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Revista Brasileira de Atividade Fisica e Sadde V.1,N. 1, pag. 85-94, 1995 CONSUMO MAXIMO DE OXIGENIO Segdio Especial FATORES DETERMINANTES E LIMITANTES Benedito Sérgio Denadai ' ' Departamento de Educagdo Fisica do Instituto de Biociéncias da Universidade Estadual Paulista Campus de Rio Claro A Fisiologia do Exercicio € relativamente nova para o mundo daciéncia. Até o final do sécu- lo XIX, 05 fisiologistas tinham, como maior obje~ tivo, obter informagées clinicas, dando-se pouca atengio as respostas do organismo durante 0 es- forgo. O primeiro livro sobre Fisiologia do Exer- cfcio, intitulado “Physiology of Bodily Exercise”, foi escrito por Fernand La Grange em 1889. Neste livro, La Grange admite que “muitos detalhes es- to ainda em estgio de formagao, sendo um capi- tulo da Fisiologia que est4 em processo de revi- sfio, no se podendo formular conclusdes neste momento” (WILMORE & COSTILL, 1994) Posteriormente em 1921, Archibold Hill ganhou o prémio Nobel com seus achados sobre 0 metabolismo energético. Embora muitas pesqui- sas desenvolvidas por Hill, foram realizadas em miisculos isolados de 1A, ele também conduziu al- ‘guns dos primeiros estudos fisiolégicos em corre- dores. Nas titimas décadas, gragas a grande im- portancia que se tem dado ao movimento, a Fisio- logia do Exercicio tem-se desenvolvido com gran- de velocidade, Para que possamos ter idéia desse crescimento, basta citarmos que em recente encon- tro do “American College of Sport Medicine” (1995), contando hoje com aproximadamente 13.000 membros em todo 0 mundo, foram apre- sentados mais de 1.400 estudos, relacionados prin- cipalmente com a Fisiologia do Exercicio. Dentro da Fisiologia do Exereicio, uma das reas que mais tem recebido a atengio, é a relacio- nada com o metabolismo energético. Isto parece ocorrer, porque € principalmente a partir destas informagoes, que se pode realizar a avaliagao, pres- crig&o e controle do treinamento fisico, a predigao da “performance” de diferentes tipos de exercfci- 08 € a identificagao de alguns mecanismos relaci- onados & fadiga. Deste modo, esta revisdo sobre Fisiologia do Exercicio, a ser editada em 4 diferentes néime- ros desta Revista, apresentaré respectivamente os seguintes t6picos relacionados com 0 metabolis- mo: 1) Consumo Maximo de Oxigénio : Fato- res Determinantes e Limitantes 2) Limiar Anaerébio : Consideragdes Fisi- olégicas e Metodolégicas 3) Aspectos Fisiol6gicos relacionados com a economia do movimento. 4) Fatores fisiolégicos associados com a performance em exercicios fisicos de médiae lon- ga distancia ‘Consumo Maximo de Oxigénio - VO2max A capacidade do ser humano para realizar exercicios de médiae longa duragdo, depende prin- cipalmente do metabolismo aerdbio. Deste modo, uum dos indices mais utilizados para avaliar-se esta capacidade, € 0 consumo maximo de oxigénio (VO2max). Emborao consumo de oxigénio (VO2), em repouso seja muito similar entre individuos 85 Denadai sedentarios e treinados, durante 0 esforgo méximo 08 individuos treinados possuem valores de VO2max. que, em média so duas vezes maior do que aqueles apresentados pelos individuos seden- tatios. ROBISON et alii. (1938) foram os primei- ros a identificar 0 VO2max como um fator determinante da “performance” do exercicio de longa duragao. Conceito de VO2max Durante o exercicio, o requerimento de oxi- génio para os miisculos ativos, pode aumentar até 20 vezes em relagao ao repouso, enquanto que para a musculatura inativa, 0 consumo permanece inalterado. Evidentemente, existem mecanismos que determinam 0 aumento do fluxo de sangue durante 0 exercicio, especificamente para a mus- culatura em atividade. Em sintese, 0 aumento da atividade da musculatura esquelética, aumenta a demanda por ATP como combustivel para a interago actina-miosina. Os substratos energéticos utilizados para a ressintise de ATP agem como um, sinal complexo que determina um aumento da fre- qiiéncia com a qual os substratos entram na mitocéndria e também, na vasodilatagio dos va- 08 que irrigam os miisculos ativos. Simultanea- mente, estas mudangas aumentam de modo seleti- vo, a energiae a oferta de oxigénio para os miiscu- los ativos (NOAKES, 1991). Como poderia ser esperado, o aumento da intensidade do exereicio € acompanhado por um aumento do VO2. O Sistema Nervoso Central re- cruta em maior ntimero e com maior freqiiéncia as unidades motoras, para produzir uma contragio muscular mais potente. A maior poténcia muscu- lar, demanda mais energia e consequentemente mais oxigénio. Dois brilhantes fisiologistas Brita- nicos, ganhadores do prémio Nobel, A. V. Hill & H. Lupton, estdo entre os primeiros a mostrar que 0 VO2 aumenta de modo linear com o aumento da intensidade de esforgo (Figura 1). Com base em certas premissas, provavel- mente incorretas (NOAKES, 1988), HILL & LUPTON (1923) propuseram que momentos an- tes do individuo atingir a capacidade maxima de trabalho, o VO2 atinge um plat6 e no aumenta mais. Embora ele consiga exercitar-se de modo um pouco mais intenso, o VO2 nio se modifica mais. Neste ponto, é dito que o individuo atingiu VO2max. Deste modo, o conceito de VO2max foi utilizado primeiramente por HILL & LUPTON (1923), sendo posteriormente desenvolvido por ASTRAND (1952) como sendo a mais alta capta- do de oxigénio alcangada por um individuo, res- pirando ar atmosférico ao nivel do mar. Figura 1. Relagdo linear entre o consumo de oxi- genio e a intensidade de esforgo. Adapiado de NOAKES (1991). iy ‘Consume de ogi niin) ‘Velocsae ds oni (ke) © VO2max pode ser expresso em valores absolutos (I/min) ou em valores relativos ao peso corporal (ml.Kg-I.min-1). Como a necessidade de energia varia em fungo do tamanho corporal, 0 VO2max geralmente é expresso em valores relati- vos. Isto permite uma comparagao mais precisa entre individuos com diferentes tamanhos, princi- palmente quando se exercitam em eventos onde existe a sustentagdo do peso corporal, como na cortida. Em exercicios onde nao existe esta sus- tentagdo, como na natagdo, a performance em exer- cicios de endurance é mais relacionada com 0 VO2max expresso em valores absolutos (ERIKISON et alli., 1978 ; WILMORE & COSTILL, 1994), VO2max ou VO2 pico ? Como citado anteriormente, apés uma sé- tie de experimentos classicos, HILL & LUPTON (1923) verificaram que o VO2 aumentana mesma proporgdo do aumento da intensidade do esforgo, até que se atinja uma intensidade critica, a partir 86 Revista Brasileira de Atividade Fisica e Sadde ~V. 1.1 - 1995 a By | da qual nao existe mais aumento do VO2, mesmo 9 individuo ainda sendo capaz de aumentar a in- tensidade de esforgo. Deste modo, é reconhecido que 0 esforgo realizado além da estabilizagao do VO2 (platé de VO2) foi suportado pelo metabo- lismo anaerdbio, resultando em actimulo de lactato intracelular, acidose ¢ uma exaustio inevitavel Embora as bases te6ricas (NOAKES, 1988) metodolégicas (MYERS, 1990) da existéncia do plat de VO2 venham sendo mudadas, este fend- meno € tradicionalmente utilizado como critério para determinar-se 0 VO2max durante testes laboratoriais (SHEPHARD, 1984). J4 que a existéncia da esta- bilizagdo do VO2 com o aumento da intensidade de exercicio € um fenémeno pouco freqiiente, muitos critérios menos rigorosos tem sido propos- tos para a determinagiio do VO2max. Entre eles podemos incluir ; 1) um aumento no VO2 durante a fase final do exercicio menor do que 150 ml ou 2.1 mL.Kg-I.min-I para um aumento de 2.5% na velocidade da esteira rolante (TAYLOR et alii., 1955); 2) um aumento de VO2 menor do que 2 desvios padrao das médias de mudangas entre as intensidades prévias de exercicio (MITCHELL et alii., 1958); 3) um aumento no VO2 menor que 2 ml.Kg-l.min-1 para um aumento de 5-10% na in- tensidade de exercicio (SHEPHARD, 1971). Independentemente do critério utilizado, estudos mais recentes tem mostrado que somente ametade de todos os indivfduos testados, apresen- tam um verdadeiro plat6 de VO2 durante 0 exerci- cio méximo (NOAKES, 1991). Além disso, o VO2 atingido durante o esforgo maximo, depende tam- bém do protocolo e/ou ergémetro utilizado (HERMANSEN & SALTIN, 1969), ¢ do tipo de atividade onde o atleta é especificamente treinado (MAGEL etalii., 1975). Deste modo, alguns auto- res tem proposto que o termo consumo de oxigé- nio de pico (VO2pico), o qual representa o maior ‘VO2 obtido durante um exereicio realizado até a exaustdio, € mais apropriado do que o termo ‘VO2max, 0 qual convencionalmente implica na existéncia de um plato de VO2 (ARMSTRONG & WELSMAN, 1994 ; JACKSON et alii., 1995). Emborao termo VO2pico venha sendo uti- lizado em publicagdes mais recentes, para esta re- Consumo Maximo de Oxigénio: Fatores Determinantes ¢ Himitantes visio continuaremos a utilizar o termo VO2max, jd que a quase totalidade das referéncias utilizadas assim o fizeram, havendo portanto a necessidade de mantermos a forma original apresentada pelos autores. Valores de VO2max Quando analisamos os valores de VO2max de individuos sadios pertencentes a grupos hete- rogéneos, isto é, com diferentes idade, sexo, local de residéncia ¢ estado de treinamento, podemos encontrar valores entre 20 € 85 ml.Kg-I.min-1 (LACOUR & FLANDROIS, 1977). Entretanto, a0 analisarmos grupos mais homogéneos, as variagdes encontradas so bem menores, situando-se entre 15 ¢ 20% (ASTRAND, 1956). A Tabela 1 apre- senta alguns valores tfpicos de VO2max de dife- rentes grupos de individuos. Tabela 1. Valores de Consumo Maximo de Oxigé- nio (ml.Kg-I.min-1) de individuos sedentdrios e de diferentes grupos de atletas. Adaptado de WILMORE & COSTILL (1994) Grupo ou Esporte Idade(anos) _Homens Mulheres Sedentérios 10-19 47-56 38-46 20-29 43-52 33-42 30-39 38-49 30-38 40-49 36-44 26-35 50-59 34-41 24-33 60-69 28-35 20-27 Fisiculturistas 20-30 38520 Basquetebol 18-30 40-60 43-60 Voleibol 18-22 43-60 40-56 Futebol 2032 42-60 40-53 Natagao 15-25 50-70 40-60 Ciclismo 18-26 62-74 47-75 Corrida 18-35 60-85 50-75 Fatores que determinam 0 VO2max 1. Fator Genético A influéncia genética sobre 0 VO2max foi estudada inicialmente por Klissouras € colabora- dores, em uma série de experimentos realizados no final da década de 60 e inicio da década de 70, e mais recentemente por Bouchard e colaborado- Revista Brasileira de Atividade Fisica e Sadde — V. 1 N. 1 - 1995 87

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