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DESENVOLVIMENTO PSICOMOTOR A obra de Wallon é considerada por Le Camus (1986) como pri- meiro pilar teorico da Psicomotricidade. Os psicomotricistas extrafram dessa obra muitos ensinamentos relativos as criangas ditas perversas, ao papel do outro na consciéncia do eu, as etapas de sociabilidade da ctianca, 4 importincia do desenvolvimento psicolégico da crianga ¢ as tapas de sua ' personalidade, e ao espago grafico que ela utiliza. Acima de tudo, foi a contribuicio do autor sobre 0 estudo da génese do esquema corporal que chamou mais a atencio de educadores e terapeutas. Segundo Wallon, o esquema corporal nao é “um dado inicial, nem uma entidade biolégica ou psiquica”, mas uma construgio (WALLON, 1959, p. 263). Estudar a géne- se do esquema corporal na ctianca é indagar-se como ela chega “a repre- sentagdo mais ou menos global, especifica ¢ diferenciada de seu corpo proprio” (idem, p. 252). “E um elemento basico indispensavel constru- cio da personalidade. E o resultado e a condicio de legitimar relagdes entre o individuo e seu meio” (Ibidem, p. 263). R. Zazzo prolongou os estudos inspirados por Wallon sobre a ontogénese das reacdes infantis diante da imagem da ctianca frente ao espelho. A equipe ditigida por J. de Ajuriaguetra no Hospital Henri Rouselle, em Paris, também se orientou pelo pensamento de Wallon ao definir os distirbios psicomotores e elabo- rar técnicas de exame ¢ terapia. A consciéncia gestual, a origem da consci- éncia de si proprio fica, com Wallon e outros autores, situada na experién- cia motora do individuo. O estado ténico em Wallon, depois denominado como diélogo ténico, por Ajuriaguerra, sublinha o carter da relacio toni- co-emocional entre mie ¢ filho que ira preludiar o didlogo verbal. O segundo pilar tedrico da Psicomotricidade, apos a Segunda Guerra Mundial, é a obra inicial de Piaget. Apesar de publicada nos anos da década de 1930, s6 vem a ser conhecida pelos psicomotricistas france- ses apos a instalacdo de Ajuriaguerra, em Genebra. A grande preocupagao de Piaget foi estudar a construcao da inteligéncia ou a génese das nocdes (de quantidade, movimento, espago, tempo); embora seus dridos textos tenham desencorajado educadores ¢ terapeutas psicomotricistas, Piaget é 15 considerado um dos pais da Psicomotricidade mais influentes entre 1965 € 1975. Sem duvida, porque, assim como Wallon, ele compreendeu que o movimento era, acima de tudo, a unica manifestagio e 0 tinico instrumen- to do psiquismo (portanto, a inteligéncia). O homem é um ser de movi- mento, um «ne-ser. Foi na coordenacio dos €squemas sensério-motores (sistemas de sensagdes e movimentos) que Pfoporciona assimilacao (in- corporacao) e acomodagio (ajustamento ao mundo extetior) que Piaget situou as origens da inteligéncia, Ha um debate que opoe Wallon a Piaget em telagao a continuidade ou a descontinuidade das formas da inteligéncia. Pata Wallon, a inteligén- cia discursiva, de origem social, nao tem a mesma indole da inteligéncia das situagdes, de origem bioldgica. Para Piaget, a inteligéncia pré-verbal ¢ nao verbal (um pensamento sem linguagem) merece ser identificada como outro tipo de pensamento, Recorrendo-se ao conceito de nivel de complexidade das aquisi- gOes, consegue-se Superar esse conflito, que se tornou a ideia dos psicomotricistas atuais: a de que a infraestrutura da inteligéncia operatoria deve situar-se no proprio nivel das reacdes circulates do primeiro ano de vida. Todo o atcabougo corte 0 risco de softer se houver perturbacées de origem orginica e social. Uma educagao suficientemente boa (WINNICOTT, 1975), que permite o exercicio dos primeiros esquemas, estimula seu apa- recimento € anima sua evolucdo. Os praticos da teeducacio e da terapia devem se dedicar a refazer as etapas que faltaram no desenvolvimento, o que foi mal vivido ou nao péde ser vivido, A querela passa a set irriséria entte letrados do passado, ja que a continuidade do pré-simbélico constitui um acesso 4 fepresentacio, a capa- cidade de exercer a funcao semidtica, na linguagem, no desenho, no jogo, © acesso posterior 4s operacdes concretas ¢ as operacdes da inteligéncia hipotético-dedutiva. A origem de nossa capacidade de resolver problemas © a origem das nocées de objeto, espaco, tempo € causalidade estio no de- senvolvimento da inteligéncia pratica. Ha muitos Pontos de convergéncia entre as duas obras, por exemplo, a importancia da imitacao e os psicomo- tricistas reconciliaram os dois gigantes ~ Piageon e Wallet, mas o que lamen- tam € que estes nao tenham se Pteocupado com o destino das inteligéncias das situagées ou da inteligéncia sensério-motora, wma vez instalado o poder de feptesentacdo que nos torna faluntes (LE CAMUS, 1986, p. 41, 42). 16 A tetceita fonte de inspiracao da Psicomotricidade é a Psicanilise, que influenciou a compreensio da etiologia e patogénese dos distirbios e, depois, a orientagao da pratica reeducativa e terapéutica. Freud, M. Klein, A. Freud e R. Spitz renovaram a abordagem tradicional da motricidade. Modificou-se o estaruto do corpo. Para Freud, 0 corpo nao € apenas a sede das reagdes emocionais que unem a crianga a seu grupo (ideia de Wallon), nem o instrumento gracas ao qual a inteligéncia é construida (ideia de Piaget), ele passa a ser o lugar do prazer e a prevaléncia de uma zona erégena que pontua a evolugio libidinal em determinadas fases: oral, anal, filica e genital. Freud acentua também a complexidade do movimento, pois a realidade do movimento nao se limita a sua manifestacio mecénica e neurofisioldgica. Ele acrescenta que os distizbios orginicos podem ser psicogénicos, sem ser preciso usat-se 0 modelo anitomo-clinico tradicio- nal. Um disttirbio emocional pode causar disfungées situadas no sistema neuto- muscular voluntario ou no sistema sensorio-perceptivo. Na histeria de conversio, os sintomas, como paralisia e parestesia, sfio descritos como expressfio simbdlica de um contetido psicolégico que tem o objetivo de descarregar tensdes. Os distarbios organicos psicogénicos descobertos levam 1 Alexander a editar os conceitos da medicina psicossomitica (1975). Essas ideias trans- tornaram os quadros racionais da psiquiatria na metade do século XX. Spitz (1945) publica seu famoso telatotio sobre hospitalismo ¢ os efeitos Ajuriaguerra a lancar as bases da patologia psicomotora, € catastr6ficos das caténcias afetivas precoces no desenvolvimento da per- sonalidade ¢ no desenvolvimento motor. A descoberta principal no cam- po da Psicomotricidade, devido A influéncia da Psicanilise, é a que se refe- re ao corpo pulsional como substrato ¢ revestimento do corpo funcional (LE CAMUS, 1986, p. 42, 43). 7.1 A Psicogenética e a Psicomotricidade A Psicogenética procura compreender a génese do psiquismo hu- mano pelo estudo do desenvolvimento infantil. © desenvolvimento psi- quico é uma construcio progtessiva que depende de interagio entre o individuo e 0 meio. A Psicogenética nao sé descreve as etapas como as ica, fazendo uso do conceito operacional de estigio que procura com- u7 preender a forma como se Organiza a ctianca e os aspectos que assumem os diferentes comportamentos no decorrer da sua evoluc&o. A nogio de estdgio se opde a de escala, mais ligada A ordem cronologica. Seus repre- Sentantes principais sio Piaget e Wallon que divergem no que diz respeito a génese das fepresentagdes mentais da crianca (ANDRADE, 1984). A Psicandlise também estuda a génese do desenvolvimento emocional visto como uma sucessio de fases instintivas ¢ tem sido considerada um dos enfoques da abordagem Psicogenética. Devido a sua especificidade de in- dagacao e pesquisa e suas linhas terapéuticas, coloca-se como um capitulo a parte. Nos trabalhos contemporaneos da Psicandlise, encontramos uma Pteocupacao mais definida sobre a questio corporal. O corpo focalizado pela Psicandlise nio é 0 Corpo anatomo-fisiolgico, mas sim a fantasia do corpo priprio. Trata-se do fantasma do corpo, eta uma triade inseparavel: a psicanilise, o corpo, o fantasma. Como ja vimos, a partir de Wallon, a Psicandlise, por meio de Lacan, afirma que é 0 corpo do outro que fornece, como se fosse um espelho, a imagem do corpo proprio. A imagem do corpo nos leva 4 conceituagio do imaginatio, marcado pela prevaléncia da imagem do outro. A unidade cor- poral da crianca € percebida pela imagem do corpo do outto. $6 que a ctianca deve ultrapassar a aquisicio desse conhecimento, ultrapassando a fase especular, mediante 0 acesso 4 ordem simbolica que surge coma aqui- sigdo da linguagem ¢ coma intervencao do pai na vida psiquica. Preciso um terceiro para separar a diade e dar unidade corporal a crianca, que se tornara um ser de desejo. O termo simbdlico é concebido de forma dife- tente por Freud e Lacan. Freud evidencia a relacio com aquilo que o sim- bolo representa; ja Lacan concebe como essencial a estrutura do sistema simbélico, relacionado a linguagem e a estrutura do inconsciente, servindo para insetir o ser humano em uma ordem preestabelecida, de natureza simbélica. Wallon, como ja apontado, contesta Lacan e diz que para que o ser tenha um sentido de si mesmo, de sua propria unidade corporal, segundo aimagem especular do Outro, seria necessario que tivesse uma Preconcep¢aio de uma unidade. Para ele, isso é impossivel, pois a construgao de si se dé clapa por etapa, enquanto se constrdi o conhecimento geral. A construgio de sie das coisas se dia partir de si mesmo, na telagao afetiva com 0 outro, Simbolizar, para Wallon, é alcancar a representacio mental que comeca 18 pelos atos motores reflexos, organizados pela emocio e pela afetividade, Cna relacio social. O pai nao é considerado o terceito que separa ¢ da exis- téncia 4 diade mie e filho. O pai, para Wallon, é como a mie, 0 outto que (confirma a existéncia do ptimeito, o filho. Pata Lacan nao ha uma supremacia do simbdlico sobre o imagina- ‘tio eo real (tudo que subsiste fora da simbolizacao) ¢ que ja existe uma ‘ordem simbdlica na constituigéo das organizacdes témporo- espaciais e “fas primeiras relacdes do sujeito com o objeto. Afirma ele que ha uma ‘telacio entre a maturacio sensétio-motora e as funcdes do controle ima- ginario. Pela Psicanilise, pode-se ver como 0 imagindrio, pelas vivéncias vorginicas, relaciona-se com o simbélico e como os fatos imagindrios sho ‘inconsistentes, a nao ser que sejam telacionados a uma cadeia simbolica que os ligue e os otiente. H por isso que a cura primordial analitica se fundamenta na palavra. A Psicanilise nos fala, portanto, do resultado das impressdes da imagem especular sobre o sujeito. A Psicogenética de Wallon vai nos dizer sobre a construcio de si, ‘etapa por etapa, e das consequéncias dessa construgdo que é considerada o momento da conquista simbdlica do sujeito. Diz ainda como o retorno das impressGes entre 0 sujeito e o objeto causa impacto um sobre 0 outro no processo dessa construgio especular, A medida que o sujeito sofre impresses do objeto, o prdprio sujeito impressiona o objeto que softe modificagdes, passando a influenciar o sujeito que volta a impressionar 0 objeto, e assim em circulos progressivos. Trata-se, entio, de um processo interativo biopsicossocial, numa relacio emocional-afetiva. Se, para Wallon, motricidade, pensamento e linguagem fazem um todo, em bloco, que vai se especializando ao longo do tempo, formando uma unidade indissociavel, nao ha prioridade no desenvolvimento de uma ou outta, nem ha um mo- mento preciso, brusco, para que uma ou outra possam emetgit, ctiando a especialidade de pensar, de agir ou de falar. Essa questio talvez até reforce © conceito de Wallon a respeito do esquema corporal. Segundo ele, 0 es- quema corporal é edificado pelo corpo cinestésico (da sensibilidade cor- poral) e pelo corpo visual. Um se vé na medida em que é visto, ao longo da vida. Por isso, a imagem de si nao € tnica, sofre transformagdes ao longo da vida. Wallon ainda nos mostra sua concep¢ao a respeito da unidade cor- poral do sujeito, por volta dos dois anos de idade, no momento em que 9 pelos atos motores reflexos, organizados pela emogao e pela afetividade, na telacao social. O pai nao é considerado o terceito que separa e da exis- téncia 4 diade mie e filho. O pai, para Wallon, é como a mie, o outro que confirma a existéncia do primeiro, o filho. Pata Lacan nao ha uma suptemacia do simbélico sobre o imagina- tio € 0 real (tudo que subsiste fora da simbolizacao) que j existe uma ordem simbdlica na constituicio das organizacées témporo- espaciais € nas primeiras relagGes do sujeito com o objeto. Afitma ele que ha uma relacio entre a maturacio sensério-motora e as funcées do controle ima- ginario. Pela Psicandlise, pode-se ver como o imaginatio, pelas vivéncias orginicas, relaciona-se com o simbdlico e como os fatos imagindrios sio inconsistentes, a nao ser que sejam relacionados a uma cadeia simbdlica que os ligue € os oriente. E pot isso que a cura primordial analitica se fondamenta na palavra. A Psicanilise nos fala, portanto, do resultado das impressdes da imagem especular sobre o sujeito. A Psicogenética de Wallon vai nos dizer sobre a construgio de si, etapa por etapa, e das consequéncias dessa construcio que é considerada o momento da conquista simbélica do sujeito. Diz ainda como o retorno das impressées entre 0 sujeito e o objeto causa impacto um sobre 0 outro NO processo dessa construcao especular. A medida que o sujeito sofre impresses do objeto, o préptio sujeito impressiona o objeto que sofre modificagdes, passando a influenciat o sujeito que volta a impressionar o objeto, e assim em circulos progressivos. Trata-se, entao, de um ptocesso interativo biopsicossocial, numa relagio emocional-afetiva. Se, para Wallon, motricidade, pensamento e linguagem fazem um todo, em bloco, que vai se especializando ao longo do tempo, formando uma unidade indissociavel, nao ha prioridade no desenvolvimento de uma ou outra, nem ha um mo- mento preciso, brusco, para que uma ou outra possam emergir, criando a especialidade de pensar, de agir ou de falar, Essa questio talvez até reforce © conceito de Wallon a respeito do esquema corporal, Segundo ele, 0 es- quema corporal € edificado pelo corpo cinestésico (da sensibilidade cor- poral) e pelo corpo visual. Um se vé na medida em que é visto, ao longo da vida. Por isso, a imagem de si nfo é tinica, softe transformacdes ao longo da vida. Wallon ainda nos mostra sua concep¢ao a respeito da unidade cor- poral do sujeito, por volta dos dois anos de idade, no momento em que conquista a extetioridade de sua imagem, no espelho, deixando de se ver como duplo. Apés determinado tempo em que a crianca, paradoxalmente, se vé em duplo, com a percepcio de si propria e a visio refletida da sua imagem no espelho, como sendo duas ao mesmo tempo, ela ultrapassa essa duplicidade e da exterioridade a sua imagem refletida no espelho, tor- nando-a virtual, jogando-a no espago. O autor toma como exemplo a cri- anca que beija seu proprio retrato antes de dormir (percep¢do dupla de si mesma) e a menina que, ao passar por um espelho, para, volta-se para a imagem e pde a mao no chapéu (imagem virtual). Mais uma vez, o autor ressalta a experiéncia segundo uma imagem especular, mas nao a imagem especular como quer Lacan, e sim a propria imagem refletida no espelho. A falta de fungio simbélica, 0 bebé nao apresenta pensamento nem afetividade ligados a representagdes que permitam evocar pessoas ou objetos na auséncia deles. O desenvolvimento mental no decorrer dos dezoito primeiros meses é rapido e a crianga elabora 0 conjunto das subestruturas cognitivas que serio o ponto de partida para suas constru- g6es perceptivas e intelectuais ulteriotes, assim como suas teacées afetivas elementates determinarao, em parte, a afetividade subsequente. Existe uma inteligéncia antes da linguagem, sejam quais forem os critérios de inteligéncia adotados pelos autores da Psicologia do Desenvol- vimento. Essencialmente pratica, tendendo a resultados adaptativos favo- raveis e nfo ao enunciado de verdades, é possivel resolver um conjunto de problemas de acio (alcangar um objeto, por exemplo), construindo um sistema complexo de esquemas de assimilagio e de organizacao do real de acordo com um conjunto de estruturas espaco-temporais e causais, A falta de linguagem e de funcao simbélica, tais construgdes se efetuam apoiadas em percep¢des e movimentos, mediante uma coordenacdo sensério-motora das agGes, sem que intervenham a representacao ou o pensamento. Mas, se existe uma inteligéncia sensdrio-motora, € dificil precisar 0 momento em que ela aparece. O que de fato se da é uma sucessio conti- nua de estdgios que assinalam um novo progresso parcial até que as con- dutas alcancadas apresentem catacteristicas que os psicdlogos reconhe- ¢am como a “inteligéncia”. O ultimo desses estagios ocorre entre os 12 e os 18 meses. Dos movimentos espontineos e dos reflexos aos habitos adquitidos e destes a inteligéncia, ha uma progressao continua, e o verda- deito problema consiste em atingir 0 mecanismo da prépria progressio. Para muitos psicdlogos, esse mecanismo parece ser o da associacio. 120 “se, 20 contrario, que esse mecanismo consistia numa assi- ligacdo nova se integra num esquema ou numa estrutura dvidade organizadora do sujeito deve ser considerada tio im- ito as ligagSes inerentes aos estimulos exteriores. O sujeito sensfvel aos estimulos externos se conseguir assimil4-los ao iu. Se os assimilar, podera modifica-los e enriquecé-los. O 10 concebe 0 esquema estimulo-resposta de forma unilate- R; 0 ponto de vista da assimilacdo supGe uma reciprocidade R ou entre E, Og (organismo) e R (PIAGET; INHLEDER, A 12, 13). Assim, ao se desenvolver, a crianca nao precisara mais exercer uma ensrio-motota imediata sobre os objetos, sobre a tealidade. Ao lan- objeto no espago, a crianga imprime um movimento ao objeto € conhecimento pot meio do gesto, de seu préprio corpo e do espa- iente. Esse objeto, posteriormente, dard lugar ao conhecimento to, simbélico, pela expressio de seu pensamento e de sua fala, Por ‘ocesso de internalizacio, vai ser possivel conhecer os objetos pre- ou ausentes 4 percepcio. Em seguida, a crianca vai organizar suas es em direcio aos afetos e isso a fara reconhecet- se como pessoa, uma imagem de seu proprio corpo, Na medida em que parte de uma ferenciacdo para uma maior diferenciacio, enquanto organiza seu es- ma corporal, também organiza 0 espaco ¢ o tempo que estao ligados timamente 4 acio. Organizando o esquema corporal, junto com as no- sbes de espaco e de tempo ¢ os integrando, sera mais capaz de um contro- ‘Je ¢ uma coordenacao global e fina. Podera entio estabelecer as praxias ‘acdes coordenadas ¢ eficazes em direcio a um resultado: escrever, por exemplo), 0 que a tornard mais apta a se integrat no plano mais clevado das gnosias (conhecimento). Cagaoscere, do latim, quer dizer: agarrar com as mios. E preciso primeito agarrar a bola com as mios para se chegar a abstracdo, ao significado da palavra bola. Wallon propée que os aspectos ténicos, motores € afetivos sao os responsaveis pela formacao da nogao de tempo e de espaco pela crianga e pela organizacio do seu esquema corporal. Esses trés aspectos esto jun- tos para constituir o- desenvolvimento psiquico da ctianga, pois € por meio dos movimentos e da tonicidade que as criancas vao adquirindo a nogao de espaco juntamente com as influéncias do meio, principalmente no que 121 se refere as relacdes afetivas para, posteriormente, constituir a nogao de tempo. Para Wallon, todo set é dotado de movimento, do qual a sensagao nio pode ser separada. E ele que estabelece 0 primeito traco de uniio do ser com o mundo, a linguagem da emogio pura, que mais tarde dara ori- gem 4 linguagem descritiva € conceitual. Cada passo na progressao ontogenética se revela no progresso das sensacoes (interoceptivas, proprioceptivas € exteroceptivas) como um passo adiante da sensibilidade sens6rio-motora, capaz de separagao entre sujeito e objeto. Essas relagdes encontram suas primeitas expressOes nas reagdes tOnico-emocionais, em uma relacio objetal com 0 outro, estabelecendo o didlogo ténico como a primeira e principal linguagem da afetividade, decisivo na aquisi¢io do esquema corporal, das habilidades cognitivas e na parti pacio social. Em 1925, Henri Wallon inaugura uma série de publicacdes relati- vas A concomitincia de sintomas na esfera motora, intelectual ¢ afetiva, mostrando a coocorréncia entre motricidade e carfter (entendido como manifestacdes da atividade, afetividade, relacdes sociais, vontade e habitos da crianca). Wallon nao continuou ptisioneiro da nocio de paralelismo entre corpo € psiquismo, predominante na Psiquiatria infantil da época, indo além da simples verificagao das cortelagées psicomotoras. Sua afir- macao de que 0 movimento é, antes de indo, a tinica expresso ¢ 0 primeiro instra- mento do psiquismo (WALLON, 1975) substituiu o antigo determinismo mecanicista pelo determinismo dialético (proposi¢ao de uma estreita in- terferéncia entre as substancias corporea € psiquica). Em relagio aos estagios do desenvolvimento € as etapas da cons- trucio do eu, numa perspectiva geneticamente social, Wallon defende, portanto, as raizes otginicas do desenvolvimento. © autor deisa claro o papel das emog6es na construgio da vida afetiva e social da crianga, a0 mesmo tempo em que as considera uma ponte entre 0 ato motor €.0 ato mental. Certamente, Wallon supera a doutrina do paralelismo (corpo € psiquismo tomados no mesmo plano) da época, mas, ainda assim, a meu ver, prende-se a uma concepgio determinista, apesat de dialética, entre o corpo € 0 psiquismo, ao dizer que, para a tazao existir, é necessitio que motra a emocio (DANTAS, 1992). 122 O autor subdivide os estagios da psicogénese da crianca, numa spectiva temporal, indicando-nos sua perspectiva evolucionista em di- a atividade simbdlica. Embora descreva os estagios por meio de uma cronoldgica em relagao ao desenvolvimento da ctianga, Wallon (1975) nta que, mais do que a marca do tempo, o importante é observar como erianca procede em cada etapa alcancada. Aqui o autor abandona o rminismo mecanicista vigente 4 época pela ideia dialética com influ- ia marxista em relacao aos estagios do desenvolvimento, ao considerat ctapas caracterizadas pelas contradigées, crises, angustias, desafios pe- S quais a crianga passa na relagio com o meio. 7.2 Os Estagios do Desenvolvimento Para Wallon (1979), os estagios de desenvolvimento emocional, pelos quais a crianca passa, permitem modificar sua relaco com 0 meio. Sao eles: Estagio Fetal, Estagio Impulsivo Puro, Est4gio Emocional, Fsta- gio Sens6tio-Motor e Projetivo, Estagio do Personalismo, Estagio Categorial, Estagio da Puberdade e Adolescéncia (da personalidade polivalente) e Estégio Adulto. Antes de descrever a primeira fase do desenvolvimento, Wallon se tefere ao Estagio Fetal. O autor considera que, desde antes do nascimento, existem relag6es iniciais na simbiose entre a mae e a crianga que sio leva- das por toda a vida. Para Wallon, todas essas experiéncias vividas pelo feto no seu processo de desenvolvimento e durante o parto, fario do recém- nascido um ser autGnomo com experiéncias corporais acumuladas. Segundo ele, apés deixar a vida intrauterina, a crianca, mediante movimentos teflexos ¢ impulsivos, entra na primeira etapa do seu desen- volvimento, denominada impulsiva, que dura, aproximadamente, trés me- ses. As observacdes de Wallon mostram a importincia de se considerarem os movimentos espatsos ¢ desordenados da crianca, nesse periodo, cujas manifestagdes irio permitir seu primeiro vinculo social. No Estagio Im- pulsivo Puro, que caracteriza o recém-nascido, a resposta motora aos vari- os tipos de estimulos é reflexa, com momentos de grande descarga motora sem controle superior ¢ com reflexos que se adaptam ao seu objeto pela preensao e sucgao. AAté o final do primeiro ano, o didlogo ténico, psicoafetivo entre mae e filho, na fase do sincretismo entre inteligéncia e afetividade, marca o 123 periodo seguinte, o expressivo-emocional. O Estigio Emocional ocorte em bebés por volta dos scis meses € se caracteriza pela prevaléncia de aspectos orientados para o mundo humano, por uma impulsividade motora, que consiste em descargas de energia muscular, de reflexos ou de automatismos e nas primeitas emogdes que surgem do tonus muscular. As situagdes sao conhecidas pela agitacaio que produzem e nao por si mes- mas. Ocorrem também reac6es tonicas e clonicas, espasmos e um descon- trole de gestos e expressio nao coordenados, de ordem afetiva, em que a emocio representa a acdo, a sensibilidade e o conhecimento. As primeiras relacdes com o meio, que dao um estilo patticular a0 comportamento da crianga, sio realizadas nesse estagio. Assim, 0 bebé tem, além de necessi- dades fisiolégicas, necessidades afetivas € emocionais. Segundo Wallon (1979), a emogao tende a representar, pelas atitudes, certo nivel de sensibi- lidade, de conhecimento, de ago que deve ter acontecido na histéria da espécie, Devido a esse fato, pode-se dar o nome a esse petiodo do desen- volvimento psiquico de Estagio Emocional, por realizar relages com 0 meio que actescentam ao comportamento da crianga um estilo particular, especifico. O Estagio Sensério-Motor acontece aproximadamente entre o fim do ptimeito ano ¢ 9 inicio do tetceiro ano de vida. A crianga, ja dominada pelas emogées, ou seja, por sua subjetividade afetiva, comega a realizar atividades que ligam o movimento as suas consequéncias sensiveis, o que possibilita uma percepcao mais precisa das excitagdes provocadas por ob- jetos externos. Esse estagio se caracteriza por uma coordenagao mutua de variadas percepcdes como: formacao da linguagem, do falar e também assinala a prevaléncia do ato motor no conhecimento dos objetos. Nessa fase, a crianca comega a inventar condutas préprias ao descobrir novas experiéncias. A marcha e a palavra sao duas atividades sensdério-motoras que desempenham um papel importante nesse estagio, pois abrem a crian- ca um espaco que transforma as suas possibilidades de investigacao € o campo das atividades simbolicas. Denominada Sensério-Motora e Projetiva, entre 0 segundo e 0 quarto anos, a forma de lidar com a realidade, por meio da atividade praxica, é notivel nas manifestagdes exploratérias da crian¢a, principalmente com a aquisiciio do movimento de pinca do polegar e da marcha. Logo depois, essa forma sensério-motora de lidar com a realidade € reduzida pela ativi- dade cognitiva, simbdlica. A medida que o gesto vai se especializando, 124 economizando a motricidade, ao mesmo tempo as imagens, as ideias, os signos, propiciados pelo ambiente, adquirem prioridade em relacio aos interesses da crianca, tao logo se instale a atividade cognitiva. A atividade cognitiva, por sua vez, dara lugar A atividade de construcio de si mesmo, levando-a 4 consciéncia de si mesmo. Assim, nesse momento, o conheci- mento que, inicialmente, se deu de dentro para fora, pelas sensagdes € reacdes interoceptivas (advindas das viscetas), proprioceptivas (de origem atticulatotia e labirintica) e exteroceptivas (advindas dos drgios dos senti- dos) responsaveis pela percepcao de um minimo de consciéncia corporal primitiva, sera, agora, de fora para dentro, 4 medida que os estimulos do meio externo ganham preponderancia. No Estagio Projetivo, a erianca consegue se exprimir por gestos e palavras, comunicando-se com o meio onde vive. A atividade de imitagio esti presente ¢ é muito importante nesse estagio, pois consiste na repeti- cio pela crianca do proprio gesto que ela acaba de fazer. E nessa fase que surge a mobilidade intencional que se ditige pata o objeto e também acon- tece de a propria atividade motora estimular a atividade mental. Segundo Wallon (1979), a partir de dois anos de idade, a crianga comeca a dispor da fala e da marcha. Ao andar, 0 espago passa a ser para ela, uma realidade independente dos objetos externos que o ocupam. A aquisicao da linguagem é essencial para o desenvolvimento emocional de crianga que sofre influéncia, principalmente, de fatores intelectuais. As- sim, as dificuldades motoras de articulagio verbal podem prejudicar as relacdes da crianca com a sociedade, a confianca em si mesma e, consequentemente, interferir no desenvolvimento normal dela. O Estgio Projetivo passou a ser chamado por Wallon, a partir de 1956, de Estagio do Personalismo. Acontece por volta dos trés aos seis anos e se caracteriza pelo fato de a crianca comegar a ter “consciéncia de si’, ou seja, a imagem ¢ a representagio de si mesma, desenvolvendo, tam- bém, uma excessiva sensibilidade em relacao aos outros ao buscar ser te conhecida aos olhos destes, seja por oposicao, seja por brincadeiras. Apés esse petiodo de oposigio e de desenvolvimento do dominio motor, a cri- anca pode ser admirada e amar as pessoas a sua volta. A oposicio ¢ a negacio do outro, isto é, a expulsao do que € alheio a si mesmo, permite 4 crianca entrar na quarta etapa do seu desenvolvimento. Ha ai uma supeta- cao do sincretismo, surgindo, em seu lugar, a capacidade conceptual. 125 Wallon chama de Estagio Categorial a etapa na qual a crianga, ate mais ou menos 11 anos de idade, consegue representar as coisas € explicar o real. O aumento da capacidade de atengo, assim como o controle men tal sto pontos de destaque. A crianga se concentra por mais tempo nas atividades que lhe despertam interesse. Fa fase da escolarizacio, quando € possivel retirar a crianga dos jogos espontaneos ¢ passi-la para jogos mais direcionados. Com questionamentos e interrogacdes sucessivas, a ctianca coloca em evidéncia suas contradigées, suas questdes a respeito do meio ambien- te em que vive, crengas e valores dos quais ainda nio sabe se distinguir. Ou seja, ela comeca a refletir a respeito das quest6es que a citcundam. Nessa fase, a crianga da inicio, também, a comparagio. F capaz de proceder den- tro da representacao das coisas com definigdes categoriais e compreender a explicacao do real no nivel da causalidade mecAnica (sempre a um ato sobrevém um efeito, que, por sua vez, provoca e é causa de outro ato) (MELLO, 1986), Mais tarde, essa causalidade mecAnica dara passagem & nogao de lei e ordem, acessfvel 4 crianca no estagio da Adolescéncia. Em rtelacao ao esquema corporal, a crianga ja possui uma repre- sentacao bem detalhada do corpo humano, transmitindo caracteristicas do sexo nas vestimentas, nos cabelos, nas expressGes. Isso pelo fato de maior consciéncia visual e pela consciéncia do préprio corpo. O Estagio da Personalidade polivalente comeca a partir dai e se caracteriza por ser uma fase em que as relacdes estabelecidas pela crianga deixam de ser apenas com a familia. Com o inicio da escolaridade, ela passa a tet contatos com o ambiente social no qual esta inserida. Esse estagio € também caracterizado por mudangas rapidas ¢ pela incerteza, devido aos interesses e As situacdes. A crianca comeca a brincar em grupo, troca de papel e funcao, o que contribui para o aumento das suas experién- clas sociais. A proxima crise construtiva aparece com a chegada da Puberdade e Adolescéncia quando a reconstrugio do esquema corporal, custosamente edificado nos anos anteriores, tera sua prioridade. A crianca-adolescente passa a se alimentar da cultura, necessitando, ainda, do outro, ja diferenci- ado dela mesma, mas se socializara na solidio, na consciéncia de si mesma. Eaisso é que Wallon se refere quando diz que a crianga pensa na individu- alidade. A origem da consciéncia de si prdpria fica, de acordo com Wallon 126 € 08 outros autores citados, situada na experiéncia motora do individuo, alimentada pelo outro e pela cultura. O Estagio Adulto € 0 dos éxitos e dos fracassos da vida do indivi- duo. Sem as mudangas fisicas, a idade é surpreendida pelas manifestacdes resultantes da psicogénese passada, como as detetioragoes senis da pessoa e da inteligéncia. Ou 0 individuo se percebe como ele mesmo, ou julga sofrer um destino mais pessoal sob a influéncia das vontades ¢ fantasias de alguém. A velocidade das transformacOes sociais interfere na inadaptagao do adul- to diante do papel que a sociedade lhe impée. O ideal da autonomia nao é atingido, ¢ a ilusio da perteicao adulta se ptende A imagem ideal do outro. Tlusio que alimenta a ctise ¢ as contradicdes dessa etapa que leva a pessoa a se apteciar, se avaliar, se por em questao para progredir. Devido 4 psicogénese da espécie tet por veiculo a ontogénese, os pontos de proximidade entre as etapas percorridas pelo individuo perma- necem em contato com as etapas percortidas por sua raga. O desenvolvi- mento é pessoal e mais ou menos semelhante em todos, sem deixar de ser individual (MELLO, 1986). No final da definicio dos estagios do desenvolvimento, percebe- se que, na Psicologia Genética, Wallon mostra que a consttugao do Esque- ma Corporal compreende a construgao da pessoa, a construcao de si mes- mo e do conhecimento, com base no desenvolvimento dos aspectos tont- cos, motores ¢ emocionais. E preciso haver uma concordancia entre o que ela sente ¢ 0 que vé, entre 0 corpo cinestésico € 0 corpo visual, diante do olhar do outro. Como destacado, embora estabeleca um arco, uma ponte entte o ato motor e a ato mental, representado pela emocao, indicando uma ligacio entre as manifestagoes da motricidade, da tonicidade, da afetividade e da capacidade de representacao mental, o autor também apre- senta o desenvolvimento numa perspectiva teleoldgica. Com 0 propésito de reflexdo, penso set interessante destacar uma das primeiras concepcOes que apresenta o desenvolvimento psicomotor na perspectiva da doutrina do paralelismo psicofisico, sob a influéncia das consideracées pedagdgicas € psiquiatricas sobre a Psicomotricidade. De acordo com a Psicomotricidade classica, G. Rossel (1971) considera que, até os 10 anos de idade mental, corpo e psiquismo desenvolvem-se em interdependéncia, de forma paralela. Apos os 10 anos de idade mental, 127 continuam seu desenvolvimento ainda de forma paralela, mas sem a interdependéncia inicial. Para ela, podem ser discriminadas as seguintes té os 3 anos — Petiodo Motor; de 4 a 5 anos — Petiodo Sensério- Motor e de 6 a 10 anos — Petiodo Psicomotor (das aquisigdes de tempo ¢ espago). Até os 6 anos, a crianca descobre e expetimenta seu préprio cor- Po, 0 espaco e 0 tempo, o que lhe possibilita um conhecimento concteto, sensorial a respeito dessas realidades (seu corpo e 0 mundo em que vive com seu corpo). De 6 a 10 anos (de idade mental e psicomotora), ela con- quista as no¢des de tempo c espaco. O Perfodo Psicomotor é 0 periodo da aprendizagem do controle mental da expressio motora (dos movimentos) com 0 objetivo de estabelecer uma organizacio as constantes necessida- des dos deslocamentos do corpo (motot), do olhar (nogGes de espago) e da audigao (tempo). A crianca ira desenvolver niveis crescentes de contro- le mental, de representacio mental das transformacdes que ocorrem em seu proprio corpo e das leis que governam o mundo exterior, isto é, as leis do espago e do tempo. H4 uma transposigao para o plano mental de todas as experiéncias ja vividas no plano concreto, sensorial. A realidade é a mesma: MesmMo corpo, mesmo espaco e mesmo tempo. S6 que agora essa realidade sera apreendida em nivel de maior profundidade. A autora esta- belece cinco niveis ou estagios e, em cada um deles, dois aspectos: 0 psico- fase: légico € © psicomotor. Aspectos Psicolégicos Aspectos Psicomotores A— Como a erianca se vé 4X’ =Como a crianga executa (esquema corporal). (coordenacao motora). B— Gomo a crianca ¥é 0 mundo B’— Como a erianga imita (consciéncia de seu corpo frente ao meio), (reproducao de movimentos). C— Como a crianea pensa C’—Como a ctianga atua (desenvolvimento da inteligéncia, da (representacio mental dos representacio mental da nogio movimentos). espaco tempo). Considerar os aspectos evolutivos ao longo dos estagios do desen- volvimento da crianga, entre os autores citados e outros mais, requer do ptofissional mais do que uma escolha tedrica. E Ppteciso essencialmente que ele se isente de expectativas exageradas € nao se impaciente se esta ou 128 ela crianca esta com esta OU aquela idade, vendo-a a partir de critérios parativos de defasagens evolutivas. Observat, esperar, escutar com. paciéncia, ptocurando acompanhat titmo da cadeia t6nica € afetiva da crianca, na motricidade em relacao, amente O ajudara air além do que se espera do desenvolvimento dela, da forma como os tedricos © conceberam. A seguir, a ilustracao de outro atendimento realizado durante © estigio de Psicomotricidade na PUC-Minas, demonstra como considerar, em conjunto, a nogao das etapas do desenvolvimento infantil e a habilida- de do terapeuta em nao sé aprisionar a elas, muitas vezes pressionado pelas expectativas progressistas da familia e da escola. Tal ilustragao foi escrita em conjunto com a estagiaria ‘Andrea Borges que atendeu ao pequeno Ae por ela foi apresentada em uma das Jornadas da Clinica de Psicologia. 7.3 O pequeno A-uma analise genética No primeiro semestre de 1995, o pequeno A, com dez anos, reto- mou o atendimento em Psicomotricidade, iniciado no semestre anterior, apés interrupgao por motivo de férias académicas. ‘A crianca foi encami- nhada para 0 atendimento em Psicomotricidade pelo estagio de Psicopedagogia. Em entrevista, realizada com a presenga da mie, 0 menino mos- trou-se constrangido, alisando 0 corpo com as maos, respondendo as per- guntas com a cabega baixa, pum tom de voz igualmente baixo, gaguejando e suprimindo a letra «_? em sua fala, Quando a estagidtia ficou @ s6s com ele, mudou 0 comportamento, mosttando-se mais & vontade chamando-a de “tia” (i), interessando-se pelos objetos da sala, ptincipalmente pelos que emitem sons, como O xilofone e 0 gravador. A estagiiria observou que suas jdeias e suas frases nio apresenta- vam a sequéncia segundo a organizagao temporal. Ele reconheceu um de seus desenhos colado na parede, que cle havia feito no semestte anterior. Na sessiio seguinte, petmaneceu calado, tamborilando o ritmo da musica trazida a seu pedido, Montou 0 quebra-cabeca do alfabeto, mos- trando que conhecia as letras € o quebra-cabega da figura humana, com concentracdo. Chamou a estagiatia pelo nome € perguntou-lhe se tinha um filho. Pediu para desenhar, mas para nao contat a historia sobre o que 129 desenhou. Observou-se que, no final de suas frases, ele sempre acrescen- tava uma espécie de som (#i”) analisado como uma descarga motora advinda de um habito de linguagem, como um tique. Na sala de atendimento, ele quis escrever no quadro algumas letras e quando foi pontuado seu esforgo, mostrou-se surpreso, dizendo que sua mie nao acreditava nele, nao acredi- tava que ele sabia. Numa folha de papel, pintou algumas manchas e disse que nao era uma historia, era um segredo dele. Em supervisao, foi sugerido que se tentasse, numa oportunidade, que ele espacializasse seu segredo, grifica ou gestualmente, nao para sabet a respeito do segredo, mas para que ele pudesse expressa-lo sem o uso de linguagem verbal. Até entio, estavamos lidando com a queixa, tanto pot parte da escola como por parte dos pais, de atraso, de falta de atencao € interesse, de dificuldades para ler ¢ escrever. O pai da crianga pediu 4 estagidria que © ajudasse pelo menos a escrever a letra A, inicial do nome do filho. Nesse meio tempo, a mie da ctianga pediu uma hora para falar uma coisa muito importante e comentou que sua vizinha estava surpresa por cla (mfe) nao ter contado o fato, até aquele momento, para a psicdlo- ga. Estavamos, entao, entre dois segredos: 0 da mae e 0 de A. A mie, entretanto, nado compareceu 4 hora marcada, ¢ A também faltou a seu atendimento semanal. Na sessio seguinte, a crianga chegou sorridente para o atendimen- to, falando sobre a casa pata a qual se mudaram € sobre a vontade de morar numa casa maior, com piscina ¢ quadra. Desenhou dois caracéis, dizendo que um é a mie ¢ 0 outro ¢ ele. Brincou com blocos de encaixe e fechou a abertura de um deles com fita adesiva, como uma catxa. Disse que tem algo dentro, mas nao sabia o que era € pediu para deixar a caixa sobre o armario, Comecou entao a mostrar-se muito agitado e tenso, tirou o material do arm: io, chutou-o, jogou uma boneca com forga na parece ¢ pediu ajuda “me ajuda!” (#4) 4 boneca, bastante emocionado. A estagiatia pegou numa das mios da boneca, ficando prdxima a ele, dizendo-lhe que estaya ali, com ele. O pequeno A pegou, entao, um novelo de ld ¢, enrolan- do-se nele, jogou-se ao chao, dizendo que estava preso. Pediu depois para ser solto com a ajuda da estagiatia. No final da sessao, guardou o material espalhado pela sala, mostrando-se exausto e com sono. 130 De acordo com a perspectiva psicanalitica, analisamos essa sessio como um momento facilitador para a expressio dos fantasmas de A, uma vez que ele péde espacializar gestualmente seu segredo. Na sesso seguinte, mostrou-se assustado pelo fato de a estagiéria estar gripada, com os olhos vermelhos e lacrimejantes. Jogou dominé e viu sua caixinha em cima do armério. Perguntou se podia fazer uma coisa com a caixa e, diante da confirmacio, furou a fita adesiva com um estilete e disse: “Tinha alguém aqui ¢ estava presa, agora est livre” (sid). Passou a considerar a caixinha um objeto entre outros, deixando-a de lado, enquan- to jogava bola. Na sessio seguinte, nao compareceu por motivo de viagem dos pais e, na proxima, chegou mais tranquilo, conversando sobre os colegas, dizendo que havia ganhado um minigame do pai. Queria ter levado 0 jogo para a estagiatia ver, mas como os pais haviam brigado, ele teve “vergo- nha’” (sic) de thes pedir isso. Enquanto jogava bola no jardim da Universi- dade, contou sobre a vizinha que havia se separado do marido porque este bebia muito. Perguntou se a estagidtia era solteira e falou da mulher que bebe, dizendo que a mie dele bebia e 0 pai também, ¢ muito, nos fins de semana. Contou que sua mie havia lhe dito que quando a mulher gravida bebe, ela prejudica o filho. E concluiu que beber s6 no final de semana nao tem importancia. Naquele momento, expressou verbalmente o segredo. A anilise psicomotora que fizemos foi a de que a novela familiar nao podia ser revelada por motivo de constrangimento, vergonha. Havia um jogo, um minijogo, dentro de uma caixinha, que s6 péde ser desvelado por meio do vinculo de confianga estabelecido com alguém que nao se mostrou um adulto curioso e apressado em saber o segredo. Por alguém que nao o interpelou verbalmente, permitindo- lhe, primeiro a expressio pelo vivido corporal, linguagem accessivel 4 crianca. Na companhia da terapeuta foi possivel, em passos sucessivos, que o pequeno A se libertasse de uma imagem de menino fracassado ¢ impotente, prejudicado pela bebi- da da mie. A anilise teérica desse caso também podera ser feita por meio de uma leitura psicanalitica em relacao ao grafo do desejo e 4 identificacio narcisica. O simbolo “a” remete ao pequeno outro enquanto semelhante a0 sujcito, seu alferego, tal como aparece no processo de identificagao pri- mordial, como © outro especular no estidio do espelho. Esse outro evi- 131 dencia o resultado imaginatio dessa identificagio sob a forma do eu (07) enquanto polo da identificacio narcisica. O simbolo “A”, grande Outro, indica o lugar do codigo, o lugar da palavra, 4 qual o sujeito se refere em sua telacdo com 0 outto, o lugar da referéncia simbdlica, inevitavelmente convocada no processo de comunicacio. FE em relacio com esses signos que se produz a identificagio com o ideal do eu (moi), no processo de identificagio com os pais idealizados (DOR, 1992). Mas a intencio aqui nao é fazer a andlise estrutural do caso e sim, a andlise genética. Na tentativa de mostrar a possibilidade de se intervir pela via nao verbal, queremos ilustrat 0 manejo dos significantes mudos numa clinica que se propde A medi¢io corporal, como pretende a clinica de Psicomotricidade, cujo ponto de partida e ponto de chegada ¢ 0 corpo. Segundo Wallon (1975), a emocao joga um papel primordial entre os automarismos € a reptesentacio mental. Quanto mais organizadas as emogoes (¢ af ele passa a falar de afetividade), mais capacidade de repre- sepasig ssntal seri possivel. Ao mesmo tempo, a emocao funciona como intermediatia no antagonismo entre automatismos (reflexos condiciona- dos ¢ adaptados pela vida de relacao) e a representacao. As emogées sao essencialmente uma funcio plastica, uma fungio de expresso de forma- gio e origem postural, constituindo-se pelo ténus muscular. Sua diversida- de esta ligada 4 hiper ou hipotensio do tonus, 4 sua livre afluéncia em gestos ou em aces ou a sua acumulagio sem saida € a sua utilizagao em espasmos. Podemos compreender, pela anilise genética, que 0 pequeno A achava-se sem saida para o livre desentolat de seus gestos € acgdes e para conquistar o mundo simbdlico a que tem direito. Ele nao sabia, aos dez anos de idade, let e escrever. Aprisionado tonicamente pelo clima contagi- oso e tenso do seu ambiente familiar e pela imagem que the refletiam de set um menino prejudicado, nao conseguia ver- se diferenciado do contex- to, dos outros, das circunstincias e das imagens possiveis que ia compon- do, Essas imagens etam motivo de vergonha para ele. Foi necessatio que vivesse um momento de intensa emo¢ao, abolindo a ordem de percepcoes até entio organizadas, na companhia de alguem que The serviu de elo com o mundo da realidade, para que pudesse extinguir essa emogao, introdu- zindo a reptesentacao simbélica, Nao foi somente o fato de haver condu- zido a situacio a suas justas proporgdes 0 que livrou o pequeno A da 132 o¢ao indiferenciada de ser um prejudicado, mas sim o fato de ter feito um esforco para representé-la. Quando a emogio domina, as impressdes orgdnicas e subjetivas aumentam e dilui-se a delimitacio entre 0 eu e 0 nio eu, a sensibilidade se faz confusa, global e indivisivel. Essa auséncia de partes diferenciadas no conjunto € 0 estado que Wallon chamou de sincrético. A sensibilidade da emocao é essencialmente sincrética e aglutina, de forma indissocidvel, tudo aquilo que participa da emogao. Aglutina a motricidade, o pensamento e a linguagem. \ Os desenhos, as atividades, os jogos realizados pelo pequeno A, na sala de Psicomotticidade, intervieram de forma nao verbal em sua motricidade que, por sua vez, atualizou suas emog6es, estimulando formas arcaicas e primitivas relacionadas a sua percepgao do mundo e de si pr6- prio. Sob o olhar da terapeuta, ele pode representar mentalmente, pela conquista de novos simbolos, a realidade que vivia e a si proprio. A emo- cao expressada e organizada, na relacao afetiva com a terapeuta, jogou um papel de transi¢ao entre o puro automatismo que permanecia subordina- do as incitagdes sucessivas do meio e 4 vida intelectual que, ao proceder por tepresentagGes e simbolos, péde prover a acio de outros motivos e outros meios que as do momento presente e da realidade conctreta. Uma vez que o pequeno A mostrou um progressivo desempenho na escola e em casa, como telataram surpresos seus pais e professotes, podemos nos perguntar sobre o aprisionamento sufocante que o meio impde a crianga, 4 medida que lhe exige e cria expectativas em relacao 4 sua aprendizagem. E aqui, gostariamos de levantar algumas questes em relacao ao processo educacional e ao aprisionamento do psicdlogo quanto as exigén- cias em torno do diagnéstico, quer seja ele psicolégico, quer seja psicopedagdgico ou psicomotor: Sera que também nos encontramos indiferenciados e sincreticamente indissociados em relagao ao contagio emocional do ambiente escolar? Serd que estamos procedendo de forma puramente automatizada, quando nos enviam uma crianga com um relaté- rio de queixas, com indicagSes para uma escola especializada, perturbando © sisterna, impossibilitando que um programa oficial de educacao seja cum- prido? E imprescindivel ler, escrever e contar, aos sete anos de idade? Onde fica a histéria da pessoa, a concepcao de mundo que tem a ver com a sua raca e com a cultura? 133

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