Você está na página 1de 1
A CASA HABITAVEL Ja no falo do incémodo que as visitas ino- portunas infligirao, daqui por diante, aos mora- Penso nessa casa de vidro que © arquiteto Pierre Chareau acaba de construir em Paris. uma casa para familia, e todas as paredes, por- tas, marmores, metais e boiseries séio de vidro au- ico, inquebrivel e transhicido. O telegrama nao diz, mas est se vendo ima casa assim casa, As visitas tm, em geral, o senso da ino- de vidro, 36 portunidade. Agora terdo também a vista, € a nos- Porque até agora a casa nao era s6 0 lugar sa sala scrd invadida no justo momento em que do repouso e do café matinal, em chinelas, com pedindo a Deus, com fervor, a extingao a alegria dos filhos promovendo desordens no al- lade. pendre, Era também, e princi mbém — last but no least — os cre~ se abrigava do mundo e sua rocar em pijama © qui- 10 0 incémodo externo de paletés-saco ¢ ves- los de sair. Era 0 lugar onde o homem se livrava do homem, cessava a eterna perse te, perdendo um pouco essa ho: moeritica de viver as claras, mergulhava num mundo iluminado menos violentamente, ¢ por- tas cerradas, contava & esposa histérias, casos in- ventados, até mentiras, pelo prazer de mentir ¢ formando-lhes que os im tao cedo, Ho- rio e sem movimentos, palavras atos controlados pela mul- tiddo que, assentada em cadeiras de palhinha (ha de haver um sujeito para explorar cadeiras de palhinha diante das casas a dez tostdes por pessoa), assistird, desde 0 acordar melancdlico, até ao seu adormecer ini to, Positivamente inabitavel. ‘Num pais de escassa curiosidade, como 0 Bra- I, onde quase néo ha comadres, o inconvenien- te € pequeno, ¢ talvez se possa viver mediocremente entre essas laminas de cristal po- lido. Mas aflige-me a femby lesses povos dle educacdo menos aprimorada que a nossa que jé inham © péssimo costume de espiar pelo buraco das fechaduras € agora espiario pela superficie das paredes do salo ao teto.

Você também pode gostar