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ed. tery EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Consetho Ealitorial ‘Afonso Carlos Marques dos Santos lon Lages Lima Iwo Barbieri (Presidente) José Augusto Messias ‘Leandro Konder Lia Bernardo Leite Aradjo Leia blag As Representagies Sociais (7%) Denise JoDELET ‘Onaanzanona Li Ur wt oN Baird e uaery io de Janeiro 2001 PREFACIO A EDIGAO BRASILEIRA primorosa selegio de textos no dominio das representagoes ociais organizada por Denise Jodelet que ora chega ao leitor brasileiro constitu, sem divida alguma, uma contribuigéo da maior importincia para a consolidagdo de tais estudos no pafs. Antes do surgimento deste livro, apenas um dos textos originais que fizeram a historia européia da constituigio 40 campo de estudo das representagdes sociais se encontrava disponivel em portugués. Essa grata excegdo foi a primeira parte da obra seminal de Serge Moscovici, La psychanalyse, son image et son public, cuja tradugio' nos chegou em 1978, ou seja, logo dois anos apés 0 langamento de sua segunda edigio na Franca, Desde entio, pudemos dispor, salvo desconhecimento de alguma iniciativa recente, de apenas duas obras européias de apreciagiio retrospectiva da abordagem psicossocial das representagdes sociais. Trata-se da tradugio da excelente resenha hist6rico-critica realizada por Robert Farr? na Gri- Bretanha, acerca das rafzes da modetna psicologia social, nelas situado o advento da teoria das representacdes sociais, e os capitulos de Jorge Correia Jesuino ¢ de Jorge Vala em uma obra coletiva portuguesa,? nos quais os autores buscam, respectivamente, caracterizar a emergéncia da psicologia social européia e, no Ambito desta, a psicologia social do conhecimento consubstanciada pela perspectiva qas representacSes soci E, por certo, de se lamentar & demora com que © contetido, miltiplo € diversificado, de As Representagdes Sociais vem a set mais amplamente é "Tesco 8. Retest Soil de Pricndliv, Ro e ami: Za, 1978 "Far RM As rer de Patologia Socal madera. Pepe: Vous, 19. "Vali. & Mower, MCB. (rg) Price Sate Libr: Clout Catena, 193 ‘ (eso Pereira de Sé socializado entre n6s, visto que, desde sua primeira edigdo em 1989, ele jé ‘se tomara de citagio obrigacéria por aqueles que se incumbiam de difundir 4 teoria e a pesquisa das representagdes sociais no Brasil. Ndo obstante, fembora sua primeira edigio date de doze anos atrés, 0 livro recebeu na Franga mais quatro edigdes consecutivas, a sltima das quais, em 1997, deu origem & presente tradugéo brasileira. Esse interesse continuo mostra que, Tonge de constituir uma obra ultrapassada pelo tempo, ela tem justamente 0 iérito de manter a atualidace de textos j& hoje clissicos no desenvolvimento hhist6rico recente desse campo de estudos. De fato, em varias cas obras brasileiras de difusio acima aludidas ‘encontra-se, dentre outros empréstimos tomados deste livro, uma transcrigio da definigdo de representaco social proposta por Jodelet em seu capitulo “Representagbes Sociais: um dominio em expansio". Diz a autora que a representagao social 6 “uma forma de conhecimento socialmente elaborada ‘compartilhada, que tem um objetivo pritico e concorre para a construgao de uma realidade comum a um conjunto social”. & interessante observar que esta definigdo surge ao fim de um perfodo — e contribui para encerré-lo ~ de ceriticas bastante acirradas ao conceito inaugurado por Moscovici, que surgiram pprincipalmente nos paises de lingua inglesa mas também em outras partes, inclusive no Brasil. Este € um dos vérios indicadores de sucesso de uma tarefa continua, de que Denise Jodelet espontaneamente se incumbira, qual seja, a de sistematizar os variados e ricos esforgos de desenvolvimento do novo campo de estudos psicossociais. ‘A reunio, neste livro, de algumas das contribuigbes mais significativas de { dezoito autores envolvidos com o surgimento desse novo paradigma no dom{nio das cincias sociais — seja no sentido de promové-lo, de desdobré-lo te6rica e metodologicamente, de buscar articulagSes interdisciplinares, de descortinar campos relevantes de aplicagio pritica ou mesmo de citicé-lo~€ outro inequivoco testemunho do sucesso do empreendimento de Jodelet. Tem-se aqui uma consistente documentagio académica que pode seguramente beneficiar todos aqueles que ora voltam sua atengio, interesse ¢ produtividade para tal dominio cdo conhecimento, ainda em construglo, e passam assim a também fazer parte do ‘processo histérico-cientifico de sua consolidago no Brasil. ‘Alguns desses autores sio historicamente responsiveis pelo desdobra- ‘mento da teoria original de Moscovici em trés correntes teéricas complementares, que se tém mostrado, por suas proposigées ¢ desenvolvimentos metodolégicos, excepcionalmentetiteis & operacionalizagdo da nogao de representagées sociais para os fins da pesquisa empirica ¢ da intervengdo sobre as priticas sociais. A primeira dessas correntes, mais fiel & teoria original ¢ associada a uma perspectiva etnogrifica, deve-se influéncia de Denise Jodelet, em Paris. A Prelici digo braseira ° segunda se propée a articular a teoria das represereagSes socisis com uma perspectiva mais sociol6gica e € liderada por Willem Dose, em Genebra. A terceira, que enfatza a dimensdo cognitive-estrutura das represenvagées, tem fem Jean-Claude Abric seu principal representante, mas esti também ligada 0s nomes de dois outros autores de Aix-en-Provence inclufdos no livro: Claude Flament e Pierre Verges. Interessantemente, tais autores tm mantido uma relagio privilegiada com 0 estudo das representagbes sociais no Brasil, jé tendo visitado trabalhado em algumas de nossas universidades, bem como reeebido visitas de nossos estudiosos, em diferentes ocasiées e circunstincias. Mas é Denise Jodelet quem mais se destaca no amplo programa de cooperagio entre a Europa e a América Latina a prop6sito desse campo de estudes. Néo apenas foi ela quem nos trouxe, hi cerca de vinte anos, as primeiras noticias a respeito da teoria das representagées sociais, mas tem também, durante todo esse tempo, alimentado continuamente tal intercdmbio. Foi com a autoridade dessa experiéncia que Denise expressou certa vez. um sentimento que nos enche de justo orgulho, qual seja, 0 “de se estar assistindo a formacao de uma |[verdadeira escola brasileira” no dominio das representacées sociais, capaz “ainda de contribuir em muito para seu desenvolvimento Ela se referia ao crescente niimero de livros, capftulos de livros, artigos em periédicos nacionais e internacionais, teses e dissertagées, que pudera testemunhar ao longo de sua convivncia conosco, Dentre os livros ecoletineas de trabalhos constantes de tal inventério, encontra-se-iam pelo menos os seguintes: Spink (1993), Guareschi e Jovchelovitch (1994), $4 (1996), Arruda (1998), Moreira e Oliveira (1998), S4 (1998), Madeira ¢ Tura (1998) ¢ Joveheloviteh (2000). A igor, todos eles trazem, de alguma maneira, a marca de um contato anterior com a obra de Denise Jodelet. interessante ressaltar ainda que a maioria das coleténeas referidas veicula nko apenas a produgdo brasileira, mas também trabalhos de autores estrangeiros convidados, como S, Moscovici (em prefécio), J.C. Abric, R. Fart, ML. Rouquette, G. Duveen, W. Wagner, H. Joffe, N. Morant e D. Rose, M. Morin ¢ JP. Moatt, E. Lage e a propria D. Jodelet. Certamente “Sik MG) 0 cone mo iin 5 Pai Bene. 19 ci love, ga). Ter gu Repressor ep: Vos, 198 SUC'P. Nae coma! dar Repro So, Farol ones 1986 Arata A org Represtndesshrlade. Pople Yves, 193 Moria ASP, Onin DC.) Em iene Rpm Sci Gina: AB or, ome a $1.C 0-4 cman do sj de psa 5 Representa Sai Rio de aie: AVERS, 1998 “oa Mada 6g hie eps bc Nat COURS, TO Technic, 8. Repth Soi © ee pa, Paik Voes, 0) \ 0 (cso Reread Si sio presengas que se fizeram, de uma forma oa de outra, na esteira do xgeneroso relacionamento acatémico ¢ afetive que se estabeleceu entre Den se e@ seus numerosos amigos bresileiros, dentre os quais tenho 2 grata satisfacio de me incluir. Mas no é apenss como amigo e pesquisador do campo que tenhe 0 prazer de prefaciar ests traducio brasileira de Les Représentations Sociales. Faco-o também institucionalmente, ow seja, como vice-reitor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que se orgulha de proporcionar a0 piblico de lingua portuguesa, por meio de sua editora, uma familiarizagao “mais 2streita com esta obra classica, imprescindivel a ums compreenséo plena da importancia e do alcance da teoria e da pesquisa das representegdes sociais 1nos Ambitos da Psicologia Social, das Ciéncias Sociais em geral e dos diversos dominios aplicados que tém com elas estabelecids proveitosas interfaces. Celso Pereira de Sé APRESENTACAO. Denise Jodelet Pres ina a Erde es Hanes net em Slices Sci Paris An de representagiio social, que ha mais de vinte anos vem suscitando numerosos trabalhos e debates em Psicologia Social, tende a ocupar uma posigao central no campo das Cigncias Humanas e Sociais, onde @ propensio a se reportar As representagées nao péra de crescer. Este movimento, iniciado na Franga sob 0 impulso de Serge Moscovici, vem encontrando um interesse crescente em diversos pafses, na Europa e além-mar. A bibliografia apresentada no final do presente volume reflete o estado da arte, confirmado pelos encontros cientificos intemnacionais organizados em torno do estudo das representagdes sociais e pelo nimero de simpésios ¢ comunicagées que a elas fazem referéncia. Desde 1990, outros sinais v8m atestando a vitalidade do campo de pesquisa. Um exemplo disso é a organizacio da Rede Internacional de Comunicagao sobre Representagdes Sociais (Social Representations Communication Network), para facilitar a difusio de informagées relativas as pesquisas ¢ aos trabalhos empiricos. Esta rede, incentivada por W. Wagner da Universidade de Linz, na Austria, retine mais de 300 pesquisadores pertencentes aos seguintes pafses: Alemanha, Inglaterra, Argentina, Australia, Austria, Bélgica, Boltvia, Bulgéria, Brasil, Canad, Chile, Costa do Marfim, Cuba, Espanha, Est6nia, Estados Unidos, Finlndia, Franga, Grécia, Hungria, India, rlanda, Israel, Kt, Japio, MExico, Nova Zelandia, Noruega, Pold Portugal, Reptiblica Eslovaca, Repiblica Teheca, Roménia, Ruissia, Eslovenia, Suécia, Suiga e Venezuela. Em, seguida, houve a criagio de uma revista bianual para essa mode, que, concdlida corbo eapago de discussSo oinicialmente ‘hamada Ongoing Productions on Social Representations, ¢, p6s 1993, Papers on Social Representations, & comum aos Institutos de Psicologia da y 2 anise Jods Universidade de Linz, da Universidade Téanica de Berlim, aos Departamentos de Psicologia da Universidade AutOnoma de Barcelona e da Universidade de Montpellier III e recebe ajuda do LaboratStio Europeu de Psicologia Social da Maison des Scienzes de d’Homme de Patis. E, finalmence, a realizagao, a cada dois anos, de conferéncias internacionais sobre representagGes sociais, ‘que reuniram varias centenas de pesquisadores na Itélia (Ravello, 1992), no Brasil (Rio de Janeiro, 1994) e na Frange (Aix-en-Provence, 1996). A pesquisa sobre representagSes sociais apresenta um caréter a0 mesmo ‘tempo fundamental e aplicado e recorre a metodologias variadas: experimentagao cem laborat6rio e campo; enqustes por meio de entrevistas. questionérios e técnicas de associagio de palavras; observagdo participante; andlise documental e de discurso etc, Bla toca 50s. Lembremos os principais dominio cientifico (teorias ¢ disciplinas cientificas, difusdo de conhecimentos, didética das cincias, desenvolvimento tecnolégico etc.); dom{nio cultural (cultura, religiao); dominios social e institucional (politica, movimentos sociais, economia, desvio e criminalidade, sistema jurfdico etc.); dorainio da produgio (profissdes, trabalho, desemprego etc.); dominio ambiental (espacos construfdos ¢ naturais, cidades, riscos ambientais etc.); dominio biol6gico © médico (corpo, sexualidade, esporte, satide, doenga etc.); dominio psicolégico (personalidade, inteligéncia, grupos etc.); dominio educacional (instituigao escolar, papéis, formagdo etc.); estudo de papéis e atores sociais (criangas, mulheres, homens, diferenciagdo de género etc.); relagdes intergrupais (nagao, etnias, sexos, categorias sociais, identidade etc.). ‘So muitos os elementos que atestam a fecundidade da nogio, sua ‘maturidade cientifica e sua pertinéncia para tratar dos problemas psicol6gicos € sociais de nossa sociedade. Eis por que nos pareceu necessério situar 0 estado da pesquisa a respeito, destacando suas articulagdes te6ricas © seus eixos de desenvolvimento maiores. E disso que trata esta obra. ‘A primeira parte — apés 0 esbogo do campo de estudo das representagtes sociais em suas linhas mestras (cap. 1, por D. Jodelet) e sua hist6ria (cap. 2, por S. Moscovici) ~ examina algumas relagdes privilegiadas mantidas com outras dreas de estudo ou disciplinas de pesquisa: a Psicandlise (cap. 3, por R. Kaés); a Antropologia (cap. 4, por D. Sperber); a Linguagem (cap. 5, por R. Harré); a Légica Natural (cap. 6, por J.-B. Grize); a Sociologia € a Sociolingustica (cap. 7, por U. Windish). ‘A segunda parte da obra esté centrada mais especificamente no estudo psicossociol6gico das representagSes sociais e em suas relagdes com conceitos, centrais da Psicologia Social. Dois capitulos ilustram os progressos mais, ‘marcantes no estudo experimental e estrutural das representagGes (cap. 8, por J-C. Abric, e cap. 9, por C. Flament). Em seguida, aborda-se a articulacio do Aresetagio tratamento das representagdes sociais com 0 das atitaces (cap. 10, por W. Doise), o dos protstipos (cap. L1, por G. Semin) € 0 da atrituigi socal (cap, 12, por M. Hewstone). © modo como as representagdes sociais so abordadas em campos de pesquisa ou de aplicagao especificos se constitui no objeto da terceira parte. Inicialmente consideram-se os dominios da Antropologia Médica (cap. 13, por F. Laplantine) ¢ das profissées psicol6gicas (cap. 14, por A. Palmonari € B. Zani). Em seguida, trés capftulos sio consagrados & infancia (cap. 15, por M.-J. Chombart de Lauwe e N. Feuerhahn), a0 desenvolvimento cognitive (cap. 16, por W. Doise) © ao campo educativo (cap. 17, por M. Gilly) Finalmente, a difusto dos conhecimentos ¢ tratada em relagio A Economia (cap. 18, por P. Verges) e como forma de dar maior visibilidede a ciéncia (cap. 19, por B. Schiele e L. Boucher) Antes de tudo, esta obra € um empreendimento coletive, ao qual tive © prazer de servir. Agradego aos autores que, vindos de horizontes ¢ pafses diversos, aceitaram export sua ciéncia ¢ sua obra, com 0 objetivo de aclarar enriquecer um setor em plena evolugio e, por isso, de abordagem delicada Com uma preocupagdo notavel de torné-lo acessfvel, realizaram um trabalho de sintese e exploracdo, que faz. deste liveo mais do que uma introdugao a0 estudo das representagdes sociais: as pistas abertas por seus balangos, observagdes € criticas dardo & pesquisa um novo impulso. é PRIMEIRA PARTE AS REPRESENTAGOES SOCIAIS NO. CAMPO DAS CIENCIAS HUMANAS e REPRESENTAGOES SOCIAIS: UM DOMINIO EM EXPANSAO Denise Jodelet Press nar ene der Hates Eades on Skene Sc Pas) empre hé necessidade de estarmos informados sobre 0 mundo & nossa volta. Além de nos ajustar a ele, precisamos saber como nos comportar, domind-lofisica ou intelectualmente, 0s problemas que se apresentam: € por isso que criamos representagSes. Frente a esse mundo de objetos, pessoas, acontecimentos ou idéias, néo somos (apenas) automatismos, nem estamos isolados num vazio social: partilhamos esse mundo ‘com os outros, que nos servem de apoio, as vezes de forma convergente, outras, pelo conflito, para compreendé-lo, administré-lo ou enfrenté-lo. Eis por que as representagées so sociais ¢ to importantes na vida cotidiana. Elas nos guiam no modo de nomear e definir conjuntamente os diferentes aspectos da realidade disria, no modo de interpretar esses aspectos, tomar decisées e, eventualmente, posicionar-se frente a eles de forma defensiva. Com as representagées sociais, tratamos de fendémenos observaveis diretamente ou reconstrufdos por um trabalho cientifico. De alguns anos para 6, estes fendmenos vém-se torando um assunto central para as ciéncias humanas. Em torno deles constituiu-se um dominio de pesquisa dotado de instrumentos conceituais metodolégicos préprios, que interessa a vérias disciplinas, como se pode depreender da composigio deste livro. Este capitulo esboga um quadro deste dominio e das questées tratadas sobre essas realidades mentais, cuja evidéncia nos € sens{vel cotidianamente. ~~ ~"Na realidade, a observagio.dhs representagSes sociais € algo natural em miltiplas ocasides. Blas circulam nos discursos, sio trazidas pelas palavras © veiculadas em mensdgens ¢ imagens midisticas," cristalizadas <—__._,____ "No igi, mds Teaver Ai QT) \ 18 Denise, delet em condutas ¢ em orgenizagdes matesiais e especiais. Nada melhor do que um exemplo para ilustrar. REPRESENTAGOES 50" IS. NO TRABALHO Este exemplo se refere aos fenémenas qu acompenharam, no inicio dos anos 80, o aparecimento da Ads ~ primeira doenca cujas his-6rias médica €¢ social se desenvelveram juntas. A mfdia e as pessoas se apoceraram deste mal desccnhecido e esttanho. cuje proximidade ainda no tinha sido reveleda, ‘A auséncia de referencias médicas favoreceu uma qualificagso social da doenga, mesmo com a permissao da andlise do discurso da midia na observayio de uma répida conjugagéo do progresso de conhecimentos cientfficos e de imagens consirufdas ne espago piblico, em torno da Aids e de suas vitimas (Herzlich e Pierret. 1988). Antes que a pesquisa bicl6gica trouxesse alguns esclarecimentos scbre a nasureza da Aids, as pessoas elaboraram teorias apoiadas nos dados de que dispunham, relativos aos portadores (drogados, hemofilicos, homossexuais, receptores de transfusées) e aos vetores do mal (sangue, esperma). © que se sabia sobre a transmissao de doenga e de suas vitimas favoreceu, em particular, a eclosio de duas concepgdes: uma de tipo ‘moral e social, outra de tipo biolégico, com a influéncia evidente de cada uma delas sobre os comportamentos, nas relagbes intimas ou para com as pessoas afetadas pela doenga, No primeito tipo de interpretagao, considera-se a Aids uma doenga- unigfo que se abate sobre a licenga sexual. Markova e Wilkie (1987) encontraram nos meios de comunicagao expressdes em que a Aids é vista — tal qual a sifilis (Quetel, 1986) - como efeito de uma sociedade permissiva, uma condenagao pelas condutas degeneradas, uma punigao pela irresponsabilidade sexual, um flagelo do qual so poupados “os bons cristdos que nem sonham em se comportar mal”. Ao lado desta visio, observam um retoro aos valores familiares tradicionais, 0 que representa simultaneamente uma garantia de protegdo contra a doenga ¢ a defesa de uma ordem moral conservadora. Daf a dentincia das medidas que visam a assegurar uma vida sexual livre mas sadia, particularmente pelo uso dos preservativos. Esta interpretagao moral espontinea foi amplamente encorajada pelas instincias religiosas. Pollack (1988) cita 0 exemplo do Brasil, onde a Conferéncia Nacional dos Bispos se levantou contra as campanhas governamentais de promogio do preservativo, qualificando a Aids de conseqiéncia da decadéncia ‘moral, castigo de Deus ou vinganga da natureza. Nesse caso, a proibigio religiosa veio reforgar as prevengdes de um machismo ambiente bastante desenvolvido: 0 qualificativo de homosexual como designagao apenas daquele Representagies socials um don joen expasio 5 que ocupa uma posicdo feminina; os parceitos alivos slo se sentem aingidos pelas medidas ligadas & homossexualidade, que julgam difimentes para si préprios. Esta visio moral faz da doenga um estigma sozial que pede provocar ostracismo e rejeigdo e, da parte daqueles que so assim estigmatizidos ou exclufdos, submissio ou revolta. Suomissao do travesti brasileiro, de quem ouvi: “Nao ha precaugo a tomar, jé que é uma doexga mon para punir 0 pecado. Se ela tem de vir, vem", Revolta diante do uso social da doenga, considerada em 1985, por 70% dos homossexuais frencases, como pretexto para condenar a homossexualidade (Pollack, 1988). Revolta do canter basco ‘Ochoa, que disse, em 1988, numa entrevista ao jornal El Correo, que “a Aids € uma doenga inventada para excluir os homossexuais, sobretudo nos Estados Unidos, onde comegaram a surgir prefeites € candidatos homossexuais & eleigto presidencial”. Revolta do antigo combatente do Vieni, atingido pela Aids, declarando a um jornalista nova-iorquino: “Tenho essa teoria sobre @ Aids: a doenga é feita pelo homem; € uma conspiragdo governamental em escala mundial para exterminar o indesejavel. Eles querem cometer um genocfdio conosco”. Esta interpretagao politica e criminal repete os rumores que imputavam a epidemia A experimentagio de um produto para a guerra bacteriol6gica; exprime uma posi¢io pessoal de vitima social marginalizada, apoiando-se num precedente hist6rico: 0 genocidio. Teoria politica e criminal que propaga rumores de forma a relacionar a origem do mal a experimentago de um produto utilizado para a guerra biol6gica Desde o inicio, um outro aspecto da Aids acertou o piblico em cheio — sua transmissio pelo sangue e esperma, dando lugar a uma visio biolgica muito mais inguietante: 0 contégio poderia ocorrer também por meio de ‘outros liquidos corporais além do esperma, particularmente a saliva ¢ o suor. Assim, reavivavam-se orengas antigas, cujo vigor pude cbnstalar a propBatto da representagdo da doenga mental (Jodelet, 1989). Estas crengas, onde se encontram vestigios da teoria dos humores, relacionam 0 contigio pelos liquidos do corpo & sua osmose com sangue e esperma. Tal como no caso da doenga mental cuja degenerescéncia afeta os nervos, ¢ o sangue se transmite pela saliva e pelo suor, assim seria com a Aids e com a sifiis, que podem ‘contaminar por meio do simples contato com as secregdes corporais ou pelos objetos sobre os quais est8o deposifidas. Corbin (1977) lembra que estas crengas conduziram a aberragdes no caso da sifilis, mesmo nos meios médicos mais renomados; que elucubragdgp foram forjadas a propésito da sifilis dos igocentes, contaminados por destuido. As mesmas ameagas se manifestam com a Aids: Saberhos 0s terrores que inspiraram e continuam a inspirar, apgsar dos desmentidos do corpo médico. Este ressurgimento de crengas 20 Denise Jodelet. arcaicas ocorre em v.rtude da falta de informaglo. Paradoxalmente, isso favoreceu uma assimilsgdo da Aids a doencas contagiosas correntes, reforgando © peso inquietante desta doenga (Jodelet et al., 1994). Entretanco, sua fora advém também de sen valor sirrbélico: desde a Antigtidade, 0 perigo do contato corporal é urn tema recorrente do iscurso racista, que utiliza a referéncia biolégica para fundamentar a exclusio da alteridade (Delacampagne, 1983). Entdo, no é surpreendente ver um movimento como a Frente Nacional tunindo sob 0 mesmo andtema inigrantes e aidéticos, langar-se contra 0s riscos de contigio que representam esses tltimos, preconizar precaugoes obsessivas para as pessoas que cuidam deles, e, para o corpo social, medidas de protecao, chegando até a criago de espagos reservados, como 0 aidetério,’ de conotagdes sombrias. Detenhar:o-nos um instante neste exemplo hist6rico, que teve alguns dados modificados gragas & luta contra os tiscos de excluso das pessoas infectadas pelo HIV € os riscos de contigio, bem como pela mobilizagao da solidariedade coletiva, agées empreendidas por campanhas de informagio ¢ pela midia, O que ocorreu? Um acontecimento surge no horizonte social, que ‘do se pode mostrar indiferente: mobiliza medo, atengao e uma atividade cognitiva para compreendé-lo, domind-lo e dele se defender. A falta de € a incerteza da ciéncia favorecem o surgimento de representagoes que vio circular de boca em boca ou pular de um vefcuto de comunicagéo ‘a outro. Desde 0 cartaz brandido nas ruas dos Estados Unidos (Jeanneney, 1987): “Deus nfo criou Adam e Steve" (observe-se a imagem televisionada = 05 filhos na novela “Dinastia”, em que um, Steve, € homosexual ~ é celevada ao nivel da imagem biblica do casal Adio e Eva, para significar a ilegitimidade da inversio), até os jornais, a televisao (investidos, além disso, de um papel educativo) e os panfletos politicos ou outros textos alarmistas. Elaboradas com o que se apresenta, estas representagdes se inscrevem. nos quadros de pensamento preexistentes e enveredam por uma moral social ~ faga-se ou no o amélgama entre perigos fisico e moral. A liberdade do sexo seguro se opie as “virtudes” da tradigio © encontra af um novo cavalo de batatha, sustentado pela autoridade religiosa. Valores e modelos sociais carregam de contetidos diferentes a palavra Aids, a doenga e suas vitimas, Representagées biolégicas correspondentes a saberes enterrados na meméria social ressurgem, por causa de seu valor simb6lico, as vezes orquestrado com fins politicos e sociais. Forjam-se palavras portadoras de representagio. | Aidético soa como “judaico”, “aidet6rio” como “sanatério” ou “erematério"? To ginal « Aid & shamed sid dal aor sida, No age wd (adeno) om cmefdaque (ud). sttriam (ade) come santorim sna) ot cremtoriam (ratio) LT) Representagiessociais um dominio en expursio n ‘com um poder de evocagio tal que induzem a enquadrar os doeates auma categoria & parte e a adotar ou justificar condutas de diserimainagio. ‘Assim, duas representagées - uma_moral e_cutra biolSgica - sio cconstrufdas para acolher um elemento novo: veremos que se taia de uma funcdo cognitiva maior da representag3o social. ApGian-se em valores variéveis — segundo os grupos sociais de onde tiram suas significagées ~ ¢ em saberes anteriores, reavivados por uma situagao social particular: notaremos que so processos centrais na elaboragio representativa. Estio ligadas tanto a sistemas de pensamento mais amplos, ideol6gicos ou culturais, a um estado dos conhecimentos cientificos, quanto 3 condigao social e & esfera da experiéncia privada ¢ afetiva dos individuos. As instdncias ou substitutos institucionais e as redes de comunicagio formais ou da midia intervém em sua elaboragdo, abrindo caminho a processos de influéncia e até mesmo de manipulagao social — constataremos que se trata de fatores determinantes na construgio representativa. Estas representagées formam um sistema e do lugar a teorias espontineas, versées da realidade encarnadas por imagens ou condensadas por palavras, umas ¢ otras carregadas de significagdes — concluiremos que se trata de estados apreendidos pelo estudo cientifico das representagées sociais. Finalmente, por meio destas vérias significagées, as representagdes expressam aqueles (individuos ow grupos) que as forjam ¢ dio uma definiggo espectfica a0 objeto por elas representado. Estas definigées partilhadas pelos membros de ‘um mesmo grupo constroem uma visio consensual da realidade para esse ‘grupo. Esta visio, que pode entrar em conflito com a de outros grupos, é um ‘guia para as agGes e trocas cotidianas — trata-se das fungdes e da dindmica sociais das representagbes. ABORDAGENS DA NOGAO DE REPRESENTAGAO SOCIAL Este exemplo mostra, como tantos outros poderiam fazé-lo, que as representagdes sociais sfo fendmenos complexos sempre ativados ¢ em aco nna vida social. Em sua riqueza como fendmeno, descobrimos diversos elementos (alguns, as vezes, estudados de modo isolado): informativos, cognitivos, ideol6gicos, normativos, crengas, valores, atitudes, opinides, imagens etc. Contudo, estes elementgs Sdo organizados sempre sob a aparéncia de um saber que diz algo sobre O’estado da realidade. & esta totalidade Significante que, em relagao com com a aG40, encontra-se no centro da investigago cientifica, a qual atribui como tdlefa descrevé-la, analisé-la, explicé-la em sifas dimensdes, formas, processos e funcionamento. Durkheim (1895) foi o rimeiro a identificar tais objetos como produgdes mentais sociais; extraidos ‘ 2 Denise ole, de um estudo sodre a ideagio coletiva. Moscovici “196: ) renovou « and ise, insistindo sobre ¢ especificidade dos fer émeno: representativos nas scciedades contermporaneas, caracterizadas por: intensdade e fuidez das troces e comunicagdes; desenvolvimento da ciéncia; plaralidade e motilidade soc ais. Nosso exemple permite também a aproximagio de uma primeira caracterizagio da representacio social, sobre a qua. a comunidade cientfica esta de acordo: uma forma ce conhecimento, socielmente elaborada ¢ ‘partilhada, com um dbjgtivo pritie, = que contribui para a construgic de uma fealidade comuin aU corjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda_saber it natural, esta forma de conheciménto € diferenciada, entre outras, do conhecimento cientifico. Entretanto, &tids como um objeto de estudo to legftime quarto este, devido {sua importincia na vida social ¢ & elucidagdo possibiliadore dos processos ccognitivos e das interagSes sociais. Geralments, reconhece-se que as representagdes sociais ~ enquanto sistemas de interpretaglo que regem nossa relagdo com 0 mundo € com os ‘viros — orientam © organizam as condutas € as comunicagées sociais. Da mesma forma, elas intervém em processos variados, tais como a difusio e a assimilacio dos conhecimentos, o desenvolvimento individual e coletivo, a definigdo das identidades pessoais sociais, a expresso dos grupos ¢ as transformagbes sociais, Como fenémenos cognitivos, envolvem a pertenga social dos individuos com as implicagées afetivas e normativas, com as interiorizagdes de experiéncias, priticas, modelos de condutas e pensamento, socialmente inculcados ou transmitidos pela comunicagao social, que a ela estdo ligadas. Por isso, seu estudo constitui uma contribuigio decisiva para a abordagem da vida mental individual ¢ coletiva. Desse ponto de vista, as representagdes sociais sio abordadas concomitantemente como produto e processo de uma atividade de apropriagtio da realidade exterior ao pensamento e de elaborago psicolégica € social dessa realidade. Isto quer dizer que nos interessamos por uma modalidade de pensamento, sob seu aspecto constituinte — os processos — € constituldo ~ os produtos ou conteidos. Modalidade de pensamento cuja especificidade ver de seu carter social. De fato, representar ou se representar corresponde a um ato de pensa- mento pelo qual um sujeito se reporta a um objeto. Este pode ser tanto uma pessoa, quanto uma coisa, um acontecimento material, psiquico ou social, um fenémeno natural, uma idéia, uma teoria ete.; pode ser tanto real quanto imaginério ov mitico, mas € sempre necessétio. Nao hé representagio sem ‘objeto. Quanto a0 ato de pensamento pelo qual se estabelece a relagio entre sujeito © objeto, ele possui caracteristicas especificas em relago a outras Represntagies socials: un dominio en expansio atividades mentais (perceptiva, conceitual, mnemérica etc). Por oatro Lado, a representagio mental ~ como a pict6rica, a tearal ou a pelfica ~apresenta ‘esse objeto, 0 substitui, toma seu lugar; torna.o presente quanto ele esta distante ou ausente, E assim 0 representante mextal do objeto que ela restiui simbolicamente. Além di cb a de perermert, representago meii srpecta eels Bs earls de consrugio: cavlad « aleromia da representago, que comportam uma parte de reconstrugio, de interpretagao do objeto e de expressio do sujeito, Estas caracteristicas gerais do fato de representagao explicam os focos das pesquisas que tratam das representagbes sociais: consideragtio da particularidade dos objetos; dupla centragao~ sobre contetidos e sobre processos; atengio & dimensio social suscetivel de infleir a atividade representativa ¢ seu produto. Partindo da riqueza fenoménica observads intuitivamente, as difererites abordagens vo recortar objetos que settio colhides, analisados e manipulados, ‘gragas a procedimentos empiricos comprovados, para desembocar em constructos cientificos, sujeitos a tratamento te6rico, A riqueza da nogdo de representagdo ~ como a diversidade das correntes de pesquisa — presta-se a Angulos de ataque ¢ Gticas variados no tratamento dos fendmenos representatives. Vamos tentar seguir algumas pistas maiores. Mas antes, uma constatagio, \VITALIDADE, TRANSVERSALIDADE © COMPLEXIDADE Qualquer pessoa que observe o campo de pesquisa hoje cristalizado em torno da nogdo de representagdo social nao deixaré de notar trés particularidades marcantes: vitalidade, transversalidade e complexidade. A vitalidade: eis uma nogio doravante consagrada nas Ciéncias ‘Humanas por um uso que, ja hé uma década, tende a se generalizar, mas que, desde Durkheim, tem sido constante. Rapidamente caida em desuso, a nogao de representagio social, apés ter sido relangada na Psicologia Social por Moscovici, ainda teve de passar por um perfodo de laténcia, antes de mobilizar uma vasta corrente de pesquisa da qual a bibliografia constante no inicio deste livro dé uma primeira idéia. Esta intensificagao € atestada nao s6 pela quantidade de publicagdes, mas jafhbém pela diversidade dos paises onde & empregada, dos dominios onde & aplicada, das abordagens metodolégicas € te6ricas que inspira. Tal conquista se explfa pela supressdo de obstéculos de tipo “epistemolégtco que impediram o desdobramento da nogdo. Sob esse Angulo, Moscovici (cap. 2) aborda a fase que precedeu a retomada da nosio de ‘Representagdo social. Para o perfodo seguinte, indiquei em outras obras (lodelet, u Denise Jodeet 1984 e 1985) como seu desenvolvimento teve de enfremtar, dentre outros, rt duplo aprisionamento. Primeiramente, em Psicologia, por causa do dominio do modelo behaviorista, cue negava qualquer validace A consideragio dos fendmenos mentais e de sua especificidade. Em seguida, nas Ciéacias Sociais, em virtude do dominio de um modelo marxista, cuja concepeio mecenicista das relagGes entre infra e superestrutura negava qualquer legitimidade a est= ‘campo de estudo, tido como povoado de puros reflexos ou suspeito d= idealismo. Mas a evolugdo das pesquisas ¢ as mudangas de paradigmas nas diversas Ciéncias Humanas devolveram & nogo toda sua atualidade, abrindo perspectivas fecundas, inclusive com novas pesquisas Em Psicologia produziu-se uma reviravolta, descrita por Markus Zajonc (1987), que foi ao encontro do ponto de vista defendido desde 1961 por Moscovici. Nos anos 70, com o declinio do Behaviorismo ¢ as revclugdes do new look, €, nas anos 80, do Cognitivismo, o paradigma estimulo-resposta (S-R) se enriquecen progressivamente. Em um primeiro momento, o sujeito denominado organismo — € integrado ao esquema original como instancia rmediadora entre o estimulo e a resposta, traduzido pelo esquema S-O-R. Em um segundo momento, levando-se em conta as estruturas mentais, a5 representages — estados psicolégicos internos correspondentes a uma cconstrugio cognitiva ativa do ambiente, tributéria de fatores individuais e sociais ~ recebem um papel criador no processo de elaboragdo da conduta. (© que o esquema O-S-O-R exprime, que, por sua vez.coincide com a proposta de Moscovici em sua critica ao esquema S-R, ao dizer que a representagao determina ao mesmo tempo o estimnulo e a resposta, € que no hé “ruptura entre 0 universo externo ¢ 0 universo interno do individuo (ou do grupo)” 1969, p. 9). ‘O conceito, renovador em Psicologia Social, aparece como reunificador nas cigncias sociais. A mudanga das concepgdes de ideologia (transformada, com os trabalhos da escola althusseriana, em instncia aut6noma, contexto de toda prética, produzindo efeitos de conhecimento e dotada de uma eficécia propria) leva a superar as aporias da hierarquizacdo dos niveis da estrutura social e a reabilitar a representagio, Esta é concebida pelo historiador como um elemento necessétio & cadeia conceitual, permitindo pensar “as relagées entre o material e 0 mental na evolucao das sociedades” (Duby, 1978, p. 20) © antropélogo the confere as seguintes propriedades: particularizar, em cada formagao social, a ordem cultural (Héritier, 1979); ser constitutiva do real € da organizagdo social (Augé, 1974; Godelier, 1984); ter uma eficdcia propria em seu vit-a-ser. Para 0 socidlogo, ela explica comportamentos p\ (Michelat e Simon, 1977) religiosos (Maitre, 1972) e aparece, objetivacao na linguagem ¢ sua aceitaco pelo discurso politico, como um Represenigies soci mn dominio en expaneio # fator de transformagio social (Bourdieu, 1982; Faye, 1973), Desde 1961. algumas propriedades so atribufdas & represertagdo social por Moscovici, ‘com quem convergem, por outro lado, a Sociologia do Conheximerto elaborada no quadro do interacionismo simbélico (Berger ¢ Luckman, 1966), a Emometodologia (Cicourel, 1973) € a Fenomenologia (Schutz, 1962), que relacionam a realidade social a uma construgo consensual, estabelecida na interagao € na comunicagio. Entretanto, esta dindmica — que ultrapassa amplamente os limites do dominio psicossociolsgico — nao é suficiente para explicer sua fisionomia atual. E preciso também se reportar & fecundidade da noco, mensuravel pela diversidade das perspectivas e dos debates que suscita. Uma das razbes que levaram Moscovici (1969, 1984) a restabelecer 0 uso da nogdo foi a reagdo contra a insuficiéncia dos conceitos da Psicologia Social, a limitaglio de seus objetos e paradigmas. Esta perspectiva critica pode provocar uma certa imprecisio nocional, raz4o também de fecundidade. Na realidade, avtorizou empreendimentos empiricos ¢ conceituais diversos e a articulayo da concepcio psicossociolgica a de outras disciplinas. I também motivo de vitalidade na medida em que autoriza interpretagdes miltiplas da nogio e das discussées que sao fonte de avangos teéricos. Este florescimento se relaciona diretamente com outras caracteristicas que mencionamos: transversalidade ¢ complexidade. Situada na interface do psicol6gico ¢ do social, esta nogdo interessa a todas as Ciéncias Humanas: € encontrada em Sociologia, Antropologia ¢ Hist6ria, estudada em suas relagées com a ideologia, os sistemas simb6licos as atitudes sociais refletidas pelas mentalidades. Sperber (cap. 4) ¢ Laplantine (cap. 13) ilustram assim a operacionalidade da nogo ¢ seu enriquecimento ‘em Antropologia. Ela alcanga igualmente, via processos cognitivos envolvidos, © campo da Psicologia Cognitiva, da cognigo social com a qual Doise (cap. 10 € 16), Semin (cap. 11) ¢ Hewstone (cap. 12) examinam algumas articulages. Remetendo a uma forma de pensamento, seu estudo diz respeito também & l6gica abordada sob seu aspecto natural, por Grize (cap. 6), ou por Windish (cap. 7). Ainda nio tudo. Como mostram Kad (cap. 3), Chombart de Lauwe e Feuerhahn (cap. 15), pode-se observar na produgdo representativa 0 jogo da fantasmagoria individual ¢ do imaginério social, 0 que nos remete & Psicanélise. Da mesma forma, o papel da linguagem nos fendmenos representativos analisqdés por Harré (cap. 5) envolve também a reflexdo dos te6ricos da linguagem (Fodor, 1981; Searle, 1983). Esta ‘ultiplicidade de relagdes com disciplinas préximas confere ao tratamento psicossociol6gico da representaiio um estatuto transverso que interpela e “aticula diversos campos de pesquisa, reclamando no uma justaposi¢do, mas uma real coordenagio de seus pontos de vista. Sem duivida, nessa 1 6 Den se Jodelet transvetsalidace reside uma das contribu ¢6es mais promissoras desse campo de estudo, Portanto, a nogao de rep-esentagdo social apresenta, como os fendrienos que ela permite abordar, uma certa complexidade 2m sua defini¢io € em seu atamento. “Sua posigao mista na encrazilheda de ura série de conceitos sociol6gicos © de conceitos psicolégico:” (Mosecvici, 1976, p. 39) implica ‘sua relagiio ccm processes de dindmicas social e psfquica e com aclaboragio de um sistema te6rico também complexo, Por um lado, deve-se levar em considerago 0 funcionament> cognitive e © do aparstho psfquico, €, por ‘outro, ¢ funcionamento do sistema social, dos grupos € das interagées, na medida em que afetam a génese, a estrutura € a evolucio das representagies {que sio afetadas por sua intervengao, Como veremos, vasto programa, Longe de jé efetivado, estd ainda em cursc. Mas ¢ preciso dizer: as representagdes sociais deve ser estudadas articulando-se elementos afetivos, mentais ¢ sociais e integrando ~ ac lado da ecgnigfo, da linguagem e da comunicagao =a consideragio das relagées sociais que afetam as representagdes e a realidade material, social e ideativa sobre a qual elas tém de intervir. E nessa perspectiva ‘que Moscovici formulou e desenvolveu sua teoria (cf. principalmente 1976, 1981, 1982 ¢ 1984), que constitui a tinica tentativa sistemética © global cexistente hoje em dia, como lembra Kerzlich (1972). De fato, numa exploragio em permanente tensdo entre os pélos psicol6gico e social, os diferentes trabalhos desenvolvidos em laborat6rio ‘em campo tiveram frequentemente seu foco, por preocupagio heuristica, sobre aspectos bem circunscritos dos fenémenos representativos. Nao sem correr, As veres, 0 risco de levé-los a acontecimentos intra-individuais ou de ditu los em processos ideolégicos on culturais. O desenvolvimento te6rico da rnogo pode padecer de limitagdes e reducionismos, 0 que & preciso evitar, como sublinha Doise: A pluralidade de abordagens da nogio e a diversidade de signiticagSes que veiculam fazem dela um instumento de trabalho dificil de manipular. Mas a propria tiqueza ‘28 variedade dos trabalhos inspirados por ela fazem com que se hesite em fazé- la evoluir por um reducionismo que privilegiaia, por exemplo, uma abordagem cexclusivamente psicolégica ou socioldgica, Seria exatamente trar-Ihe sua fungo de articulagto de diferentes sistemas explicativos. Nio se pode eliminar da nogao de representagio social as refertncias aos maltiplos processos individuais, interindividuas, intergrupas eideolSgicos que freqlientemente reagem mutuamente uns aos outros e cujas dindmicas de conjunto resultam nessas sealidades vivas que ‘40, em dhima instincia, as epresentagGes sociais (Doise, 1986, pp. 19-83). Representagpes soci: um domino em expand ‘Além disso, deve-se desenvolver a weoria em ura atoréagen que respeite a complexidade dos fenémenos e dz nogio, mesmo que isse parega tum grande desafio. SPAGO DE ESTUDO DAS REPRESENTAGOES SOCIAIS Durante mais de vinte anos, constituiu-se, particularrmente em Psicologia Social, um campo, objeto de matérias de revistas e de comentirios diversos (Codol, 1969; Farr, 1977, 1984 e 1987; Harré, 1984; Heralich, 1972; Jodelet, 1984; Potter e Litton, 1985), cujas conquistas apresentam nitidas convergéncias. Entretanto, a multiplicidade das perspectivas desenha tertit6rios mais ou menos auténomos, em funcdo da énfase dada a aspecios especificos dos fenémenos representativos, Daf resulta um espago de estudo multidimensional que vamos tentar balizar, com 0 auxflio do quadro 1, que sintetiza as probleméticas e seus eixos de desenvolvimento, No centro desse quadro figura 0 esquema de base, que ceracteriza a representagio como uma forma de saber prético ligando um sujeite a um objeto. ‘Todos os territérios se retinem nesse esquema, mesmo que confiram a seus termos um alcance e implicagées variéveis. Nele encontramos elementos e relagGes, jé mencionados, cujas modalidades as pesquisas buscam especificar explicar. Vejamos quais so, antes de examinar as pesquisas: + a representago social é sempre representagio de alguma coisa (objeto) e de alguém (sujeito). As caracteristicas do sujeito e do objeto nela se manifestam; + a representago social tem com seu objeto uma relagdo de simbolizacio (substituindo-o) e de interpretagao (conferindo-Ihe significagdes), Estas significagdes resultam de uma atividade que faz da representaco uma construgao e uma expresso do sujito. Esta atividade pode remeter 1 processos cognitivos ~ 0 sujeito é ento considerado de um ponto de vista epistémico -, assim como a mecanismos intrapsfquicos (projegdes fantasméticas, investimentos pulsionais, identitirios, motivagées etc.) = 0 sujeito € considerado de um ponto de vista psicolégico. Mas a particularidade do estudo das representagbes sociais € 0 fato de integrar na anilise desses processqs a pertenga e a participacto, sociais ou culturais, do sujeito, E 0 qua distingue de uma perspectiva puramente cognitivista ou clinica. Por outro lado, ela também pode relacionar-se Aatividade mental de umigrupo ou de uma coletividade, ou considerar essa atividade como 0 efeito de processos ideol6gicos que atravessam ividuos. Mais adiante voltaremos a esses pontos essenciais; 28 Denise Jodie. + forma de saber: a ~epresentagéo seré apresentada zomo uma ‘mode! izagéo do dbjetodiretamente egivel em (ou inferida de) diversos, suporces lingilisticos, comportamentais ou mater ais. Todo estudo de representaro passard por uma anilise das caracterfsticas ligades a0 fato de que ela é uma forma de conhecimento; + qualificar esse saber de prético se refere & exreriéncia a partir da qual ele & produzido, aos contextos e condigdes em que ele 0 € e, sobretudo, ao faro de que a representagio serve para azir sotre 0 mundo € 0 outro, o que desemboca em suas fungGes e eficécia sociais A posigdo ocupada pela representagio no ajustamento pratico do sujeito a seu meio faré com que seja qualificada por alguns de compromisso psicossccial. ‘As questdes levantadas pela articulagdo deste conjunto de elementos de relagdes podem ser condensadas na seguinte formulagio: “Quem sabe de onde sabe?”; “O que e como sabe?”: “Sobre o que sabe e com que efeitos?”. Estas perguntas desembocam em trés ordens de problemsticas apresentadas, da esquerda para.a direita, no quadro 1: a) condigbes de produgo € de circulagdo; b) processos ¢ estados; c) estatuto epistemol6gico das representacdes sociais. Estas probleméticas sfo interdependentes e abrangem os temas dos trabalhos tedricos e empiricos. Se acompanharmos 0 hist6rico do campo de pesquisa, teremos de nos voltar & relagio da representago com a ciéncia e a sociedade. De fato, quando Moscovici retomou 0 conceito de Durkheim, nao foi apenas numa perspectiva critica, que tinha, alids, uma intengo construtiva: dar & Psicologia Social objetos e instrumentos conceituais que permitissem um conhecimento cumulativo, em contato direto com as verdadeiras questdes colocadas pela vida social. A obra A psicandlise, sua imagem e seu puiblico, seguindo a deriva de uma teoria cientifica ~ a Psicandlise -, & medida que penetrava na sociedade, entendia estar contribuindo para uma psicossociologia do cconhecimento entio inexistente, ao lado de uma sociologia do conhecimento florescente ¢ de uma epistemologia do senso comum recém-nascida (Heider, 1958). Este estudo do chogque entre uma teoria e os modos de pensamento proprios a diferentes grupos sociais delimitava como se opera a transformago de um saber (cientéfico) num outro (senso comum) e vice-versa. Dois eixos de preocupagao estdo af associados: o primeiro se liga a fabricagio de um conhecimento popular, & apropriagdo social da ciéncia por uma sociedade pensante, composta de cientistas amadores, e ao estudo das caracteristicas, distintivas do pensamento natural em relago ao pensamento cientifico (Moscovici e Hewstone, 1983 ¢ 1984). O segundo eixo diz respeito & difusio epresragbes socials um domo emexpzasis 9 dos conhecimentos a que fazem referéncia Schiele e Borcher(cap. 19). Fcoa nos trabalhos que examinam, além da intedependéncia entre os processos de representagio ¢ de vulgarizagio (Ackermann et al., 1963, 1971 ¢ 1973- 74; Barbichon, 1972; Roqueplo, 1974), a €afase dada, com uma insisténcia erescente, em didética das ciéncias ¢ formagao de adultos, 20 papel das representagées sociais como sistema de acolhimento, podendo criar obsticulos ou servir de ponto de apoio para a assimilagio do saber cienitfico e técnico (Albertini e Dussault, 1984; Astolfi, Giordan et al., 1978; Audigier et al., 1986), Estas duas sticas convergem em relagio ao fato de'que 0 conhecimento ingénuo nao deve ser invalidado como falso ou enviesado, © que vai a0 encontro de certos postulados cognitivistas, segundo os quais existiriar vieses naturais, inerentes ao funcionamento mental espontaneo (por exemplo, na atribuigdo de causalidade). Trata-se de um conhecimento “outro”, diferente da ciéncia, mas que é adaptado & aco sobre o mundo e mesmo corroborado por ela. Sua especificidade, justificada por formacdo ¢ finalidades sociais, constitui-se em objeto de estudo epistemol6gico ndo apenas legitimo mas necessério para compreender plenamente os mecanismos do pensamento, além de ser pertinente para tratar do préprio saber cientifico, exemplificado por Palmonari e Zani (cap. 14) no campo da Psicologia. Assim, aproximamo-nos de um postulado fundamental no estudo das representagGes sociais: 0 da inter-relagao, da correspondéncia, entre as formas de organizagio ¢ de comunicagdo sociais e as modalidades do pensamento social, considerado sob o @ngulo de suas categorias, de suas operagies © de sua légica. Sua primeira formulagdo foi feita por Durkheim, que insistia no isomorfismo entre representagbes ¢ instituigBes: as categorias, que servern & classificagio das coisas, sio solidérias as formas de agrupamento social; as relagdes entre classes 0 sio face aquelas que organiza a sociedade. O postulado foi diferentemente desenvolvido, segundo os autores tenham dirigido sua atengio sobre o vinculo existente entre comunicagio social de um lado ou estrutura social de outro, e representagées. SOBRE © PAPEL DA COMUNICAGKO O postulado visto acima ¢ umahipstese forte em Mosco ‘0s fendmenos cognitivos a partir dd divisées ¢ interagées sociais. Por diversas razies, insistia particularmente no papel da comunicagao soci trata-se de um objeto proprio df Psicologia Social que contribui, de modo ‘original, para a abordagem dos fendmenos cognitivos. Em seguida, a comunicagao desémpenha um papel fundamental nas trocas e interagdes que \ wo Denise Jodete concorrem para a criggio de um unive-so consensual. Finalmente, remete a fenémenos de influéncia € ce pertenga socia s decisivos nz elaboragio dos sistemas intelectuais ¢ de suas formas. ‘A incidéncia da comun.cagiio é examinada por Moscovici em tr8s niveis: 1) Ao nivel da emergéncia das representagbes cajas condigées afetam 1s aspectos cognitivos. Dentre essas ccndigdes, entcon:ram-se: a dispersio € 1 defasagem das informagées relativas a0 objeto representado que sio desigualmente acessiveis de acordo 20m os grupos: 2 foco sobre certos aspecios do objeto, em fungao dos interesses e da implicagao dos sujeitos; a pressio a inferéncia referente & necessidade de agir, de tcmar posigio ou de obter 0 teconhecimento ¢ a adesio dos outros — elementos que vaio diferenciar pensamento natural em suas operacdes, sua Wgica © seu estilo; 2) Ao nivel dos processos de formragao das representagbes, a objetivagao € a ancoragem que explicam a interdependércia entre a atividade cognitiva, ce stias condigdes sociais de exercicio, nos planos da organizagao dos contesidos, das significagdes e da utilidade que Ihe sao conferidas; 3) Ao nivel das dimensdes das representagdes relacionadas & edificayio da conduta: opinio, atitude e esteredtipo, sobre os quais intervém os sistemas de comunicagio mididticos. Estes, segundo pesquisas dos efeitos sobre sua audincia, tém propriedades estruturais diferentes, comrespondentes a difusio, | propagagio © & propaganda. A difusio é relacionada com a formagtio das opinides; a propagagao com a formagio das atitudes ¢ a propaganda com a dos esterestipos. Assim, a comunicagio social, sob seus aspectos interindividuais, institucionais © midiéticos, aparece como condigao de possibilidade © de determinagdo das representagGes do pensamento sociais. Numerosos autores desenvolveram as implicagdes de tal estatuto. Grize (1984 ¢ neste livro) relaciona os processos de esquematizagio das representagdes € as propriedades da légica natural as relagdes de influéncia envolvidas nas situagdes de interlocugdo, influéncia essa que visa a fazer de suas idéias evidéncias objetivas, Da mesma forma, as relagdes de influéncia fundamentam o papel da comunicagao nos meios cientificos (Knort-Cetina, 1981), quando se trata da fabricagdo da ciéncia ¢ de seus fatos: De todas as atividades humanas, a fabricaglo dos fatos & a mais intensamente social; foi essa evidéncia que permiiu recentemente sociologia das ciéneias desenvolver-se, O destino de um enunciado esti, literalmente, nas mios de wma ‘multidgo: cada um pode esquect-lo, contradizé-to, traduzi-to, modificé-1o, epresenages soi: um donini en expancle a lwansforms-lo em artefato, escarnecer dele, intreduzi-le nur autro cortexio a titulo de premissa, ou, em alguns casos, vetificsilo, comproré-o € passt-le tal qual a outta pessoa, que, por sua ver, 0 passard adiante, A expressdo “6 um fato”™ ilo define a essEncia de certos enunciados, mas alguns percerses peli eultd30 (Latour, 1983), Este percurso nao diz respeito apenas ao fato cientfficc: est na base de muitas produgdes mentais institucionais, Isso € particularmeate visfvel nas, comunidades urbanas ou rurais, cujas unidade e identidade so asseguradas, pelas trocas informais estabelecidas entre os grupos “co-atives” (Maget, 1955) que as compiem. Eles partilham o mesmo tipo de atividade, censtituindo, de modo dial6gico,o sistema normativo e nocional que rege sua vida profissional ¢ cotidiana, Este processo aclara os obstculos encontrados pela transferéncia, e pela mudanga tecnol6gica exemplificada por Darré (1985), & propésito da criagao de animais no meio campones. Existem igualmente causas emocionais na fabricago dos fatos. Dessa forma, a comunicagdo serve de valvula para liberar os sentimentos disforicos suscitados por situag¥es coletivas ansiégenas ou mal toleradas. F 0 que ocorre ‘com os fenémenos de boatos que surgem freqiientemente no meio urbano por ocasito de crises ou conflitos intergrupais (Morin, 1970). O medo e a rejeigao da alteridade, entre outros, suscitam trocas que dio corpo a informagées ou acontecimentos ficticios. Assim, criam-se verdadeiras “lendas urbanas” (Brunvand, 1981), cujos temas apresentam uma notével estabilidade no tempo «no espago (Campion-Vincent, 1989). A atuagao do imagindrio coletive na comunicagio 6 também ilustrada pelo discurso sobre a inseguranca (Ackermann, Dulong, Jeudy, 1983). Os relatos que as vitimas de agressao (roubos, ataques etc.) fazem do que thes aconteceu seguem ao pé da letra um mesmo roteiro, retomado coletivamente, € permitem situar-se numa mesma categoria vitimada, forma de uma nova solidariedade social. Encontramos fendmenos semelhantes em relacio & Aids. Em sen capitulo, Sperber insiste sobre a importancia de considerar a circulagao das representagdes culturais. Sua observagao vai além da Antropologia. As pesquisas que abordam as representagées como formas de expresso cultural remetem mais ou menos diretamente a tais processos de difusio, quer se trate de cédigos ,sdciais, que servem para interpretar as experiéncias do individuo em sociedade - por exemplo, a da doenga (Herzlich, 1969) ~, quer se trate de valores e modelos que server para definir um estatuto social — por exemplo, a mulher, arianga (Chombart de Lauwe, 1963 ¢ 1971) ‘ou, ainda, a-os.simbolos e invariantes que servem para pensar entidades coletivas — por exemplo, o grupo (Kaés, 1976) ¢ a loucura (Schurmans,1985). ‘ 2 Denise Joe Destes exemplos, sobressa nos fendmenos representativos. Primeiro, ela $ 0 vetor de transmrissio da linguagem, portadora em si mesma ie representagées. Em seguida, ela incide sobre os aspectos estruturais e formais do pensamento social, & medida que engaja processos de interagdo social, influéncia, consenso ou dissenso € polémica. Finalmente. ela contribui para forjar representazées que, apoiadas numa energética social, s40 pertinentes para a vida prética e afétiva dos grupos. Energética e pertinéncia sociais que 2xplicam, juntamente com 0 poder performético das palavras e dos discuisos, a forga com a qual as representagGes instauram versdes da realidade, comuns e partilhadas a importancia primordial da comanicagio SOCIAL: DA PARTILHA A VIDA COLETIVA, Ha quem credite todo seu alcance & partilha social das representagées. Seu carster € freqiientemente reduzido a dimensio extensiva no seio de um grupo ou da sociedade, o que d margem a algumas eriticas (Harré, 1985), alids, formuuladas por Moscovici desde 1961. Este critério corre o risco de ser puramente formal e reducionista se no se considerar a dinémica social que © sustenta, Na realidade, pode-se dizer que se partilha uma mesma idéia ou representagio, como se partitha um mesmo destino? Nao me parece, pois a representagio supe um processo de adesio e participagdo que a aproxima da renga. Como observa Veyne a propésito das mentalidades, as conotagées sociais do conhecimento nao se prendem tanto & sua distribuigo entre varios individuos, e sim A questio de que “o pensamento de cada um deles é, de diversas maneiras, marcado pelo fato de 0s outros pensarem da mesma forma sobre algo” (1974, p. 74). Sem receio, pode-se acreditar no que dizem os specialists: no se pode adquirir 0 conhecimento por uma espécie de “

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