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Candomblée da Bahia: jrepressao e Mica. “Censuraram-me o gosto pela leitura dos relatorios da policia de Roma. E que neles descubro sempre motivo de ‘surpresa: amigos ou suspeitos, desconhecidos ou familiares, toda essa gente me perturba e suas loucuras servem de desculpas as minhas” (Marguerite Yourcenar, Memorias de Adriano). JULIO BRAGA 6 dirotor ‘do Centro de Estudos ‘Atro-Orientais da UFBa e ‘autor, entre ouiros livros, de O Jogo de Buzios (Ecitora Brasiienso) Este nto ra verato pale: fara revodugA0 a0 esto no fe RepresssoPoicale Formas Resséncia os Canarian fa Baba’ @ tr presenta 3 naganvna Conan (i iach emGaneswie raP ere (UN) "Toa doccmerangs {arta eats arr es9 o> isons noah nore Gecamenta Evia pesca M6 Comtade Estsace Ave Cretan 4a Ura. carta com 9 apo aa FundagdoFowedvChy Quo. fo apadncer 39 pct ab Rove ialoturacucaosa ae 2 90 ogignal Mustas de suas estoes foram agsoreuatst evo tna 1 Paria vat yin brewer na Bata ver eee Sues Nena Rods jven Or Sivcanes no Giasi 2" 03 Celeste braniana 6 Pa io Eowora Nason 3938 ss Viana Foto OFeyH0 ro Banat, Ro Je Janore, Le bse Oo icra, 1904 Prete Verge, Flac 6 Fat 10 o> Tralico do Eeerav08 mire 9 Goll Go Borne 4 anus Ge Todos 08 Baton ‘Dow eeedoe XVII XIX 5 var Convio 1987 S@ REVISTA USP na Bubia, miais do que em qual quer oulra regia do noladamente na cidkwle de Salv dor e no Recdncavo, fortemente marcadoy pels gomde concentra do de esctavos afrieanos, prinei- palmente a partir do séeulo XIX, onde © forte cumlingente popu- lacional negro mais conse Por in eXpressiva Wigcheie: Jos valorescivilizatoriosatto-brasitei- ws (1). Onegto edifivou dur Jus, € niin fit poucoo sactiticio, ¢ sidua foi a Tina conte its basses soilitas que ale hoje stistentin © promovent o process de eon linuidadede valoreseutturaisqu diferentes formasde lata auailian vestor go desenvolvido env busca de suit insergio nna socied . Tudo isso, evie denicmente.ckborudo numa nitida orienta Gao de ni se perder de vinta sua identidade ¢ especificidade culturais. No alvorecer dosceulo XX honve fore testeagdes dasociedade contta astentativaas donepro dese projetat na condigho de elk: mento ative dit formagio dos valores per- manentes que hoje melhor siagukarizam © definem asociedadee a cultura baianas. Ele se vinobrigudoaestibelucer estraleésias que permitinun aconquists deespagodentro do qual se processaram as goes que visavi sabretudo, stu alirmagiio psivossocial. Sur ginims,aolongo dasprimeits século, iris movimentosorganizaidos que tendiam ao eufentamento, aparentemente iio ostensive, ay diferentes formats de di ccriminagi social s que esteve submetid populagio negro-baiama. Certo équeo negro soube criare soube valer-se de sittsigGes sociiiy e eulturais que Ihe permitivam, de aly lean ur resultados pritivos, necessirios 4 con: jo de alguns de seus interesses fun- is. F profundamente errdnes e até eso preconceituose jm (0 foi apenas vitina do sistem pais, nite scour ale mais decudisdeste Fase julgamento, quase sempre ali- ucirak) © presente ent certiy reflesdes € estudos recheados de uni viu para esconderou maseararmuitasa do negro contra tima sociedade que insist them Sempre com sucesso, emt emputt permanentemente a una posigio de inferi- oridhicle social, Essa visio distorcida da lut do negro em defesa de seus ditcitos mais clementares.alimentow, por muito tempo, 0 que chamatiamos de"ideologia do eoitinl rho” abjetaenoeiva, quesoniente fou 1 nuMutengn do preconveitoe da dis ctiminagioracial. Fssaperspectivacm nada judo comprcensio e noavangode sis huis, © parece ter funcionady como an enttave a mais no dificil processo de sua insergiio na sociedaule de eli Na verdade, toda vex que interessou aus propositus de stats reivindicagies soe! ais, o negro soube cont extrema compete priv eilar-se ut sil em que vivite conduvirsen projeto maivrde sect si social, com Habiidhade, sabendo neyo- cia, Sempre aproveitande dais veasibes fa cis, nem sempre freqientes, para sedimentar bavey silidas que ainds hoje server de substrato as cliferentes frentes cle utes e investidas politicuy atuais. A mane Fr CoM O NegFO Teait it repressiia polich Gum dos expressivey exenyploy de sia ca orrobo- SNe. flo soci pacidade de negoviar na adversidade, © ob ter ganhos impor ples na diregao dt pre= servagiode valores fundamtentas que mar am suit identidade cultural A cepcessae policial sos terteiros de candoiuble na Bahia se verificou,de manei- quase sistcritiva, av longo da primeita nclade deste séeulo, Poueo ou quase tad Se ESCTEVEM sobre isso, emburt diversos cautores gsi Hrequienites rele éniciay is bite lidas policiaiy, registrundo, ver par oul o aconlecinenty como ausilio de algun noticia de jornal. Poroutto ldo, as pessoas dos candomblés também aio se mostrun muito interessadis env discutir 0 assunto. Parece existir uma especie de restrigi mental ent tomo de wn dos imais sérios pro blemasenfrentuios ny pasado recente pela comuntishide religiosstatro-baian, A impre Siu que se tem € ade esistir, na menwiris coletiva, unt velado interesse em esquecer ay agdes policiais que “vareevamt” tempos siynidus, agredindo brutalmente lideres tuligiosos © quatnlos esfivessemt presenter: no momento das Gamigeradsis “batids", terindo,a nidadedopovo-de-san- Wo. sim ati ja dos candomblés cht da wesisignela do negro contri opresaio eo eerecamento de sui liderdade teligiosa. As “batiskis” polieiais ‘hay couseguiram jamais maculary eonteti- do mais sagrido da religio alro-brasileira, ¢ muito menes oprofundo compromise ite seusivleptoscomaydlivindades, Ontizaapanta asditicnitelesencontrukese superadaspekt umbanda no processo de legitimagio e re- Mas a hist Balin € a histir: conliccimento sovial. A reptessio pulicial mio und CoMponente de resistencia dat soviedade contra a presenga de valoreseut turaisdiferenciadosdvideal padiiiovciden- H foi, seguramente, ut dos intiy difigeis, obsticulos aseremsuperauos pela contin dadereligiona negra, exigindo-the autilizs jo de diferentes estrateyiay que varia do enfrentamento puto © simples, jis my diferentes formas de negoeiaginy conten porizsda, Na tentativa de entender como a te presse pulieial ge rou uma forma tipica de resintGncia cultu- ral.este trabalhopre Jendelambem verili- caremque nivel went quecircunstinciasse dew a absorgio de hus pelos grupos re piososalio-brasilei: tos na Bahia. Ontiz. comenta, ainda, que a historia date essiv polici aos Lerrviros ising vio) Hoi escrita & que ela se esconde ne dogsier da jralicia, & espera de alguem para deeifri-li" (2), Parsocaso da Bahia, conn scriasditiculday des deacesso tidocu: io que deve que, sem divida, deve existir. Os pros cessos critninais, por exemplo, que se en contramy nos Aqui vos da Buhay, princi- palmenteos que cobremo periodo de maior intensidade da repressiv policial neste s€ eulo (1920-30), aint se encontrmn mune fuse preliminar de sistematizagio e eatalo- pagao. ALG ayor para descobrir ais processors, que deven tém sido vas as buscay lef dildos preciosos sobre a reagan do ayreswio polivial a que esteve sub- metida « comunidad religions durante a acira mietude do seculo XN. Seja por falta de dhilos ou por oui razaio quialquer, poucos se detiveram num ni aniline mais profundta ¢ © de suns conseeiiiGacies pars propria so: brevivencia dessay manifestaghes religion Nina Rod mais demoradamente do assunte paaly Africanoy wo By ties Loto primeiro a trate ans poigints dle Suc by vil na qusil, emt not explicativa, assegure que esses eullos tnt Atricacra chisnica Os verdudeitas reliioesde F'stado © que Sut puiticadevia estarga inti pelos nose peluscostunies No Br Bahia", aerescema il nat rig, considersrs pit ticasde feitigaria, sem isleis, con shu religicie pinunteepelydes- presi, muilay veres apenas aparente, & influcntesque, apes de tudo, ay temen, Durante wescravishin, nado ha ainda vinte MUS PartAHtO, Soltic aim elits todas as vi Jencias por parte dos senhoresdeeseravos, de todo prepotentes, cniregues Os negroes, nay fazendas © plans tagde: aw atbiltin quase ili mitidodeadin ten. de Heitures ti brutaise eruéis que G). Sabe-se qu Africa, especialnie to ignoramtes’ teu Ocidental, passou porsériastranstorma- des em Lungao da eolonizagiv que a dametade dosceuly NIX. Oscolonizadores, tusrant de todos os artifieius de persuasic converter o alticano ity suas teligives reveludas. Assim éque, desde oscculo ides naitivaas estiveram em Contato continuo com astuligides estran neinis, ¢ softe entre culturas, quase sempre enn situa mildade, especialmente quando se Teestruturou a vida politica desses povos imi 0 impacto das friegGes IANSA, ONKEA Go naioe DA BENSUALIDADE SAU PAULO 3 New Rogen. op ot 9 214 Nocopodesiev tana faindos por ana ros jot {x epoca 6 tue completa 55 4 ten, idem,» 299 6 cen en 6 Pete vation sigriteado das Storage, anecroverion ‘Stor ato baie 96103: ern dintonsae pormaren- foinvortda polcala queer. ‘wera sutmenidos na é00: ShvaNiea A doquinga es (wedoconertoarastoeas: Hamas. Mas 0 que dels {obrerealom adr aet doe aque ¢ a extaorainanare- ath ewiaidace ease ‘rangan a raga negra Part ‘pagan tee ton 319 do ‘aide ania «tho peo (ada reprssio, desumana bor vores, sempre vont Son sannorea ca earavos © ‘os fotres, como airerver fe, no manos wear Batcia ostncessante ca ‘nos dalmprensa, cane airs taco dae ovtias cassea Dasa gue aeja eadcaco © mal Oeasejoe-nagh terror fos core eanacrsts (1). Continua # undone ogo. ‘mona # cada var mals be Implara pas ckades prince pedo Esta” Nina Roa (Dues op cx, 245, 56 REVISTA USP dentro do modelo curopeu importado, As religides tradicionais perderammuitodesua forca capacidade de intervir diretamente nos negécios politicos da sociedade africa- na, cmbora nio seja desprezivel a sua pre- senga no cotidiano dos africanos, especial- mente daqueles que vivem em zonas mais afastadas dos grandes centros urbanos. Damesma forma, na Bahia, essas pri ticas religiosas tradicionais foram rejeita- ob a alegacio de quese tratava de pra ia. Por isso, deveriam ser fastadas de um meio social que se preten- dia oriundo e portador de uma civilizagio ocidental. Ainda neste século, essa justifi- cativa bastava para que se praticasse todo lipo de violéncia contra esses micleos reli- anos que surgiam por todaa cidade de Salvador. Mas é ainda Nina Rodrigues, obser- vador privilegiado por ter vivido na Bahia na virada desteséculo, que bem sintetiza as mazelas por que passaram essas priticas je", diz Nina, “cessada.a es- cravidio, passaram elas a prepoténcia ¢ 20 arbjtrio da policia nio mais esclarecida do que os antigos senhores ¢ aos reclamos da opinidio publica que, pretendendo fazer de espirito forte ¢ culto, revela a toda hora a mais supina ignorincia do fen6meno soci- olégico” (4). Nina comenta, também, a maneira como a imprensa se compraz em noticiar, sem a necessaria isengio de ani- mos, as freqiientes incursdes da policia a diferentes terreiros de candomblé, Alitis, 0 tom irdnico, quase de deboche, vai estar agressivo foi somente abran- dado com 0 surgimento de uma série de reportayenssobre oscandomblés da Bahia, a partir de 1936, organizada por Edison Cameiroe publicada nojoral O Estado da Bahia. Essa série de reportagens parece ter marcado uma nova postura dos jornais & dos jomulistas da época diante da presenga daculturaafro-baiana, Esse abrandamento, pelo menos em termos de uma linguagem menos agressiva, nao provocou, entretan- to, uma profunda mudanga nas relagdes sociais ainda desfavoriveis & populagio negro-baiana. Ainda comentando a mancira insidio- ‘sacom que os jornais noticiavam as batidas Policiais aos candomblés, ¢ revelando 0 mento de intransigéncia, as~ im sc expressou Nina Rodrigues “Nao € menos para kimentar que a im- prensa local revele, entre nds, a mesma sunto, pregando ¢ apregoando a crenga de que o sabre do soldado de policia igualmenteignorantes: ior dose de virtude catequis mais eficéieia como instrumentode con- versio religiosa do que teve o azorrague dos feitores” (5). Nina deixou apenas de dizer quees “batidas policiais” refletiam nio apena prepoténcia da sociedade dominante mas que, na verdade, demonstravam seu medo em ver que essas formas de re populur, chamadas com esciirnio de cultos “primitivos” ou feitigarias, avangavam ese reproduziam rapidamente, ¢ se constituiam em sério entrave para a sedimentagio da desejada civilizagio moldada em padroes curopeus. Era sobretudo um sério proble- maparaa hegemoniada Igreja Catdlica que representava, na religio, os interesses dos poderosos ¢ do Estado, no sendo de estra- nhar que surgisse a repressio auma cultura religiosa diferenciada, Mais do que isso, a religidio do negro se revelava cer, sem controle, no meio popu almenteentrenegrosemestigos, maioria da populagio na Bahia. Mas essas hostilida- des vio provocar um forte sentimento de resist@ncia forjado na idéia basica de que esses cram valores profundos, enraizados na pr6prianogiode serede pessoadonegro na Bahia. Talvez isso explique o que Nina cha- mou de “extraordiniria resistencia ¢ vitali- dade dessas crengas da raga negra. Para upagi-las tem sido debalde: a antiga ¢ tio prolongada repressiio, desumana por vezes, sempre violenta, dos senhores de escravos € dos feitores, como a intervengio, nio menos violenta, da policia” (6). Essa “batidas” policiais, assim como ‘ultras formas de reagio da classe dominan- te, em face dos valores culturais afro- baianos, vio ser menos freqiicntes a partir (0, em razio de uma nova postura daprépria comunidade negra que comegaa melhor se organizar na luta pela defesa de seus interesses ¢ bens culturais. Nessa €po- ca, com 0 processo crescente de industria~ lizagio, instala-se no pais uma ideologia Iriunfante, imprimindo uma nova consci: Encia no seu destino ¢ desviando o cixo i$ preocupagées para a construgio de uma sociedade que poderia ser industrial- mente melhor equipada ¢, com isso, provo- car profundas reformas nos padroes sociais vigentes e que até entiodefiniama socieda- debrasileira. Assim, essas formas conside- radas singulares c bizarras de religiosidade deixariamde ser umaquestioessencialede interesse maiore se acomodariam nos limi- tes das preocupagées mais localizadas. Na verdade, isso signifi de uma nova postura da sociedade domi- nante,e que deveriaseracionada por outros avango e consolidacio da religi sileira na Bahia. E por essa época que pra- ticamente se institucionaliza um tipo de opressivespecial, ado controle policial dos terreiros de candomblé, obrigando-os a se ficharem na Delegacia de Jogos ¢ Costu- mes, da Secretaria de Seguranga Piblica (1). partir da década de 50, passou a ser igida a solicitagio de uma licenga para 10 &, para que pudes- sem realizar suas cerimOnias religiosas, os cullos fs suas divindades, geralmente obe- decendo, quase todos eles, um calendiirio litirgico internamente estabelecido (8). Os sacerdotes que nioprovidenciassem,atem- po, a licenga ¢, sem ela, realizassem suas festas piblicas, estariam cometendo uma infragiio e poderiam, porisso, erseuses gos saigrados interditados ou invadidos tio agressivamente quanto o foram durante as primeiras décadas do século XX (9). Contudo, muitosdos candomblés con- sideradosde grande influénciana Bahia 1 sefichavamna policia ese vangloriayvam de nunca terem passado pela humilhagio ¢ dissabor de serem obrigados a “tirar” uma licenga para realizarem suas festas religio- sas, E que muitos desses candomblés ji desfrutavam de grande prestigio junto 0 poder constituido, com bom trinsito nas classes mais altas e com efeti comautoridades polis dessa obrigagio, Essa situagio era ideolo- mente trabalhadac usada poressescan- domblés como um simbolo de prestigio social ede poder, niio somente na comuni- dade inclusiva dos terreiros, mas também junto a sociedade baiana de uma maneira geral. Porém, se as mais diferentes form de agressio nio surtiram os efeitos almeja~ dos, entre outros o de fazer desuparecerem “esses cullos primitivos”, como eram ge- ralmente denominados, esperava-se que 0 novo quadro social ¢ econdmico que se implantava gradativamente na Bahia dos anos 50 pudesse encarregar-se de transformié-losem algodesprezivel que, na melhor das hipdteses, poderia ser acomo- dado docilmente junto as coi folclorizadas cinofensivas aosistema soci- al vigente. Na verdude, 4 vista da grande forga da religiosidade afro-brasileira nos dias alu- ais, aclasse dominante mostrou-se incapaz de obter qualquer tipo de sucesso diante do processo ripido de exposicio desses cultos na vida e na mentalidade do povo baiano, ‘A repressao policial como vetor dessa Indisposigio da sociedade em face da dife- rencind forma de expressio religiosa re- vela e desnuda os mecanismos ¢ os subter- Fineosideoldgicos dessa rejeigioa0s valo- res civilizat6rios negro-mestigos, que se plasmavam e se cristalizavam como substrato efetivo da ordem cultural que emergia ¢ vislumbrava os contornos da sociedade baiana ‘A repressio policial reforgou, inicial- mente, na comunidade negra,um forte sen= limento de rejeigio social construido alicergado nasrelagdessociais estiveram presentese configuravam asoci- edade escravista, Contudo, num segundo momento operou-se a elaboracio € © uso freqiiente de estratégias.ultamente eficazes de resisténcia e que se ajustavam inteligen- temente a cada caso especifico e de acordo as com 05 ii jores serem salva- guardados. tadode Alagoas, 4 perseguigio foi tio cruel que 0 povo-de- santo teve praticamente que reestruturar 0 culto, eliminando 0 uso dos instrumentos de percussio como os atubaques, e “tiran= do” 0 cAinticos em baix voz, para que no fossemadmocstadospelapolicia. Reginaldo Prandi lembra que “o povo-de-santo de Alagoas teve de ‘inventar' uma nova reli- gio, o ‘xangd rezado baixo' como a cl mou Gongalves Fernandes, sem instrumen- to de percussio, o volume das vozes janissimo. Raspar a cabeca e abrir curas (incisdes rituais na pele) € exatamente (0 mesmo) que seentregar’ policia, o podero- so inimigo dessa religiiio” (10). Na Bahia, a tradigao da negociagiio do negro parece remontur ao periodo escravocrata, Joao Reis, analisandoas dife- rentes revollas ¢ movimentos libertirios de escravoseclodidos naregiionoséculoXIX, chamou a atengio para o fato de que os negros recorriam 2 estratégia da negocia~ Giocomosscus scnhorese autoridadestoda 7 A discutedo sobre a ot utoteaade 00 pec Ge eng jrto & Secrotain oe Soirarca Pibiea, para co- Iebracho dos cutie pticon, ford Tetons no trabalho Trai ample scbre a repree: tie pala ae candor 8 On teres de candomale rmasertvuradoe coedecert ‘dagdo, avndace para a qual tet iicindo 0 an! do grup, ‘oy aiguma outa bad a> sacoraotequelhe amececeu ‘racrecto dacasa Anvazos, ‘a metate do w6cla XX. c- eto prepa dete tate, 10 Regnaiao Prana. Os Can dombile dv So Pas, So Paulo, Hace. dunn, 1901, . 222. wgumerto wblzacs or Regraida rancarie ‘news eiveviniacon ue rei: Inova a aha de Wacsgho, co ‘24h, Go coras passsan-ae- ‘anio de Sho Pauio} REVISTA USP 57 Siva. ‘Conte: aewstircaNeyarm Braet Eseravata Sho Paso. Com ‘avn ins Lara. 1209, An- faeata mouma aha de 11 dodo donb Rela « Eavar Hegociapso put 58 REVISTA USP vez que a consideravam mais conveniente do que o expediente do enfrentamento: “Os eseravos também nio enfrentaram nhores somente através da forga dual ou coletiva. Asrevoltas,afor- migio de quilombos ¢ sua defesa, a vi- oléncia pessoal conviveram com estra- tégias ou tecnologias pacificas de resis- téncia. Osescravos rompiam adomina~ docotidiana pelomeiode pequenosatos dedesobediéncia, manipulagio pessoal € autonomia cultural” (11). No que se refere as reagdes di comu- nidade afro-brasileira contra as sucessivas incursdes policiaisaos seussitios sagrados, essas tecnologias pacificas de resistencia foram, durante a primeira metade do século XX, freqiientemente utilizadas ¢ se revela- ram de extrem eficcicia na politica de pre- scrvagio dos bens religiosos afro-brasilei- ros na Bahia. Odeslocamento gradativo desses gru- pos religiosos para zonas periféricas da ci- ide foi uma das conseqiiéncias mais dire- tasdessasestratégias, Diante das violénei- as da policia”, assegura Nina Rodrigues, “as priticas negras se furtario 4 publicidae de: hio de refugiar-se nos recessos das nos recOnditos das mansardas ¢ Cor tigos; se retrairio As horas mortas da noite; se amparario na protegio dos poderos que buscam orgias ¢ devassiddes que elas Ihes proporcionem; tomarao por fim asrou- pagens do catolicismo e da supersticio ambiente” (12). Nina Rodrigues € pouco feliz no seu diagndstico ao afirmar que esses cultos es- tariam a disposigio de quantos desejassem sirlos para todo tipo de entretenimento, priticas orgifisticas ¢ devassidio, O ean- domblé mio esti livre de ser, vez por outra, usado indevidamente para fins escusos. Contudo, ele foi, pouco a pouco, assumin- do postura de instituicio religiosa mais or- gunizada e buscou eliminar de seu meio, nto quanto possivel, pessoas inescrupulosas que tentavam usi-lo para outros fins € proveitos pessoais. Alias, esta temsidouma luta permanente de partecon- iderivel dos grandes lideres dos candom- los na luta moralizagi tem obtido bons resultados sazes de eliminar defini sos, Discussiio que nio cabe nas intengdes € nos limites deste trabalho, Mas era inevitavel que esses gruposse afastassem do centro urbano e se instalas- sem em dreas mais distantes, nas Zonas periféricas. Aqui niio somente interferem ‘0s mecanismos normalmente acionados pela sociedade contra a presenga desses grupos religiosos ¢ suas manifestagdes cul- turais numa drea clitizada por uma popula- ao de grande poder aquisitivo mas, tam- bém, a propria redefinigio da estrutura ur- bana, que paulatinamente vai levando a populagao de menor poder aquisitivo para regides ou areas menos nobres da cidade. Donald Pierson, querealizou pesquisas na Bahia na década de 30, relata que, na- quels época, os candomblés ji estavam tuados em direas distantes do centro urba- nom regides em que era maior a presenga de uma populacio negra. A esse respeito, escreve: “As scitas estio localizadas nas freas onde os habitantes sii quase exclusiva- mente prelos ou mulatos escuros, ou nas ‘cereanias da cidade, Seu ndmero, quan- do estive na Bahia em 1935/37, era de selcnta a cem. Alguns afirmavam exis- tir duzentas ou trezentas, mas este cail- culoparece exagerado. Aoredordolago sagrado’, ou Dique, ¢ na drea entre as linhas de bonde Rio Vermelho de Cima eRio Vermelhode Baixo, havia mais de vinte. Um preto, que freqiientava regu- Jarmente a seita conhecida como Enge- ho Velho, conhecia pessoalmente de- zoilo delas, podia localizd-las, indicar sua descendéncia africana € repetir os nomes de seus chefes. Das dezoito sei- tas, onze, dizia cle,cramdeorigemnago, scis angola ¢ uma jeje. Estavam todas localizadas na periferia da cidade, nas partes habitadas principalmente pela porcio mais escurada populagio, ounos lugares afastados” (13). Rapidamente foram, em conseqiién- cia do processo evolutivo da cidade de Sal- vador, reintegrados i paisagem urbanacom o redimensionamento da cidade, especial mente nas titimas décacs, quando o: maviiriotevequerecorreraosgrandesvales ¢ fireas menos nobres para construir exten sas avenidis, Muitos desses primeiros gru- pos religiosos de que se tem noticia, cujos lideres moravam no centro urbano ou em reas bem prdximas, vio exatamente se instalar nas regides de vales © nas suis en costas por onde a cidade vai se estender € ganhar moves contornes. Mais isolados, podiam os terteiros realizar seus culls com um pouco mais de seguranga, Aliés, mesmo nos dias a quandoumsacerdoteintencions instalar un novo lerreiro, recorre an expediente de pro- curar ligares mais afustados do centro da cidade, onde espers ter mais tr © susneyo &, portato, engontrarascondighes avoriveis para a fo de diferen- is. HNiste uma sao utilizada pelas pessoas do ean- domblé que afinmaque opovojeje, porexem- plo, gosta muito de mato, numa evidente alusio 4 necessidade que temo culto de dis por de tireas de abun le Vezelagao, onde sto “aysemlades” os elementos sinbilicos erepresentitivosde de- terminadasdivindades do pantedo leiro. Evidente que, completando esse qua dio, inclui-se a dificuldade de se comprar ferrenos em giress mais pronimas dos sr jentes de espagos vizi0s -,em decurréneia dobaixo poder aquisitive dessa populacio que dificilmente disporia dos FeCUESos Necessitios fl aquisi¢: ras nas chammiday sires nobres dat cidade. Costumase minimizar ay dificuldades fi- nuneeiray realgando-se a necessidade de bouts condigoes para o andamento dos rit ais. Certo éque um terreno mi centrod cidade pode sercomprady porumn prego mais acessivel, além de se poder es. colher dun direa proximeaa una kugoa, 2 um) corregoqualquer,ounas imediagdes de unt mata de onde se possam collier ay saizes, sty folhas © oy frutos indispe gio de virivs rite: dnl. Esse destocamento, para areas peril ricas da eidade, que poderia ser consider: do um recuo diante das permanente incur- siese batidas policiais aos candomblés, 1e- sultou, 1 ae, numa format de vitoria, se considerarmmos os resultidos positives obtidos « médio © a longo prazo. Esse realiza descents de ter isafustaclod A execu: is intumos dos candor distanciamento permitiuque diferentes gra- pos pudessem se inskilar em lerteno pagos mais apropriados pars vindades afto-brasileiras, estrulurando inclhor e definitivamente os seus terreiros, Fi possivel até qu fustamento Com- pulsdrio tena desempenhado um papel relevante na preservagio de uma litury que podia, assim, ser praticnds mis livre- mente © Jonge do asscdio, muitus vezes co culto iis die esse indesejado e imperti- niente, de pers tranhas, Certo & que essesgruposevitavain © contronto coma por lieia por absoluta in- capavidadedevntien- liekreon gunna mir gem de sucesso, Di cilmente um terteire de eanlomblé poderia dispor de meios pata tal enfrentanente di- aime deunerpolicites= remamenteagressty ¢ fortemente arma, qu pari realizar as deno- miinadas “batidas” policiais. Isso nig im- pedin, vez por outrs, gitipo esbogasse win te- giv de confront, Mas era uma lata desi- sun © senipre 4 policia Levaiva vanilagent. Desti mani, podemos afirmar que Js reagdes se limitavam, quase semp ay formas mais sulis de contemporizagio daagressio, sem que o negro jamais abuan= donasse osentido de resistencia subjetivee forte, Essay reagdes podiam se configairar no fingimento de subordinagiv, Diante dos ollios dos agressores, esses cullus estariant sujeitos a ser facilmente abandonados ow tentin substituidos por formas main “sofis- licaclas” de pritieas religiosas © compati- eis comros interesses dit chasse dominante. Para concluir, devo aventiear que ts investiday da Lyreja e dat soviedade domi- nante nao foram eapazes de reduzir ox anscios de liberdade religioss ct comuni= dade negrana Bahia, Aocontririo, cristali= ‘Zou-se entte 0 povo-de-santo um profundo sentiment religioso capa de superar, nos dias atuais, alversidades oriundas cis intransigénciasdesezmenios kt sociedade que relutam em aceitar a identidlade eultu- ral dilerenciuds da populagao negre no Brasil Hier se destveay que determinade es ocum. onixa DA GUERRA DA mETALUNGIA so

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