos, que 0 ‘tam na esfera do direito processual penal (inquérito e execugao per regerem-se pela inquisitorialidade. O inquérito policial, p. ex. decorréncia de sua natureza prevalentemente administrativa, n ‘garantias fundamentais do modelo acusatério, como © a ampla defesa, a publicidade, a preeungio de inocéncia, 0 duplo grat de jurisidigao (requisitos minimos do processo penal Estado Democratic de Dieito)® Iguaimente no que tange a execugao a hibrida na qual os direitos © Garantias do apenado ficam subordinadas as préticas administrativas (@isciplina carceréria © loudos criminolégicos).** Representam, dessa forma, momento no qual inoxiste controle eficuz © substantivo,vishimbrado somente nas estri- tras judicalizadas, Desde este ponto do vista, a alternativa abolicionista de tornar 0 controle (mais) aciminintrativo, nega 0 avango repreventado pelo dire ioe procerso penal da modernidade, pois instauram sistomas desroqu- lamentados e som o devido controle jurisdicional. & que em sendo 0 diroito penal e processual mecanismos essencialmente limitativos, sua ‘aboligéo Implicaria © desaparecimento destes limites impostos pelo Estado ao seu préprio poder de punir. Limites estes ausentes nas fases & (inquérito) © pés (execugio) processtal car do proceso penal om prol do direito administrative seria minimamente respeitadas. A critica as tendéncias administrativistas © privativistas que estdo sendo gradualmente transportadas ao sistema penal 6 exatamente pelo fato de romperem com os princi dores do direito penal e processual penal. Frise-s Sois momentos administrativizados do sistema per © execucio penal) nos dao todos os argumentos po Sistoma Acuatér, argos presentes nesta bra. suais, decorrente do direito do acusardo a jurisdigdo. Pense-se, ainda, & guisa de exemplificagéo, nas criticas dogméticas que se tem realizado fem relagao aos procedimentos de apuragao do ato infracional, no que ‘tange 4 responsabilidade do menor. Aleda-se, por mais paradoxal que parega, que, mesmo sendo mais estigmiatizante, ao dar natureza penal 0 ato infracional estariamos garantindo ao menor direitos materiais © processuais minimos que estéo ausentes no Estatuto da Crianga e do Adolescente.” Forrajoli nota que i sistem punitivi moderai si avviano ~ grazie alle Joro contaminazion! poliziesche @ alle rotture piiz meno eccezionall delle loro forme garantiste ~ @ tramutarsi in sistemi di controlo sempre pitt informali e sompre meno penall.® A crise do direito penal exposta hoje pelas correntes criticas se deve exatamente as tendéncias desregula- mentadoras, desjudicializadoras ¢ desformalizadoras. Institutos como transagao © composicéo penal, baseados em técnicas de diversificacao, mediagdo e desjudiciarizacdo do processo e da sancao penal, aliados as sangées e aos processos cada vez mais administrativizados, acabam sendo trazidos ao nosso direlto penal e processual penal esfacelando sua estrutura ¢ rompendo com as minimas garantias constitucionais, ‘Sob a argumentacdo de maior dinamizacao da politica criminal, ‘maximizagao da eficécia do poder judiciario, celeridade na aplicagao da sangdo @ relegitimagao da vitima, tem-se como efeito a criagdo de um sistema administrativizado e/ou privatizado na resolucao dos contlitos, carente das histéricas garantias fundament de absolutamente hipertrofiado. Assim, nao obstante sua inef isto que os postula- dos so alienigenas e estranhos & nossa tradigao, acabam lesando os rincipios estruturais do sistema matriz. Geraldo Prado nota acuradamente essa regressdo processual quando comenta a redugéo de complexidade do direito processual penal legitimada pela Constituigao Federal (art. 98, 1). Segundo o dou- trinador carioca, a Lel dos Juizados Especiais Criminais nao se li do a obedecer o perimetro traado na Lei Maior (procedimento sumarissimo, com a possibilidade de transagao), Incorporou a informa- lidade, celeridade © economia processual (art. 62, Lei no 9.099/95), ‘Teoria Ageticn da Pens (© Modelo Garantata de Limstagso do Foder Punitive Alerta, desta forma, que a flosofia da deformalizagao das procedimen- tos, antes de ser uma rebelido ao formalism exagarado e imotivado, om ‘busea dessa maior fluidez @ flexibilidade na hermenéutica constitucio- al, pode ensejar a redugéo da eficécia das garantias que dependem, tamente, da observagdo de procedimentos.3 Coneluimos, juntamente com o maier icone do pensamento garan- ‘ista atual, que quizé lo que hoy es utopia no son las alternativas ao dere: cho penal, sino el derecho penal mismo y sus garantias; Ia utopia no es el abolicionismo, lo es el garantismo, inevitablemente parcial e imperfecto.® § 30 Da Necessidade de uma Teoria Justificacionista da Pena (© estudo, e a inevitdvel exitica, realizada pela criminologia da rea- .géo social as mais diversas bases doutrinarias que fundaram as intime- ras teorias penalégicas da modernidade (absolutas e relativas), propi- clam a construgéo do modelo penalégico garantista. Indagagées de fundo, e quigé mais importantes, ainda se impéem porém, Dentze elas, uma parece-nos fundamental, qual seja, a que diz, respeito A necessidade mesma de uma teoria da pena, ou seja, da ido- neidade ou nao de um sistema coerente de idéias sustentar teorica- mente a sangao penal. Tal questao representaremos no fértile esclare- Diritto e ragione,® questiona a necessidade teérica (do professor de direito penal) e pritica (do operador juridico-penal) de um modelo explicativo da sangéo no terceiro milénio. Em realidade, Zaffaroni res- gata questées jé levantadas anteriormente em importante momento da literatura penal latinoamericana.® Primeiramente o autor indaga se é possivel ao operador do diteito, principalmente o juiz, tomar decisées isento de um modelo penalogico. Em momento posterior reloca o problema a academia, ou seja, questio- BS Prado, Gerado sttema Acusatéeio: A Conformisade Constitucions as Lis Processus Penal p83. 0 Resi, Lig Derecho Penal Minimo,» 4, 1 Zalfaroni, Sagenio Ras! La Rinasciea dl Distto Pana Liberaleo le “Croce Rossa" @ Ragione dsl Garantismo: Discutendo cn Lui Reza 82 Zalfaroni, Bogonio Fadl. fim Busca des Ponas Purcidas' A Perla de Logitimidade do Salo de Carve nna se poderia 0 professor lecionar sem uma “teoria da pena”, sem uma estrutura que justifique racionalmente a imposigéo das sangées. ‘A resposta fornecida a primeira indagagao 6, segundo Zaffaroni, jes. Resgatando a praxis jurisprudencial de firma que o julz, frente ao caso concreto, pode pres- ‘razoavelmente intuitiva” no controle ¢ limitagao do pader dos aparatos administrativos, respaldando-se nos principios penais libe- raise constitucionais republicanos.™ Ressalta, reconhecer 0 “direlto de punir’, sem ivo do Estado"? Interroga como é possi- vel ao pesquisador e ao pensador do direito racionalizer uma teoria dos vader de punir realizaria, na opiniéo do auto: ' Porque a legitimaco produzida pela dogmitica é direcionada ao poder do juiz @ nao ao poder de punir. O poder punitivo, assim, nao é exerci- do no interior do judiciério, mas pelos aparatos da burocracia adminis- trativa que condicionam a criminalizagéo e a punic&o. ‘Ao comungar dos principios hésicos da criminologia da reagéo social em sua profunda denincia sobre a seletividade, a desigualdade 2 barbérie produzidas pelos aparelhos burocraticos que possuem fun- ao tepressora e sancionatéria, Zatfaroni entende sor absolutamente Gispensével uma teoria da pena, visualizando a possibilidade de (re}construir o direito penal com a precipua finalidade de redugao da violéncla do exercicio do poder. Reduzir dor e sofrimento seria Gnico motivo de justificagao da pena nas atuais condigées em que é exercida, principalmente nos pai- ss peritéicos: La dottrina penalistica pud ricostruire il suo discorso su questa base, © non ha aloun “teoria della pena”; pud riprendero il pensioro liberale, o buttare "i semi del male" che il pensiero ‘Teoria Agnétice da Pana: (Modelo Garantsta de Linitegso do Fodor Puattivo ‘tutte queste teorie della pena sono in definitiva doterine de! diritto pena- Je massimo, essendo informate unicamente alla massima utilita dei now dsvianti ed ignorando quella dei desvianti, riguardati al massimo come oggetto di pratiche correzionali o dl integrazione coatta.% ‘Ao criticar as teorias defensivistas, Ferrajoli chama atengo para 0 fato de que as critica da pena sdo absolutamente pertinen- tes pela diafonia exi as fungbes declaradas @ as fungies realmente exercidas nas praticas administrativas. Os ideais defensivistas correspondem ao que Ferrajoli denornina vicio ideolégico e meta-ético das doutrinas de justificagao.® Vicios dog- (Pera) aig ee 0) méticos que produzem um discurso centrado na ciséo irreal entre 0 modelo tedrico-normativo (cientifico) ¢ a efetividade (politica) da sangao, Das relagées conflitantes produzidas entre as doutrinas de justifi- cacao, isto 6, entre os discurses normativos sobre a justificagao ~ fins do direito penal (teorias penaldgicas) -, e as justificacdes ~ discursos formulados a posteriori em relagao ao cumprimento dos objetivos justi- ficantes @ sua correspondéncia ao modelo normativo -, encontramos ‘um esquema de deslegitimagao dos sistemas penais (normas, institu- tos e praticas), principalmente na América Latina onde o respeito & legalidade penal e processual penal 6 um fator quase inexistente.”0 Constatamos, pois, uma interagao entre a critica marginal e 0 modelo garantidor na redefinigao das doutrinas penalégicas. Ndo mais uma teoria justificante do diteito (poder) de punix, mas uma doutrina normativa sobre os limites e condigbes de legitimidade da pena funda- das em fins especificos: (a) diminuigéo de dor ¢ sofrimento causada pela aplicagao da pena; (b) reconhecimento da pena na esfera da pol- ) tutela do pélo débi na relagio contra qualquer tipo de vin- iva e desproporcional (pablica ou privada). (0 projeto de minimizagdo do sofrimento imposto pela pena, agre- gada & negacao da violéncia 8, possibilita a negativa explicita dos modelos te: isto que reloca acertadamente o problema da pena da ester dizeito, nesta ética, retoma seu papel de limite & vvinculo negativo de agao administrative. ica, atuando como § 42 Pena: Ente Politico - Os Fundamentos do Direito de Punir na Obra de Tobias Barreto Injusto seria omitir, na construgdo deste novo modelo penalogico, ‘um dos maiores juristas patrios que, no século pasado, jé visualizava as propostas aqui apresentadas ‘Tobias Barreto, em um dos mais classicos textos da literatura penal brasileira, sugere: Quem procura o fundamento juridico da pena deve também procurar, se é que jé ndo encontrou, o fundamento juridi- co da guerra.”* O brithantismo expresso na formulagao desta hipétese 6 quase incompreensive! pela sua originalidade e temporalidade. Como 70 Noa teptids, confers imporante escrito de Bergall, Roberto. Pacis Garentita nella Cultura Grice Penae di Lingus lparica ‘7. Saneo, Tobias, Pundamentos do Dito de Punt, p. 650 ‘Trea Agnéaten dla Pens ( Modelo Garant de Limiagio do Poder Puniivo salientou Nilo Batista, Tobias Barreto se antecipava extraordinariamen: to as concepeves juridicas no Brasil de sua época.”= ‘Afirma Barreto que existem certos homens que possuem o dom especial de tomar incompreensiveis as coisas mals simples mundo. Entre estas “questées sem saida” estaria a célebre indag: sobre o fundamento do direito de punts, tornada uma “espécie de nba" que os mestres entendem-se obrigados a propor aos discip: ‘Nao obstante a assistematicidade de sua obra, vanguarda na neg: do delito natural em importantissima critica a Escola Positiva Ital instaurada no Brasil pelo apartheid criminolégico de Nina Rodrigues, & improscindivel perceber a matriz teérica proposta por Tobias Barreto quando direciona o problema da pana a esfera da politica: O conceito da pena nao é um conoeito juridico, mas um conceito politico. Este pont 4 capital. O defeito das teorias correntes em tal matéria consiste just mente no erTo de considerar a pena come uma consequéncia do direit logicamente fundada... Que a pena, considerada am si mesma, nada te que ver com a idéia do direito, prova-o de sobra 0 fata de que ela tem sido muitas vezas aplicada e executada am nome da religido, isto nome do que ha de mais alheio a vida juridica.” Acertadamente, lombra Zaffaroni”> que Barreto antecedeu a ilagéo dos raciocinios no sentido de ser a pena politica o realista, nao juridica inventada num mundo medido pelos delirios legislativos e dout Cremos, inclusive, que a desiegitimagao da pena proposta por ‘Tobias Barreto supera a critica fornecida na atualidade pelo movimen- to abolicionista pois, contrarlamente ao modelo negativo e excludente da sangdo formal que direcionard a resposta ao delito/desvio ao corpo © autor fornece parémetros juridicos de contencao da retribui- ‘¢40. Nao um modelo societario sem vinculos, mas um sistema juridico Ge limitagao formal e de deslegitimacao material da atividade politica a administragao piblica ao sancionar. tualizamos as afirmagées do pensador sergipano defendendo Ja forma giuridica della pena, siccome tecnica Instituziona- Je di minimtzzazione della reazione violenta alla desvianza socialmente zon tollerata e di garanzia del'incolpato contro gli arbitri, gli eccessi € ‘A Oise de Legalidade na Bxocugto Penal da forma como o Diteito Penal 6 utilizado (pela devida resposta ao “como proibir?"), mas também do seu respectivo contetido (pela usson Go a0 “o que proibir?"). Uma garantia que nao mais protege a tocie. dade mediante o Direito Penal e do Dieito Penel, mas sim mediante umn Direito Penal ede um Direito Penal. A conseqiténcia disso é que toda lei penel, qualduer que tenha sido a data de sua entrada em vigor, deve adaptar-se aos objetivos tragacos pela Constituigso Federal em vigor fazendo com que, nas palavras de Dometila de Carvalho, o Diteng Ponal soja um instrumento adequado para o desenvalvimento de uma aor justiga social, desde que respeitados os seus limites e desde que no prevaloga o principio da avtoridade sobre o da legalidade e culpa, Dbilidado, vistos, estes, sob uma perspectiva concreta, social, © tao meramente formal, sob a capa de uma falsa neutralidade, Assim, 0 principio da legalidade, no Estado Democratico de Direito Brasileiro, passa a compor-se, além dos quatro desdobramentos do Princfpio da legatidade (formal), de outro: o nullum crimen nulla poona sine lege necesseriae."® Este, por sua ver, vincula o contetida da norma penal ¢ de sua aplicagao, prncipalmente com a observincia de t16s outros sub-prineipios fundamentais: o principio da culpabilidade, o principio da lesividade e o principio da intervengéo minima? nal 988 ao ine XX do are Set 0: Mio hi cima eno hi pana sem le antar, dternade vieeecoees fo Revisio Consttucionl",m Revista doe Tuner A 6S oth na © preteno trabalho, eo ola para as obra itadas eu rata com massa eqsos tds pricipow ‘Andis Zanker Schmit No presente trabalho, ite direcicnar todo 0 estudo do principio da legalidade para a execugao penal, abordando os problemas oriundos Gas duas crises de legalidade antes apontadias: a crise de legalidade formal e a crise de legalidade substancial do sistema brasileiro de exe- ‘cugao da pena. O enfoque a ser dado, contud, restringir-se-8 as ativi- Gadies legiferante e judicante, relegando-se a um estudo posterior & “apreciagao da politica criminal-penitenciéria adotada no Brasil 2. Lei de Execugéo Penal: Normas Formais ou Materiais? ‘As normas processuais, nos dias de hoje, ndo sao apenas disposi «pee formals que, em nada, limitam a liberdade individual de indicta- Sos, zéus e apenados. "Tal nao deveria ser, visto que a CRFB/88 conten plou, dentre as diversas garantias pensis, a presungdo de inooéncia, Bando a entender, pois, que o fato de alguém estar respondende a um inquérito policial ou a uma ago penal em nada poderia interferir em sua liberdade. A verdade, porém, € que as decorréncias da persecugao penal ndo so tao simples quanto parecem ser. O “etiquetamento Denal” nao se restringe a aplicagéo da pena, posto que a propria proi- igo penal, e também 0 processo, jé atuam como mecanismos amea- (adores da liberdade individual, ainda que potencialmente. Assim. por do proceso (em nome dos inconsti- tucionais "maus antecedent ‘comumente negada com base na endéneia de inquérites ou de ages em nome do beneficiario: a subs- fituigao por penas elternativas também 6 tolhida pelo mesmo motivo: indo raras vezes 0 decreta ne prisdo preventiva fundamentada em inquéritos policiais em andamento nos quais 0 réa consta como indicia do, ou numa viagem feita sem a devida comunicacao ao juizo; invercep- tages telefénicas; quebra de sigilo bancério e tantas outras const ‘quéncias do processo que lesam e continuarso @ lesar a liberdado in vidual, Aliés, o proprio fato de ver-se processado Jé configura uma re trigéo & lberdade do ru. A isso tudo, somem-se as consediléncias extraprocessuais informais e difusas, tais como impedimento de ingres- So om cargos piblicos (Magistratura, Ministério Puiblico etc.) ¢ de ins- crigdo junto & Ordem dos Advogados do Brasil; dificuldades de adm ‘sao no mercado de trabalho; difusao, pela mi 2 ‘A Cron do Logalidade na Bxocugto Penal eee ee contudo, pecaria por vicio metodolégico, ou fej, por submeter o dever ser da splicagao das norinas 8 consequén- Giasentaidas peo ser Gos fat, Ein outa palavres to e805 eel toe nelastoe do processo penal devor-se &Ineicdta do principio da presungio de inoosnot, © no, popriamente, &natureza do processo iss0 ndo dosiogiima, coneudo, anecessériaapreringa dos casos em que uma norma, apecar de néo atribui, dretamente, urna pena @ {uma condita, detém a potoncialidade chegar a tal poto, Tl investiga Go faz-e necoseésiaporaue a ajeigho das normas de execugéo penal fo principio da logelidade o6 poderd ser logtimamentefundamentada aso possarnos aceitar ue a Lei de Execugio Penal nao esté compos- {a simplosmente, de normas processuais stricto sonsu. Com efit, 6 Sabido que a dostina, de ura modo geral costumes afar que ax fa prea Sean opin de glia elo 0 Gu se rofere & mora exigéncia do urna lel formal. Veja-se quo os ats {be 2 do Destotolei is 2901, de 11 de dogombro de 1981 (Let do de Cédigo do Procees0 Penal, estabelecem que as disposi CBdigo de Processa Penal, entdo instieuido pelo 89, ded de outubro de 1941, sioaplcivels aos proces: S05 om andamento, salvo no que se referem & prisfo preventive e & flanga, aso em que serdo aplicados os dspositivos mais favordveis Diante disso, encontramos afirmagées no sentido de que o princi- lo da anerioridade regula somenteo Divito Ponal material, no tam. bom as normas formals, rondo estas aplicaglo imediata, mesmo aos vigor da nova lei. Tal solugio é justificada em razio da auséncia de privagao da I jual das nonnas processuais, ao contrério do que ocorre com o Direito Penal material.:? ssa simplista solugao, contudo, ha de ser revista. Uma primeira critica, de indole eminentemente teérica que pode sor desenvolvida, no sentido da Impossibilidade de as normas processuais levarem em Ande! denier Schmid consideragdo a regra do tempus regit actum (aplicagéo imediata) com aso num diploma legal datado de 1941 (Let de introdugao ao Céaigo de Processo Penal), sem que se 0 conceba a luz da Constituicao Federal de 1988. Fundamentar-se a aplicagao imediata de uma lei pro- cessual com os olhos voltados exclusivamente para a legislac cconstitucional anterior a Carta de 1998 é o mesmo que negar a exi cla de fundamentacao das decis6es judiciais em conformidade com 0 sistema constitucional. ‘Uma segunda critica que merece destaque trava-se om termos politicos. A ratio essendi da vedacio da retroatividade da lex gravior penal deve-se A necesséria garantia da qual se deve revestir a socieda- de anto a possibilidade de, apés uma conduta concretizar-se, vir um tirano qualquer punir tal conduta sem que ao seu autor fosse dada a possibilidade de conhecer o injusto realizado, Nao é & toa que o art. 42 do CPB adotou a teoria da atividade no que se refere a aplicagao da lei penal no tempo, ou sela, a lei penal é aplicdvel somente as acdes ou omissdes ainda nao perpetradas, pois, do contrario (se fosse adotada a teoria do resultado), seria possivel, principalmente nos crimes mate- riais, que alguém praticasse uma aco que, nessa época, era permiti- da, ¢, em virtude de gerar ela uma ofensa ao soberano, editar este um diploma legal as prossas, antos do 0 resultado material ter-se verifica- do, a fim de punir o agente. Segundo Carrara, a cléncia do Direito Criminal tem por missao re- ‘rear as aberragées da autoridace social nas proibigées, nas repressées € nos juizos, a fim de que esta autoridade se mantenha nas vias da justica endo degenere om tirania.* Todas as garantias penais insculpidas no sis- tema constitucional, portanto, dirigemse a limitagao estatal no tratamen- to desses trés files do Direito Penal: a protbico, a pena € o processo. ( grande probloma, na verdado, é a porcepcao de quo néo sé as normas materiais, sendo também grande parte das normas processuais, ‘edo execucdo lesam os direitos de iberdade do processado e do apena- do, e, nese caso, deve-se garanti-los contra a possibilidade do arbitrio estatal. Como bem pondera Taipa de Carvalho, os direitos do argitido 6 do recluso esto em causa, néo deixando, portanto, de estar sempre pre- sente a possibilidade de o poder punitive tentar servirse de alteragées as posteriores ao tempus delicti para agravar retroativamente @ juridica dos referidos arglido ou recluso.2. 20 Gavara, anchosco, Programa de Derecho Criminal. Parte General, vl lp. 3 21 Taipade Carvalho, Amtico A. Sucesto de Lee Pana, p. 223 5 A Crise de Legalidade ne Bxscugéo Penal Pense-se, por exemplo, na possibilidade de aplicagao imediata de uma lei que autorize a quebra do sigilo fiscal ou bancario, editada com urgéncia pelo Estado a fim de suprir as dificuldades probatérias no pro- ‘cesso penal instaurado contra um grande sonegador, acalmando, assim, ‘clamor social decorrerte do fato; ou, em outro caso, a sangéo de uma lei que veda a progresséo de regime para um determinado delito, tendo ‘om vista a iminente possibilidade de um “inimigo do Estado" progrodir ‘para 0 regime aborto ou somi-ahborto. Note-se quo, nestes dois oxom- pplos, se admitirmos a eplicagdo absoluta dos arts. 12 28 da Lei de Introdugao ao Cédigo de Processo Penal, sujeitaremos esses dois cida- dos & restrigao abusiva (para nao dizer “criminosa") de suas liberda- des, acarretando, conseqiientemente, a vulnerabilidade de toda a socie- dade ao Poder Punitivo Estatal. Estamos diante, pois, de uma opcao que, uma voz :nterprotada a luz do Estado Democratico de indo pode autorizar outra solugéo que néo o impedimento de o Poder Punitivo atingir tais limites, mesmo que a mutacéo legiferante volte-se contra o pior dos criminosos. E nocesséria, portanto, a rofuta- (cao de argumentos tradicionalmente empregados para a aplicacao ime- Giata das normas processuais ¢ de execucao, tais como a localizacao topolégica da norma ou 0 exclusive condicionamento do processo penal, para justficar a sua aplicagao imediata, ‘A questo volta-se, agora, para a anélise de quais normas proces- possuem a potencialidade de ofender os direitos de liberdade do cidadao, e quais nao detém essa caracteristica, a fim de, ‘aps feita a identificago, reconhecer-se a sujeigdo das primelras ao prin- cfpio da legalidade material e, das segundas, ao tempus regit actum. Sobre o assunto, alirma Taipa de Carvalho que, no direito proces- ‘sual panel, hd normas gue condicionam, positiva (pressupostes proces- suals que s40 verdadeiros pressupostos adicionais da punigéo: p. ex., queixa e acusagao partizular) ou negativam: spedimentas proces: suais que séo verdadeires impedimentos da punigéo: p. ex., a prescri¢éo do procedimento criminal) a responsabilidade penal; hé nomas que dizem diretamente respeito aos direitos e garantias de defesa do argiiido (. ex, espécies de prove e valoracdo da sua eficacia probatéria, graus de recurso); hé, ainda, normas que afetam direte, incisiva e gravemente 0 2 Maurach, por exomple, pressupostes processuais como rogras de indole oinnch. Tratade de Derecho Pal p. 168. ‘Anatol Zenker Sent fundamental da liberdade (caso da priso preventiva).2 Por ou lado, existem normas processuais cuja aplicagéo om nada podem tringir 08 direitos de lberdade, ou soja, normas de regramento de “P ‘técnica processual”, tais como as formas de citacdo, a citiva de teste- ‘unas, 0s prazos recursais etc. Em relagdo a esses dois grandes gru- pos de normas, o mesmo autor denomina as primeiras de normas pro- cessuais penais, 0 as segundas de normas processuais formais.26 ‘Nesse caso, se as primeiras, assim como as normas penais stricto sensu, possuem a capacidade de restringir um direito fundamental do cidadao, ¢ se, por outro lado, o principio da legalidade 6 uma garantia limitativa contra os abusos estatai contra esses mesmos lidade, que também ‘as normas processuais materiais devei jnculagéo norma- tiva formal e substancial produzida no Estado Democratico de Direito, ‘a meu ver, é a correta identificagao da exata natu- essa que, em rento da carga de valoragSoideo- de exocucio ponal, pare, apés,sujeitéloe a sua valida aplicagéo, Essa tarefa serd desonvolvida nos préximos capivuloe. A.Crise de Laglidade na Execugbo Pons 3. O Principio da Anterioridade nas Normas de Execugao Penal ‘Com base nas argumentagées antecedentes, pode-se afirmar, agora, que as normas materiais de execucéo penal sujeitam-se ao prin: ‘cpio da irretroatividade da lex gravior, bem como a retroatividade da lex ‘e da abolitio, enquamto que as normas formais de execugao, a0 da aplicagao imediata, Assim, terlamos de fixar 0 “momento de aplicagao da lei penal no tempo, quanto as normas proces- ‘suais penais materiais, no tempus delicti, ou soja, devem ser aplicaveis, ‘as normas processuais ~ caso sejam elas mais leves ~ em vigor 4 época a agéo ou omiissao delituosa (art. 4° do CPB), prescindindo-se, para islagao vigente & 6poca em que © proceso penal ‘al investigag&o pelo simples fato de a Lei ne 7.210/84, em seu T' (0 Objeto @ a Aplicagéo da Lei de Execucio Penal, 0, entretanto, a qualquer norma expressa que regule a aplicagao da lei de execugao penal no tempo. ‘A execugéo da pena encontra-se regulada por normas de direito material (p. eX. as ponas de reclusao e detencao), de direito processual material (p. eX., as condig6es impostas & progressao de regime) e de direito processual formal (p. ex, @ expedican de guia de recolhimento ‘como condica0 necesséria ao inicio do cumprimento da pena privativa de berdade). No primeiro caso, o principio da legalidade, bem como seus desdobramentos, possui inteira aplicabilidade. Assim, se a 6poca da pré- tica do delito (art. 42 do CPB) o fato era punido com pena de detengéo, a lei nova que determine a pena de reclusio néo se aplica retroativamen- te, dada a sua natureza de lex gravior. Da mesma forma, se o quantum de pena autorizava o inicio de sea cumprimenta em regime semi-aberto, a lei superveniente que determina a satistacdo inicial da pretensao exe fechado ndo pode ser aplicavel aos delitos anteriores sua efetiva entrada em vigor O mesmo se diga, por fim, 0 ‘que tange & supressao do regime aberto de cumprimento de pena. ‘anare Zanker Sei Vejamos outros exemplos de leis materiais de execucdo que, devi- do a exasperacéo das consegiiéncias penais (lex 9ré 0 aplicé veis irretroativamente: 0 aumento de trés para cinco o nimero de dias, trabalhados necessérios para a remicéo de um dia da pena; a exigén- ccia de 1/3 (e ndo mais 1/6) da pena para a progressao de r ‘géncia de uma nova condicao para a concassao do livramento condicio- nal; a exclusao da prisdo domiciliar para os maiores de 70 anos; a pos- sibilidade de regressao de regime no caso de pratica de crime culposo; ‘a redugéo ou supressao das safdas tempordrias durante o regime semi- ‘aberto; a exclusio do tempo de remigao no célculo do requisite objeti- vo para a concessao do livramento condicional e do indulto; a amplia- ‘go das hipéteses de revogagao obrigatérla de livramento condicional; a previsdo de uma nova modalidade de falta grave etc. Em todos esses casos, se a alteracao legislativa projudica direitos fundamentais do apenado, parece bastante razoavel entendermos que a lei de execucao penal aplicdvel é aquela em vigor durante a pratica da ago ou omissao delituosa. Ao contrario, se a mudanga amplia a liberdade do apenado, possui ela aplicagdo retroativa, mas néo em virtude de sor uma norma rocessual, e sim por tratar-se do uma lex mitior. 4. Taxatividade e Execugao Penal O principio da separagao dos poderes, uma ver aplicado ao Direita Penal, determina que toda norma seja taxativa quanto a sua abrangén- cia, pois 66 assim termos uma aproximagéo maior do ideal da seguran- {a juridica. Polo rospeito ao principio da certeza do Direito, os associa- dos podem ter do Direito um critério seguro de conduta, somente conhecendo antecipadamente, com exatidao, as conseqiéncias de sou comportamento, Ora, a certeza s6 garantida quando existe um corpo estavel e claro de leis, ¢ aqueles que devem resolver as controvérsias se fundam nas normas nela contidas, e nao em outros critérios. Caso contrério, a decisdo se torna arbitraria e © cidadao nao pode mais pre- ver com seguranca as conseqiiénelas das préprias agées.2” Nas pala- vras de Beccaria, se a interpretagao das leis 6 um mal, é evidente que ‘outro mal & @ obscuridade que essa interpretacéo acarreta; @ ele serd ‘ainda maior se as leis forem escritas numa lingua estranha ao povo e que © submeta a dependéncie de uns pouces, sem que possa julgar por si 2 GB, Nomperta © Postivisme Juraio. Ligses de Meso do Diet, pp. 78-0 ‘A Grise de Lognidade na Exocugho Penal _mesmo qual seria 0 éxito da sua liberdade, ou de seus semelhantes, a ndo ‘ser que uma lingua fizesse de um livzo solene e pitblico um outro quase privado e doméstico. Que deveremos pensar dos homens, ao ponderar (que 6 esse o costume inveteraco de boa parte da Europa culta e ilustra- da? Quanto maior for 0 niimero dos que compreendem e tiverem entre las maos o Sagrado cédigo das leis, menos frequentes serdo os di pois nao hé diivida de que a ignordncia e a incerteza das penas propi- clam a elogiiéncia das paixées.2° ‘A lex certa, portanto, 6 um mecanismo de limitagao de abusos nao 6 egislativos, mas também judiciais. Com efeito, uma politica criminal garantiste recomenda ao legislador que se valha, somente, de disposi- tivos legais taxativos, claros e delimitados, visto que a observancia de tal conselho 6 que ird garantie a integridade do principio da separacao, dos poderes, afastando ao maximo as possibilidades logais deo julz, in ‘conereto, estabelecer o verdadeiro alcance da norma. Mas, por outro lado, além de funcionar como uma recomendagao legiferante, possui ‘este desdobramento do principio da legalidade a eficdcia de fornecer a0 Poder Judiciério um recurso de controle da correta observancia do process0 de produgao das leis em qualquer Estado de Direito.® Nao é toa que Welzel afirma que o verdaceiro perigo que ameaga o principio do nulla poena sine lege nao procede da analogla, mas sim das leis ppenais indeterminadas.% Pois bem, Se toda lei penal deve ter contetido determinado, as difi- culdades deslocam-se, agora, para a obtencao de um mecanismo capaz de fomecer ao Direito Penal a possibilidade de adequar-se & evolugao, social sem que, ao mesmo tempo, revista-se de ambigiidade. & ébvio que o ideal seria a construgao do Direito Penal somente a partir de ele. mentares descritivas, segundo a mais pura formulagéo belinguiana. Contudo, isso, além de ser uma “uto} Usage do Direito Penal, visto que nao seria ele dotado da potencialida- de de adecnuar-se As mutagées sociais. Se um tipo penal eminente- B Ba Dotios, 42 23 Como'bom assinalam Maurech opt, a exigdaca dl time determinagto das normasjut ‘Andie Zonkner Schnist mente neutro, por um lado, 6 9 mecanismo mais eficaz de se atingir a sequranga das relagses socials, por outro, é a golugéo mals ineficaz para a busca da justiga social tutelada pelo art. 32 da CRFB/88. Isso tudo, inobstante, nao se pode erigir & categoria de um “cheque-em-branco” dado ao legislador. A inevitabilidade de elementares axiolégicas nao potie fazer do legislador um fabricante de molduras, que reserva ao juiz 8 insercae da tela, A essa “discriclonariedade” ha de ser dado um frelo, um limite semAntico “linguagem do Direito", posto que, nas palavras de Hassemer,® onde termina a linguagem, comeca a forca, O prego da justiga dove restar justificado pela seguranga que a lei deve proporcio- nar, visto que, do contrario, acabaremos regrossando aos modelos de ‘Nesse rumo, ¢ fazendo uso da expressao aristotélica, o caminho da exceléncia moral esté na moderagdo, ou seja, no equilibrio necessério dos meios capazes para a conelliagao de duas metas antagénicas: soguranga ¢ justica. No Estado Democratico de Direlto, a justiga social no ¢ 0 fim ditimo do Direito Penal, mas sim, apenas, um parimetro ‘auterize o legislador a agir sempre que esta néo se com a previsibllidade das conseqiiéncias dos movimen- tos sociais. Uma lei indeterminada possibilitaria a um juiz coerente, em algumas situagées, a maior proximidade possivel dos valores de justi- ca envmerados ext uosso ordenamento constitucional, mas, a um julz, incoerente, o maior afastamento desses axiomas. Nesse caso, os custos de uma lei penal incerta seriam muito elevados. Basta lombrar, por exomplo, que uma elementar imprecisa necessita de poucas (geno de nenhuma) provas pata demonstragao ~ pois que a fntima convicgéo néo 6 objeto de prove, mas sim de persuasdo. Conseqtientemen facilmente uma dentincia seria recobic ai legitimaria, também, o arbitrio do julgador. Uma técnica legislat reta deve, assim, fugir tanto dos conceltos excessivamente vagos, nos quais nao 6 possivel estabelecer uma interpretagao segura, como das enumeragées excessivamente casuisticas, que nfo permitem abarcar ‘todas as matizes da realidade.%* [A Grise de Legaidade na Exacugho Pena Umi cos crtérios ~ ndo-suficiente, frise-se — para a verificagao da determinacéo de uma norma juridica pode sor buscado nas licbes de Luiz Alberto Warat. © legislador, a0 classificar os fatos que sero objeto da norma, deve suas buscar as caracteristicas fundamentais que dizem res- peito ao cenccito que iré “rotular” esse fato. As caracteristicas peculiares .ftposstem, ao menos proviseriamente,carac- teristicas ftmdamentals proprias ditadas pelo conhecimento popular. [Nesse caso, o lagislador, a0 valer-se de tais termos, nao se preocupa em elucidarnes o conteto, visto ser jd pré-existento na linguagem popular, Na maioria das situacdes, contudo, 0 termo empregado pelo legislador nao encont coisas ou objetos apresentam a propriedade dada pelo critério de Gefinigho ©, no entanto, 6 apresentam em diferentes graus co de aceita como paradigm: 6 ou néo aplicavel. Em alavra nfo comporta uma gonérica detfinigéo das carac- teristicas consideradas relevantes para a sua caracterizacéo, fazendo estas um varlével nas méos de quem a utiliza. No primeiro c estamos di Na vagueza, Ticamente mediante uma definigdo explicativa, ou reunido de caracteristicas tidas como fundament: que, naquele ou em outros casos, poderio servir para (re) se devidaments pré-classificado. As vezes, as F f t J4 na polissemla, 0 termo também néo esta determinado, mas é de- termindvel s6 especificamente, mediante uma definigao persuasiva, ou Seja, por meio da classificagao de propriedades consideradas fun. damentais pelo intérprete para aquele caso. Em outras palavras: uma cexpressao vaga pode ser determinada por caracteristicas conotati- vas, enquanto que uma expressao poliss 86 por caracteristicas denotacivas. Nota-so, portanto, que a seguranga da linguagem depende, no fundo, de 0 senso comum tolerar como genérico o seu contetido, e, assim sendo, o minimo que se poder esperar do logislador é quo util ze, na medida do possivel e do necessério, somente termos vagos, mas no também polissémicos.” Se a seguranca juridica é uma questao de lingdistica, seremos obrigados a entender que, no Estado Democratico ‘a molhor técnica legislativa em matéria penal 6 aquela que condiciona a punigéo & subsungao fética de expresséos que, so néo ja determinadas pelos paradigmas comuns, sejam, ao menos, determind- veis genericamente a todos os associados.®* A vaguexa da elementar de um tipo penal incriminador é tolerdvel sempre que 0 seu conteido possa ser definido — ainda que, posteriormente, pela jurisprudéncia, no a construptoefetosda por uma eo (Tavares, are. Thora do Injusto Peal p. 108) ‘A Crise do Legadads na Bxocugto Pena pela doutrina ou pelo senso comum ~ mediante uma definigdo explica- tive, ou seja, uma tipificacdo geral «, portanto, segura.® 'Assim, poderiamos afirmar que a previséo de expressoes vagas pode até ser tolerada pelo principio da legalidade — visto que comportam jum proceso de definigao, ainda que a posterior! -, ma serve, apenas, para dissipar eventuais polissemias da lt ‘do, 20 contrario, para autolegitimé-la. A vagueza é tol também gerar inseguranca, nao se pode dela abvusat.*? Deve ser ela con- cebida como ume “eartana-manga” do legislador, que, toda vez que joderA valer-se dela. Isso sémico do «que, propriamente, vago. Uma “crise de semé roU-se no Brasil a tal ponto «ue a legislacdo penal das iltimas vem comportando em seu bojo um manto marginal de inconstituciona- lidade (que a maioria dos operadores do direito insiste em nao perce- ber), fazendo com que dispositivos atualmente em vigor nos fagam recordar antigas arbitrariedades medievais. ‘Mais especificamente na Lei de Execugdes Ponais, temos freqiien- tos casos de polissemia que, como tais, atentam ao princfpio da legali- 40 Como Hem atu? Larns,ctando Arthur Kaufmann, a méxma preciso da linguagem 38 fora de contrte (Lason2, Kn. Betodaogia da Géncis do Diet, p. 190, Andes Zener Schmidt ne 7.20/84. No inciso I, temos a previstio de que comete falta grave 0 condenado que incitar ou participar de movimento para subverter a ordem ou a disciplina. Note-se que a amplitude da expresso "subverter a ordem ou a disciplina” é tamanha que, no fundo, qualquer fato contra- ditério poderia, pela via da argumentagao, ser considerado falta grave. ‘Vojamos alguns exemplos para confirmar as possibilidades de abuso ‘que uma norma polissémica pode originar: na qualidade de Conselheiro Penitenciério, tive noticia de casos em que apenados foram enquadra: dos nessa falta grave (e, conseqlientemente, foram postos em isolamen- to celular, além do que nao puceram, durante 12 meses, recebs ficios” como comutagdo, indulto, livramento condicional etc.) porque colocaram-se em greve de fome em protesto contra 0 nio-deferimento de sua remocao (PEC ne 21392700361, Passo Fundo/RS, atualmente em Soledade/RS, PEC no ou contra a morosidade da Justiga (PEC ‘ns 03484698, Comarca de Bagé/RS). Noutra situacao, um preso foi puni- do porque se 8 a cortar os Cabelos, caso em que foi obrigado a \dicial (Presidio Estadual de Gotilio Vargas/RS, ‘Jé na comarca de Espumoso/RS (Proceso de Execucdo ne 3308) um apenade restou punido disciplinarmente por ter no Presidio com sinais de embriaguez. stacar que, numa greve de fome ou pum © tinico lesado possivel 6 © préprio con- to, e ainda que sua irresignagao nAo seja procedente (situacio essa dificil de se conceber, dada a situacao caética, em geral, dos estabele- cimentos penais brasileitos) Da mesma forma, nao se pode obrigar ninguém a cortar os cabe! ainda que a pretexto de evitar o ingresso de objetos ou armas no do estabelecimento prisional, argumento este utllizado, inclusive, pelo representante do Ministério Piblico. Se isso fosse correto, como farlamos com os presidios femtininos? Poderlamos obrigar todas as mulheres a cor- tar os cabelos? E mais: o ser-humano possui outras cavidades corpér por onde se pode introduzir objetos e armas. Admitindo-se como correta ‘a argumentagéo do parquet, poderfamos afirmar legitima, por exemy a sutura feita no Anus de um preso, como ocortera em akguns estab ‘mentos penais 8 época da Santa Inquisicao? © que se pretende afirmar, os ‘A ceice do Legaidade na Fxeugto Penal ‘em suma, 6 que 0 preso tem o direite de néo cortar 0s cabelos, se assint Gesejar, ainda que e sua higiene pessoal, nessas condigées, nao seja des nelhoros. Havendo risco para 08 demais presos, deve o Estado, em vez Ge obrigélo A depilagao capilar, fomecé-lo condigées de tratar-se vohin- tariamente de eventuais doencas. ‘mesma raz6es, nao pode a embriaguez, por si s6, ser consi dorada falta grave, sob pena de ofensa ao prinefpio da lesividade. Se o ‘apenado nao desrespeita nenhum ditame da execucéo ~ por exemplo, so se apresenta no horario determinado para o recolhimento noturno, no Tegime semi-aberto -, parece um contra-senso puni-lo por ter #¢ apre- ‘Sentado, no horério, com sintomas da embriaguez. Adem: Estado ndo proibe o consumo de bebidas alcodlicas no meio 6: pode este mesmo Estado, agora, reprimir a conduta daquele «ue tal substéncia, Aplicar-se uma falta grave para esse caso, em suma, 6 0 jmesmo que punir a personalidade de alguém, pretender converter-se jnoralmente o apenado (culpabilidade de carter), situagée essa incon- Cobivel fente ao modern principin da culpabilidade penal (Direito Penal do Fato). E mais; quando 0 apenado é reconhecido alcoélatra (eituagao essa bastante freqtiente durante a execugao de pena), no Ine pode ser imputada imediatamente a infracdo administrativa sem que, antes, determine-se 0 grau da dependéncia, Isso porque a nossa lei penal reconhece que o alcoolismo ~ conforme o grau ~ 6 uma doenga mental, sendo causa de inimputabilidade (art. 26, caput ia um, ‘contra-genso que alguém delito decorrante do. al ‘nado por uma infragéo ‘Os riscos de uma norma indeterminada refletiram-se noutro caso, oriundo da Comarca de Pelotas (PEC ne 4529301). 0 apenado VR.L.M. {bi flagrado com U$ 382,00 dentro do presidio, sendo que cumpria, hé mais de 15 anos, pena em regime fechado. Em razéo da apree: diretor do estabelecimento penal determinou a ele 0 isolamento cel do apenado por 10 dias. © apenado informou que a soma em dinheiro foi obtida com a economia de mais de 3 anos de auxilio-reclusdo, e que guardava consigo o dinheiro porcue sua esposa morava sozinha, numa casa de madeira, sendo assim mais segure 0 porte pessoal dentro do jo. Além disso, apresentou recibos da aquisicao dos délares ‘uma agéncia de turismo daquela cidade. O processo, em raz4o jstrativa oriunda da depe! srquivado, apés, contudo, o seu isolamento celular. ‘Neste exemplo, além de revelar-se que a amplitude do art. 50 da LEP acaba autorizando punigdo por falta grave para fatos que sequer Ando Zanker Sebi implicitamente estao nele contidos, também se nota que, na execugéo penal, a sancdo disciplinar é aplicada antes mesmo de conclufdo 0 pro- cess adminis tevelando-se uma clara ofensa ao principio da presungao de inocéncia. No caso mencionado, © apenado foi absalvi a falta (pois provou a origem licita dos délares), mas isso s6 se veri cou apés a determinacao do isolamento celular Talvez o leitor esteja so perguntando 0 porqué de tanta preo- cupagao em considerar-se uma falta como grave ou leve. Nao se deve esquecer que, além da punigao disciplinar aplicada (geralmen- te, isolamento celular "som sol”, apesar de a LEP em seu 45, § 22, vedar o emprago de “cela escura”), a homologagéo de uma falta grave possui iniimeros outros efeitos (0 que poderia ser questions: do & luz do principio do non bis in idem): impede, segundo vem-se entendendo, a concesséo de livramento condicional nos 12 meses subseatlentes; impede a progressac de regime; acarreta a perda dos dias remidos (sic) ete. ‘No 6 & toa que, em minha experiéncia no Conselho Penitenciério do Rio Grande do Sul, deparei-me com pouquissimos casos de faltas disciplinares consideradas levee ou médias: isso deve-se a0 fato de que, da maneira como esté construido o art. 60 da Lei de Execagtes, Penais, pode-se retoricamente considerar qualquer desvio de conduta como sendo uma falta grave, ‘Com base nesses exemplos, podemos notar que a nossa Lei de Execugées Penis, principalmente nos aspectos apontados, ost esta- belecida num modelo penal de legalidade atenuada, onde a elasticida- do @ a indeterminacdo das faltas dlisciplinares fazem com que o siste- ma de definigao da desviagao fundemento-so numa epistemologia anti- de sancionamento quia peccatum, e néo quia prohibitum. isso importa teconhecer que o objeto do tratamen- 8 desviagdo em si mesma imoral ou anti-social, @ isso faz com que © papel da lei, como critério exclusive e exaustivo de defini¢do dos fatos dosviados, acabe por desvalorizar-se. As conseqiiéncias desse substancialismo ético adotado pelo nosso legislador nao se esgotam no esvaziamenta somente do principio da Jegalidade, mas sim, também, do principio da jurisdicionalidade. Com ofeito, se 0 objoto da proi jeixa de ser um fato (formalismo), pas- sando a ser um valor (substancialismo), também 0 processo penal néo teré por objeto a apuragao de um dado empirico (cognoscitivismo pro- cessual), mas sim de um estado (decisionismo processual). Como bem A Crise de agave na Basco Penal a atenuagao ou dissolugae do prin jagao da estrita jurisdicionalidade, ou se} ites da arbitrariedade, do poder de etiquetamento ¢ jaiz, que vern a se apresentar, segundo a ocasiéo, desvinculado de critérios rigidos © cextos faz com que 0 uizo penal degenere em numa fundamentagéo ndo baseada em julzos de fato, ver Tofutdveis, mas sim em juizos de valor, nao verificéveis nem refutaveis, fem razdo de sua natureza no comportar juizos de verdadeiro ou falso. 5, O Nullum Crimen, Nulla Poena Sine Lege Scripta e a Execugao Penal “Ainda como decorréncia do ideal da seguranga juridica, acarreta, 0 principio da Jegalidade, a imposigdo da lei escrita, emanada do Poder Pablico competente e pelo procasso legislative especifico, como fonte ito Penal, entendide este no que se refere aos tipos penais incriminadores. Por outro lado, ao juiz nao sera dada a possibi- lidade de, com base num exclusive desvalor social de um determinado fato, erigix um concwta humana & categoria delituosa, Tal desdobra- ‘mento do princfpio da legalidade, portanto, possai yma dupla vincula- .cer © procedimento legislativo para a decorzer de um mero direito consue- tudindrio, limita a atividade judicante. ‘Embora as duas situagSes tenham relevancia durante a execuga0 da pena, itei deter-me, apenas, na primeira situacéo, ©, mais especifi- camente, ho que se refers 20 poder regulamentar do legislador esta- dual em matéria de execugéo penal ‘A Lei de Execugées Penais, em diversas ocasides, confere ao legis lador estadual o poder de regulamentar as disposigbes de execucao ‘penal, justificando-se tal situacéo pelo fato de que, assim, estariamos aproximando as normas da Lei ne 7.210/84 a realidade dos estabeleci- mentos penais dos Estados. Assim, p. ex. o art. 10, caput, ao deterrai- nar que @ assisténcia ao praso e ao internado é dever do Estado; ot 0 art, 69, § 18, que determina a regulamentagao do funcionamento do Conselho Penitenciario pelo Estado, “A Ob-ait, pp. 42-43, ‘Andset Zenker Schmidt Além dessas situagées, uma, em especial, merece atengéo. O art. 49 deste diploma legal estipula que as feltas disciplinares podem ser eves, médias ou graves, recaindo sobre a legislacdo local a tarofa de loves e médias. Jé o art. 50 arvola, expressament: fa grave. Parece despiciendo qualquer esforco he gar-se & conclusao de que a Lei de Execugdes Penai as disciplinares, conferiu aos Estados a possibilid de de determinagio somente das faltas loves e médias, ¢ no também neutico para cl lade é que alguns Estados brasileiros vém extrapolando os limites de suas competéncias logislativas em tema de execugdo penal. Mais especificamente no Rio Grande do Sul, temos enumera casos de faltas graves nao previstos no art. 50 da Lei de Execugio Penal? Se a Constituigéo da Repiblica Federativa do Brasil, de 1988, esta- © se 0 § 12 do mesmo disp no que tange as normas get lementar dos Estados, prevista no § 22, deve observar os limites estipulados pelas normas gerais de nivel federal. Ov seja: a ‘ualguerpretamo ou fame, ‘adsament a sree 0 ‘A Ctge do Lagalidade na Exacucto Penat legislagdo estadual nao pode contrariar 0 disposto em legislagao fede- ral no que tange a direito penitenciério. Assim sendo, a Lei de Execugéo Penal, devidaments recepcionada pelo novo Ordenamento stitucional, acarreta a invalidade do art, 12 do Regimento iplinar Penitenciério, no que se refere a estipulagio de faltas gra~ ‘nulidade”, mas sim, verdadeira incon: apesar de a norma estadual contrariar mesmo tempo, desrespeitando a sistematica do art. 24 da CRFB/88, sm base nele & que sao fundamentados proces- iinares que, uma vor enviados & autoridade judi ial competente, estam devidamente homologadas em juizo. E lamen- que alguém possa ser submetido @ punizoes graves (P. ex jo em verificar a legitimidade de poder x .gAo essa agravada, ademais, pela auséncia, staco do preso por um advogado. E mais: essa ar inconstitucional ira acarretar a restrigdo de inimeros outros direitos piblicos subjetivos do proso, tais como regressio de regime, perda de dias remidos, vedacao de saidaz tempo- arias, indeferimento de indulto, progresséo de regime e livramento condicional etc. ‘Tendo em vista essa lamentavel situagao, croio chegada a hora de comegarmos @ refletir sobre a ampliacdo das possibilidades de indeni- zacio a ser arcada (objetivamente, na forma do art. 37, § 6%, da CRFB/88) pelo Estado em casos tais, ou soja, quando um apenado (por pior que seja o crime que ensejou a punigéo) teve ‘Ade enka Schmit res do direito” que, por dolo ou culpa, foram os responsaveis pelo erro grosseifo, tenhamos uma nova conscientizagdo acerca dos direitos iblicos subjetivos do preso ~ ¢ nao "beneficios", como irritantemente ainda consta no discurso da execugae penal, Ieso sem falar-se, tam- bém, na possibilidade de punicges administrativas dos profissionais (e aqui também a advocacia deve estar incluida) que, por sua omisséo, causaram um dano irrepardvel & liberdade do preso. 6, A Hermenéutica na Execugao Penal 6.1, O Método Constitucional Com 0 advento da Revolugio Francesa, que redundow no surgi: mento do Estado de Direito, sedimentou-se um sdlido sistema juridico fundamentado, principalmente, em tés principics fondamentais: a iguaidade, a legalidade e a separago dos Poderes. De relevante, no momento, temos a cogente submisséo de todo o Estado — Poderes Executivo, Legislative e Judicial ~ aos ditames estipulados em lei (art. Jaragao dos Direitos do Homem e do Cidadao), além do que as ss de cada um desses Poderes guardava uma protegao contra a invaséo funcional, minus bastante amplo e arbitrério, de estipulativa dos limites a que Poderes como, também, © proprio cidadao. Nesse contexto, nfo se havia desenvolvido, ainda, um mecanismo capaz de vincular substan- cialmente também © préptio legislador. Por outro lado, foi-se notando, principalmente na segunda metade do século XX, que o conteiido seméntico das normas legais conferia ao Executivo e ao Judiciério uma area de atuacao que, por meio da (ilegitima) tolerducia politica de um doterminado discurso juridico, restava bastante ampla. Com o neckan- tismo, a incessante busca pela sociedade ideal demandou 0 desen vimenta néo 66 de um Direito ideal, senéo também de um Estado cujo primado pela Justica fosse 0 verdadeiro norte @ ser observ. pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciario. A experiéncia nezis- ta foi elucidativa para demonstrar que o Direito, uma vez desenvolvido partir de um método supostamente cientifico, conferia ao Estado uma liberdade extrema quanto & determinagao dos fins politicos a serem desenvolvidos, e, com isso, a desenfreada busca pela “purificagéo” estatal sucumbiu, assim como a filosofia politica, a uma nova viséo n ‘Acrise de Lagnidade na Execugio Penal valorativa das ciéncias espirituais, A grande maioria dos autores que iscutem, atualmente, a metodologia de Direito (e, como tal, politica) partilha da nogdo de que o Direito busca um ideal (que, com a colaboragao de Radbruch,* comegou a sedimentar-se a par- tir dos direitos fundamentals, cujo contetido ainda era bastante incer- to, mas que péde ser superado, principalmente, pela adogéo do mode- Jody Estado Constitucional. Com efeito, fol-se percebendo a necessida- do de uma hierarquizacéo formal material entre as diversas normas {que compoem o ordenamento juridico, de tal forma que, visto este na forma de uma plrimide (e nese aspecto a contribuigéo de Kelsen foi fundamental, embora metodologicamente equivocada), as normas infe- Hiores suleitassem-se a uma “prestacdo de conta” as normas direta- mente superiores, e assim por diante. Surgiu, com esse mecanismo, a necessidade de formulagao de um estatuto que, uma vez situado no Spice da pirdmide, fosse dotado da potencialiciade de regular todas as normas diretamente inferiores. Esse estatuto denomina-se Constitui- fo, cujas normas, tendo em vista a necessidade regulativa de todo 0 Srdenamento jutidico, devem possuir contetide bastante genético, re- Togando-se, assim, ao ordenamento juridico infra-constitucional, a regulagéo particularizada das relactes juridicas. Ein outras palavras: ‘as normas jurticas, quanto mais situadas no pice da pirmide, mais tgenéricas s4o, particularizando-se & medida que fossem descendo & hbase da piramide, Por outro lado, essa mesma Constituigdo, a0 ser elaborada em tengo ao desenvolvimento de uma gociedade justa, deveria sujeitar- fe aos valores cujo desenvolvimento cultural humane fez surgir com 0 caréiter de universalidade, Trata-se, a bem da verdade, do reconheci- mento de valores ou de critérios de valoragéo supra-legais - dés que ‘do jusnaturalisticamente concebidos, dada a sua rel bilidade - que subjazem as normas legais e para cuja interpretagao 9 complementacdo ¢ legitimo langar mao, pelo menos sob determinadas condigdes, Tais valores, uma vez reconhecides expressa ou implica: ‘mente na Constituigéo, vinculavam toda a atividade do Estado: todos 0s Poderes, agora (e aqui ja estamos no Estado Democrético de Dire! submetem-se, dentro de suas atribuigdes, a obrigagoes de fazer (dir tos socials) o de nao-fazer Isso tudo, por si $6, gerou um avanco significative na Teoria do Diteito © do Estado, visto que administtar, julgar e fegislar 80 atos GH Wer “Gince Minstoe do Fuot06a", ia Radaruch, Gusta Flzeoia do Diet, pp. AY5-18 ‘Andel Zanker Sch que, doravante, estariam limitados formal e substancialmente pelos valores dyterminantes do ideal do Direito e do Estado que, ao contririo do neokantismo, gvariavam um contetide relativamente determinado pelos direitos fundamentais. Entretanto, nio poucas dificuldades ainda om ~ @ este & assunto juridico "do momento” - no que tange & da abrangéncia desses direitos, bem como 0 método a ser observado ‘para o respeito das garantias fundamentals. Ocorre que a superacao do método positivista demonsirow que as normas fegais nao cuardam em si um contetido ~ imanente ou transcendente ~ captével pela mera rio que toda palavra, bem como jun suisse uma limitada gama de varlagbes @ interpretagdes pré-concebidas ¢ imuté- veis que, diante disso, sujeitassem o hermeneuta 8 uma atividade ‘outras palavras, do sor da za-o como o ser vivo cujo modo de ser 6, essencialmente, determinado ppola possibjlidade de linguagem ‘Nesse linha de raciocinio ~ ¢ aqui nos deteremo: a0 campo de atuagao do Poder Judictario ~ 0 Juiz pois, para tant fato a ela. O juz, isso sim, ao fundamentar a sua deciséo, “ que regeré o caso concreto, segundo a gama de possibilida: das que @ norma the proporciona, solugao essa que sera c “correta” (sic) sempre que 0 discurso produzido apraxime-se 0 tolerado, Uma explicagao - consigna Maturana - é sempre uma ‘Aceine de Laglidade na Bxoeugdo Ponal reprodugo ou reformulagéo intencionel de um sistema ou fenémens, dirigida por um observador a outro que deve aceité-la ou rejeit ladmitindo ou negando que ela constisui um modelo do sistema ou do fendmeno a ser explicado;*? tudo © que é dito é dito sempre por um 0 “acoplamento estrut dominio especificado pelas operagées do observadar, @ néo um domi nio especiticante destas mesmas operagbes. Portanto, os valores insculpidos no ordenamente constitucional (0 {deal do Direito) somente foram concebidos como vigentes @ delimitades sma, ¢ somente em parte quanto aa seu contetide. O principio da igualdade, por exemplo, é incondicionalmente aceito como ‘uma meta fundamental do Estado Democratico de Direito, sendo que a da quanto & impossibilidade de negacao do préprio principio. Pela via do consenso lingiiistico, entretanto, a sua incidéncla pode varier em ages, © aqui 6 que a metodalogia constitucional assume svanela: um discurso juridico fundante e tolerado pode nao .proximagao com um discurse normativo-constitucional, fazen- do com que uma deciséo judicial ~ ainda que proveniente do STF ~, posta ser reputada eficaz (jé que. waélida segundo a especulagao lingBistico-sistematica dos valores cons. ‘Androl Zanker Schmit titucionaliments assesrurados.® Podom cooxisir dessarte, um diseurso fético-uriico telerado e outro normativo-constitucional toleravel, de tal forma que um, metodologicamente, néo interfira no outro. tarefa do hhermeneuta~e aqui me refiro também a0 administrador © ao lagislador, Posto que seus atos também dover ser intorpretagao em consondinsia om a Constituicao® — submeter toda a sua atividade a uma aproxin: lecnanente le. Conese 0 a sal een osnsesooae, pr tn ts aes ou sia, com a separagio sometvoconstiatonis Me one se ‘contretos), ° ! is que ‘gue a7 oli ‘rule da dstetigéo das possblidades do anga nde de orn ‘A. ctise do Lagaidade ne Bxocugto Penal fo lingtifstica entre os dois discursos, conferindo primazia, contudo, a0 ideal constitucionalizante do Direito e do préprio Estado. Isso permitira ndo #4 uma visdo critica de suas atividades pretéritas como, ademais, Juma adequagao axiolégica de suas atividades futuras, sempre na busca do just desenvolvimento do Direito ¢ do Estado. E necessirio que se perceba, contudo, que a abrangSncia desses valores constitucionais - capazes de invalidar qualquer ato judicial, ‘administrative ou legislativo que o inobserve ~, nao se encontra aprioris- ticamente determinada. Pelo contrério, ha de ser vislumbrada, discutida ¢ fundamentada para, @ seguir, Instaurar-se um consenso lingtiistico- cconstitucional que, doravante, substitua 0 consenso lingitstico-infracon- stitucional que, em razéo da influéncia do método positivista, ainda teima em subsistir. Todo ato administrative, toda lei e toda decisio judi- cial devem ser adequadas formal e te as normas consti- tucionais, ‘um olho (de goslaio) na lei e outro na Constituigéo: ‘Se os valores constitucionais nao se encontram aprioristicamente: jucidados, nao serd a nogagao de sua existéncia que ira del : as sim a bugca de um consenso por toda a comunidade Juridica, e, para tanto, 6 necessério discusséo, andlise, fundamentagio, Nas pala vras de Habermas,*? em consonancia com Alexy, quem deseja partici- Ane Zanknor Sebi ‘par seriamente de uma prética de argumentagao tem que admitir pres- supostos pragmaiticos que o constrangem @ assumir um pape! ideal, ou s0ja, a interpretar 6 a avaliar as contribuigdes em todas as perspectivas, também na de cada um dos outros virtuais participantes. Com isso, a recupera, de certa forma, a norma fundamental de ‘A Grise do Lagalidade na Exacugio Penal E mais: um consenso constitucional no pode ser obtide mediante a apreciagéo isolada de normas juridicas. Com efeito nas palavras de Bobbio -, as normas juridicas nuca existem isoladamente, mas sempre ‘em um contexto de normas com relagées particulares entre si, até ‘mesmo porque, do contrério, nao teriamos uma resposta juridicamente plausivel para as lacunas e antinomias do Direite, que existem, inclusi- 0 ndo 96 as garantias dos individuos em nao verem, lesadas, como, ademais, nas garantias da sociedade ressidades primordiais satisfeitas. Direito “justo” (e ") é, em suma, todo aquele que respeita, © sempre busca i¢os fundamentais constitucionalmente assegurados, implicagées que tal método acareta na hermenéutica da execucao penal 6.2. Interpretagao das Normas de Execucao Penal Do paradigma liberal-individualista é que decorem as conhecidas classificacdes, ainda hoje repetidas nos manaais de Direito Penal, dos, ‘mocanismos de interpretagéo do Direito: quanto ao sujeito (auténtica, ); quanto aos meios empregades (gramati- ‘quanto aos resultados obtides (declarativa, cal, l6gica ou teloolég “54 Bobbio, Norberto, Terie do Ordenamento Juridico,p. 19. ‘Andioi Zenker Schmid restritiva e extensiva), Isso poderia nos levar a crer que, no ato de apli- car a lei, 0 juiz poderia valer-se, em algumas situagées, de uma interpre tagio gramatical; em outras, légica ou teleolégica, Valendo-se de qual quer desses meios, podoria ele obter, conforme o caso, um resultado ‘meramente declarativo ou, em outras hipéteses, restrtive ot extensive. Como se pode nctar, a dogmética penal "moderna" encarregou-se de estabelecet até mesmo os critérios a serem seguidos pela atividade judicante, como se deles néo se pudesse afastar 0 juiz. E faciimente erceptivel a influéncia softida pelo modelo liberal da época da Revolucéo Francesa, em que o juiz, via interprotagdo, buscava o verda- deiro sentido do teor da anteriormente posta pelo Poder Legislativo. O texto legal possuiria, nesse contexto, um sentido alcan- gavel de forma essencialista, ou seja, toda norma possuiria um sentido itmanente, como uma espécie de elo que une o significante ao significa- do, como um objeto que possa ser buscado, por meio um processo interpretativo-objetificante, pelo sujeito cognoscente (intérprete)."* O intérprete colocar-se-ia numa relagao de sujeito-objeto, posto que dota- do de capacidade cognitiva suficiente para captar a reslidade da fato e comparé-lo com 0 ditame normative, como 20, metafisicamente, fosse que todo fato possuisse uma realidade verdadeira, umn sen- tido ontolégico, pré-concebido. Nesse contexto é que surgem, como decorréncia do principio da legalidade, os comandos de vedagao da analogia, que, por sua vez, nao se confunde com interpretacao analdgica ou extensiva. Afirma-se que lum joiz no poderia aplicar um tipo penal incriminador a fatos que, ‘embora semelhantes, nao esto contidos na lei, como se fosse possivel afirmar que, ontologicamente, tal dispositive legal aplicar-se-ia a este fato, mas ndo também aquele. Ignora-se, nesse paradigm’, que wt dis- positivo legal somente subsume-se a um fato em virtude de um discur- splices. Bssarogra nd exis A tentativa empresa de eocianar as rerun rota de forma ctosvel do etabelcer i el Biri ‘in Analee de Ib Catedra Francioce ‘Suares, Universidad de Granas,xt25, 1085, pp. 74.75) ‘A Crise de Legulidade na Bxocusso Penal versidades, ministério pablico, advogados etc.), ou soja, uma “arma de brinquedo” somonte transmuda-se em “arma”, para fins penais, em razdo do “consenso” juridico (entondimento sumulado) acerca dessa adequagdo, © ndo porque uma arma de brinquedo, metafisicamente, ‘corresponda, em sua esséncia, a uma idéia de arma. Nota-se, aqui, que a linguagem 6 um mero instrumento (Plato) de contato entre o intér- prete ea esséncia do objato Dire como elucidagéo do espirito da lel ou do lagislador. ‘Nem se afirme que, com base nesse pardmetro, a linguagem soré um instrumento legitimante de discursos juridices ético-subs- tanciais. Ao intérprete néo ¢ dado o poder de, mediante a palavra, aistorcer 0 conteiido e o aleance da norma, O paradigma da lingua- gem deve ser complementado por um discurso juridico garantidor, ‘ou Seja, uma linguagem em consonancia com os ditames do ordena- mento constitucional, Ao ciontista penal incumbe estabelecer um método de Direito Penal capaz de conciliar a “relagéo de comple- mentagao” entre fates e valores com as garantias fundamentais, © {sso nos conduz a “parcial” separagao entre Direito © moral. Nao que Isso soja, em si mesma, uma realidade, mas sim um valor adequado 20 nosso Estado Democritico de Direito. A sacularizacéo sistemati ca do Direito Penal determina-nos a) que toda resttigao da liberdade humana, mediante a positivacao das proibiges penais, obedeca — ou chegue o mais proximo possivel - da separagao entze Direito © moral, no sentido de que somente se considere proibido aquilo que também a moral; mas, por outro lado, b) srdade humana revista-se o maximo pos- ito e moral. Nao uma moral qualquer, ‘ordenamento constitucional de nosso ‘ipios a atividade judicante, chegaremos & conclusao de que o julz, numa sentenga penal condenatéria, nao pode- 14 criar um direito qualquer, capaz de fundamentar a sua decisdo, mas sim, somente, poderd interpretar (rectius: criar através do discurso ‘constitucfonal) o Direito positivado segundo 08 valores constitucionais 4Jé numa sentenga penal absolutéria, tais limites desaparecom, mae nao no sentido de que ao Juiz seja dado o poder de criar livemente, A inovagao poder-se-& verificar mediante uma interpretagdo, ou até mesmo uma orlagéo, do sistema juridico. Pois bom. Bea parte da doutrina, ainda hoje, vem admitinds interpretagao extensiva ou analégica, ainda que resulte na exaspera- ”

Você também pode gostar