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© esttido denominado A ASSISTENOIA NA TRAJETORIA DAS POLITICAS SOCIAIS BRAGILEIRAS suscita, de formal renova: da, diversas preocupacses para todos aqueles que co intoros- ‘sam [pelo assunto, S40 pontos marcanies destal pesquisa: o ‘exame de yatlas {ormulacées de politica social, a presencal ‘da assistenela no conjunto de tal politica, as) singularidades| da assisténcia © do assistenclallsmo, e ainda suas relacbes ‘sem © Servico Social. A asalsiéncla est colocada como um caminho a ser trilhado para a popilacdo ompobrecida, na busca de bene e cervicos dentro da dinamica da socledade de classes, Num Brasil ‘Wansido pela| discriminaeao econdmica social © politica, a ‘assistencla publica Tealiza+se, ao mesmo tempo, sob a forma de humanizaeéo de um capltailsmo viruiento, assim como de ‘um protesto contra a miséria social, deseaperadora © cons tantel Greio| set este 0 momento mais’ vigoroso 6 instigante ‘deste estudo. Somente ai se pode divisar a importancia @ os limites da asistencia publica, quando entao se corporifica ‘em auxilios parciais © provisorios, Trata:se de analise bastante questionadora, que merece amplo) SEN B5=249--003: 35524! 900534. ISBN aly IMA NOs eres Registro: 003677 Assisténcia na Aastra trajetéria das (Camara rasietra do Livro, S?, Brasil) tic” Ribtiogeatia t r9| ( ISBN 85.249-0053-4 Sogo ci., eapeasel e ° 509.20981 ( i 509 212098 85.1487 ie 361 981 cay ao 20981 (18. ee UMA QUESiAO EM ANALISE A ASSISTENCIA NA TRAIETORIA DAS POLITICAS SOCIAIS BRASILEIRAS “uma questi em andlise Aldaiza de Oliveira Sposati, Dilsea Adeodata Roneti, Maria Carmelita Yazbek, ‘Maria do Cannaa de Carvalho Capa: Paulo Ferra Leite Revisdo: Suely Bastos Nenhuma parte desta obra pole ser reproduzida ou duplieada sem antorizagio expressa das autoras ¢ de editer. © 1985 by AAutoras Direitos para esta edigto CORTEZ EDITORA. Rua Bartira, 387 ~ Tel: (O11) 864.0111 (05009.000 ~ Sao Paulo — SP Impresso no Brasil - Abril de 1998 ALDAIZA DE OLIVEIRA SPOSATI DILSEA ADEODATA BONETTI MARIA CARMELITA YASBEK MARIA DO CARMO B. CARVALHO FALCAO Assist@ncia na trajetdria das 1D A De 6° edicao UMA QUESTAO EM ANALISE CORTEZ € €DITORA CONSULTORES Alexandrine Manguia — CELATS Carlos Alfredo Souza Queiroz Diego Palma — CELATS Evaldo Amaro Vieira — PUCSP José Paulo Netto — PUCSP Lucio Kowariok — CEDEC Maria de Lourdes Covre — PUCSP Pedro Luiz Barros Silva — FUNDAP Sara Lia Werdesheint Colaboragae — CNPq Sumario PREFACIO PREFACIO A SEGUNDA EDICAO APRESENTACAO .. ASSISTENCIA NA CRISE: bases ¢ horizontes da questo. ul 1. Aconstituicao do objeto de estudo ai 4 2. As perspectivas de andlise ......e.jcsscsssesceseiente 2 POLITICA SOCIAL E O ASSISTENCIAL: a reconstrugéo do significado sa... 2 1, Oassistencial na politica social 29 2. Oassistencial e a conquista da cidadania : 34 SERVICO SOCIAL EO missle TENCIADS a coloc: daquestao 39 1. “Aassisténcia na Historia 40 2. OServigo Social c a assisténcia 43 ASSISTENCIA — ASSISTENCIALISMO: a bus da speragio daquestio .. orcs 55 1. Assisténcia e assisténcia social SN 59 2. Assisténcia e assistencialismo .. 66 ASSISTENCIA COMO AGAO GOVERNAMENTAL: 0 aparato estatal em questéo. 19 1. O formato burocratico da assisténcia social... 81 2. A assisténcia com despesa publica . 92 AGUISA DE CONCLUSAO .. secesssssenensseceeetse 108 BIBLIOGRAFIA . 109 PREFACIO A vinculacio eritica entre 0 Servico Social ¢ 0 assistencialismo tem sido um tema privilegiado na bibliografia contemporinea da profisstio. Néo creio, porém, que o trabalho de Sposati/Bonetti/ ‘Yasbeck e Carvalho Falco possua similar na nossa literatura. De feto, 6 um empenho original, configurando um peculiar en- foque do problema. A base de determinagées ¢ hipdteses estinmu- antes (porque polémicas), seu mérito maior consiste na tentativa de fazer confiuir a perquirigao tedrica abrangente com o tratamento de situagdes histéricas particulares. Seu trago mais pertinente, eu © localizaria na sua natureza ensaistica, com um diferenciado’ ¢s- pectro de chaves heuristicas a servigo da desmontagem dos nexos que articulam um sistema de dominagio (0 Estado autocratico- -burgués) © sua legitimacao (a ilusio da cidadania concedida), no pariimetro da crise, pela inconclusa mediagio do vetor assistencial institucionalizado. Quem se dispuser a cacar pulgas no elefante, certamente que vai encontré-las, € ndo poucas. Mas o investigador que se volta para o substantivo no hesitaré em reconhecer — por entee as fra- {uras ineludiveis num projeto pioneiro e (por que nao?) audacioso — que est defrontado com o prekidio de uma interpretagio reno- vadora, Resta aguardar, com razdo, 0 seu prosseguimento e, com idéntica razoabilidade, suspeitar que 0 Servigo Social brasileiro esté alcangando a sua maioridade. José Paulo Netto PUC - SP A discussio acerca do papel do “assistencial” na politica sociat brasileira em seu desenho atual assume importincia crescente. A crise politico-econémica e social que atravessa o pais e sua estru= tura social desde o final dos anos 70 impde uma reflexao acerca de como 0 Estado brasileiro vem procurando “administra: a situa G40 de miséria que assola parcela significative de nossa populacao. E exatamente nesse ponto que a questio da assistEncin social parece cvidenciar-se como elemento funcional e necessiirio para 0 enfrentamento, ainda que parcial ¢ precétio, das questées sociais no Brasil. Ao mesmo tempo, a politica social brasileira e seu ramo assistencial vem se mostrando cada vez mais timida © incapaz de sequer compensar problemas sociais referentes & miséria, & injustica social colocando uma contradigo cruel para os profissionais ligados diretamente a essa problemitica: O que fazer? Imobilizar-se? Sim- plesmente denunciar? Agir em qualquer direcio? Preservar uma ca tegoria. profissional? © estudo “Assisténcia na trajetéria das Politicas Sociais brasi- leiras” pretende abrir um caminho de teflextio acerea desses px0- bblemas. Ao tentar analisar a questo da “Assisiéneia Social” atravé de uma perspective histérica e abrangente, de andlise da formacao social brasileira ¢ enquanto uma politica governamental, este estudo abre uma trajet6ria fértl, ainda que complexa de investigagio. Certamente, @ pesquisa efetuada apresenta, como qualquer tra boalho, lacunas, interpretagdes polémicas ele. Cabe lembrar porém, que seu mérito situa-se além desses problemas. Ele reside, exata: mente, na coragem ¢ na oportunidade de, ao questionar determina as priticas, abrir caminhos para que novos trabalhos auxitiem, como este, 0 processo politico de minimizar as tremendas desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira dos anos 80. Pedro Luiz Barros Silva FUNDAP, © propésito de repensar o assistencial no Trabalho Social coincide acertadamente com uma polémica efetivamente em curso ¢.central. E necessirio superar as limitagdes da reconceitualizacio, j€ que esta, ao desprezar o “assistencialismo”, cain no erro de nie compreender que a assisténcia, articulada com os movimentos so- iais, podia contribuir no fortalecimento dos processos organizativos dos setores populares. Para isso, sera necessfirio — como o texto coloca —, nao ver somente que a assisténcia se reveste de um ca rier paliativo, mas sim desvelar as determinacdes sociais e histéri- eas que atuam para dar-the existéncia no interior das relagées de classe em seu jogo contraditério, a partir da perspectiva dos inte- esses populares. Cabe postular que « assisténcia é 0 que define o trabalho social como profisstio. Sem assisténcia, 0 trabalho social deixa de ser, ou, © que € 0 mesmo, passa a ser outra profissio. A assisténcia, sem diivida, tem cardter de classe. Se se deseja um trabalho social a servigo do povo, terd que ser uma assisténcia “liberadora” (mobi lizadora, participativa, promocional etc.), O assistencialismo que a reconceituaco quis desprezar correspondia A concepedo paternalista, desmobilizadora e opressiva que requeriam as classes dominantes para controlar € submeter a insatisfagao ¢ protestos populares, po- rém, opondo-se a seu cardter reaciondrio, pretendew também neger toda assisténcia, submetendo a profissio a um bloqueio paralisante. Alejandrino Maguiia CELATS “Parece-me que o objeto selecionado ¢ sumamente importante, © dé oportunidade para elaborar perguntas.significativas. Neste momento apresenta importéneia conjuntural: quando varios paises na América Latina reabrem 0 caminho democrético 4s politicas sociais recuperam sua importincia, contraditéria, tanto para a dominagao como para os movimentos de base. Mais ainda, 0 objeto (0 assistencial) se coloca no espaco de relagies entre 0 Estado (a sociedade civil que se condensa no apa rato estatal) ¢ 08 setores populares (da dindmica que perfila a si- tuacao € as oportunidades dos setores populares), Por isso, enten~ der mais esse objeto permite iluminar melhor, a partir da_pritica do Servigo Social, todo um contexio que interessa a0 conjunto das Citncias Sociais.” Diego Palma CELATS Sao Paulo, setembro de 1985 PREFACIO A SEGUNDA EDICAO Com o caréter fundamental de trazer para debate ¢ para objeto de pesquisa a questéo da assisténcia e da assisténcia social, ndo se pode negar que este ensaio tenha conseguido tal objetivo. A sucesséo de debates no ambito de organismos governamentais, de universidades, as discuss6es informais so- bre este texto foram continuas desde a sua publicagao. Este processo ver suscitando um conjunto de indagacées, nao s6 para os interlocutores, como para os préprios autores. A polémica conjuntural acerca da cidadania fez deste tema uma das principais questées para aprofundamento. O ardil contido no discurso acerca da expansao da cidada- nia, particularmente quando se refere as classes subalterni- zadas, provoca aparente homogeinizacao de matrizes teérico! politicas antagénicas, transformando capitalistas ¢ trabalha- dores em “aliados” na construgao de relagGes democraticas. Com isto cria-se um aparente consenso que oculta tanto o balizamento liberal-burgués, da génese deste discurso, quanto © confronto de forcas e poder da relacao de classes. Mas, por outro lado, € esse confronto de forgas que possibilita que a luta das classes subaliernizadas pela conquista de seus direitos sgciais se constitua numa estratégia de ruptura no “jogo de conciliag4o” proposto pelas clites burguesas, sobre~ tudo na Nova Repiblica. F s6 dentro desta conjuntura estrat gica que se entendeu adequado 0 uso da expresso “nova cidadania”, embora apontando para a necessidade de estudos que aprofundem a questio. ‘Nesse contexto, a assisténcia social enquanto prestagio de servigos constitui uma mediagao na relacdo de classes & ¢ 0 desvelamento do cardter ideol6gico desta relagéo que per- mite apreendé-la como um espaco contraditério onde tanbém ocuris a luta pelos direitos sociais. APRESENTACAO Como @ questo assistencial esté inscrida nas politicas governamen- tais de corte social? Esse problema primeiramente concentiau as prec eupagoes de um grupo de professores que vivenciam ou vivenciaram, no conjunto de suas priticas sociais, problemas coneretos dirctamente relacionados a assisténcia. social; assim come concentiou o iuteresse de pés-graduandos em desenvolver pesquisas sobre as politicas © priticas assisteneiais, Num segundo momento essa mesma questZo se torneu © objeto da anélise que ora esta sendo apresentada no sentido de indicar que aquelas preocupagdes que deram origem ao tema da andlise implica, além da busca de conhecimentos explicativos, exigéneia de se repensar as pro- postas de atuagao dos assisientes sociais © Programa de Estudos Pés-Graduados em Servigo Social da PUC-SP tom adotado exaiamenie # orientacdo de tematizar a assist@ncia social. Assim, com este estudo buscase a construgio de referéneias tedricas que subsidiem novas investigagées e, ao mesmo tempo, fundase com cle a linha de pesquisa em assisténcia pablica, ao lado das gue j4 existem no programa Bste wabatho €, portanto, © resultado de ums aliangs) da pritica cotidiana © do estude académive, 6 seja, die selagiu euriaempiria que esteve presente desde a preocupagic primeira © agravamento das ja precérias condigdes de vida da populagao brasileira © suas formas de resisténcia a essa situagdo delimitaram a anélise: tomotrse como marco inicial o ano de 1978 © restringiu-se & andlise & realidade urbana, A construgéo deste estudo nile seguiy um caminko linear, vérios movimertos permitiram a anélise do objeto, conjugando dialeticamente Ceoria e pritica. Dentre tais movimentos se ressulta * rellexdes coletivas entre pesquisadores, professores, alunos © especia listas sobre a temftica © sobre © texto-base norteador da pesquisa: 9 © discusses sisteméticas com agentes institucionais da Secretaria de Promogao Social do Estado (no interior ¢ na capital) © Secretaria da Familia ¢ Bem-Estar Social da Prefeitura do Municipio de SAo Paulo, num total de nove semindrios que envolveram em torno de 1,200 par- ticipantes; anélise do telatério preliminar de pesquisa com especialistas, bus: cando ampliar « problematizacdo do tema: * discussiio do tema no III Encontro de Trabajo Social en La Unidad Latinoamericana, ocorrido em Lima, em novembro de 1984; © anélisc da bibliografia publicada ¢ de relatéries de pesquises cm andamento sobre a temitica. A anilise aqui desenyolvida nfo tem por objetivo a particularizagio de uma determinada pritica ou o traiemento singular de uma experiéneia institucional. Sua matriz referencial se limita a tomar as politic brasileias no seu conjunic. Com esse intuito adotaramse tres grandes cortes de andlise: © 0 assistencial como mecanismo presente nas politicas sociais; * © assistencial como area de investimento do Estado brasileiro e pro- dutor de bens e servigos & forga de trabalho; © 0 assistencial como mediagio fundamental da prética do assistente social Entendendo ser neste dmbito que se inscreve a aco dos assistenies inis, 0 Programa de Estudos P6s-Graduados em Servigo Social da PUC-SP adota como ume de suas linhas priorititias de pesquisa © repen- sar a assisténcia social pGblica no Brasil, com 0 apoio do CNPq — Consetho Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnol6gico. © tratamento do tema foi organizado em cinco capitulos interde- pendentes segundo a légica utilizada pelos autores. Cabe ao leitor refazer esta légica no seu exercicio de leitura, segundo os seus préprios critéries seletivos, 10 ASSISTENCIA NA CRISE: bases e horizontes da questdo Oitenta_mithoes de brasileiros constituem uma populagao de provavel dependéncia sociat, Em outubro de 1984 # Secretaria de Assisténcia Social do Minis. (rio da Previdencia © Assisténeia Social, com base no PNAD-1982- FIBGE, mostrava que cerca de 64% dos brasileiros constituiam uma populagdo de provivel dependéncia social. Este niimero ¢ composto por: quase 5% de maiores de 60 anos nic economica- mente ativos (5.802.521); quase 20% de menores de 10 anos 131.601,,326); © 33% de maiores de 10 anos que nfo possuem rendimento fixo (40.501. 865). Sessenta mithdes de brasileiros detém 12,6% da riqueza nacional ¢, em contrapartida, 12 mithdes de brasileiros detém mais de 50% dessa riqueza De acordo com os censos FIBGE verificase que, em 1960, 50% da populagao brasileira (os mais pobres) detinham 17,4% da riqueza produzida no pafs. Em 1970 esia mesma populacaa detinha 14,9% 6, em 1980, este percentual desceu para apenas 12,6%. Enquanto isso, os 10% mais ricos da populagdo brasileira, em [960, detinhain 39,64 da riquezs nacional, indice qe passoit em 1970 9 46,7% 2, em 1980, 2 50,94%. Sesventa e seis milhdes de brasileiros maiores de 10 anos vivem na zona urbana, Em 1982, dos quase 91 milhdes de brasileiros maiores de 10 anos de idade, 72,7% (66.096.495) viviam em regides urbanas, de acordo com 0 PNAD-FIBGE, Destes, 82,8% viviam sem rendi- menios, ou ganhavam menos de dois salsrios minimos. Mais de 50 snithdes de brasileiros ndo tém dgua canalizada em seus domicitios. De acordo com 0 PNAD-1982-FIBGE, 10,533.789 dos 27.401,545 domicilios nao possuium dgua canalizads. A precariedade de infra- u estrutura domiciliar demonstra a agudez da pauperizacto que atinge 4 populacéo. Vinte e wm mithdes de brasileiros que compoem a'forca de trabalho ativa ganham até wn satirio minimo, 0 que cobre 23% de suas necessidades. Em fevereiro de 1985, 0 DIEESE (Departamento Intersindical de Estatistica ¢ Estudos Sécio-Econémicos) apontava que 40% da po- pulagado economicamente ativa no Brasil ganhavam até um salario minimo, O valor desse salario decaiu em quase 50%, ‘Tendo por base os valores de dezembro de 1984, quando o salario minimo era de Cr§ 166.560, seu equivalente em julho de 1940, quando foi institudo, corresponderia a Cr$ 309.986, valor que em janeiro de 1959 aumentou para Cr$ 446,561 O Brasit & um dos paises onde se registram as matores taxas de desi- gualdaite social. World Devt Report, 1983 Possivelmente estas informagées torneramse um lugar-comum para os brasileiros. A miséria é desnuudada ¢ apresentada em jornais, revistas, vidios, reportagens televisivas, filmes, Muitas perguntay surgem: como © brasileiro consegue ainda “manter o corpo em pé” ¢ trabalhar? Com quais estratégias scbrevive? Como enfrenta a miséria eo desemprego? Uma rede de solidatiedade social ¢ estimulada. Chega-se a alterna- tivas do tipo: adote uma familia nordestina! Adote um desempregado! Ha porém uma contrapertida a estas saidas, ao famoso “jeitinho brasileiro” de enfrentar situagées dificeis: as politicas sociais, enquanto estratégias oficiais que devem dar respostas as necessidades da populagdo, Ba partir disso que a dire desta anilise se volta para as con- digdes de acesso da populagao as politicas sociais, ou, ainda, para as garantias com que conta a populacéo brasileira para enfrentar sua situa: G80 de miséria Esto em questo, portanto, as formas pelas quais o Estado incor- pora as demandas sociais ¢ as implicagées que tal incorporagdo acarreta para a populacio. Mas, se de um lado esta questo se funda na situagdo de pauperi- zaciio, de outro, cla procura cercar uma questo politica presente na sociedade brasileira: « rearticulagio de forges da sociedade civil e, nesta, © poder popular. 12 A vearticulagao de forcus democraticas, pauta da “Nova Reptiblica”, nao pode se limitar & consagragdo de processes eleitorais, Hé que se por em exame também o efetivo contetide democrético das politivas © priticas hoje instaladas na sociedade brasileira Evidencia-se uma expressiva demtanda por programas sociais mas, em Gontrapartida, a extensio da sua cobertura é uma resposta que, em- bora extremamente custosa aos colres piblicos, configura o problema G86 em termos de quantidade Romper a situagio atual de miséria do povo brasileiro deve impli- car um saldo que o fortslega, que signifique um avango na constituicao de sua cidadania F neste contexto que sc resgata a assisténcia como politica gover- namental, essa forma hist6rica com que a sociedade enfrentou a miséria, pauperizagao. Que contornos arlquire ela hoje na sociedade brasi- leira? Seria a assisténcia um espaco de avango do poder popular? A criagae de um ministério especifico para dar conta dos paupe- sizados também 6 cogitada. Hoje se conta com uma Secretaria de Assis: {nein Social junto a0 Ministério da Previdéncia © Assisténcia Social. A Legido Brasileira de Assisténcia (LBA) € considerada como o dredio mais wlido de assisténcia social do governo federal © opera com 600 bilhdes de cruzeiros, © presidente José Sarney, 55, extinguira Secretaria Particular de Assuntos Fspecinis da Presidéncia da Reptblica & Indicaré seu ocupante, Marcos Viliea, 43, nara presidente da Leaiio Brasileira de Assisténcia {LBA}. Como principal Srgio de agio social do Governo, a LBA. se wansformarina_executora ca Secretaria Especial de Agio Comunitéria, aque também se ac por Vilaga Amant, Marcos Vilaga entrega ao presidente José Sarney a minuta de criagio da nova Secretaria’ especial, que se tornara 0 embrido do futuro Minisiévio ce Agia Social do Governo. O presidente Suzney pretende, com isso, ocupar os espagus da lgreja e entidades filantrépicas, que ver Uiabalhande junto as camades mais pobres da populagio. [Num prosesso gradual s nova seeretaria ira agregando outras entidades ‘lém da LBA, como a Fonabem (Fundaczo Nacional do Bem-Estar do Menor) eo Projeto Rondon. A LBA, de todos estes érgfios de assisténcia social € 6 que tem estrutura mais slid Dispde de um orgamento de CrS seiscentos bilhbes e representacdo em quase todos 6s Estados brasileiros” (Fotlta de Sao Paulo, 9-7-1985, p. 4) Estas respostas governamentais, como novas conformagées da racio nalidade administrativa da burocracia estatal, podem contribuir para o fortalecimento dos interesses populares? E neste contexto de exame critico que a assisténcia precisa ser posta em questtio. Inicia-se esse exame pelos seus aspectos circunstanciais: as impli- cages com que a conjuntura de crise e de lutas populares marea 2 atual sociedade brasileira e traz para a andlise a assisténci ‘1. A CONSTITUIGAO DO OBJETO DE ESTUDO A crise econémica que “assola o mundo e 0 Brasil” & a causadora da pauperizacio da populacto brasileira, Esta é uma afirmagio fre: giiente a nivel do senso comum. Com isto a pauperizagéo, a desigual dade social.¢ atribufda a uma situagdo circunstancial que a sociedade atravessa, Sob @ anilise econdmica a crise & de imediato associada a uma desproporcionalidade, isto 6, consisie uma simples ruptura de regulari dades funcionais que geram uma depressio da produgio. Assim, ela & entendida como fase descendenic do ciclo produtivo ou conseqii@ncia de superacumulagi ou subconsumo Diz respeito, portanto, a uma mudanga, « algo que nfo se conforma como dantes, Em geral esse “antes” é 0 chamado quadrado magico idea lizado pelos economistas: elevado erescimento, baixa inflagao, pleno emprego © equilibrio externo, “E a situagdo de paz ¢ milagre social” ima- ginariamente construida E ha agui uma questo fundamental para a leiture da crise: ela se refere a um antes © a um depois. Nela esto implicitas 0 rompimento de uma ordem © 0 reencaminhamento "2 ordem”. E é nesse espago de “retorno & ordem”, de “superagdo de crise”, que precisa ser colocada fem questéo a diregao da emergéncia de “uma nova ordem”.! 1. Ver a respeito © artigo de Rubuh Benakovehe, Crise, que crise?, in RRursatyn, Chain e Leitio (N84: 118-38). Benskovehe considera’ que ay, principus Pesquisas reeentes sobre a crise, a partir de sous grandes (rasa, podem. Ser grupadas ‘em «luas correntes: "de um lado, estfo os economisias para quem tise atual @ a resultante de contradigées do’ modo de procdugio capitalists’ onde, ‘ problematica » que se refere pode ser fenimida pela expressao “rise do. Esta do-Providencia’ “de outro lado, estio os toinistradores da economia Tigados Wanilise dos encadeamentos conjunturais: marcados pela allernincin das recessoes «© fecuperavees". A onipresenga do Estado na economia <0 foce tecrico desta cirenie onde seis adeptor preconizam a “extingao” do. Estado. 14 Hi, portanto, uma relagdo inteinseca entre a leitura da crise © © destino para o qual ¢ cncaminhada @ sua supetagao. A crise econémiva internacional da ditima década evidenciou o declinio do chamada “milagre econdmico” brasileiro fez com que dgcada de 80 fosse iniciada com uma aguda crise econdmica, politica © social que pressionow a abertura politica do sistema militar, autoritério £ repressivo que ccupou o poder nacional até 1984. Este processo foi iniciado com a modernizacdo acelerada promovida por Juscelino Kubitschek e com o desenvolvimento dos anos 50. A partir de 1955 implantouse 9 indistria automobilistica, construiuse uma ex tenca rede rodovidria, fez co a transforéncie da capital federal para Brasilia, instalaramese grandes usinas hidrelétricas, a siderdirgica foi ox: pandida, ete, . ‘Todas estas obras foram realizadas sem muita preocupagdo com sus consegtiéncias futuras, Os recursos para sua realizacao foram obtidos através de emissio de moeda, para cobrir 0 déficit da Unigo. A economia como um todo apresentou um crescimento desigual onde as grandes industries foram as mais beneficiadas, pois tiveram seus mereados am- pliados, bem como usulrufram de isencGes fiseais, créditos a longo prazo ¢ juros negatives. Este periode favoreveu a producio de bens consumidos apenas pelos segmentos privilegiados pelo processo de concentrag#o de renda A opgio do governo de recorrer & inflagao para a oblengio de vecursos nevessirios para os investimentos provocou uma poupanga for gada: 0 aumento da procura de forga de trabalho nao correspondeu a tum methora do salirio real das trahalhadores ¢ somente alguns grupos de (rabalhadores qualificados foram de fato beneficiados nesta fase. Desta forma, o final da década de 50 apresentava um panorama em que a economia estava crescendo a todo vapor ¢ a inflagiio aumen- tundo aceleradamente, Contuco, 05 salérios teais dos trabalhadores, apesar da clevacéo da produtividade, tendiam a cair. As massas urbanas ‘A crise alravessada pela economia mundial a iting: década € tida come las mals graves no mundo. capitalista, De acordo com Fidel Castro, tl crise, embora cielion no. capitalism, afstow inchisive os pakes socinlistas devenvolvides "Casto, 1983). Cabe relembrar que os estudos sobre © processo recessive do Produto Intern Brute (PIB) egisteam que, dos anos 70 pura ed, dois grandes momentos te sgudizagio so evidenciados ness Tevessio: o primeira ebire 1974/5 e)o. segundo “em 1980/83. Estes momentos tiveram efellos iversos para a8 Economins desenvolvides © subdesenvolvidas. 15 © rurais estavam empobrecidas © vinham cada vez mais pressionando politicamente. Essa opeao politica do governo de acumular mediante poupanga forcada estava se esgotando. A ctise politica de 1961, com a rentincia de Jénio Quadros, agravou ainda mais 05 problemas econdmicos. A partir de 1962, @ taxa de cres- cimento da economia comesou a cair atingindo scus pontos mais baixos entre 1963 ¢ 1965 (recessio). Essa situacio perdurou até 1967 quando f opedo por sair da crise significou uma internacionalizeeao da economia brasileira. © golpe de 64 expressa a opello por um projeto de acumulagzo que vincula 0 pais as “aventuras” do capital internacional ¢ liquida com 0 Estado nacional populista, © Bstado tecnoburocratico capitaliste aultoritario que se instats, além de ditatorial estaya profundamente empenhado em acelerar & acumulagio capitalists -e gavantir a expansio das organiaagdes burocritiens. piblicas © privadas” (Pereira, 1982: 5). Ao acelerar 2 exploragao capitalista o Estado expande seu poder & “esti presente em tudo, 0 tempo foo, quer sob a forme da legislagiio (regulamentando os saldrios, por exemple), quer como investidor (Gianowi, 1984: 43). Observa-se a instalaglo do Estado “autocratico-burgués" que, eon- forme assinala Florestan Fernandes, caracteriza-se por seu papel de regu: lador das relagdes sociais ¢ gestor da economia (Fernandes, 1982). © modelo econdmico implantado supunha dois mecanismos basicos: a conceniracio de renda e @ abertura para 0 exterior, Estava af subje cente o arrache sularial © 0 endividamento externo. Num primeito momento, entre 1964 € 1967, foi adotada uma série de medidas voltadas para solucionar a enorme crise em que 0 pais se encontrava. As politicas econdmicas caracterizavam-se pela rigidez © visavam, em primeira instineia, acaber com a inflagio via controle de precos, salirios, déficit pablico, restrigdes crediticias, reorganizagao do sistema financeito, e, ao mesmo tempo, buscavam estimular 0 invest mento externo e incentivar as exportagées. Desta forma, a proibigao de greves € reajustamento de salirios a niveis inferiores a0 do custo de vida acabaram por deteriorar 0 poder aquisitivo das massas urbanas fazendo com que caisse sua demanda por bens de consumo. A partir de 1967, a politica adotada foi a de aceleragao do cresci-, mento tendo como fatores estimuladores: eréditos abundantes & industria 16. aulomobilisticn © a outros ramos produtores de bens durdveis de con- sumo: elevacdo © reestruturagiio dos preyos ¢ tarifas dos servigos de utilidade publica; negociagao externa. Paralelamente, a politica de salé- rios € financiamento resultow em uma aceleragao do proceso de con- centragao de renda. Hé de fato um periode de retomada do crescimento da produgao industrial provocando forte elevagao da taxa de acumulagio de capital Conforme demonstra Belluzz0, 0 setor de bens de capital no pe riode de [971/1975 apresentou altas de crescimento decorrentes da acumulagtio do capital na indistrie automobilistica, do orescimento da siderurgia estatal ¢ dos investimentos do Estado em telecomunicagdes, combustivel © petroqu(mica, A principal marca do perfode € a nao-cor- respondéncia do ritmo acelerado da expansio ao da demanda corrente (Belluzzo, 1984: 99) Este desenvolvimento das forgas produtivas a partir de 1973 come- cou a se chocar com uma série de barreiras “isicas”: o sistema de transporte deficiente, escassez de insumos baisieos devido uma demanda exeessiva, aumento da inilagde, ou soja, uma contradigao entre um impulso cada vez mais poderoso para acumular e as limitadas disponi- bilidades para fzzé-o. Nos paises desenvolvidos ocorrerd, com esta crise, o fim do ciclo expansionista des anos 50, acelerado pela alta internacional do com- bustivel. Nesse periodo, de acordo com os informes do Baneo Mundial, ocorret « primeira recessio do PIB em relago 2 altima década. Esta recessioatingiu nncialmente os pafses industrializados © os subde- senvolvidos. Enguanto a recesso do PIB nos pafses desenvolvidos regis- Lou 6,1% em 1973, passando para 0.8% em 1974 © 0,4% em 1975, nas economias subdesenvolvidas o declinio foi menor, de 7,9% em 1973 para 5,9% em 1974 e 4% em 1975 (Banco Mundial, 1984: 12). Nesta conjuntura © choque do petréleo refletir no Brasil como um elemento a mais a se juntar a toda uma reversao da trajetéria do eres- cimento: “o choque do petroleo foi um precipitador da queda da taxa de crescimento do produto, que de 12% em 1970/73 passou para 5,6% em 75”, Nesta época € elaborado o TI PND, que pretendia um salto qualitative na estrutura industrial brasileira e, ainda segundo Belluzzo, nfo & excessive firmar que © eufemismo que inspicou o IL PND, se, por um lado, evitou um ajuste recessivo da economia ja naquela. époce, de outa parte bloqucou # busca de caminhos mais realislas para enfrentar fa ctise” (Belluzzo, 1984; 99) Como enfrentamento a este primeiro pique de crise da década, os paises capitalistas desenvolvides, de acordo com Fidel Castro, proce- deram a mudangas estruturais que configuraram uma nova ordem eco- némica que, por sua vez, implicow uma nova divisio internacional do trabalho, Nesse novo cenério destaca: a concentragio de poder do capi- tal e da produgdo nas economias centrais; 0 crescimento do papel do Estado; a redugo continua do papel da agricultura; o incremento da extraterritorializagao do capital através das transnacionais (Castro, 1983) Tals medidas, ¢ clato, afetaram as relagdes entre as grandes potén- cias © as economias subdesenvolvicas, terminando por agravar a crise nestas economias. Prineipalmente porque uma das estratégias adotaclus foi a clevagao do custo do crédito externo ¢ @ diminuicgo do ingresso de capitais ‘nesses pafses. © endividamento externo brasileiro da segunda metade dos anos 70, conforme evidencia Celso Furtado, foi um subproduto de uma politica antinflaciondria que pretendia elidir o carter estrutural das. tenses gue originayam a inflagao (Furtado, 1983) De acordo com @ Cepal, outro aspecio que caructerizaria as relagées internacionais entre 0 “ceniro e a periferia”, além do endividamento dos anos 70, seria a mudanga de papel que os bancos privados iriam jogar como fonte de endividamento: de minoritérios nos anos 60, pas- sariam a ser responsaveis por 80% da divida externa da América Latina (Copal, 1983). No Brasil, foi adotada uma série de medidas de cunho eminente- mente recessive, que visavam um juste « curl prazo da economia brasileira Ss restrigées externas. Segundo afirma Belluzz0, “a revesstio dew o ar da graga J nos primeiros meses de 1981 (...) 1981 encerra 0 ano um da reesssio brasileira — com um declinio de 4% do Produlo Intern © 10% do Produto Industrial. No tocante as finanyas pablicas a situasio twmpouco era melhor — evidencia um colapso dos esquemas de fioanciamento do governo” (Belluzzo, 1984: 105). Para a Cepal, o tipo de gestéo interna da crise adotado pelos paises da América Latina reforga a propria erise; quando recorrem, em excesso, & politica de endividamento exierno, expandem o gasto interno, res ingem as importagdes ¢ liberam o sistema financeiro ca alta das texas de juros. Contudo, € notério que a politica restritiva dos paises desen- volvidos repassa seus encargos da crise para as economias “dependentes” dada sua valnerabilidade. 18 A economia brasileira em crise esgota seu padtio de acumulacao €, se até 1980 dispunha de uma margem de menobra face & economia mundial, @ partir de 1980 © esforgo concentra-se na gestio da divida externa, © process tecessivo, ao lado da incapacidade politica de romper este esquema, leva o Brasil e outros pafses latino-americanos a sujeita- rem a economia do pais ao controle do FMT ‘Tal subordinagéo dos governos nacionais a orientagdes externas de programas de austeridade econémica resultou em altissimos custos sociais (baixo nivel de vida, desemprego, aumento da criminalidade, ete.) e no ste politi da porda de capacidade de decisio nacional. No Brasil ‘4 politica econdmica até 0 inicio dos anos 80 — antes © depois do FMI — condenosse a scministrar um enorme passive, externe interno, 6 que eertamente vai aeabar corroendo suas engrenagens até o kim pacafuso, Em 1981, além da perda de controle sobre es insirumentos de holities econdmien e da complet desorganizaeio fiscal e financeira do fo, 8 sociedacle € obrigada a suportar o desemprezo — 0 fantasma dus faldncias, e dosalento” (Belluzz0, 1984: 105) “O agravamente da crise foi se acentuando de tal forma que recess fe desemprego deixaram de ser figuras de retGrica para descerem as rua Aerise tual no se exprime apenas através de indices desoladores de desempenho econdmico, mas principalmente pelo notério dessaste das instituigoes de regulamentagioe controle que presidiram 0 avango da economia até © creplxculo dos anos 60” (Furtado, 1983: 120). De maneira simuitinea, aumentou incessantemente 0 desgaste do governo ditatorial brasileiro. A ditadura militar e burguesa entrou em crise junto com a crise econdmica, pois lop se evidenciou que 0 “capitalism monopolist, através de joternactonalizagio, pode ferir os palses pobres e dependentes ainda mais fundo que o livre cimbio sob a capitalismo competitive. A ditadura nao podia dar uma resposts. politica frontal a este problema sem espatifarse ou, na melhor das hipéteses, sem avangar munya linha aventureira de promessas ousadas ¢ de res ‘zagées muito magras (...) sob a forma de uma potitiea de abertura revelavarse a dificuldades, « fragueza © © forga do regime ditatorial” (Bernandes, (982: 25-7). De acordo com 0 Banco Mundial, o ajuste das economias “depen- dentes” aos ditames do FMI significou ama diminuiggo do consumo per capita da ordem de 2 a 10% ao ano em pafses como Brasil, Argen- tina, Chile € outros (Banco Mundial, 1984: 36). 19 A intensificago da pauperizacdo e da espoliagéo da forga de tra- balho no perfodo da ctise eriou as condigies politicas de rearticulagao da sociedade civil. “Ao longo da crise, em escala cada vex mais intensa © geral, amptos selotes da populagie, ma cidsde © no campo, juntaram-se & luta da classe foperiria © do campesinato pela democracia” (lanni, 1981: 227) As greves dos trabalhadores e multiplicagéo de movimentos sociais passaram a configurar uma nova dimensao politica ao tratamento, pelo Estado ¢ pelo capital, dos interesses da forga de-trabalho: Instalou-se na sociedade brasileira ume conjuntura, de luta, marceda por nova ¢ ampla politizagao do povo, que passou a impelir o Estado a um outro discurso e prética no enfrentamento da questo social, embora a con- juntura de crise também mantivesse 0 Estado incapaz de atender as grandes demandas por servigos sociais. Diante destes fatos nao se pode reduzir a pauperizagao da populago brasileira a uma circunsténcia imediata. A penalizacao do trabalhador fez parte da alternativa de desenvolvimento adotada pelo poder econd: mico brasileizo associado ao capital internacional, A crise de um regime de acumulagie nao é necessariamente de fordenm econémica, De fato, a crise reflete a trama dos mecanismos fecondmicos como Ingares geoméiricos de luta de classes” (Benakovche, jn: Bursatyn et alii, 1984; 134) ‘As implicagdes da crise slo de diferentes ordens, isto é, ao mesmo tempo ccondmicas, politicas e sociais. Como acrescenta Benakoyche: “é © produto de lutas cujas implicagSes so a definicao das normas sociais” (Benakovehe, in: Bursztyn et alii, 1984: 135). Repensar, nesta conjuntura, a ago governamental no campo da assisténcla ¢ posicioné-la enquanto seu direcionamento para us interesses das demandas socias. ‘A assisténcin € um campo concreto de acesso a bens © servigos pela populagio pauperizada. E a atual conjuntura de luta, de posicionamenio das demandas por ‘outra quantidade e qualidade de servigos publics que permite colocar © tema da assisténcia como objeto de estudo, Posigao esta que deve ser muito bem assinalada para que o resgate da assisténcia nao sugira novas formas de reiteragao da subalternidade da populagéo. 3. Conforme © DIBESE, em 1979 registraram-se 430 greves (4355 na ind tia), endo que em So Paulo concentraram-se 40% das greves e dos grevistas, 20 2. AS PERSPECTIVAS DE ANALISE E © contexto de lutas que permitiu estabelecer o ano de 1978 como base deste estudo, pois ncle se constituiu uma conjuntura de enfrenta- mento popular © final da década de 70, além de manifestar a agudizacio da crise econémica e 0 desenvolvimento de “propostes sociais” do governo bus- eando conformar um discurso dlistributivista: € também © momento no gual a questo social € reposta s part de nova pose da forga de Lrabatho. nario politico forgas sociais que reeuperam o espayy vedado a partir de 04 © se expressam através dos movimentos sociais urbanos € rurais, do sindicalismo operdrio aliado aos intelectuais, pfofissionais © a uma parcela da Igreja que se posiciona a favor dos oprimidos. Estas forgas questionam as medidas econdmicas refletidas na crescente pauperizagao da populagao. Reaparecem no A pobreza, 0 des mitica. nprego © @ violencia ganham uma expresso dra- Nos ventros urbanos, movimentos populares reivindicam a alteracao das politicas de tributagdo © taxagdo de servigos basicos. Introduzem-se propostas de subsidios a fundo perdido, de isen¢do de taxas, como con- digdio de acesso a servigos requeridos pelos segmentos pauperizados da populagao, Exemplos destas sao os abonos, os fundos de subsidio hal tacional, isengao ou redugao de algumas taxas de consumo de servicos, © passe operatic, o passe-desemprego, etc © social tornase campo de reivindicagaa coletiva onde os segmen- tos espuliads se manifesta e exigem um novo direclonamento das propostas soviais. Esta nova conjuntura de luta e posicionamento da forca de trabalho do significa, porém, © rompimento mecfinica do Estado brasileiro com seu padrao de dominacdo fundudo na heranca do populismo e na prética As formas de incorperacao dessas demandas sociais pelo Estado conformam as politicas sociais, sendo necessiirio avaliar até onde tais politicas sie ou néio um avango para a populacao, Pelo padrao de cooptagao herdado do populismo tais politicas con Sistitiam mais na manutengio da cooptagao do que no efetive reconhe- 2 cimento de direitos. Neste tipo de relago Estado/sociedede caracterizasse a forga do Estado frente a uma sociedade pobre, debilitada, mantida em uma condicdo de alienacdo, O cardter excludente desta forma de selagio inclui de forma subalternizada, isto ¢, sem permitir 8s demandas © desenvolvimento de sua consciéncia de classe (Welfort, 1980). Portanto, embota a intervencao estatal responda a pressGes popula- res, 08 beneficios contidos cm seus servigos so materializados como privilégios © niio como direitos (Teixeira, 1984). Os reflexos socisis da crise econdmica tém aspectos diferenciais nos paises desenvolvidos € nos subdesenvolvides. © rebaixamento da atividade econémica nas sociedades de capita lismo avangado e, junto com ele, a necessidade de maiores compensagocs is, levanta 0 debate quanto as efetivas intengdes do Welfare State em dar uma solugo & pobreza c as desigualdades sociais. © avango das soluedes sociais do Welfare State no pés-guerra de- correu de um pacto interclasses no sentido de unit esforgos para a reconstrugao econdmica, social © politica das nagdes capitalistas enval Vidas no conflito: mundial Com isto nao se pretende tomar o Estado de Bem-lstar como o horizonte desejével das politicas sociais, mas tomato como referéncia para mostrar a disténcia das politicas sociais brasileiras em relagio & sua propria referencia Assim, embora muitas vezes pretendendo paularse no “modelo do bem-estar social”, 0 cardter excludente do regime autoritério burocritico € suas vinculagdes aos interesses privados néo conformam como direitos 2s politicas sociais adotadas. Enquanio w crise econdrtica evidenciard wos pulses desenvotuides 4 crise do Welfare State entende-se que, em contrapartida, evidenciard , nos paises subdesenvolvidos, como o Brasit, 0 emergencial das. politicas sociais © assistencial é uma das caracteristicas om que se expressa a agao do Estado brasileivo nas politicas governamentais de corte social Uma das formas através das quais se pretende demonstrar esse assistencial consisie em evidenciar a emergdncia da qual se revestem as agGes estatais, no campo social. E 0 assistencial que imprime o cardter de emergéncia as politicas sociais. ° 22. E preciso tornar claro que ndo se est4 tomando # emergéncia como 1 anilise da capacidade governamental em responder com prontidio © rapidez de agao. O cardter de emergéncia é aqui conotado como respos (as estatais eventuais fragmentadas. Com isto, as politicas sociais bra- sileiras terminam sendo mais um conjunto de programas, cuja unidade se faz. reboque dos easuismos de que surgiram,* A Sgudizagio de pauperizagio termina colocande em questio néo 36 a necessidade de expansio dos servigos sociais como também as alter- nativas que adota enquanto garantias cfetivas de resolugao das necessi- dades da populagao. Ao contrario de caminkar na direcdo da consolidacao de direito, a modalidade que iré conformar 49 politieas sociais brasileiras s0ré primor- dialmente o cardier assistencial. Com isto 0 desenho das politicas sociais brasileiras deixa longe os critérios de uniformizagio, universalizagao e unifi cagio em que se pautam (ou devem pautar) as propostas do Welfare State. Em contraposigio 4 universalizagao utilizarao, sim, mecanismos seletivos como forma de ingresso das demandas sociais. Neste proceso seletive o assistente social, entre os demais pro- fissionais, desempenha um papel primordial no processamento. desses -mecanismos. Na divisdo séciotéenica do trabatho, 0 assistente social tem sido demandado conto um dos agentes “privilegiados” pelas instituigdes geri- das diretamente pelo Estado, ou por ele subvencionadas, para efetivar a assisténcia, O caréter hist6rico de sua atividade profissional em qualquer jo estd voltado prioritariamente & efetivagdo da assisténcia Via de regra a efetivacio das politicas sociais € 0 espago primordial a pritica do assistente social, embora outros profissionais’ também o integrem. Ele esti diretamenté vinculado a efetivagao dessas politicas, ~ entendidas enquanto mecanismos de enfrentamento da questio social, regultante do confronto capital-trabalho. Compreender @ questéo assistencial na trama das telagies sociais, que caracterizam a conjuntura brasileira atual e, nesta, @ agdo do assis- tente social, so aspectos prioritérios desta andlise. Qualificase como “4. Sabe-se que no Brasil falar ou adotar medidas a longo prazo é um eufe- ‘mismo dos discursos ‘oficais, Como o”€ tambem 0 asveatamento das decisoes Politicas em bases de negociacéo com a forga de. trabalho. Portinto, difiilmente 5s polticas sociais, como forma de gestao estatal da forca de trabalho, receberiam outto tratamento que nao 0 casulstico. 23, quest@o assistencial 0 imbricamentodas” politicas governamentais por uma face assistencial no enfrentamento da questo social As politicas sociais governamentais so entendidas como um movi- mento multidirecional resultante do confronto de interesses contradi trios. A exclusio dos interesses da forga de trabalho no é © moviment, univoco do Estado e de suas préticas. O Esindo brasileiro, embora un Estado burgués, que represen{a cm iiltima instineia os interesses dos segmentos hegeménicos, expressa esses interesses de classe contradito- riamente. Lucio Kowetick afirma a propésito: “A dominagio € contraditéria em dois niveis, Primeiro, porque ex press alias de clases ou de fracdes dominantes que nha se sia, fue portanto relletem conflitos ‘muito variadoe que se. constitucm em Tomte de pressie permanente’ E conclui adiante é conraditéria também, ¢ fundamentalmente, poraue se © Estado exch 4s chomadas classes dominades, tem, em cerla medida, que jnclvir alguns de seus inteesses™ (Kowariek. 1973: 7). Portanto, 0 Estado burgués, ao lado da exclusto econdmica e polt ica, deve assegurar uma distribuicdo de beneficios © © atendimento a demandas de forga de trabalho, ainda que se contraponham a certos interesses do capital.* R, portanto, um Estado de aliangas, inclusive de interesses conflitantes que se modificam no curso no processo histérico, Neste movimento so as politicas sociais © espaco de coneretiza dos interesses populares, embora absorvidos no limite do pacto. de dominagao, Com isto se afirma que o Estado, além de ser 0 “comité executivo”, 6 um campo estratégico na lute de classes. cee esegtar ua dibuiso de Seles pany acl ierghes oobee ab 24 * avancem no processo de fortale Entbora tresse embate se constitua um espace de conguistas popt- lares, a consotidagdo dessas conquisias passa pelo desmascaramento do assistencial presente nas politicas sociais brasileiras. , A partir das caracteristicas da soviedade brasileira, de sua histéria, © enirentamento da pauperizaeao reclama gue no seu bojo contenha © fortalecimento da sociedade civil. Pemrse em questo as bases de legi- * timagao das politicas socials, entendende que a questdo do enjrentamen- to da crise brasileira nto & s6 romper o emergencial na direpto da efetivarao de politicas soviais, mas de ter em conta principalmente as bases dessa consolidacio. E trazer as forcas populares para 0 cendrio da decisao. Hi um svovimento possivel no interior das politicas © priticns sociais, ndo estando implacavelmente destinadas & reiteragio da subor dinagao e do controle social. A partir dessa campreenséo delincia-se como hipétese orientadora. dessa anélise: ds priticas assistenciais gover. amentais, enquanto produtoras de bens ¢ servicos, sto um espago para a constituicto de uma nova forma de cidadania para as classes subal- ternizadas, © objeto desta aniilise se constitui, assim, em trabalhar © corte assisteneial das. politicas assistenciais e, por outro lado, a insergio do assistente social nessas priticas. Nao basta a constatagao empirica dos assistentes sociais de que a assisténcia que acontece se reveste de um carter paliative, ndo resol: yendo os problemas de forea de trabalho, que aumentam a cada dia, Impossivel uma leitura da assisténcia de per si, sem atentar para as determinagées. sociais e histéricas do significado da assisténeia como politica governamental, de sua imbricagdo com as relagées de classe © destas com 0 Estado. Em momentos de crise, a pritica do assistente social se torna funde- mental, pois exige a busca de estratégias teérico-praticas no interior das politicas assistenciais que contribuam para o fortalecimento da processo ciganizativo dos sctores populares, em articulagdo com os movimentos sociais Nessa prética, identificam-se na atual conjuntura da crise econd- mico-social questionamentos politicos tanto quanto a0 “fazer profissio- nal”, como quanto a adogao de determinados programas © estratégias de ago governamentais gue de fato se comprometam e efetivem 0 ressarcimento da divida social para com os trabelhadores, como também imerio e constituigéo de sua cidadania, fazendo valer seus direitos politicos ¢ sociais. 25 A persisténcia da prética assistengial no exerci pottanto, o argumento que se I io profissional é, fanta mais imediatamente para justiftcar esta inves E aqui residiré um questionamento: por que a possi- idade histérica de, neste momento, discutir a assisttncia que, embora persistente, ainda € negada na categorin? Esta discussio representa um reacionarismo ou um avango para o Servigo Social? Para que @ questiio nao se configure como uma “contramarcha” no sentido de reeditar a “ideologia assistencialista mais fortalecida e menos ingénua” (Santos, 1979: 25), € importante delinear referenciais para seu tratamento Esta em curso um reposicionamento teérico e politico da categoria sobre a questiio que em absoluto significa um retomar o pasado. A conjuntura social e econdmica dos anos 60 © as respostes do Service Social de entéo modificaram-se nos atuais anos 80. A retomada da ques- tao deve, portanto, realizarse historicamente.’ Repensar us polfticas sociais, hoje, ndo significa buscar apoio no discurso liberal segundo 0 qual o cidadio deve prover seu “livre” con- sumo individual na iniciative privada. A questéo deve ser resgatada a partir da perspectiva de classe, 0 que implica remeter esse conceito a uma dimensdo coletiva. Nao se pretende afirmar, com a hipstese orientadora desse trabatho, gue hé uma possibilidade nas sociedades capitalistas de coneiliagao entre acumulacao e egiiidade, Mas afirmar, sim, este espago como uma tela sao de forgas sociais onde se movem ‘autoridades, porté-vozes governa- mentais, técnicos, criticos, partidos politicos, movimentos populares, entre outros, Néo se trata de um movimento homogénco, enquanto espagos, formas, valoragao, etc. E uma relegéo marcada por posigGes de classes, nem sempre claras © conscientes a todos ea cada um. 6. B importante gue se uchite o pusicionumenso 60 Servigo Social da. Ponti- ficia Universidade Catslicn (PUC-SP)'no desenvolvimento deste estudo. Hd sein Atavida um compromisso historico da Faculdade de Se'vigo Social da. PUCSP. com o Movimento Latino-americano de Reconceituacfo, inicindo na segunda metade. a década de 60, assim como de algumas outras escolas brasileiras, Este movie ien{o, em seus marcos jniciais, negou a agsisténcia como umn dos elementos da pritica profissional, dada a reileracao das caracteristioas conservadorns que, csla Dratica implica. Assim, pode parecer & primeita vista que a PUCSP estatia’ se Fedimindo de seu. “erro bistorico” a0 se propor a analisat’ a assisténcia social pablica © 0 excreicio de sua prética pelos issistentes sociais, ‘Face i alial cone juntura, ‘a prétict da assisténcia vor ‘endo retomada nas discussdes e Teflenbex din categoria dos assistentes sociais e, em especial, entre aquelas qe se dedlicam Formacio profissional. A propria Associagio Brasifelta de Ensino de Servico. Social (ABESS), co upresentar a concepeio da profissio para a novo curtieulo ininime, reconhece que a ago profissional do assistente social, se eu historiea mente através da assisténcia a “estratos carentes da populagio”. 26 POLITICA SOCIAL E O ASSISTENCIAL: a reconstrugao do significado © assistencial, como face adotada pelas politicas sociais publicas, ro caso brasileiro, é uma categoria de anélise fundamental para construir @ explicagio que se objetiva no presente estudo® ‘© Brasil, como um dos paises u0 mesmo tempo subdesenvolvide & industriatizado, guarda como caracteristica fundamental a convivéncia de wi capitalisiu moderne mareado pela extrema concentracae de renda, 0 lado de um capitalismo predatério que produz e reproduz de forma selvagem e impune profundas desigualdades sociais.' A desigualdade © o pauperismo sto resultantes necessérias da busca a acumulacdo sem limites, contudo, séo também campos de prética do Estado enquanto “tutor” do “bem comum”. A assisténcia tem se constituido © instrumento privilegiado do Es- lado para enfrentar a questo social ® sob a aparéneia de agiio compen- T. Consutie-se, para esse eonceito, © uabslho de Kowarick (1984; 2). Ado foure agul uma leilura combinads pars explicitar o capitalismo. brasieitly unta vez que alguns conceitos nao possibilitam apreender suas patticulardiades. Carse ferizislo vomo dependente (nescolonial, periférica, marginal) tornase.invuficiente, a medida em que, no capiaismo monopolista (ou tansraeional, como preferen ‘outros: ver, a propésite, Maria de Lotiedes Covre, 1983), 1 dependence ain lanto a “mieirSpole/nicieo/eentral™ como a “eolonia/satélite/periferia”, quer sob © aspecio econdmico quet sob o politico. Nao se pove distinguic entre central « periférico porque existem Uependéncias. Esta definigio seria no minimo tautologica, hs media em que todes us soctedades cxpitalistas. se inserem em telagdey de gminio e intercdmbio dada a divisio internacional do. trabalho. A. idéia de cubi. Tullsmo’ associngls termina. sendo mals préxima do real, Outro couceito, de eapl- 19 ielardatirio au taro, constitute por Joao Manuel Cards de Melo, que poderia dar conta das conlradighes particulates do capitalismo. brasiteroy vem, Sendo contestado enquanto possi indicar a sioyples ‘defasngem de. tempo histirieo (tardiosavancado), sem Tevar em conta a reileragio da desigualdade, caracteristica das relagées eapitalistas de produedo nivel internacional. Feaneisco, de Oliveira complet a caracierizagao dus combinagBes que marcam 0 capitallsmo brasileiro, quando diz que este resulta cdo easimento do regime suloritario, com, ’ Impunidade “do capitalismo, “O- regime auloririo ‘empurrou o- capitalismo brasileiro & acumolar de qualquer forma e a qualquer prego" (otha de Sto Pani, Tseia-84, p34). 2. Al questo yocial € aqui considerada como 0 conjunto de problemas politicos, sociais © econdmicos. engendrades pela sociedude capitalisia “historiea= fente resultante ‘da constituicio do operariade, Vincula-se, pois, viscerelmente 4 relagdo capital-trabalho. Aparece no Brasil como questie concrete reeonhecida legitimamente na década de 30, Consultar Gisilio Cergueien Wilho (1982: 21 88). 27 satéria das desigualdades sociais, Pata isso, institui politicas e oria organismos responséveis pela prestacio de servigos destinados aos trabs- thadores identificados como pobres, carentes, desamparados.* A agao assistencial do Estado esté imbricada na relagao capital-tra: balho, se faz nas sequelas da exploracao da forga de trabalho, que, por sta vez, se expressam nas precérias condigdes de vida das classes subal- ternizadas.* Isto nao significa que o assistencial se constitua um mecanismo que “resolva" ou “dé solugio” « esse conjunto de problemas nascidos da contradigo fundamental da sociedade ‘capitalista. Nao significa, tam- bém, que a manutengdo “assistida” da subalternidade seja a tiniea forma de cufrentancnie da questo social pelo Estado. A presenga do assis- fencial nas pottticas socials conforma 0 usttirio, possivel gesior, em bene- ficidrio assistido. Hé que compreender melhor esse mecanismo politico como também articulé-lo com formas autoritirias, aparentemente oponenies 4 assistén- cia, que se fundamentam no uso da repressao ¢ da eoereao. A combinagiio repressdo/assisténcia tem se evidenciado como a forma histérica de trata mento das desigualdades sociais.” lihon de Albuquerque, analisundo a extratégia de suidle comunitéria liticas de sade no Brasil, conclui ao final do Capitulo Ide set irbalho, (1977: 22-3): (...) No dmbito do planejamento oficial da Polite Nacional de Saide do Estado capitalists brasileiro, o objetivo principal € o da reparagso da forga de trabalho, essencial para a reproitucio das felagées eapitalistas. ntretanto, © expitalismo se desenvolveu no Brasil com um grande pereentual de dilapidacio essa forca de. trabalho, tendo em vista sa abundancia nas grandes cidade, basicamente dovido ao processo de migracdes internas (...) Desa forma, 6 problema da reparagio da forga de trabalno etd, na atuslidade, ligado. de uo erie mado ao desempenho das instituigdes estatais (. -.) existe “um limite pose Sivet pars x weuagde dessus instulgoes partir do qual O mals Smportante no. 6 2 recuperagio iret da mio-de-obra, mas outros elementos que contribuem pata 4 sua reprodusfio, fora do mercado de trabalho, mas sob um minima ‘le controle” 4. Optou-se neste trabalho pela expresso intorprotativa lassen subalterni- ‘das, por entonder-se qe 2) deste modo se considera a subslternidade como ums modalidade histériea de dominagso que pode ser rompida: ", .estio subalteraizados". b) © se supera a possivel exeludéncia de outras formas de insereko no pro cess produtivo ede consumo que o concsito de proletarinds possa sugerit Embora seja este um conceito preciso, enquanto luta de claves, deve ser historicizado de modo a dar conte das heterogeneidades dos sepmentos dt fora de trabalho tanto a nivel de produgio, quanto. da reprodugio. das condicdes de vida. A’ esse respeito, yeja-se Durham (1984: 26 <8), Wan~ derley (1978: 108) © Welfort (1978: 72) 5, Ver a propésito os livros de Covre (1983), lamamoto © Carvalho (1982: Cap."2). 28 Em sintese, no Brasil, ¢ enfrentamento de crescente proceso de pauperizagio e espoliacio dos trabalhadores se det pelo uso convergente de duas estratégias bésicas mantidas pelo Estado: — 0 uso de um-regime autoritério ¢ exeludente; e, — a introdugio de politicas sociais calcadas no modelo assistencial. E aqui se coloca questdo/hipstese que esta investigagdo busca encaminhar conceitualmente: sera que o mecanismo assistencial reiterador a exclusio presente nas politicas sociais contém um espago para a expansio da cidadania as classes subalternizadas? 1, © ASSISTENCIAL NA POLITICA SOCIAL, A introdugio de politicas sociais caleadas no modelo assistencial consagram formas populistas de relaedo e 2 benevoléncia enquanto forma de atendimento as necessidades de reprodugao da sobrevivéncia das classes. subalternizadas, Esta apreensie nos leva imediatamente a uma leitura perversa do assistencial como o mecanismo primordial da reiteragio da subordinagio , portanto, do assistencialismo. A suporagio desta apreensio mecénica passa pelo significado his- 1drico do assistencial como forma de enfrentamento da questo social no caso brasileiro. £6 mecanismo assistencial que configura a exclusdo enquanto man- tém o irabalhador na condigao de assistido, beneficidrio ou favorecido pelo Estado © nao usudrio, consumidor ¢ possivel gestor de um servico fa que tem dirsito. Mas, contraditoriamente, ae exeluir, inclui, enquanto forma de atendimento das suas necessidadles sociais na sociedade capi- talista.* 6 Dando continuidade 20 estudo do Programa de Assisténcfa A Crienga (PAC), Guilhon de Albuquerque, a pesquisa citada, © analisando 03 servigos prestados pelo programa, conelui que, 20 lado de se constitufrem em forma de Lisciplinar habilos sociais sio, 20 mesmo tempo, possibilidade de" ..) acesso, ldo determinnde fais de popiiagio sos servigos de. sale qile, em oulras eireuns. Uincias, ser-hes-iam nezados, tendo em visti suas prépriss condigses de cxisténcia, © Programa representade pelos seus servigos lambem facili 0 acesso dessa Glienteli “a beneficios materiais. que, elas mesmas tazies, esto fora de seu aleance. Este segundo aspecto se sobrepde muitas vezes ao primeiro. Para a popt- agdo que se uliliza do Programa, 0 beneticio material €, oa maioria das vezes, uum dos sitimos. recursos par t's sobrovivénels. Isto porque’ paiperizageo Ji chegou a um ponto tal em que as coneligdes poclem favorceer 9 ulttapnssi Gaguele limite ontre a submissdo © a conlestasao. Dessa forma, para a_maioria Ga clientela, os servigos presiudas pelo Programa fuocionam como paliativo de Stuages pauperizidas de exist@ncia. contribuindo. para_manter “questGo social depiro de’ limites. toleraveis"™ 29 Embora a exclusfo faga parti’ das regras de manutengéo do poder econdmico ¢ politico do Estado, a incluso dos interesses da forga de trabalho também 0 faz. O pacto de dominagao contraditoriamente atende a interesses © reivindicagGes tanto das classes dominantes quanto. das classes subalternizadas e, nesse sentido, assume o earéter de sua incluso.” © assistencial, como mecanismo presente nas politicas saciais, reve. ase, ao mesmo tempo, como exclustio e inclustio aos bens e servigos , prestados direta ou indiretamente pelo Estado. Em contrapartida, para as classes subalternizadas, as politicas sociais se constittem um espago que possibilita o avesso a beneficios e servicos que de cutra forma Ihes sio negados. Espaco este de lutas, confronto © expansio de direitos, Ea presenga do mecanismo assistencial nas politicas sociais que as configura como compensatérias de “caréncias”. Com isto torne-se justi ficaiério para 0 Estado selecionar 0 grau de caréncia da demanda (finan- ceira, nutricional, fisica, etc.) para inclutla/exclut-la dos servigos ow hens ofertados pelos programas sociais. Mesmo os servigos produzidos pela Previdéncia Social aos securitérios recebem a tipificagio de bene- Fictos. Atestar 0 grau de caréneia passa a set uma preocupagao basica. F cla © “passaporte” para o ingresso no aparato das exigéncias institueio- nis. E aqui reside, inclusive, uma das fungdes persistentes dentre as atribuigGes dos assistentes sociais: a triagem sécio-econdmica, O assis tente social & 0 profissional legitimado para atribuir o grau de caréncia do “candidato” a usuétio ¢ o Servigo Social € a tecnologia que dé conta da racionalidade desse processo, Outco efeito da presenga do mecanismo assistencial consiste em per- mitir a justificativa de um rebsixamento na qualidade dos servigos. En- quanto dirigidos a pessoas de “poueas exiggncias”, “ignorantes”, os pro- gramas sociais podem ser reduzidos a solugGes precérias. Na perspectiva assistencial, os servigos piblicos sedestinam a uma populagio dita “ca- rente € minoritéria”. Neste sentido sao prestados em condigoes precérias, 7. Ver Kowarick (1979) © Marcos Antonio E. 1. 8. Coimbra, ax Politica e.polticas de bemestar: ima perlodizagio da experiéneia brasil (1979: 2) assim afirma: “(...) polities soviais s6 podem set entendidas em um uadro explicative onde tania 9 Fstado eas aliangat de classes gue © sustentam, uanto as carnadas populares tém papel dinimica™ 30 quantitativa ¢ qualitetivamente, e estabelecem clientelas elegiveis dentre ‘os demandatarios.* © mecanismo assistencial permite ainda um corte emergencial nas politicas sociais. Como formas duradouras possibilitam consagrar direi- tos, como respostas emergenciais pocem fragmentar a demanda em graus de urgéncia para atendimento, instalando-clientelas clegiveis Com isto as politicas sociais se prestam a reduzir agudizagies © se constituem om espago para que grupo no poder possa, de um lado, conter conflitos e, de outro, responder “humanitariamente” a situagoes de agravamento da miséria e espolingio de grupos sociais. A alternativa histGrica do tratamento das desigualdades sociais pelas politicas piblicas de corte social no Brasil nfo se isola dus formas hist6- as pelas quais o capital segue tratando a forga de trabalho @ nivel {internacional (© assistencial & uma forma de caracterizar a exelusio com a face de inclusio, pela benevoléncia do Estado frente & “caréncia dos indivt duos”. Nao é cle, de per si, a exclusfio. Esta se dé também nas politicas sociais das sociedades capitalistas desenvolvides, uma vez. que, no Tin © conflito capital-trabalho permanece mantendo a desigualdade social. ‘Mesmo ampliando-se « qualidade © quantidade do usufruto de bens ser- vigos pela forga de trabalho o Estado burgués permanece pautando a ““gistributividade” das solugdes nos limites dos interesses do capital. Mesmo as anélises sobre o capitalismo avaneado, como a de Gough, afirmam que os programas sociais ndo chegam a se constituir em meca- niismos redistributivos alteradores das desigualdaces sociais, Para alguns 1. Multon exemplos » ewe reset podem ser relambrados: consign de conic MAST ot Case Cay ‘ees aus. ofr Hoe do SRL ANN cut gsc no cones po’ pan” A. pee sega rt arn ene oa cat ak tale “hoes J Santa's tiolee's oa cents, War mento sobre est ses Le ee ear er aeoes anie los ot rey foatscela ens aL sopebect Pinatusha® como’ afieis anisole beerolene tte Pesta ¢ Sees coe as Siage Seen Bam eee be ce Se Sue Toad aaieal a Tiss een 6 ezaik oa! nc a Ear"Caatat cect‘ pooont), seal doe slow en fqo” a snis Fonte Go responsblta fam alo espe: prec std propianiare Tense Aner { n) momanie’on specs aeivem ¢ Glntae oue Sree tad se tase tipat_auet Sietls adie aus ‘sia setae see ah cot aly es cerfacli’ Por out li, coldness} Bee ees at aie oe fas Blas os eortmcas pees gail co apeiass Sonat eee ata, Oy sate’ (Goes slots) eau Seeing sire actor dal, Gfetto'e nile (CLL) come een aie ae ie en ot ete iqnrin'¢com caisde ds Comanieea See ee ee ee eat rk” ems epee reco olaania Je Gitchos (Bhatt monlonada 3 roam en"Ohe de mse s go Eke jpstitute Educacional 8° : analistas a redistribuigio nem chega a se colocur come objetivo. Os programas sociais sa0 as formas pelas quais o Estado amplia sua respon. sabilidade face ao custo de reproducio das condigées de vida dos traba- Thadores constituindo-se, ao mesmo tempo, em formes de controle social € de diminuigio dos graus explosives da lute de classes (Gough, 1975). Nao se trata, entretanto, de uma leitura imobilista do Estado burgués frente as classes subalternizadas. A lcitura de seus limites nio significa a negacio de suas possibilidades. O Welfare State — O Estado de Bem- Estar Social — foi a alternativa hisi6rica das sociedades capitalistas. do POsguerra para a resolugio das desigualdades sociais, A partir dai ‘ocorreu uma forma combinada entre a chamada politica econémica key- nesiana e © Welfare State. Enquanto aquela proporcionava um cres mento econdmico sem precedentes — regulado e estimulado —, as poli- ticas sociais amenizavam tensdes'é conflitos, potenciando a produgio ou facilitando © consumo. Na porspectiva keynesiana a politica social feria a fungao econémica ce subsidiar 0 consumo ou © subconsumo, Salirio indireto que estimule- ria © possibilitaria o ingresso dos excluidos no mercado, No caso brasileiro, nos discursos oficinis a face que se apresenta das politicas sociais € a da “preocupacio” com os direitos humanos (Covre, 1983). Embora entendendo ser este um mecanismo de controle social, para apaziguamento das tensdes sociais, jé usudo historicamente por Vargas junto aos trabalhadores, considerase que a compreensio das politicas sociais como intrinsecamente perversas, como agiio maquiia- vyéliea do Estado junto as classes subelternizadas nfo explica um lado da questo. A dupla face da politiea sneial diferenciase nas diversas conjun turas © momentos histéricos e em suas particularizagoes, enquanto pre- valéncia de uma ou ontra caracteristica, Para o Estado, @ ago compensatéria tem um uso politico que se expressa na viabilidade de tulela e na demonstragio da face humanitéria do capitalismo, As poltticas soctais devem garantir, no minimo, “a dimento”, ainda que o real sejam as “filas dos excluidos”. A construgio do “sonho" faz parte da estratégia de cocsao social mesmo que na prética esta politica continue a introduzir ou manter diferenciagt mentos da classe, subalternizada (Covre, *1978) S cmire seg- 32 Nao se pode esquecer que as politicas estatais sio um espago pata ‘a mereantilizacto do social através do repasse, pelo Estado, de recursos pera a iniciativa privada, Os services tornamese um campo lucrativo de investimentos do capital, contando ainda com as vantagens tributirias e fiseais que tais programas supdem (amamote, 1982). Outra alterna- liva, que se compoe com esta, € 0 repasse de recursos a entidades de cariter filantsépico, que terminam por diluir as obrigagdes do Estado © 08 possiveis direitos do cidadao em agbes de solidariedade da sociedade em prol dos mais “pobres” © “fracos” sob for hhumanitiria do Estado! , portanto, da transformagdo da mais-valia em politicas so- rata itis que 0 proprio wabalhador paga com seu sobretrabatho. A politica social tems sua genese na relacdo capital-trabalho, mas nao chega a ser s6 controle ou $6 salirio indireto. Nessas explicagSes, ela assume 0 cariter de mecanismo regulador das relagdes sociuis. © casuismo histérico de que a politica social se revestiu, como estratégia para 0 desenvolvimento econémico, reforea essa compreensao. B na cor- relagdo das forgas sociais que a politica social se estabelece © se modifica, « partir das transformacées das relagdes de apropriagao econdmica, como também do exeteicio da dominegao politica, No caso brasileiro, modifica sua trajeléria, como mostra Evaldo Amaro Vieira: estratégia de mobili zacdo v controle dus populagGes carentes (1951-1964); representagio do conjunto de direitos da populagao perante o Estado (1957-1964); espaco Ue lepresentagéo de interesaee populares (1957-1964); controle das clase ses subalternizadas (apés 1964); espago de reiributaggo do usuario en- Quanto prestagao autofinanciada de servigos por encargos sociais (apés 1964); subtragao dos interesses populafes no processo decissrio © agra vamento das condigées de vide da populagao (apés 1964); mecanismo de desmobilizagae social enquanto substituto das aliangas por _planos assentados ro pensamento tecnocritico (aps 1964) (Vieira, 1983). Nao se nega que @ politica social € um mecanismo que o Estado utiliza para intervir no controle -das contradigées que a relagdo capital- trabalho gera no campo da repredugao © reposiggo da forea de trabalho, 9. sta compreensfo fot bastante discutida no IM Congresso Brasileiro do Assistentes Socials emt 1979. Ver Anais, CFAS/CRAS, 33, ou, ainda, que cumpre uma fungio ideoldgica na busca do consenso a fim de garantit @ relagio dominagao-subalternidede ¢, intrinsecamente a esta, a fungio politica de alfvio, neutralizagio das tenses existentes nessa relagio. E cla uma forma de gestio estatal da forga de trabalho €, nessa gestéo, nao sé conforma o trabathador hs exigéncias da repro- dugio, valorizagtio © expansio do capital, mas também & 0 espaco de atticulagéio das pressdes e movimentos sociais dos trabalhadores pela ampliagéo do atendimento de suas necessidades © reivindicagoes. E, portanto, na perspectiva de um espago onde estdo presentes for- gas contraditérias que nos interessa compreender as politicas sociais. Um espago que pode contribuir para 0 fortalecimento dos processos corganizativos dos setores populares O ASSISTENCIAL E A CONQUISTA DA CIDADANIA A primeira vista poderd parecer que denunciar © assisiencial como “mero” mecanismo de acesso das classes subalternizadas a bens ser- vicos consiste numa postura conformista que, eo explicar, eria formas do justificar a reiteragao dessas préticas. Pretende-se, porém, ir além do justificatsrio, buscando a compreensao desse mecanismo politico como relugio das forgas. sociais. As politicas sociais nio sto simples produtos unidirecionais ¢ auté- nomos da burocracia das instituigdes governamentais. Muitas veres, 0 imediato carter racionalizador das agdes desses Sryios, expresso nos planos © programas, produz este efeito para os profissionais, que, ao se deterem na leitura e reprodugao de procedimentos © idedrios desses planos, nao tém presente a compreensio destas priticas como politicas suviais © seu significado para as classes subalternizadas, Mas, por mais paradoxal que possa parecer, o avango das politicas sociais terminam por ser menos a agio do Estado cm prover a justica social ¢ mais 0 resultado de lutas coneretas da populagdo, Estas duas faces fazem parte da politica social. De um lado, instrumento de supe raglio (ou redugdo) de tensdes sociais, forma de despolitizé-las e en minhélas para frentes menos conflitivas na relagio capital-trabalho, de ‘outro, espago de expresso de interesses contradit6rios das classes social uta pela determinagio do valor da forga de trabalho ¢ atendimento as necessidades objetivas do capital. Nesse sentido, as politicas sociais sie mais que condigdes de reproducio das condigdes de vida do trabalhadori 34 nn sie so formas de realizago de direitos sociais ©, conseqiientemente, da cidadania."” Esta afirmagie supde um Estado, mesmo burgués, onde teoricw mente os direitos so assegurados universalmente. Porém, 0 simples reconhecimento dessa universalidade nao garante a realizacao da igual- dade." A presenga do mecanismo assistencial nas politicas soviais bras ius, insuii leiras conforma « vida do trabalhador em condigdes pre cientes, que terminam por reilerar o grau de exploragao. Contudo, « apreensfio de que o assistencial ¢ um mecanismo do Escaddo, que opera a partir dos interesses do grupo no “poder”, no implica necessariamente que, para a populacao, tenha © mesmo sentido © uso. Em outras palavras, 0 assistencial é « otiea do Estado. O direito © a extensao da cidadania, em contrapartida, séo as garantias buscadas pela populacao, Com isto, nao se esta menosprézando os efeitos politicos © ideol6- giicos das po is, mas identificando que af reside © espago con- iradit6rio que permite o avango das lutas populares. Esta apreensao permite levantar a hipoiese de que no assisiencial eid contide « possibitidade de negacto dele proprio e de sua constituigao como espaco de expansao ita cidadania a classes subalternizadas do Fslado, o assistencial se reitera nay mediagdes. das ciais, seja a nivel do aparato institucional, seja a nivel, dos agentes. A reiteraeao desta ética pode ser tao forte a ponte de cristalizar a “benemeréneia” do Estado, subordinando ¢ cooptando os esforgos po pulares A intervenyéo do Estado, face avs impectos destrutivos que a desi gualdade extrema produz, visu assegurar condigGes minimas de vide & 10, © conceito de cidadania & ambiguo, bistoricamente mareado pela pers: pectiva liberal, e utilizado em sentidos diversos. Ora Jina perspectiva de Eliminar diferengas, uma expresso de ipualdade de todos. Ora diz respetto aqueles ‘que lem responsabilidades pablicas, inchusive © direito de participar das decisoes politicas”, Fm_sta acepglo mais ampli, eonforme aponta Dalme Datliri (1984), & node de cidacania’ busca expressar a igualdade dos homens em termos de fut winculagse. juridica'-uon determinade Estado, Nao. ha, portanto, cidadso. fle mio seja cidadso de um Estado, A. condigho ‘de eidudio ‘est vineulada Tegishigao do Estado, postanto, este tem 0 poder de definir os condicionantes do exercicio da ckladania. cidade constitu uma eriagie do Estado que vai Imoldé-lo «partir de seus interesses 11 Marshall seconhece ia sociedade capitalista a teasio permanente entre © principio “da igualdade implicito no concelto de cidadania @. 2 desigualdade increnie # sociedale de classes. Ver Marshall (1967) © Santos (1979). 38 de trabalho aos pobres e, desta forma, uma estabilidade minima & do- minagao. Para a populagao, em contrapartida, © assistencial, como forma conercta de acesso @ bens ¢ servigos, se constitui num espago politico de luta, Neste sentido, as politicas sociais brasileira, apesar do mecanismo assistencial, sdo fendmenos politicos enquanto expressdo do confronto ce interesses dle classes. E, pois, no espaco das relagées sociais que se dé a busca de uma nova forma de cidadani Esta nova.forma se dé na conjuntura de luta pés-78, que se expressa ha emeigéncia dos movimentos populates uibanos que apresentam, come eixo determinante de suas reivindicagSes, © processo crescente de exclu- silo dos beneficios da urbanizagao, A luta pela nova cidadania se evidencia, também, no movimento de retorno a0 Estado de direito, no. debate em torno da questio dos Gireitos humanos, A crescente multiplicagao de movimentos sociais no Brasil, como forma de mobilizagio ¢ eriagio de espacos de prética e politica, faz dos confrontos com o Estado (em funeao de “reivindicacdes coletivas”) cle mentos fundamentais na consteugao da cidadania: A énfase na luta pela redugaio de desigualdades sociais no contexto de promogao da cidadania tem em suas bases 0 que Eunice Durham aponta como “conseitneia da pobreza” © “eviéncia de atendimento de novas necessidades e, portanto, como ums uta. pela amplinglio. do avesso 20 espago politico ¢ aos beneficios do desenvolvimento econdmico” (Durham, 1984: 25) 12, No Brasil, « extensio da cidadanin as classes subatternizadas expanle-se ‘4 pariit da Revoluedo de 1930, que direciona 0 Estado para o atendimento de tireltos socials dos tabathadores. Deste processo resulta © gue Wanderley Gui Therme dos Santos denoming a extensdo regulada da cidadania. Fata extensio, ccujar raizes encontram-te no em um cédiao de valores politicos, mas em. vm Sistema de estralificacéo ocupscionsl. € definida por norme legal, Nesta 6lica Sf entendidos como cidadios aqueles cujas acupagbes si teconhecidas © detini- Alas fegalmente, Embute-se « cidadania na ocupagio © 0% direitos passam a. ter Como feleréncia 0. lugar que 9 indivkduo ocupa no procesio produtivo, Assim, ‘t constituigho da eidadania espelba as desigualdades do. processo produtive @ deste modo 0 reforea. Exemplo desta compreensio 6 a subordinagao que se dé, em goss histiria, de extensto dos servigos previdenciatios,2quelas cateportas que atender ‘9s interesses econdmicos do. momento, come © foram os portuarios, os Ferrovis- Flos ¢ os militares, Esle corporativinme inspiron fascismo née ‘cria propris= ‘mente um novo padrio de igualdude, jd que fragmenta os trabalhindores e termina Bor Feprodizit a designaldade’ dey trios entre os| componentes da ‘forge trabalho, 36 A desigualdade, a0 tornar-se parte constitutiva da experiéneia didria de misétia © opressio na vida dessus classes, articulaas © encoraja na eonquisia de seus direitos © na expresso de seus interesses Esta artieulugdo se ofetiva a partir da consciéneia de “caréneias coletivas”. Os “individuos”, enquanto pertencentes a uma mesma classe, se igualam na caréncia, A pretendida igualdade de oportunidades ex: pressa nos discursos governamentals acaba por se constituir na igualdade de curecimento para a populagao. “FE. a ‘caréncia’ que define a coletivi- dade possivel dentro da qual se constitui-a coletividade efetiva.” A trans. formagio de nevessidades © caréncias em dircitos, que se opera dentro dos movimentos sociais, pode ser vista como um amplo proceso de revislio e redefinico do espaco de cidadania (Durham, 1984: 27-9), ‘A percepgio da existéncia e dos efeitos de uma cidadania de sogunda classe, por parte dos trabalhadores, vem articulando os movimentos populares em torno do enfrentamento politico e da luta pela igualdade, [As classes subeltemizndas, Iutando por sua sobrevivéncia, organi. zamse © apelam para o alendimento de seus direitos socials, como te: balho, remuneragio, alimentagao, saiide, moradia, educagio. Este movi mento envolve processos de esclarecimento, arregimentacto, debate 10, que supéem a liberdade ¢ a resistencia & opressio. mobiliza ‘A hist6ria do desenvolvimento da cidadania compreende nao apenas sua extensdo a um niimero exescente de pessoas como também a “criagio de novos direitos inerentes & condigho de ciladio. Esta extensto ‘a egitimagao das questies relativas as classes 1982: 176). teve como conseqii populares” (Nunes et hi Hoje se coloca uma nova forma de coneretizagio da cidadania, que © coletiva, A legitimacdo de demandas coletivas se coloca em confronto a0 Fstado liberal, enquanto este se funda no individuo como categoria social © politica, com autonomia referida a sie nao ao grupo a que pertence. A realizagits da cidadania tem que se fazer sob uma forma de soli- dariedade social, que avance enquarto organizagdo das classes. subal- ternizadas. Nao. se pode dissoviar a condigdo econdmica ¢ a situaca de classe da nogio de cidadania, E, nesia relaco, coloca-se um impasse & sta constituicdo para aqueles economicamente dependentes ¢ subalternizados. A constituigdo coletiva da cidadania ¢, ao mesmo tempo, um art culador de forgas na direcio da soberania popular 37 SERVICO SOCIAL E O ASSISTENCIAL ‘a colocagao histérica da questao E no Atabito da questo nssistencial que se insereve @ ago dos assistentes sociais. A anilise deste tema é substantiva, principalmente na medida em que possibilita romper com os signilicados fetichizados polos intoreases do capital, que, ao longo de tempo, foram condo atribut dos sos programas ¢ servigos sociais e, com isto, & agao do Servigo Social A pritica profissional do assistente social, implementadora das pol ficas sociais ¢ dos servigos sociais, & uma expresséo especializada da pritica social e se insere na dinimica contraditéria das relagGes socinis." Como, de um Indo, desvelar e, de outro, trabathar © cardter de classe conticlo na assisténeia, presente © persistente na pritice do assis- tente social? Esta é uma questio fundamental, cujas respostas se pre- tende encaminhar. Trata-se aqui de resgatar elementos para a desmon- tagem critica da leitura da assisténcia na prética do assistente social. A anillise da assisténeia no bojo do Servigo Social passa a (er nova gompreensio. Além de um mecanismo presente nas politicas soviais,. a ussisténcia inf historicamente caracterizande uma érea programética da ago governamental. A insergao do assistente social se dard historicamente rnas duas, dimensoes: numa, para dar conta, com outros profissionais, da face assistencial das politicas de corte social; noutra, como o agente primordial dos programas de assisténein social piiblica. A identificagio da ago assistencial como persistente’na prética do assistente social ao longo da histéria da profissao exige que se busque a reconstrugio dessa categoria ‘Alguns autores latino-americanos estao realizando um esforgo nessa direcfo. Suas idéias e pesquisas vém sendo publicadas pelo Centro Latino Americano de Trabalho Social — CELATS.? 1, Consulte-se a esse respeito: Marilda Villela Yamamoto (1982) ¢ a sintese dos debates promovides pelo CELATS em Chacayo/Peru, preparatério. do. Semi- nario Latino-Americano de Trabajo Social, realizado no México em 1983. Esto {esto fot publicato pela Cortez Editora s0'o titulo: Servigo Soclal evitico, proble- ‘mat e perspectivas, um balango latine-americano (1985). 2," Alem dos iexios eitados na note anierior, consultar: Santos (1979: 23-31), Santos (1980: 25-39) ¢ Alayon (1980: 43-50) 39. Ea institucionalizagdo da assisténcia que historicamente estabelece © Servigo Social como profisstio. E este componente que o caracteriza © distingue na diviséo sécio-técnica do trabalho. Sem a assisténeia, 0 Servigo Social ou 0 Trabalho Social * deixam de ser enquanto tal, pas- sando a ser outra, profissio.t 1, A ASSISTENCIA NA HISTORIA A assisténcia ao outro & prética antiga na humanidade, Nao se limita nem 2 civilizagdo judaico-cristé mem as sociedades capitalistas, A solidariedade social diante dos pobres, dos viajantes, dos doentes, dos Incapazes, dos mals ‘rdgels, se Inscreve Sb diversas formas nas normas morais de diferentes sociedades. Ao longo do tempo grupos filantrépicos e religiosos foram conformando priticas de ajuda © apoio. Esta ajuda se guiou pela compreensao de que na humanidade haveré sempre os mais frdgeis, os docntes, ete., que nfo conseguirio reverter sua condi¢go, carecendo de ajuda. O homem € naturalmente um ser dependente, pleno de necessidadcs © carecimentos. Superé-los € sempre seu desafio © busca. Com a civilizagao judaico-cristé a ajuda toma a expresso de cari- dade e benemeréncia ao préximo, como forga moral de conduta. Muitos so os exemplos hist6rivos de solidariedade e compromissos a partir des- ses valores, A vida (errena era considerada transit6rin © © console dos aflitos a forma de transcender essa transitoriedade, Desde a Idade Média abrem-se as instituigées de caridade, tanto pelas companhias religiosas como pela caridade leiga. imanto encobridor da exploragio de classe” (janeiro de 1985). 7 40 Contudo, a benemeréncia, como um ato de solidariedade, foi se constituindo em préticas de dominagao, Um resgate do sistema ingle de lidar com a pobreza, a Poor Law, ou os asilamentos franceses_mos: tram elaramente esta questo. O direito 2 assisténcia foi historicamente sendo substituido pelo apelo & benevoléncia das almas pias e caridosas (Van Balen, 1983: Cap. V). Esta breve digressdo sobre a constituigdo histérica do assistencial tem por objetivo assinalar a abrangéncia de sua temporalidade, assim come distinguir suas formas na sociedade moderna. Ao longo do tempo algumas acées vio sendo incorporadas como responsabilidades piblicas ©, dentre elas, a assisigncia, Com a expansiio do capital © a pauperizagdo da forga de trabalho, 4 assisténcia iri sendo apropriada pelo Estado sob duas formas: uma que se insinua como privilegiada para enfrentar politicamente a questo social; outra para dar conta de condicdes agudizadas de pauperizacao da forga de trabalho. ica assistencial © Estado historicamente se apropria nio sé da pri como expressiio de benemeréncia como também cataliza e direciona os esforgos de solidariedade social da soviedade civil No caso brasileiro & possivel afirmar, salvo excegdes, que até 1930 1 conscincia possivel em nosso pafs nfo apreendia a pobreza enquanto expresso da questo social. Quando esta se insinuava como questéo para o Estado, era-de imediato enquadrada como “caso de policia” ¢ tratada no interior de seus aparelhos repressivos. Os problemas sociais eram mascaracdos © ocultados sob forma de fatos esporddicos © excep: cionais. A pobreza era tratada como disfingfo pessoal dos individuos. ‘A competéncia cotidiana para cuidar de tal “fendmeno” era colo- cada para a rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em especial Aqueles organismos atrelados as igrejas de diferentes credos. © Estado se insinuaya nesta rede enguanto agente de apoio, um tanto obscuro, ou de fiscalizagao. Os modelos de atendimento assisiencial decorrentes da _percepgio da pobreza como disfuncdo pessoal encaminhavam-se, em geral, para o asilamento ou internacio dos individuos portadores dessa condigao 5. Ver, por exeenplo, 0 papel dos hospitsis das Santas Cass le Miseicdrdia no acolhimento do pobre e do miseravel a Este encaminhamento eta bastante coerente com a percepedio de ‘entio: os pobres cram considerados como grupos especiais, pairias da sociedade, [régeis ou docntes. A assisténcia se mesclava com as neces- sidades de saide, caracterizando 0 que se poderia chamar de bindmio de ajuda médico-social, Isto ird se refletir na prépria constituigéio dos orga- nismos prestadores de servigos assistenciais, que manifestardo as duas faces: a assisténcia & suiide © @ assisténcia social. O resgate da histéria dos Srgios estatais de promosio, benvestar, assisténcia social, traz, via de regra, esta trajetdria iniclal unificada. Os organismos da rede de solidariedade social na sociedade que a assumia mantinham a comprecnaéo da assisténcia como um gesto de benevoléncia © caridade para com © préximo. ‘A partir da crise mundial do capitalismo o Estado gendarme, apa relho de justiga e polivia, reposiciona-se frente a sociedade, Insere-se na relacdo capital-trabalho. De um lado, ¢ prineipalmente, no caso brasi Ieiro, esta insergdo € condigdo fundamental para a acumulagao, conso- lidacdo e expansio do capital. De outro, passa a assumir responsabilidades pelas condicdes de vide da populagéo. J em 1923 a Lei Eldi Chaves (Lei n? 4,682, de 24-1-1923) criava a Caixa de Aposentadoria e Pensdes para os funciondtios. Antes de 1930 duas outras categorias ja recebiam os beneficios do seguro social: portudrios © maritimos, pela Lei n.° 5.109 (20-12-1926), © telegréficos © radiotelegréficos, pela Lei n. 5485 © Ministério do Trabalho, Indistria © Comércio, criado em 1950, wassa a fiscalizar, ordenar e controlar as agdes junto & forga de trabalho. | Progressivamente, o Estado brasileiro passa a reconhecer a questio social como uma questéo politica a ser resolvida sob sua diregao, A assisténcia comeca a se configurar quer como uma esfera progra- fica da_agiio governamental para a prestagao de servigos, quer como mecanismo politico para amortecimento de tensGes sociais. A medida que 0 Estado se sponsabiliza pelas condigdes de repro- ducao da forca de trabalho, passa a incerporar igualmente a nova téenica social, 0 Servico Social, transformando seus profissionais em agentes fundamentais na exccuefo desta fren programética. A presenga do técnico introduz procedimentos racionais e cientificos ¢ garante a face da justica social na operagio da as ° 42 2, @ SERVICGO SOCIAL E A ASSISTENCIA © Servigo Social & implantado no Brasil (e em SAo Paulo) em 1956 através do Centro de Estudos e Agio Social (CEAS), um dos promotores Ga Agio Catélica de Séo Paulo.’ A problemética operdria ere uma preocupagdo do CEAS, criado em 1952, em plena revolucio paulista JA nessa ocasiéo mantinha quatro centros operérios em Sio Paulo, En- tendia a formagio social desenvolvida nesses centros como um ap a esses “organismos transit6rios que cederdo lugar & associagao de classe que nossas elites operdrias irdo formar © dirigir logo que para isso estejam aptes”.” A implantagao do Servigo Social no Brasil } nie se bascaré, no entanto, em medidas coercitivas em do Bstado, Surge dn inicintiva particular de grupos © fragdes de classe, ‘que se manifestam principalmente por intermédio da Igreja Catdlie. Possui em seu inicio uma base social bem delimitada ¢ fontes de ecru. tamento e formagio de agentes sociais informados por umu ideologia iguaimente determinada” (Carvalho et alii, 1981; 129) ¢ pois como teagio catélien, um “departamento especializado |, embasado em sua doutrina social” (Carvalho et alii, Surge de Agio Soci 1981: 145) Raul de Carvalho continua sua pesquisa © diz “(1.9 Se as Leis Socinis so, em ultima instineia, resultantes da pressic do proletariado pelo reconhecimento de sva eidadaia social, o Service Social se origina de uma demands diametralmente oposia” (Carvalho ct alii, 1981: 129) © autor mostra como o Servigo Social é, na sua génese, marcade pela auséncia de legitimidade junto aqueles que formarao sua clienteta, caracterizando-se como uma imposicao. Ao se resgatar a histéria do Servigo Social no Brasil, constata-se gute se concebeu (@ se transmitiu) 0 Servico Social como a propria supe- ragio da assisténcia, Esta no passava de benemeréneia oferecida, volun- 6. Ver, a respeito, Yasbek (1980), Castro. (1984). Na América Latina, precedem a brasileira uss eseolas eriads no ‘Chile em’ 1925 1929, tambent oniro do contexto das Inlas operiicias. Ver também Tamamoto © Carvalho C981), Cane esclarecer que embora # primeira escola de ‘Social surja nos EUA fem 1898, criada pela COS ~—'Sociedade de’ Organizasio de Caridade de Nova Torque (Gontrapartida da COS londrina) sob a influéneia de Mary Richowond, a esecla brasileira no seu nuscedouro seguird o modelo beluu da Bcole Normal Social de Paris, posteriormente & que incorporari 0 modelo. ameticano. 7. Palavras de Odila Cintra Ferreira, presidente do CRAS 0 Congresso do Centro Dom Vital, em 1953, citada em Yasbek (1980: 35). 43 téria ¢ itracionalmente, pela solidariedade da sociedade. Tratava-se de afirmar uma ptofisséo contrapondoa as ages apostolares voluntirias. A aco do Servigo Social, trabalhando as potencialidades de individuos, grupos © comunidades, faria emergit as “energias” para o autodesenvol- vimento. Negava-se a assisténcia, pela dependéncia nela implicita, que se contrapunha & concepefe de autopromorao, como resultado da capa itagio das potencialidades de individuos, grupos ou comunidades. A concepgao hist6rica do Servigo Social, como ago profissional (enico-ientifica) pare superagio da assisténcia, da dependéncia, da sujeicdo, terminou por identificé-lo como uma agéo positiva eujo valor, ou validade, Ihe ¢ intrinseco. Eswe trago, du busca do rompimento da dependéneia, marca a tra- jet6ria da profissio e the confere uma face de compromisso com a justiga © a liberdade. Em varios momentos de sua trajetéria, o Servigo Social assumiu o cardter de um movimento onde seus participantes uniam-se pela missio ‘a cumprir* © compromise social € um componente fundamental da profissiio, embora sua compreensio varie « partit das circunsténcias histéricas e da Teitura de sociedade de classes. Quando este compromisso se orienta pela conquista da liberdade individual, valor positive que expressa juridicamente o funcionamento das sociedades burguesas, embaca a compreensio critica da prética pro- fissional inscrita na luta de classes, assim como de seus limites no seio das relagdes sociais produzidas por essa mesma soviedade, As questoes defrontadas na prética sio remetidas & solucdo de situagdes-problema, de casos individuais ou, quando muito, de grupos ou segmentos da popi lagdo de baixa tenda, Com isto, muitas vezes, os insucessos da agio so compreendidos como uma deficiéncia técnica do desempenho profissional Bsta leitura © concepedio da prética do Servigo Social, limitada a si mesma, coneretiza sues agGes como se fossem autonomas das relages de forga da sociedade de classes. Os interesses conflitantes das fragdes de classe presentes nas agGes desenvolvidas so lidos como um campo de aga para estimulo do compromisso com a “justiga ¢ solidariedade aos fracos" 8, Yasbek (1980) reproduz no seu trabalho om documento da Uniso Social Feminina, de 16-11-1936, que, a0 Feferts-se a profissionslizagao do assistente, social diz: "(.-.) se © Servigo Social nio vir a lornarse mais um melo de vida. do- que uma causa a defender", caso se (ransforme nom trabalho assalariado, 44 Esta concepefo iluséria da correlagio das for dades capitalistas terminou por favorecer uma vi fissdo. © Servigo Social, compreendide come uma verdade em legitimar-se pelos beneficios que produz ¢ refere o avango das respostas fas questées com que se defronta & methoria do aparato técnico-racional da profissio. © beneficio, sob essa Icitura, ndo € propriamente a assisténcia, enquanto concessfo de auxilios financeiros ou materiais. Os conselhos, as oriontagdes resultantes da aplicagao de técnicas, em geral psicossociais, que “reduzem ou eliminam” a dependéncia da assisténcia, € que cons. Utwem © valor positive da autocapacitago do “cliente”. Chegou-se a propor, como objetivo da ago do Servico Social, 0 proceso de orien- taco social (Bartlett, 1976; CBCISS, 1967 e 1969; Leite, 1982) A concessic de auxilios configura quase que “males necessdrios", buscandose cada vez mais substituilos por servicos, programas, ativida- des educativas, grupais, etc. O proceso de passagem das abordagens dividuais para grupais comunitérias contém, também, a face da redu- co da dependéneia individual ia se reveste de maior racionalidade introduzindo servigos alcance sem perda, no entanto, de sua caracteristica bisica: 0 sentido do beneficio ou da benevoléncia, s6 que, agora, do Estado, Hé que se ter presente que a a¢i0 dos novos profissionais da assis. téncia ird coincidir com 0 periodo ditatorial do Estado Novo instalado com 0 golpe de 1937 de Gettilio Vargas. T ent 1938 ue v De ° 525 extatui a organizago nacional de Servico Social enquanto modalidade de servigo publico, através do Conselho Nacional de Servigo Social, junto ao Ministério da Educagio © Satide. Como analisa Raul de Carvalho, poucos foram os resultados pré- ticos. desse conselho, caracterizado “mais pela manipulacao de verbas subvencGes como mecanismo de clientelismo politico” (Carvalho et alii 1981; 256). A primeira grande instituigao de assisténcia social seré a Legiao Brasileira de Assisténcia, reconhecida como Srgio de colaborago com © Estado em 1942. Organismo, este, que assegura estatutariamente sua presidéncia as primeiras damas da Reptblica. Representa a simbiose o-dei 45 entre a iniciativa privada e a publica, a presenga da classe dominante enguanto poder civil ¢ a relaggo heneficio/caridade x beneficiério/pe- dinte, conformando a relagio bisica entre Estado ¢ classes subaltcr- nizadas, No infeio dos anos 40 ind corer “uma mudenga qualitativa ro comportamento assistencial do Estado © do ‘empresariado em relagio ao proletariado. AAs atitudes uparentemente pa temnalistas — absolutamente néo desprovidas Ge interesse. econdmico — ‘que getalmente procuravam responder, até mesmo preventivamente, dosvittuar em seu contetide a presséo reivindicatsria, devem ceder 0 lugar @ uma politica mais global, representativa de uma nova racionali dade" (Carvalho et ali, 1981: 263). © Servigo Nacional de Aprendizagem Industrisl (Senai) inaugura em 1942 0s esforgos nessa direedo, isto &, enquadrase dentro de um complexo de medidas assistenciais ¢ educativas necessérins & adequagao de forea de trabalho as necessidades da industria em expansio. Segue-se © Servico Sociel da Inddistria (Sesi) em 1946, j4 no pos guerra, © nove pacto do pds-guerra exige maior organizagao do cmpresa- ido de modo a homogeneizar suas agdes A nova situagdo internacional frente & forca de trabalho. A elevago da renda dos brasileiros, a habilitagio e a educagio do proletariado sero reivindicagdes do novo: momento histérico. Como diz Raul de Carvalho, “o enfrentamento da questdo social nparece assim teorizado sob uma lic tevulucionii ia” (Catvath e. aly 19812 277) © progresso social, compreendido como um dever do Estado, passa a ser a perspectiva orientadora das ages do Servigo Social. Imanente a esta compreensao esti a de evolugao social, ascensio social, que iré se explicitar na promogao social Por decorréncia, 0 esforgo de teorizaciio do Servigo Sovial, que se gesiou sob essa compreensdo, na busca de sistematizar seus conheck- ‘mentos ¢ conferirthes maior cientificidade caminhou para a dicotomi: zaca0 entre assisténcia e promogio social Sio chamadas de assiatGncia social us atividades de pronto-socorro social, ow sejam, as de ajuda material ou financeira destinadas &s popu: 46 lacSes com problemas agudos de subsisténcia, em geral procedidas por voluntérios ou auxiliares sociais. Tais atividades passam a ser relegadas pelos profissionais de Servigo Social, tanto pelo seu cardter paliativo © clientelistico, quanto pelas limitagdes que traziam & afirmagio do assis- tente social como profissional no quadro institucional Mais uma vez, historicemente, a profisso rejeita a assisténcia, A ééeada de 50 tem como preceupagtes o esforgo de reconstrugio do pés-guerra, a busca de libertagao do colonialism, © combate ao comt- nismo ¢ as tentativas de expansdo do capitalismo internacional. Neste quadro serd exigido um processo de modernizagio e ampliagao das po- liticas sociais. Neste periodo, as atividades de promogio social passam a absorver a pritica e a teoria dos profissionais de Servico Social, creditando as mesmas expectativas de desenvolvimento social e de coneretizacio do Estado de Bem-Estar Social. O cientificismo ¢ a sofisticaglo tenia per- meiam e desenham estas atividades. Por outro Iado, © populismo € reforeado como forma politica de legitimagao do poder e comando da chamada burguesia nacional, apoiado na adesio da massa trabalhadora, obtida pela antecipago da concessio de benelicios. A assisténcia adquire, no discurso governamental, nova amplitude, Além dos programas de pronto-socorro social, destinados aos. hiposufi- siontes economicamente, abarcard a prestagdo de servigos sociais basicos. Abarcard, igualmente, sob a égide da ONU, os programas de desenvolvi- mento comunitario destinados a8 comunidades € regides com." problemas de estagnaciio” s6cio-econdmica. Estas atividades destinayam-se @ romper 0 ciclo de dependéncia provocar a integrago de individuos e grupos no mereado de trabalho e a sociedade vigente, com a subjacente promessa de ascensio s6cio-eco- némica. Expandem-se a partir daf os programas de alfabetizacdo de adultos, formagio de mio-de-obra, formagio social e desenvolvimento comunitétio. Mais tarde € possfvel a consciéncia de que esta ascensio atendia a propésitos do modo de produgio capitalista. Isto ¢, reiterava a suber: dinagdo e 0 anestesiamento através do atendimento tutelado e ilusério prestado pelos programas assistenciais. E retirava dese exército aqueles que, com maiores potencialidades — sele¢ao dos mais aptos —, podiam rapidamente atender jis novas, exigéncias da produgio industrial, quali- ficando-os a custos mais baixos. 47 Outro dado fundamental na andlise dessa década é a de que as politics sociais passaram a ser definidas por organismos supranacionais (ONU, Alianga para o Progresso, Convénio MED-USAID, por exemplo), realimentadas. por fundos internacionais e orientadas segundo 0 modelo de Estado do Bem-Estar Social O inicio da década de 60 ¢ marcado por um movimento de contra- dependéncia © dentincia dos modelos e programas importados; as pro- postas de reformas de base orientam a elaboragao € realizago dos programas sociais nacionais. Exemplos destes siio os programas de alfa- betizagao de adultos, realizados através do método Paulo Freire, educagao de base, realizado pelo MEB; programas de desenvolvimento comunitario © as figas camponesas na zona rural. As propostas desenvolvimentistas deste perfodo estimulam senti- mentos nacionalistas ¢ a consciéneia de pais terceiro-mundista." Senti- mentos, estes, incorporados pelos segmentos progressistas da sociedade © constanies da pauta das esquerdas nacionalistas, A otimizagao dos préprios recursos, pela descoberta ou pela introdugao de nova tecnologi cra forma de superar o subdesenvolvimento ¢ colocar as Forgas da nacao om vias de desenvolvimento. Conhecer a prdpria realidade, dar respostas iativas”, “autéctones”, implicava rechacar os “modelos de aciio im portados", valorizar a cultura nacional do povo ¢ corhecer e reconkecer sua orca. Este caldo cultural, as experiéncias populares desenvolvidas ¢ as safdas eneontradas pela Revolueto Cubana e a experiéncia chilena irlio implicar um reposicionamento das orientagdes da pratica profissional do assistente social frente as caracteristicas especificas da realidade. brasi- lira. O Servivo Social, nos meados dos anos 60, comeca a explicitar © contetido politico de sua pritica, 0 que se acentuaré mais nitidamente na década de 70. Neste “despertar” ha que se considerar as contribuigdes do Movi mento de Reconeeituagao do Servico Social!” Ao resgatar os compo- 9. Os irabalhos da Cepal, 08 livros de Celso Furtado, as propostas nacionais dos pianos ‘de’ desenvolvimento podem ser relomados como representatives, do Pensamento da época. Vejase também Limociro. (1977), 10. Este movimento. tem como marco o Semindrio Latino-Americano de Porto Alegre, em 1965. Pela primeira vez os profissionnis latino-amerfeanos. sh ravum a influéneia americana que recortava’os Congressos Pan-Americanos de Servigo ‘Social. "A "partir dessa dts hi tima profusio de produgoes argeotings (Editorial Humantias ECRO), que irdo se difundit na América Latina, O CELATS, fem muitos textos sobse a andlise erica dese momento. 48 nentes te6rico-metodolégicos da profissio, desencadeia entre os assistent sociais a possibilidade de “desmascaramento” de novas formas de apre- ensfo da realidade e a compreensio critica e politica de sua prétics A teconceituagao permitiu que os assistentes sociais se distancias- sem criticamente do significado “aparente” de sua atividade. Passaram a compreender que, através de suas atividades, se cumpriam fins sociais gue ocupavam posigdes estruturais distintas e antagonicas Os “desenvolvidos”, quando se referiam a este movimento Iatino- americano, nos organismos internacionais ligados & profissao, caracte- rizavam-no como “movimento de indigeniza¢io” A este despertar seguiamse “safdas” profissionais. No caso bras leiro, ja sob a égide do regime militar instalado com o golpe de 1964, 0 desenvolvimento planejado, ou a entde terceira via do planejamento d mocratico, colocase como viabilizagio da nova sociedade (Covre, 1983). Instale-se a era do planejamento no Servigo Social brasileiro © a assis tencia permanece rejeitada." Com 0 golpe militar hi a queda do sonho nacionalista, A partir de 1964, substiluiu-se a concepedo nacional-desenvolvimentista pela da inter- nacionalizagiio e modernizagao, criando-se condigGes aceleradas a uma agao do capital estrangeito. ‘As tend8ncias observadas na década de 50 slo retomadas no pds-64 em grau de maior racionalidade e sofisticagao técnica. As politicas publi- cas retomam um enquadramento transnacional, O planejamento sovial constitui-se no corretive do planejamento econdmico, © Estado teenocritico do pés-64, usando do planejamento como té- rniea de consenso social e do ténico como conhecedor das necessidades © interesses das classes subalternizadas, tornaas objeto passivo dos “beneficios” que ilusoriamente Ihe oferece com antecipagdo a suas ne- cessidudes.” ‘A exclusio das classes subalternizadas das decisdes que Ihes dizem respeito ¢ a ampliagio da capacidade de iniervengao governamental que © Estado ditatorial adquire no pds-64 (€ consolida nos atos institucio- ais) reforga © cardier assistencial das politicas sociais, como também 11. © Documento de Arand, de_ 1967, marca bem esta posigao pars o Secvigo Social, Yeiterada no Document de Teresépolis, de 1969. Mannheim € © grande Ingpirador dessus discuss6s. 1. Ver esta. concepeio de planejamento como consenso © também como revoltigée conscntida em Covre (1983) 49 ossibilita que ioleresses de outros Segmentos socisis, a nivel da prépria burocracin estntal ¢ dos diferentes setores empresiriais que se especie lizam na producto de bens © servigos cousumidos pola populacdo, através da intermediagao estatal, passem 2 deter amplo espaso de manobra de liberdade de decisto” (Silva, 1983), Conseqiientemente, 0 Estado, ao recriar os programas assistenciais com a intengao de cbter apoio do regime © despolitizar as organizagées dos trabathadores, passa a tratar a questo social através da articulagio repressio-assisténcia, AA repressio se faz sentir especialmente na desmobilizagio social e na desarticulagéo dos instrumentos de pressio e de defesa das classes populares A apreensio do so do mecanismo combinado represséo-assisténcia nfo se deu de imediato para os assistentes sociais: A “saida” “hegemon ca pela racionalidade do planejamento © pela teorizagio cicntifica do lim da década de 60 ¢ do inicio dos anos 70 condicionaram 0 Servigo Social brasileiro a uma forma de insereio no Estado teenoeritico. Constitui-se, assim, a chamada vertente nacional-medernizadora do Servigo Social brasileiro, frente a¢ Movimento de Reconeeituacio. A medida, porém, que os assistentes sociais foram se dando conta la leitura eritica da sociedade, passaram a questionar seu aparato téeni- co de trabalho, mostrando como © “racionalismo” usado na profissio criava um ocultamento da exploragdo social e do engodo, implicitos na ‘luséria busca de concretizagdo do Estado de Bem-Estar Social A evidéncia de que 0 Estado tecnocrético-ditatorial nao respondia ais suas “metas” fragiliza também a vertente racional-modernizadora do Servigo Social A superagao da desigualdade através de programas de promogio social calcados na racionalidade técnica, que buscavam a ascensio social da forga de trabalho, come também através de politicas socials oferecidas pelo Estedo, que propunham a igualdade de oportunidadles, foi se caractee rizando cada vez mais como iluséria para as “saidas” do Servigo Social. Essas “saidas" foram se esvaindo na consolidaséo de modelo econémico brasileiro, voltado para os interesses do capitalismo transnacional, Esse modelo, implicando achatamento salarial dos trabalhadores, provocou maior empobrecimento da populagio: de um lado, efevou as desigual- dades sociais a nivels intolerdveis para @ subsisténcia da propria popu, Jago e, de outro, para o Estado conter a questio social. 50 As atividades “promocionais”, sob aparéncia redistributive © de oferta de oportunidades sociais, destinavam-se ndo tanto & melhoria das condigdes de reproducao da forga de trabalho, mas & preservagao das condigses possibilitadoras da acumulago capitalista. E, ainda, as “solu- ses” implicitas nas politicas sociais vie se tornando novos campos de inyestimento do capital, abertura de novos mercados e de clienteles, airavés da intermediacao do Estado. Retoma-se com maior forga a8 contribuigdes teéricas do Movimento de Reconeeitungio formuladas a partir de 1965 em outros paises latino -americanos." No entanto, a leitura marxista da sociedade capitalista a partir da vertente althusseriana, em que se aporavam varios desses autores, con- tibuiu para que os assistentes sociais Brasileiros, na busca de uma leitura progressista da pratica, terminassem por caracterizé-la como fada- da a reproducao ideolégica dos interesses do capital. A busca da transformagao social nessa vertente é considerada incom- pativel com a prética institucional. Esta € negada a favor de préticas alicrnativas pautadas na militineia politica, Favorece esta negagio a compreensio do Estado como “comité de classe", destinado irredutivel- mente & reprodugao ideolégica, A manutencZo da dominacio de forma linear e pronta. As forcas sociais continuam a ser lidas como bloco Novo impasse se instala na profissio. A maioria é assalariada, as politicas sociais se fazem no bojo das instituigdes. Como assumir a nova perspectiva? Prdticas mais consegiientes terminam configurande demissbes cole- tivae (Abramides, 1980). Por outro lado, « populagao demanda a essus instituiges, na busea de servigos que resolvam sua sobrevivéncia, ‘eA superacio da pritica tripartida — caso/grupo/eomunidade — acrescentase, na reconceituagéo, uma nova questo: a de superar as compartimentagdes entre assisténcia/promoedo/transformagio ou, ainda, eaire pritica institucional/pratica alternativa, que trazem em seu bojo fundamentos ideol6gicos irredutiveis. 13, Aleumas eriticas de reconceituacdo foram personalizadas nos chamados *segmentos conservadores', que exerciam noi6ria influencit so processo formador dos assistentes sociais © qe passaram a ser identificados, enlce outros ade como “enirepuistas”. Assim, longe de se consist num movimento monolitico de categoria, 2 reconceituacio, ao desmudar a questio ideologies, ink contig grupos profissionais oponentes, Contrapde-se & leitura ingénua a leitura determinista da realidade e, mais uma vez, @ questdo da assisténcia ¢ rechacada. Agora, como blo- queadora das forgas coletivas pata a transformagao social, ‘A conscigneia da ineficdcia social das politicas sociais atreladas @ um Estado compromietido com um processo de expansao capitalista mo- nopolista, principalmente como resultado da conjuntura de luta que se instala no pafs @ partir dos movimentos sociais, levam 0 Servigo Social @ rever suas propostas de agi. . © III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais, realizado em 1979, € um marco histérico: os congressistas repudiam a Comissio de Honra do congresso, substituinde-a pelo trabalhador espoliado. A pi seuye de Tidetangas sindicais no enectramento 0 divieor de dguas com os poderes instituides. Este posicionamento profissional nao deixa de refletir as criticas entio vigentes quanto as politicas sociais. Hé que se ter presente que 0 tema dese congresso realizado em Siio Paulo eram as politicas sociais & que os movimentos populares (luta contra @ carestia, movimentos de satide, movimentos habitacionais) vinham denunciando a miscrabilidade ca populagio, em detrimento do discurso distributivista des polfticas sociais governamentais no pds-75. Como principais medidas relativas & politica social no pbs-75 desta- camsse 0 processo de unificagao das instituigdes previdencirias através da ctiagao do Instituto Nacional de Previdéncia Social (INPS), ocorrendo 4a progressive exclusdo da representacdo de trabalhadores na gestio da Previdéncia Social, ¢ a extenséo da cobertura previdencidria & quase (otalidade da populago urbana ¢ parte da populagao rural (Funrural). Para @ consecugae das politicas sociais ha uma expanse expressivay dos organismos estatais; a exemplo, a ctiagiio do Sistema Financeiro da Habitacio (SFH), © Ministério da Previdéncia e Assisténcia Social (MPAS), 0 Consetha de Desenvolvimento Social (CAS) e a instituigao do Pundo de Apoio ae Desenvolvimento Social (FAS). A centralizagao que se opera é excludente em relagio & qualquer possibilidade da populacio ¢ de suas organizagdes participarem deciso- riamente; € exctudente, igualmente, & participacio das esferas estaduais © municipais (Silva, 1984). A partir de 1979, aprofundar e sistematizar a pritica social voltada para a transformagio das condigdes opressivas de vida da populagio 52 consubstanciam @ corrente hegemOnica na profissio, pelo menos a nivel do discurso, Hoje, duas grandes “saidas” se apresentam na pauta profissional: @ racional-modernizadora © a politico-transformadora.!! Mas ambas con- tinuam a ter um ponto comum: a negago da assisténcia. Esta nic se dé nem nas solugées tecnocréticas do planejamento social nem nas estra- tégias de transicdo social pautadas na organizagao popular. Superar a feitura fetichizada do assistencial no Servigo Social é movimento que vai além da questao profissional. Implica, de wm tado, apreender 0 assistencial como mecanismo historico presente nas politicas drasileiras de corte social. De outro, eriar estratégias para reverter essas politicas na conjuntura da crise da sociedade brasileira para os iteresses populares, A nivel da pratica do assistente social esta superago implica ainda © desvelamento da assisténcia como instincia de mediagao inerente 20 Servigo Social. 14, Ver a respeito a primeira parte do Livro Servigo Social Critic (Cort iat P 0 Critico (Cortez, 33 ASSISTENCIA — ASSISTENCIALISMO: a busca da superacdo da questao FE freqiiente os assistentes sociais guardarem uma compreensio res rita quanto A presenga da assisténcia em sua pratica profissional. Nesta perspectiva & comum identificé-la como a concessdo de auxilics, finan- ceiros ou em espécie, com que profissionsis ov voluntérios buscam mino- tar o agravamento de uma situacio particular de emergéncia, ou de agudizagdo social. Possivelmente, nesta perspectiva restrita, a assisténcia seria a atengao a situagdes de risco, vulnerabilidade que agrava a ié precatia condigo com que os segmentos mais paupetizados da popula- cao buscam subsistir. Subjacente 4 esta compreenséo restrita da assisténcia podo-se iden- tificar alguns equivocos. © primeiro é que esta aco iguala a formachio técnica a voluntéria espontanen, Por conseaiiéneia, a acdo assistencial é vista como a filantropis da sociedade, ndo exigindo e nem caracterizando 4 ago de win profissional. Ou melhor, operar como um assistente social, nessa perspectiva, consiste em realizar algo que ndo seja assisténcia. 1. Néo se usa aqui propositalmente a caracterizagio do. pauperizudo como quarto eslrate olt_como Jumpem, Isto porguie se considera que 2 categorizagio Ghs clastes s0eisis frente go process produtivo explica com maior propriedade 0 Assistencial env anakise. Vale contudo’ relembrar gue. as coneepedes de lumpem Pus quarlo eatrato degorrem de Orgunizagio da tmbalhe «parte da revalicae industrial e da industializagio da produgio agricola. A sociologia das organiza- goer erin quatzo ipologiae basicas das relagdes dos produtores com 0. processo produtivo, os chamados estralos emetgentes. Esta tipologia € criada a partir do Estudo dos fendmenos pariicularee na dimensio” psicossocial, ou dos. comport Mentos ideolOgicos co individug. dentro de. procerso produtivo. O artesso 69 primeiro esiralo, aquele que comega e termina 0 processo produtivo sem dividito Com ninguém. © operdrio 6 aquele que intervém noma pequena parte do processo produtivo. O semioperitio aquele que combina 0 provesso produtivo. parcia- fizado, ou socialmente dividido, com provesso produtivo Gnico. O quarto estrato Gu lumpem inclu aquele individuo que nao esta dentro de nenium dos processos prosutives enti descritos. © Iimpem em geral 80 trabalha e, quando o. faz, ENentuslmente, € quando Ihe dé vostade. ‘Todas as classes tem lumpem furmpens proletariado, fumpem-burguesin, lumpemveampesinato, etc. Nunca esta efetivamente tuido num tipo de ofganizacao das elasses ou dos estratos. “ uma mariposa que proura viver onde existe urpidade ou alimentos, sem fazer esforsos para prod jos" (Morais, 1984). 55 Outro equiveco contide naquéla’ compreensio consiste na identifi- cacao da assisténcia prestada quer pelos organismos e entidades filan- irdpicas, a nivel privado, quer pelo Estado, através de seus Orgaos & nivel piiblico. A apdo assistencial ao nivel do senso comum & compreen- dida pelas suas cireunstancias imediatas. Em tereeiro Iugar, entende-se que esté em questo o contetido © forma de prestacdo de servigos. Isto & nas situacdes em que o assistente sccial € 0 intermediador direto do servigo, este reproduz a tutela: o assis tencial. Com isto, considere-se que @ aco x6 € profissional quando o seonselhamento, a reflexio e os contetidos ideoldgico e educative forem preponderantes, Hievarquiza-se a aca educativa frente ao servigo con crete, ‘Outra questo que tem se apreseniado na compreensio da assisten- cia se refere 20 modo de se processar seu corte estrutural-conjuntural, A partir da teoria da estratifieacto, a assisténcia ¢ referida & mobilidade social entre marginalizacio e integracio social. Nesta perspectiva, as ages assistenciais sfo rechagadas enquanto reiteram a tutela © nao ajudam a romper com o ciclo da pobreza. Nesta compreensao privile- sgiam-se 08 processos que tornam o cfiente um agente participative e, com isto, em mobilizagio para a ascensdo social.” 2. Estas coneepedes foram claramente defendidas no Seminério de Bom Clima, em Petropolis, conforme os documentos publicados pelo Centro Brasileiro Ge Cooperagio e Iniercimbio de Servicos Socials (CBCISS), em novembro de 1574, Rio de Janeiro, relatives ao semingrio realizado com o intuite de subsi 4 recémformada Secretaria de Assisncia Social go Ministerio da Previdencia ¢ AAssisténcia, Socinl. Doctimentas de n.° 9, “Alternativas da politica assistonci brasileira” e n° 91, “Desenvolvimento e' muacginalizagio social". & oportuno, Inclusive, transcrever esta comprecnsio’ “paca melhor interpretacéo. das sugestées contidas neste documento, julgou-se ati) tecer algunas consideragdes em torn ‘Gas aeepgbes de aesistincta social, Na sua acepeia tradicional, a assistincia social compreendia a concessio de avxilios materiais € financeiros ¢ a prostacto de services. Executads de forma tempftiea, por pessoas ou organizagoes, com iecursos proprios ow Tundos resultanies de oases visa atender 28 eamadis mais pobres em suns nerestdades pr Vigorou essa ucepsio num periodo histérico da civilzagio ocidental, corres: pondendo sma sosiedade de. padres tradicionais. ot em transigio, na gual a Inobilidade. social era reduzida numa estratfieuefo social estitica, A aesitencia foci cumpria, em consegUénela, to-somente u Tunglo de prover bens © aervigos com's preoaupaeio Ge melhorat ol aliviar a sitingio de pobreza sem alterna fstratificagfo social, Baseave'se, também, na idéia de ous s pobreza tesultava, de avactertatiens fndiviguaie Por oulvo lado, os fuodamentoy da suastoncia & pobreza Fepousavam mais num dover slieo-teligieso do. que no Feconhecimento. de ‘iretos do" assistd, Ext neepgio. de aseistencin ofveu”_modernamente,alleragbes. nos seoy comoneaten cm Gacortace da transformacto da sone tricot an Sociedade urbano-indust'id, ceracterizada por allo dingmismo © possbiliades de mobilidade social. ES © 36 ee A _ em, Com a passagem do subdesenvolvimento paca © desenvolvimento haveria maior igualdade de oportunidedes, @ pobrezs estrutural seria mninoritdria © os programas assistenciais se reduziriam a situagdes emer genciais. Portanto, o objetivo da assisténcia seria a “promogae do homem © integragio das diferentes faixas da populegiie no processo de desen- volvimento”, por meio de ages técnicas, racionalmente planejadas. Nesta perspectiva, os elementos estruturais da pobreza so reconhecidos en- quanto causagéo circular cumulativa, 0 que exige estralégias de tra- balho global que ataquem a marginalizagao social. A forma de resolver 0 “multicausalidade das varidveis” se limita a uma proposigfio da inte- gragio das agdes dos diferentes Sriaos. Portanto, uma leitura sistémica da realidade terminaria dando conta da questdo, Cabe dizer que esta ¢ a concepedo que percorre ainda o tratamento da asSisténcia enquanto um subsistema a nivel do Ministério da Previ- déncia c Assisténcia Social, que ainda “nao foi integrado ao sistema da previdéncia social", necessitande de “um conjunto de politicas setoriais de todos us Ministérios da area social” ‘A concepedo da relagio estrutural-conjuntural aqui adotada implica no desvincular uma dimenso de outra. As situagdes que aparecem como emergenciais, a nivel de conjuntura, de fato so manifestacdes circunstan- ciais da estrutura.* Esta perspectiva nfo explica téo-sé a génese das ‘A alteragio bisica refere-se @ consideragfio da presenga de fatores socinis ras Guusas da pobrers, que, consegllentemente, cendozem ag. reconhecimento da Fesponsablidade oletiva ue Satsfasto das. necessidades.primérias, a qual passa ver tomas como dite vo homem. Q Estado, asin, tende a sssusit a assise teria, nfo obstante permanece! 0 papel significaivo das tostiuivoes privadas = Soluniarias. Na acepedo modern, 4 Assisténet soci) continu apolada. mu provinlo ‘Se Bens ol 4 comeessio de anslios financeitos conjugsda com 4 presingio. de Scrvigos concelluadon como. socinis A forma dessa asssténcin, contudo, sofre Gaantorinntsee, Cabs soreateriaicns: op GnpratniiN ew imino clammontle — oiganizagio, voordenagio e controle, através da adovio de procedimentos nalministrativas eer — islemutizagso de procedimento através da viilizagio de téenieas prot: sionals tos) Ouura mudance significative diz reypcito aos usuétios da assiséncia. Perma rece ‘t pobrerh estruitr, jacom minora nas soctedades allamente desenvalvias, Taunt cllegtela representa pelo pesous fia em sobs emorensiais 3. A conjuntura & 4 expressio das relagdes de forge, dos interesses_ em conflito das classes sociais e stus segmentos, em um momento dado. A estrutura, por sus vez, € compreendida como um conjunto mals ou menos cristalizado de Folagdes sociais conteadiisrias e confltivas cuja modifieacto se dé apart && superacio dessas contradigSes, Nesta leitura imbricada da estrutura e conjuntura supde-se que ugGes nos conflilos emergentes, portanto, conjunturais, acumulam Forcas na diego dos conflitos esiniturnis, Ver a respeito Borja, 1975, 37 questOes, mas indica 0 reflexo qiié as agdes conjunturais podem ter ce tém) na estrutura, Conseqitentemente, ndo cabe reduzir a assistoncia a tum mecanismo voltado para o emergencial, desconhecendo 0 corte estru tural desse emergencial, ou, ainda, néo cabe reduzir as acdes a paliativos, visto seu cardter superficial e de urgéncia. © efeito da agéo na conjuntura para a estrututa ndo se di porém pela mobilidade individual entre os estratos sociais, 0 que implicaria a proposi¢io de agdes mais eficientés para a transi¢éo individual. Nesta concepsao, tetfamos uma gradual ascensdo social, conforme propde 0 Semingrio de Bom Clima. E novamente se coloca a questo deste estudo: 0s programas assis- jont8m somente 2 postibilidade (ou o limite) de reiterar a estru- turn vigente? Os programas sociais so mantenedores enquento reitera- dores de dominagao ¢, portanto, da tutela? Ou poderiam consistir numa forma de expansdo da cidadania ou até da soberania popular? Identificar 0 mecanismo assistenciel nas politicas brasileitas de corte social ¢ um passo na construgio da resposta a essas questies. Com isto a questo assistencial necessita ser compreendida para além de uma pto- fissdio, pois nfo se trata de uma questo particular de uma categoria. A assisigneia necessita ser compreendida, ainda, a partir da insergao nas relaySes de classe mediadas pelo Estado através de suas préticas Portanto, « assistencia diz respeito a uma modalidade de produgio de bens e servicos « uma classe social. As propostas de que a assisténeia se faz para os “carentes”, 0 “quarto estrato”, © “lumpemproletariado”, encobtem as préticas do Es- tado como priticas dirigidas as classes subalternizadas. Encobrem ainda que, no qualificar os servigns coma nssistenciais, permite produri-los como beneficios ¢ no como direitos Caracterizi-los como benesse significa entend@-los como uma pré- tica que “nfo obriga o trabalho de outra parte”. Ou seja, em que o “assistido” se vale de uma mercadoria quase que numa prética da sinecura, Produzir servigos assistenciais ndo é simplesmente filantropia da iniciativa privada, & modatidade de execugtio das politicas sociais pelo Estado brasileiro, no chegando a constituir direitos para 0 cidadéo. Entende-se, pois, que os servicos produzidos pela assisténcia pablica © em particular pela assisténcia social ptiblica contém sempre as duas 38 dimensdes; © servigo em si ¢ set. componente educativo € ideoldgica. O servigo em si € © atendimento concreto a uma necessidade, e assim essit pritica presente é um mecanismo de acesso aos segmentos mais espoliados da populagdo. Resta indagar como 0 componente educative (e ideoldgico) se articula na produgdo dos servigos assistenciais. Neste contexto considerase que © exame da questo assisténcia/as- sistencialismo pode oferecer elementos para a leitura dessa articulacao, 10 dos servigos assistenciais nfo seja facultative ccnica do trabalho € cla Embora a product da pratica do ussistente social, na divisio sécio- gue estd em exame particular nesta teflexdo. 1, ASSISTENCIA E ASSE RNCIA SOCIAL Antecede a andlise da assisténcia como pritica profissional caracte- rizé-la enquanto instiiicia programéitica das politicas sociais e, portanto, possibilidude conereta de absorcio do trabalho do assistente social, Nas politieas sociais piblicas a assisténeia 6 considerada pelo Estado como uma drea especifica de despesa governamental sob diferentes deno- minagSes como: assisténcia social, assisténcia geral, assisténcia comuni- téria, entre outras, Com isto, a assisténcie social tanto se qualifiea como tum subprograma de uma politica de savide, hubitacional, educacional, como.uma érea especitica da politica social A insergio do assistente social, embora se faga nas diferentes poli ticas. sociuis juntamente com outros profissionais, encontra expresso ra politicas especificas de assisténcia social © que via de regra caracteriza a aedo governamental como de assis- téncia social & a destinagdo a fundo perdido da aplicagio do recurso financeite puiblico. Com isto os programas de assisténcia social seriam aqueles que operam com mercadorias ¢ nfo s6 com servigas. Isto &, & diferenga da aco usual do médico, do professor, que operam funda- mentalmente stta capacitacdo especializada na producao dle um servico individual ou coletivo, o assistente social opera, além disso, com “mer- cadorias”. Como diz. Marx, “a mercadoria é antes de mais nada, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz. necessidades humanas. seja qual for # sue Esta mercadoria como coisa externa, ou seu equivalente, na forma de dinheiro, repassadas fora do “mercado de consumo”, ou da “relagio de troca” usual, recebe 0 cardier de uma doagdo, isto 6, a entrega da 59 mercadotia de uma parte sem sua contrapartida pelo valor equivalente como objeto externa. Dé-se uma forma especial de “troca” onde o Estado € aquele que tem riquezas, ou seja, acumulagdo de mercadorias, ¢ © assistido & aquele que néo tem riquezas, mas tHo-s6 a necessidade © a impossibilidade de realizar por si 86 sua satisfagéo. Ac estudar @ mereadoria Segnini "de acordo com Marx, © mio fer significa um ter muito positive, con erelo, desesperadior; significa ‘ter fome, tor frio, ter doenga, ter evimes, ter aviltamentos, ter gmbrutecimento, tet lode desumantzacdo € toda anor- malidade’"# © repasse de “objetos” nao pode, contudo, configurar uma dilapida- $f do patsindaiy pablico, ou seja, um empobrecimento do Estado por favorecimentos pessoais a terceiros. O assistente social torna-se o profs. sional instituido para conferir um meérito social a essa “doagio”, de modo que nao se configure um favorecimento ilicito. Tem, portanto, uma delegagao, socialmente conferida, para identificar, categorizar 2 pobreza © a miséria e proceder a "justiga social”. E sla concepefio quie, nas equipes _multiprofissionais, atribui a0 assistente social conceder o passe, a cesta de alimentos, 6 auxilio-do- cumentagao, © auxilio-viagem, 0 material escolar, o auxilio para 0 medi camento, ete. © que se percebe, porém, é que alguns servigos, ao reconhecerem, de um lado, que a pauperizagéio nfio é uma situacdo individual mas sim coletiva, e, de outro lado, a importéncia fundamental de determinadas “metcadorias” para uma cfetiva prestagao de servigos, vém incorporando seu fornecimento como parte integrante do processo de prestagao. de servigos. Com isto, 0 “atestado” de pobreza individual sai das maos do piolissional e passa para a prdpria realidade vivida pela populagao.” Concretizam estas afirmagbes o fornecimento de leite, de remédios, pelos servigos governamentais de assisténcia materno-infantil. Hoje es despesas com estas “mercadorias” absorvem percentual significativo dos ‘4. Utifizou-se a concep¢io “aparente” da mercadoria a fim de referencia: assisténcia visa tambem como relagio aparente de doagio. Ver a respeito Segniol (1984: 54) 5. Fica uma questio de fundo, paca possiveis pesquisas: seri que os servigos assistenciais.constituem uma Telagdo de doagio ol ma felagdo de (roca entre lum objeto eaterno e uum objeto interno? . A clitninagio pelo governo da necessidade de atestado de pobreza. em nome da desburocratizagao ‘no deixa de ser, também, 0 reconhecimento ticito da pobreza da populaciio brasileira, terminerds por nao necessitar do ‘ajuizamento particular de um profissional 60 orgamentes dos drgfios puiblicos de alternativas de fornecé-les & populagao, vide que vém estudande formas Assim, & medida que a pauperizago da populagdo passa a ser reco. nhecida como coletiva © néo individual, institucionaliza-se © forneci- mento desses “objetos externos” através de servigos e outras formas cole- tivas ou impessoais para satisfagao das necessidades bésicas do traba- Ihador.™ Via de regra, 0s servigos piiblicos sio padronizados para um cida- io que possua condigdes de pagar suas taxas © emolumentos. Esta é forma “normal” de acess aos servigos produzidos pelo Estado, Uma das formas de reconhecimento da pauperizaedo da populecto tem sido ou a isencuo desses pagamentos para determinados segmentos. socials, ou a introdugio de modalidades de servigos simplificados © de baixo custo de investimento operacional, com « conseqiiente eliminagio ou redugdo dos valores financeitos da servigo, xemplo disto ¢ a redueo dus txas de fornecimento de energia eléirica para a populagao favelada de Sao Paulo pela Eletropauto." Perpassa a prestacto dos servigos de assisteneta social priblica uma ceria nogdo de gratuidade, como se a riqueza do Estado viesse de outra jonte que nao @ propria riqueza produzida peto trabalhador Estas consideragdes so indicativas de uma tendéncia que hoje se coloca para as politiens de assisténeia social: « pauperizacéo massiva da populacdo brasileira esté descaracterizando a assisténcia social como uma Grea especifiea de despesa governamental e, em contrapartida, estd trans formando varios servigos piiblicos ene servicas de “assisténcia social” Portanto, 9 leitura da pauperizagdo extensiva da populagio bras leira, somada’ aos movimentos organizados de reivindicagéo © hita da populeviio pelo atendimento as suas necessidades desmascararam a assis- Leneia como prética dirigida a grupos minoritérios, ou ao atendimento de carecimentos individuais ou emergenciais. 7. B ioteressante observar que professores.pilblicos ja utilizam corriqueira- ‘mente’ a afirmagao We que, hoje, sfo" mais assistentes sosiais do que professores, 8. A investigagio do gra © formas de incorporagio das “mercadorias” 2 prestagiio de servigds pelos. dratios —piblices poderia ser uma anilise pertinente NO (emi cn assiténesa oeitl. Ineluieee ainda como possivel tema de investigaceo 41 compreensio do. Servico Social como um servigo ¢ suas especificagies ba dIVisIO Secio-tGcnica elo trabalho 9. Mesmo em alguns servigos em que nfo se aplicam como g ening, engencrnm-se muitos vezes formes de. reco buigbes", as de consumo, ete de “contri- 61 Com isto. fragiliza-se a necessidade de critérios pessoais de clegibi. lidade e, portanto, de triagem da demanda. Um dos ayangos na consti- tuigdo de direitos sociais ¢ exatamente a universalidade da clegibilidade. Posia a situacdo como necessidade do cidadio, a questio é atendé-la, solu- cioné-la e néo de qualificé-la ow gradué-la. A tendéncia persistente de considerar @ “clientela” usudria dos programas assistenciais como “quarto estrato” transforma os trabalhado- res que a cles recorrem em grupos dependentes, frdgeis, sem condigées prdprias de reversfio de seu quadro de pobreza.” Nessa perspectiva, a assisténcia se dirige & marginalidade social urbana causada pela insuficiéncia de renda, aspectos sécio-culturais ¢ Psicoldgicos de dependéncia, inter-relacionades numa causagio circular cumulativa, Trata-sc, nessa perspectiva, de qualificar @ demanda a partir do enfoque dualista “marginalizagdo-integragio”, criando-se inclusive wm gradiente de estratiffeaedo social da populagao entre populagio marginal, dependente, subintegrada ¢ integrada. Ainda nessa concepgio, a énfase dos programas assistenciais nao deve se dar na provisto da necessidade, mas sim na adogio de um “sisie- ma moderno”, fugindo do “assistencialismo tradicional”, ou seja, adotar um modelo de “promocao social” caleado em uma “eoncepyio de desenvolvimento socio! em que os objetivos a serems alingides no. constituzm, conforme destaca@ ‘préprio II PND, uma simples conseqiiéncia da politica econémica, mas teaham sua validade justificada por variavels de ordem sécio-humans”,"! © reconhecimento do componente de classe na demanda dos progra- mas assistenciais vem se mostrando pela extensio do chamado “grupo minoritério", pela fragilizagao dos processes de clegibilidade © pela presenga de despesas de “assisténcia social” nos orgamentos dos progta- mas sociais. Mas vem se mostrando, sobretudo, ¢ no periodo em que este estudo se coloca, na Iuta dos trabathadores pela sua condigio de subsisténcia ¢ no enfrentamento da espoliago urbana a que estio submetides. 10. Ver notas anteriores respeito do concelto de quatio estrato ¢ classes suballernizadas. Fiende-se que 0s" servigos ‘assstenciais ‘inio se. referem um estfato, ‘mas no conjunto dos trabalhadores, principalmente nas earacteristicas do capitalismo brasileito. subdessavolvido, aulerilirio, fortemente espolisdor da forga de trabalho. 11. As concepgbes desse parigrafo © do anterior ge referem uo Seminicio de Bom Clima, conforme documento n,° 80 © 91 do CBCISS. 62 A espoliagio urbana, por sua vez, ndo 6 um processo que possa ser desvinculado da acumulagéo do capital e do grau de pauperismo da papulagio. Os trabalhadores explorados sao também moradores espoliados. A separa~ do entre a produgio e reprodugdo da forga de trabalho é mais uma aparéncia do que fato. Lucio Kowarick, ao analisar os niveis de vida, ou de espoliagio urbana da populagio, mostra seu cunho coletivo. Isto é, os nfveis de vida nao decorrem simpiesmente do grau de pauperizagdo e do padrao de consumo individual, mas também dos niveis urbanos de reproduga0 da forga de trabalho. Estes se constituem da gama variada dos servigos de consumo coletivos que séo vitais para a subsisténcia dos trabalhadores © para a manutengio de sua capacidade de trabalho.!? Eo Estado que produz, direta ou indiretamente, esses servigos fundamentais ao cotidiano do trabalhador ‘Assim, mesmo quando sie mantides os graus de pauperizagio dos trabathadores, os seus niveis urbanos de. reprodugia paderio melhorar ou piorar em fungin do que consigam ‘retirar’ do Poder Publico ci Terms de bens de’ consunio coletives, subsidios & habitasio popular ou ficesto & terra urbanizada, processos que Variam enormemente em funsio de conjuniuras politics e que podem ou nio estar associados a ot ‘duistas que os trabalhadores oblém na esfera das relagoes de. produsio! (Kowariek, 1984: 72) Com estas lutas as necessidades de subsisténcia so pauta de reivin- Gicagio dos trabalhadores, que pressionam os Srgéos_governamentais pela methoria dos componentes necessérios & sua sobrevida © Estado, pela prépria historicizagio das necessidades sociais, passa fa assumir novos encargos frente & sociedade, Torna-se, cada vez mais, um agente produtor © organizador das desigualdades © do espago de confronte. 12, Kowarick (1984: 71), a0 claborar essa anilise, ressalta que nio se pode voncluir que hija uma ligaglo linear eotre precariedade das condigdes de existéncia eos embates que a populasfo afetada trava. A sitvagso comum de Gxclusto sécio-econdmica tem levado a’ uma gama de manifestagdes e trajetorias Sispares, onde us condigdes estruturais lém sido mais um_pano de fundo. Com isto, afirma que “u pauperizagio © a espoliagio sio apenas matériasprimas que potencialmente alimentam os eonflitos sociais: entre as contradicoes imperantes © as lulus propriamente ditas ha todo um provesso de produgao de experiéncia que no esté, de anteméo, tevido na tela das determinagdes estruturais™. Actes- conta ainda: “Inctino-me a privilesiar as demandas ligedas & necessidades bisicas Ue subsisténcia. como sendo us que podem se tansformar em Tetas de maior faleance politico, na medida em que mais penetram nas contradicSes que estra- luram as formas de dominio e exclusio de uma sociedade” (Kowarick, 1984: 72) 63 © Estado & com ele sous programas e agentes institucionais, que doles dio conta, principalmente os diigentes, terminam sendo um foco para onde se canalizam 03 conilitos ¢ presses pelos servigas coletivos enquanto espago de atendimento as necessidades que se eolocam no cotidiano da forza de trabalho. A assisténcia social, através de seus programas, torna-se, assim, 0 conjunto de praticas que o Esiado desenvolve direta ou indiretamente, junto as classes subalternizadas, com aparente cardter compensatorio das desigualdades soviais geradas pelo modo de produsio. Esta concepedo nao a diferencia das demais politicas sociais, termi nna até por identificar as politicas pablicas de conte sucial coun politicus de assisténcia piblica, Principalmente porque 0 Estado nao rompe este vinculo aparente do assistencial, que the permite ndo s6 responder, precdria © insuficientemente, como reiterar a tutela. Na realidade, no tipo de capitalismo em expanséo no Brasil, as politicas sociais nao se proporiam a sanar as desigualdades, mas, pelo contrério, a manté-las a custos politicos favordveis, como formas de reducio dos agravamentos dos conflitos sociais. A assisténcia ptiblica, e nela a assisténeia social publica, é compreen- dida como 0 mecanisino politico através do qual o Estado pretende “dat conta” dos excluidos. A partir desta compreenstio os limites entre assisténcia social e assisténcia piblica chegam a se dissolver. O social néo significa a benesse da sociedade em promover a assisténcia. E social por dizer respeito a una forma de se constituir em sociedade, nus relagdes sociais. Com isto, 6 social recshe uma conatagio eoletiva © nio individualizante. E esto coletive se dé enquanto identidade de vivéncia de espoliagio, de “enrén- cia” © da necessidade de subsist. A assisténcia, como um mecanismo presente nas politicas sociais, alravessa e 6 atravessada pelos embates das lutas de classe Um questionamento possivel a esta compreensio 6 0 de que cla nio da conta das implicagoes da caréncia a nivel individual. Ao privilegiar o coletivo, climinaria a dimensio psicossocial, ou © contetide interpessoal das relacdes, Privilegiar © coletivo no € negar o individual, ou no reconhecer que as questdes se colocam também a este plano. # tornar claro que, subjacente a este plano, hé a dimensio s6eio-cultural e politica. 64 E cornar claro, como diz Eunice Durham, que 0 individuo "38 € plenamente reconhecido como pessoa, como sujeito, nos grupos primdrios que se esiruturam na vida privada: a fumflis, os parentes, os amigos e Vizinhos. Na esfera pablics, tende a ser despersonnlizado figura como vendedor de fora de trabalho, comprador de_mercadorias, boeneficsirio do INPS, usuécio do transporte coletivo, eleltor, homen massa” (Durham, 1984: 28). Os movimentos sociais vém constituindo as pessoas na esfera publica através da coletivizagao de ‘experiénclas individunis © fragmentadss, encerradas nos limites da vida privada (...) viverom essa experidacia como um enriquecimento pessoal, tums intensificagao de sun qualidade de suleitos” (Durham, 1984° 28), A esta andlise Tilman Evers acrescenta, a0 considerar a relagao entre pessoas © movimentos sociais: 0 ser sujzito nao pode ser pensado como “individualidades completas”, mas antes como “fragmentos da sub- jetividade atravessando a consciéncia e a prética de pessoas ¢ organiza- goes” (Evers, 1984: 12-9). © sujeito seria © individu plenamente realizado dentro de uma sociedade desalienada, em outros termos, um sujeito ndo-encontravel no comego aparecerfi apenas no hipotético final do processo. ‘Trata-se de recuperar a subjetividade transpessoal pata analisar & questo individual Outra indagagio seria a de que estas perspectivas consistem em. trajetérias a percorrer, visto que a vida social esté mercantilizada e desumanizada ao extremo, Ou ainda de que, a lado de segmentos mobilizados da populagéo, ha grandes setores “marginalizades”, “aco- modados”. A perspocliva que se enfatiza € @ de que os movimentes sociais populares constituem uma forma de liberdade de um potencial construtivo para novos caminhos que podem e devem ser auténomes. A exploragio que atravessa a sociedade sem clivida gera situagdes de extremo abundono psicoldgico social ¢ biolégico, cujo enfrentamento pessoal requer forgas de que nem sempre os individuos dispdem: pela idade, pela precéria situagio de satide, pelo isolamento cnquanto “ser s6 no mundo”."* 13. Ver a respeito Lane © Cado (1984) © Lane (1980: 96), onde diz “(.1) Por mais que. enfatizemos 0 unicidade, x Todividualidade ce cada ser humao, por mais su gencris que se possa ser” (...}. (essa individualidade) “36 poder ocorrer sobre os conteidos que soviedade The ia, sobre as condigses fe vida Teas que eli Ihe permite ter" 65 Com isto, ndo se negam os processos terapeuticos, os apoios indivie duais como componentes da agdo assistencial, e, em particular, da assis- téneia social. Mas se afirma que avangar a prépria terapia implica ter presente a refergncia 2 totalidade. © doente requer abrigo num albergue vie de regra pela precariedade do atendimento de satide que Ihe foi prestado ¢ que redundou muma situagdo de agravamento. Ou porque a espoliagio de sua forca de tra- batho terminou nfo the dando condigGes de manter 0 “corpo em pé”. Hoje 0s abrigos ¢ albergues so retaguarda de hospitais piblicos ¢ nfo tém condigdes de operaedo para conduzir o processo de reabilitagio. © idoso termina abandonado enquanto sua aposentadoria, um per- centual abaixo do salfrio minimo, no Ihe permite cobreviver, buscando © asilamento como estratégia de. sobrevivencia. Matic Ghislaine Stoffles, ao éstudar os mendigos na cidade de Sao Paulo, mostra os estigmas que a polfcia, 0 Servigo Social ¢ a obra assis- tencial produzem no seu atendimento enquanto representam o antitra- balho, o desviante da ordem (Stoffles, 197) Situar, portanto, a assisténcia social como espaco de atencio 2 po- pulagao de “risco”, mais espoliada, implica reler @ procedéneia de classe do isco social (a quem?) © a espoliagio (de quem?) Nilo basta, contudo, a leitura da génesc das situagSes, hii que se pensar na direcdo das préticas que sobre elas incidem. © isolamento da pritica e © reducionismo ao atendimento individua- lizado provoca o distanciamento da realidade na sua globalidade: Icitura da realidade, nessa perspective, nfo se faz a partir da conjunture mais ampla ¢, sim, da somatéria das histérias individuais de caréncia. 2. ASSISTENCIA E_ ASSISTENCIALISMO Os profissionais habitualmente tém categorizado suas agées como assistenciais ou néo a partir de: sua aparéncia, quanto a presenga/ausén- cia do auxilio concreto © da dicotomizagao do proceso de trabalho em individual ou coletivo. Sob esta leitura so lidas ¢ consideradas como assistencial a concesséo de beneficios individuais e as atividades que, mesmo coletivas, no permitem o seguimento da agao e se extinguem no imediato. Numa certa analogia com os servigos de satide poder-se-ia dizer que estaria em questo 0 tradicional debate entre agdes curativas © agdes 66 preventivas, A populagio busca o curative € © técnica valoriza © pre- ventivo, terminando por se desenvolverem os especialistas em uma ourr modalidade de ago, atribuindo-se inclusive, no seio da categoria, valores diferenciados em funcdo da hegemonia de uma ou outra leitura. A assisténcia € vista até como necesséria por alguns, mas vazia de “conseqiiéncias transformadoras”. Sua operagao é revestida de um sen- tido de provisoriedade, mantendo-se isolada’ © desarticulada de outras praticas sociais, (Os estigmas criados historicamente em torno da prética da assis ‘cia social mantém-na num circulo vicioso © fechado de auto-repro- dugaio. Nao ha reflexdo tedrica, base necesséria de realimentagao critica, A sejeiyie petsistente das atividades tides como de “assisténeia social” faz com que estas se mantenham inalteradas, guardando um ranco conservador. Suas inovagdes, quando ocorrem, jé que concreta- mente © assistente social continua a enfrentélas em sta pritica, se re- vestem de um extremo burocratismo. Este buroeratismo concretiza a necessdtia “assepsia téeniva” que ird inclusive permitir ao assistente social designar para exercer tais funydes 0 atendente © auxiliar social, ‘ou até mesmo © aluno estagifrio, que aplicara normas burocréticas sob 1 supervisio do profissional Assim, a tendéneia, na busca de um desempenho competente, quando ocorre, € a de introduzir processos terapéuticos de ajuda, mais que procestos coletivos de mudanga. H4 uma persistente dificuldade do técnico no trato da acdo assistencial com a populagie. Ness compreensiio os profissionais terminam por desenvolver sua pratica de modo paternalista © burocrético. Ao tratar a populagio de ‘modo paternalista permanecem reproduzindo a dominagio © repassando os servigos coma “heneficios” que o Estado “concede”, Cria-se a depen- déncia e reproduzse mecanicamente as agdes. Nese tipo de prética a necessidade se constitul num objeto de ajuda, numa dificuldade a ser eliminada, mesmo que isto signifique “pasar por cima" do assistido. Outra tendéneia, que se contrapde a esta vertente tecnicista, & @ de utribuir & presenga do “objeto” que iniermedeia a prétice profissional « reiteragao da subalternidade.* Com isto a pritica desenvolvida seria assistencialista enquanto rei teradora da dependéncia 14, Conforme j& abordamos anteriormente, referindo-o como a “mereadoria” 00 © serviga’eny si 67 Nao é a simples presenga do beneficio intermediando a ago pro- fissional que 2 caracterize como assistencialista. O que esti em questo € a compreensdo mesma da finalidade social na definigio dos interesses da forea de trabatho ou do capital. B preciso tornar claro que a prestagio de servigos assistenciais neo € 0 elemento revelador da pratica assistencialista, Considerar que a pres taco de setvigos € meramente reprodutora, paternalisia, opressora, sig nifica afirmar que a prética profissional € unidirecional, realizando so- mente 0 interesse do capital. Hi que se recuperar no Ambito de agio profissional os interesses dos setores populares. Ha que se ter presente que esses servicos atendem a necessidades coneretas da populagio. O caréter assistencialista, quando presente na pratica do assistente social, nao decorréncia simples. direta da tarefa, da atividade que cumpre, mas sim da dirego que imprime as mesmas. Conseqiientemente, questo nfo se reduz 20 objeto, mas a como ela se desenvolve."* B claro que nao se esté afirmando com isto que as ages do pro- sional sejam meros produtos de sua vontade, Ele se move no meio institucional, entre contradigées: de um lado, os objetivos formais da instituicdo e, de outro, os servigos concretamente relacionados com as classes ‘subalternizadas. As Tinalidades das ages devem ser compreendidas para além delas mesmas, em relagio 20s elementos politicos, sociais e econdmicos que as determinam © as circunstiincias hist6ricas em que se desenvolvem. A. compreensao da relagio assisténcia-assistencialismo se clara quando colocada para além das agSes da profissio, isto é, nas préprias politicas sociais, Norberto Alayon, ao proceder a esta anélise, considera como assistencialismo ndo uma leftura particular da profissdo, mas uma das atividades sociais que historicamente as classes dominantes imple- mentaram para reduzir a miséria que geravam © para perpeluer © sistema de exploragio do trabalhador. Nesta perspectiva, o assistencialismo consiste numa atividade gue recebeu diferentes nuarieas histdricas ¢ que nao se constitui numa excres- 15. Conforme nota 13, do capitulo 3, Leila Lima Santos ¢ Norberto Alayon sao dois autores latino-americangs que aprésentaram contribuigdes para a lieustto de apsisiGncia, Para Leila Lima Santos 0. assistencialismo consistiria attma cocrente do Servico Social que considera a atividade profissional como = verdade em ti mesma, caracteriznnde o pensar ingénuo da profissio, A compreenatio, historia auto-referente ou aulGnema da profissio termina por configuréela. mais como ‘uma ctenga, uma metntisica, ov, por que ago?, uma. seita, Alayon, conforme 0 texto, trabaiha estabelecends 4 ielagio entre a astisténeia eas poiftieas socials, 68 céncia particular do Servigo Social, mas sim uma parte da légica capita lista, O assistencial torna-se a nica face possivel do capitalismo a justi- ficar as desigualdades sociais Ao buscar constituir uma face humanitétia, embaga as impunidades dessa forma autoritéria e devastadora do capitalismo na sociedade bra- sileira, A satisfagao dos “pobres” deve se dar de forma comedida ¢ atenta a0 uso que 0 beneficiério faz. do servigo, Hé que se garantic a neutrali- zagdo de tensdes, mas sem elevar plenamente as condigées de vida, ou a plenitude do acesso aos servigos, ‘A assisténcia & populagio através de “beneficios” individuais, gru- pais ou coletivas € decorrente de uma situagao real, embora nic deixe do ser uma fora do Estado mascaras a dividn social que possul para com populagao. Mas, por outro lado, na légica do capital, ela representa a inica forma de acesso a bens © servigos a que tem direito, Assim, a assisténcia € uma contingéncia que se coloca no trabalho do assistente como de outros profissionais, em razfo da sobreviveneia da popu- lagio '¢ por eonsistir na forma com que a légica capitalista brasileira estende os bens © servigos as classes subalternizades. Nesta I6gica, 0 assistente social cumpre fungao legitimadora quando a orientagdo politico-ideolégica de sua prétice n&o se dé sob marcos criticos, restringindo-se & eparéncia, reiterando conseqiientemente 0 assis- tencialismo. Ao desvincular o conteide politico de sua pratica termina por rei- terar, em pretensos atos técnicos, a aliengio do trabalhader."? 16. A alienagio. do trabalhador reproduzida ¢ até produzida oa peitiea profissional & ‘imma das ‘quoslges ‘io dst a ehselar Pesquisas ¢. desmontagens Eridegs, Exemplificam extn aftrmaglo © reconstitulgdo ths trajetéras, dos “assise tidus" nos tnuicionais. procedisnenion Ue thao, entevista © exuaichan Tealizados’ nos plantGes de atendimento, A" Uiaaem, procedimento nical Obrigae ISrio. submete o assistido a um. provesso bulceraico Ue preenehiinento. de fichas Ae identifiencto, nem sempre permitindo 0 clima e 0 tempo necesario t qe pessoas exponhiaon ste necessdades de Sjuda. Os Tunciondvios que evlizam {ringom nem sempre tem competGneia para & fungse, Dade n eardncia de recursos Htumanos,-enta fungio € defega 0 atendentes ou administrative, Com este condicionanie, a ttagem cumpre apencs a tarela de “peneitamento” dos assistidos, Attavés de crilerios de clegibiidade so tados aqueles que inte fessans &inatituigd ou que elt pode. atender ‘As coniicaes insitucionais smuoduzer poderosas formas de seletividade que contfibuem para reproduzir a desigualdade social por meio de un duplo mecenisma: Geum ado, exchisio da. matoria da domanda ‘e, de oUKto, 0 esvanecer de Seu sentido politico, na medida em que a exclisio aparece apenas como 0 fazer {eenieo profissionall A. tagem significa tao-somente. tm processo de controle ¢ Jeforeo sly exclusao, ques populaéo busca “Tarai” com processos de contra: maniputagio, Em eral, esta sabe que prectsa representa, pare funclondtio 69 Cria-se para os assistidos um elenco de instituig6es ¢ servigos a percorrer, caminhada esta frustrante, pois nela nfo sio atendidos. Esta caminhada se transforma também em aprendizado da alienagéo como estratégia de sobrevivéncta, ue realiza @ ttiagem, um quadro dramético de impoténcia para obter condicéo ‘de acesso na insttuigao, "A itlagem tem um papel, nem sempre pereebido e realizado, de registro vivo do cotkdiano das classes subsiernizadas, de suas caréneias ede ‘sas estratégias de resistencia ¢ sobreviveneia. Tet) igualmente um papel fundamental de veieulagio Gs Informagdes ‘referentes. 29 ciceita A asist@ncis, & compreensfo da. burocracia institucional e'& motivagao pata busca dos servicas que mnecessita e de organi- zapées sSeio-comunitarias 2 que possa se somar no enfraguecimento de” seu olidiane Atcentrevistas de ajuda «de ancaminhaments. sq 0 asso subsaqtionte, As pessoas que ultrapassam a barreict da Uagem obleém uma sondigdo de escuts faves das chamadas “enirevistas, de ajuda”. Nelas 0 assistido deposita soa Historia de vida que, na matoria day vezes, € crubalbada ‘nos aspectos cient tanciais: a sua singularidade ¢ deseolada de” sua siluagae de classe. (0 privilégio de ser atendido reproduc da mesma forma a clienacdo destes de sou destin singular ¢ coletive. ‘© assistido se transforma em prontudrio © soma de caréncins, das quais cada institoigio “pinga” a caréncia que The perience o que the faculia destinac tuma sud, O-assistico perde sssiny #1 sun identilade de eidadio e sprende, fatalmente, se rompeu a burocracia © obleve ajuda, a percorrer individualmenie a vatias Instiluigdes para obter novas ajudas parciais. Aged se forjae se reforca a allenacao de seu destino singular ¢ coletive. ‘Desia forma, a entrevista encaminhs-se processuslmente para “pingat™ caren cias possivels de" ajuda individual = A foore, destinamse cotas alimentares, quando existentes, como recurso de ajuda a nivel daquela instituigao; — A"doenca destinam-se os medicamentos listados 0 receituiio do. médica fou aparethos de driese © prétese, quando é comprovada a nuséncia de rend para sua aquisigso © existe Gisponitilidade dese recurso na. ins igor =A mustncia de docum profissional; — NSutincia ‘de moradia, © suxlio financeizo para cauglio do aluguel do ‘amordos ou paste transporte para retorno a cidade We origem ‘ou ainda, Aulorizacio para construc de barraco em reas governament = Nauséncia de emprezo ou de qualificacto profisional, ©. encamin 4 Servicos de colocactio ¢ eres. profissionalizantes; A necessidade de guarda das eriangas, © encaminhamento destas a. creches fexistentes que apresentem vagas. Este somatério de ajudas, destinado sempre de forma parcial ou insufigiente, exlgindo novos relornos pari obtengao de novas.ajudas, também insuficientes, Teforga um comportumento de dependéneia -e, especiatmente, mina sentimentos de auto-estima ¢-dignidade, ransfermando-o rapidamente em mendicante instil. ‘Sonal Concomitante & ajuda material ¢ profissional processa uma ajuda expressa através da orientacdo ‘psicossocial. 0 “contetido dessa ofieatagio & basicamente a informagio decoditicada e wrabaliada enquanto elemento motivador e clarijicator sdos passos a serem seauidos pelo cliente, 2 nfvel singular, para oblengfo de melfor ales sbval © superacto don ttores ngs que the imipedem m proviso de sta subsist, 70 los, 8 proviso de documentos de identidude ou A pritica cotidiana do assistente social @ coloca em confronto pro- gressivo com as politicas estatais assistenciais © aquelas implementadas por imimeras instituigdes privedas de corte assisteneial. Isto leva muitas yezes a que 0 profissienal proceds a uma leitura dessas agdes dentro dos umbrais da instituigdo, reduzindo-a aos elementos imediatos deter- minados pela propria organizagio burocratizada, Ou, enti, leva a que cle desenvolva uma ceria “esquizofrenia”. De um lado, 0. profissional pratica a assisténeia, como exipéncia de seu desempenho, de outro, re- cusira, nega-a a favor de outra prética, que entende como educativa. As politicas socinis sf também um espago de lutas cujos resultados variam em funedo das diferentes conjunturas histéricas. Ou seja, existem momentos de potencializagio de conflitos, onde a fragmentagio de lutas se aglutina em torno de oposigdes e adquire carter coletivo, Por decor- réncia deste movimento, as politicas sociais particularizam-se em dife- rentes momentos hist6ricos conforme o grau de prevaléneia dos interesses da forga de trabalho em suas proposigdes. E nesta prevaléneia € que repousa, também, o significado (¢ 0 com- promisso) da pratica do assistente sovial. Prética esta que se desenvolve quase que num movimento pendular entre prover bens € servigos 2 popu: lagi, representar 0 apoio do Estado populace " © constituir uma forea, na diregio do avango da presenga dos interesses e da organizacio popular como forma de desmasearar 0 ilusério. (Os encaminhamentos i rede de “entidades sociais” & insisumento inerente & ajuda assistencial individualizada. Ou seja, Yo pacote de judas” que se oferece io cliente’ se vinbiliza concretamente através de uma rede de servigos © bens produzides de forma compensatorin para a classe trabalhadora: cxeches, programas dle educagao supletiva e. profissionalizante, programas de provisio de habitagto, lesenvolvimenta. comune. ‘Os encaminharmentos, da forma como se reatizam — individualmente e sem ‘earantias dos sevvigos receptores do encaminhamento absorverem novas demands = transformam-se em novo instrumento opressor. Ha uma perda de identidade da prética da assistGncia enquanto pritica real, concreta,desenvolvida pelos protissionais «le Servigo Social © conseqiiente perda tin idonlidade “do profissional, culos. servigos prestados. sho” enquadrados come (© descompromisso © desvalorizacio desta prética determina que os profis- sionals encerresados de sua execueio seiam coosiderados menos capacitados, © nals “acomedados” no quadro institucional, configurande quase que a préica de “Segunda classe”. Nio. se dimiaui com jsto a questae da competéncia técnica, ‘mas, sim, vinculase 0 fazer (enieo ao sentido politico. E hd una ceria incom: Poléncit profissional no que concerne a articulagio politica dos slementos essen iais subjacentes 4 pratien assistencial 17. Lembrando a eitada frase popular: “Assisteote socia governo paga para ter 6 da gente” ‘moga gue 0 mn A pritica do assistente social é, portanto, atwavessada (e atravessa) pelas lates politics de classe. Por outro lado, se as politicas sociais antecipam as necessidades da populagio ¢ tendem a abajar conflitos e desmobilicar as luias populares, & populagdo apdia quem dé respostas coneretas As suas necessidades ¢ se contrapde aqueles que reduzem a presiagio de servicos que atendam a essas_necessidades, Norberto Alayon levanta que o importante, para a populagio, nfo é a politica social em si, mas sim © tanto que esta a beneficia ou as possibilidades concretes que ela Ihe dé para o enfrenta mento cotidiano. HA que se ter presente que as agdes das politicas sociais so, uo mesmo tempo, ieforyo dit exclusée © esperanga enquant possibilidude de usufruto de bens © servigos. No movimento desta dupla face elas acabam por se converter em possibilidade de mobilizagio popular pela conquista apropriagdo destes bens e servigos. Nao se pode esquecer que existem duas lutas imbricadas: uma para a superacdo das condigdes estruturais determinantes da _miséria, das cesigualdades sociais; mas, 0 mesmo tempo, a luta para reduzir as situe- Ges conjunturais da exploragao. Nao se pode esquecer também que a prética do assistente social no resolve em si mesma os problemas estru- turais e de fundo das populagdes, mas que nao € por isso que se deve impedir que mesma concretize em respostas © atendimento 2s suas necessidades tangiveis, articulando-as com reivindicagdes maiores que encaminham 0 proceso de mudanga estrutural ‘© vigor relvindicwtsrio 86 pode ser plenamente resgatado quindo, além do grande cenério organizacional —- sindicutos e partidos —, se ddesce para uma (ein cotidiana de lites que transformou priticas soladay fem experiéncias que se acumularam para embutes de maior envergadura” (Kowarick, 1984! 75), A pritica assistencial, assim pensada, nfo se reduz & proviséio ime- dota de ajuda, transformando-se em instéincia de mediagao fundamental a0 avango da consciéneia e apropriagio de hens e servigos pelas classes subalternizadas. A assisténeia & uma instancia de mediagao que atu na trama das relagdes de confronto de conquista.!* 18, © conceito de mediaedo necesita ser revonstruilo nas anilises da Servigo Social. No senso comm identificw'se modiagio com iolermediagto, iste & 6 com portamento de estar no meio, de forma nevira, ‘nd revolugio de uma’ questo, Esta concepgio de mediagio’ ¢ inclusive tribuida explieiamente como funcio fem processos dle negociagao. A mediacio € aqui entendida como us passayens que (© assistente social realiza no cerne das relagSes socinis capitalisas’ de produgio © que vinculam os movimentos pelos quais ejeiva sua pratica RD A prética profissionel, recolocada nesta perspectiva, no permite considerar como assistencialista as ages desenvolvidas simplesmente pela presenga de um “objeto” que atenda as necessidades conoretas das classes subalternizadas, Esse “objeto externo” ja tem dentro de si o trabulho sccial crista- lizado, Nao é ele enquanto objeto que funda a relaedo de subalternidede, embora, até aparentemente, possa parecer ¢ representar isto. & possivel até se dizer que ndo como valor de uso que a presenga desse objeto conereto gera 0 assistencialismo. Pelo contrério, como valor de uso ele até a mostra conereta e pal)avel da espoliaglo da forca de trabalho, que nao tem na sua remu- nneragiio condigdes de atender as necessidades. para sua reproduedo. Para alguns segmentos da forca de trabalho é criado pelo Estado (ou pela filantropia privada) um “mereado especial de consumo”. Com isto, nio se quer privilegiar a economia de mercado, mas destacar a forma patti- cular de tratamento das classes subalternizadas na nossa realidade. Esté em questo, portanto, desvendar o que se dé na passagem desse “objeto”, desse “servigo”, que © configura como uma relacdo assis- tencialista, Qual a relagio universaleparticular que é materializada nesse servigo? Por tudo 0 que neste estudo jé se trouxe & discussio conclui-se que, se a assisténcia & para 0 Estado wn mecenismo que conjorma ax politicas sociais, pura a populagdo pode ser entendida como uma instincia de mediagdo, enquanio vincula dia e dlalesicamente totalidaces diferentes. A categoria mediagdo se constitu ne conjunto de movimentos con- raditérios que se dio em agées reefprocas. ‘Na gica formal a mediagGo & entendica como as varidveis intervenientes aos stones quie se colocam no meio € ago permiteny saracterizar o “read. O"ieal™ Soviam telagoes dives, putas ‘As metiagdes fazem parte do real, aio as iostincias de passagem que confor wan 0 concreto, Express relagdes concretas © viaculoms maton © cislelicamente romentos diferentes dem todo. Nessh passagem se fava urat tela de relagdes ontraditras que se imbrieam sutuamente A categoria da mesdiagio permite indicat que nada ¢ isolado, isto seria reduzir 1 exime das ouesiges tv ati relngbes exteroves, THA tim conexto. dsletien gue Permite afastar oponigdes iveduliveis sem sintese’ superndors. Mediagio se refere & aparéneis pela qual si0 eriadow vinculoe nts relagbes Com isto podemos. falar coy umm. sisteme de “mediagdes capitalista, Pensa fediagae. implica. também 2. discussie ca institucionalizacae dos meiog soa 0. O aprofundamento desta categoria pode ser realizado em Marx. (1975), Meéaaros (198), Sactve (1979) © ainda Cry (1979), eomplementado. por Melo 982). B Refletindo dese modo, um primeiro desvendamento: @ medida que © profissional assiste, ao mesmo tempo configura que aquele assistide nao dispde de “poder aquisitive” para, por si sé, responder a suas ne- cessidades. Portanto, 0 printeiro vineulo que se estabelece entre 0 pro fissional ¢ 0 assistido se funda na afirmacéo da exclusio. Ao assistir, recoloca-se @ questo fundamental da existéncia da ne cessidade © a auséncia das condigées de supricla por si s6. E sio as necessidades mais vitais que, via de regra, sic incluidas nesses servigos. Eles constituem, portanto, a expresso palpavel da condicio de vida a que segmentos da populagao esto sujeitos. Mas proceder a esse servigo, 0 auxili, enfim, configurar o contetido objetivo da prética, nao € simplesmente criat un “neve tipo especial de mercado de consumo”, 6 sim uma forma tatiea de vincular dominantes € doiinados, Neste movimento e pelas suas agdes os servigos assistencici se apossam da exclusio, nfo sé para dar conta do “agravamento da ria”, mesino que precariamente, mas, sobretudo, para o desenvol- nto de estratégias de subordinacio inirinsceas a essa prética, Da totalidade excluido-necessitado os servicos produzem uma nova totalidade, © excluido-sujeitado. B com essa tatica que, de um lado, se recoloca a cocorréncia efetiva da necessidade, da pauperizacao, e, de outro, a ela se somam formas estratégicas de reiterar a adesio pelo consenso e pela persuasio. © assistente social é um dos profissionais que medeia essa tities enquanto dé conta dos movimentos que realizam essa relagdo de cumpli idacle entre assistido-assisténcia. Configura-se como relagéo de cumpl cidade porque o auxilio, o servigo é também a forma de atender a uma nevessidade teal da populaedo. A passagem exclusic-inelusio corres: ponde. pois. a-uma totalidade buscade pela populace. Hé, portanto, um ejeito social ¢ politico contido na pritica assis tencial que encobre a relacao de direito pela de subordinacdo. A nao compreensao desse imbricamento leva a qué os profissionais, ao incluir, trabalhem com um discurso homogeneizador, igualizante das diferencas sociais, ¢ ndo captem o fundamental enquanto © componente de classe contido nessa prética, A aco profissional passa a ser centrada no “incluido” ¢ no apri- mozamento de critérios justificatérios de inelusio em nome da realizacao da justiga social: isto é no atendimento ao mais necessitado, A reiteragio da exclusio € inerente aos processos de selegdo € tria- gem. Movimentar essa exclusio na diresdo da incluso é encontrar for- 74 mas de atender os que aguardam: na fila, na érea de abrangéncia do servigo, nume regio mais ample, no segmento de classe, ete. © assistencialismo se torna presente no movimento inclusdo-exctusio enquanto descola 0 inclukdo dos seus pares, do seu universal, da sus ago de classe, tratando como um particular. Toma-se presente, ainda, quando se atribui como mediador da inclusio © poder burocrético instituido, que concede ou nfo 0 servigo, como se fosse propriedads particular do. profissional Romper o assistencialismo ndo & romper com 0 servigo em si, mas con 0 engodo, com 0 mégico que é reificado ent sta mediagéo. Mas, se a realizagao da necessidade implice a incluso do “assistido”, isto seria viivel? Neo se eslaria nesta reflexdo criande um novo engodo? Ha pouco se apontava que uma agdo no sentido da nao-reiteragao do assistencialismo consistia em pensar a inelusito dos excluldos. Isto é, extender cada vez mais a universalidade da elegibilidade dos servigos através tanto da expansio do existente, como da criagao de novas formas que ampliem a cobertura das diferentes necessidades. Outro movimento # ser resgatado nessa mediagdo 6 a exetusio dos incluidos. A passagom da exclusdo-inclusio nfo é instantinen © nem se faz de uma sé maneira, Ea inclusao, também, pela propria fragmentagio dos programas sociais, se dé a partir de uma necossidace instituida, Com isto, a priprie fragmentacdo & uma forma de nao dar conta de todas as particularidades, de todas as esferas de necessidades, de caréncias das pessoas. Outre questtio € gue as instituigges so também Hinitarlas pelas propries circunstineias em que sc criaram, pelus prdprias necessidades histéricas que se propoem a atender. As instituigoes também esbarram em seus limites e com isto demandam uma dindmica dos agentes por novas formas de agflo, novos programas. ‘Tém no scu horizonte a extensiio da apropriagdo da demanda, 0 que, contraditoriamente, 6 um espago conereto para a expansiio dos servigos na direyo dos interesses popu Jares. Portanto, se, de um [ado, hii um contetido ilusério para a poptilago no sentide de que o servigo representa uma solueio equelizante para sua necessidade, de outro, a instituigdi, através de seus agentes, mantém © ilusétio de que suas préticas dio conta de todas as segmentagées 15 do individuo, do grupo, da populagdo, etc, Estes movimentos, embora nio tenham igualiade de forga, isto 6, as instituigdes manipulam as Forgas subordinantes com maiores recursos e aliangas, mostram algumas contradigées que se acham subjacentes as aparéncias, © nelas € que se fundam espagos de-movimentagae da prética Nao ha uma subordinaedo plena e nem uma incluso plena, até mesmo quando se adotam formas repressivas. Os exemptos da gestacio de formas moleculares de lutas populares no negro periodo de represstio brasileira concretizam esta afirmagio. E neste espago que se organizam 05 movimentos, quando a partir de uma necessidade resgatam ums tote lidade Romper com priticas assistenciais ¢ romper com o vineulo do con- formismo na relag3o entre possufdo-despossuido. A compreensio ¢ produgdo dos servigos assistenciais a nivel do aparente € a reiteragiio da subordinacgo e esta € que configura o assis- teneialismo como tética de agio. Ao realizar a passagem inclusio-exclusao sem se dar conta dos movimentes nela contidos, concorre para que ccarra 0 agravamento do efeito ideoldgico de suberdinagio. Reorientar a pritica assistencial na diregao da tata peta constituigae da cidadania implica ir atém do aparente, de modo a fazer emergir a relagio particular-universal, a vineulagiio entre o destino singular vivido ¢ 0s determinantes gerais da classe a que pertence. © cardter de mediagéo da assisténcia se dé enquanto seus servicas criam vinculos entre 0 Estado € a populacdo através de movimentos de passagem da exclusio-inelusdo © da inclusdo-cxelusto. Com isto os servigos assistenciais, além de aeesso a recursos para responder a necossidades reais, contém movimentes tanto na diregao da reprodugéo da alienagéo do trabslhador, quanto na diresio do reforgo 4 eonsolidagdo dos interesses populares. Universalizar os servigos nfo significa integrar massivamente a po- pulagio na condico de sujeitada, subalternizada. A questio nao ¢ assis- tncia para todos, mas ter claros os direitos que sto escamoteados pela face aparente da assistenci A assisténcia publica é, portanto, intrinseea ao modelo econdmico brasileiro, pautado nas contradigées bisicas entre 0 capital € o trabalho, numa formado social de capitalismo combinado, subdesenvolvido ¢ indus: trializado, E intrinseca ainda & pratica do assistente social enquanto este 16 € 0 agente autorizado ¢ capacitado para o desempenho da fungio assis- tencial em nossa sociedade. Superi-la n&o € mera questao de técnica, mas de mudangas funda- mentais na leitura € execucho das politicas sociais. Implica compreender que os servigos assistenciais sao parte do valor criado pela forca de trabalho, apropriado pelo Estado e pela classe dominante ¢ repassado como beneficies sociais. A assisténcia configura, portanto, uma resposta 8 questio social. Nascidas das necessidades da populagao e articuladas como estraté- gias de controle do Estado sobre as classes subalternizadas, a fim de configurar a face humanitéria do capitalismo sob a aparéncia de axsis- feneta ou beneftcto, as priticas de assisténcia social piblica sao, tantbém, cespacos de conquista de direitos sociais e de reconhecimento da cidadania das classes subalternizadas. Restam algumas indagagSes: Teriam os programas assistenciais abrangéncia ou dimensao de in- yentos, que de fato os constituem como uma rea significativa de servigos piblicos? Qual a tendéncie atual: a ampliacao concreta dos investimentos ow a adogao de mecanismos que ampliem o efeito ideolégico de subord nagao? iio Pomdl® ® ests quesies implice mliplas pesquisas interpre: issionais nn ASSISTENCIA COMO AGAO GOVERNAMENTAL: © aparato estatal em questéo A anilise da assisténcia publica ¢, nela, da assisténcia social péblica, implica explicitar as mediagGes que a ago estatal utiliza para fazer vigir suas decisdes nesse campo de préticas. Esté em questo a complexificagdo da agdo estatal através de orga- nismos, aparatos administrativos, financeiros, nos diferentes niveis de poder federal, estadual e local. © paso que agora se di nessa diregio ¢ 0 de procurar elementos que configurem a maneira como o Estado se organiza, enquanto forma administrativa © financeira, para levar a cabo. seus programas assis- tenciais. Isto néo significa que se privilegie a ética do aparelho estatal ao impacto ou ficdeia que as politicas sociais brasileiras contém para as classes subalternizadas. Trata-se de uma reflexio que se adota no exame do assistencial por se entender que a intencao politica se revela nde s6 no discurso, mas também na forma com que efetivamente se prepara 0 aparato governa- mental para constituir tais intengSes. (© formato burocrético e as fonies de financiamento dos programas soviais permitem conhecer a diregio que o Estado dé ao gerenciamento da forga de trabalho. (© trago do assistencial nas politicas sociais pode também ser ane- lisado a partir da desarticulagio dos érgfios prestadores de tais servigos quando inexiste politica governamental orientadora das ages ¢ dos re- cursos aplicados. [As irvacionalidades persistentes na caracterizagio do aparato gover- hamental permitem outra aproximagao da forma de tratamento dos ex- Juidos pela gestio estatal. 9 Quanto ao formato buroctético, esté em questéo © aparato gover- namental que viabiliza as politicas ©, neste, 0 espago de presenca e decisio que @ forca de trabalho tem nas questes e solugdes que [hes izem respeito. Esté em questo, ainda, a dimensfio do aparelio buro- critico enquanto as formas com que se estende e se faz presente nas iniciativas privadas. Outro ponto crucial diz respeito & estrutura de financiamento dos programas sociais, como demonstrativo da continuidade das intengdes do Estado na solugdo dos problemas sociais. Na perspectiva da presenga da forga de trabalho no gereticiamento das politicas sociais a andlise dos investimentos estatais ganha expresso eaquanty revele # exisi@ict st deliberach Os mecanismos redistributivos, o financiemento dos programas sociais se legitimam quando os investimentos, enguanto fixagio de percentual orgamentério, se assentam em compromissos socials de conjunto. ou niu de une inteugie pol Quanto mais as negoviagdes se efetivam sob 0 emergencial, sob aarvanjos sociais eventuais, © quanto mais, ainda, expressam téo-somente a correeao tecnolégica pela agao unilateral do Estado, mais se fray a continuidade do montante de investimento na érea social, Aumenia a vulnerabilidade de redueao dos gastos publicos com os programas sociais na medida em que se assentam num nivel muito baixo de legitimidade politica Por outro lado, quanto a> fontes de financiamenio, duas grandes matrizes qualificam a agdo estatal. A primeira referese a cringio pelo Estado de fontes de receitas compuls6rias captadas dirctamente entre (os proprietfrios dos mains de prodiicin e/ou da dedugio de parcelas do salério da forge de trabalho. A segunda diz respeito’ ao financiamento através do desembolso orgamentdrio das fontes regulares do Estado. Esta matriz permite avaliar 0 gratt de priorizagio dos programas sociais para © desembolso dos recursos estateis provindos das fontes orcamentdirias regulares. Dentro desta compreensio, as politicas sociais brasileiras, enquanto Indo se assentam cm bases de negociagao, nao criam garantias de fixacao dos investimentos estatais nas prioridades da forge de trabalho. Este & tum dos “saldos" do modelo auloritirio © selvagem do capitalismo bra- sileiro. 80 Consegitentemente, os investimentos governamentais, a tendéncia & descontinuidade, terminam representando mais os interesses do capital Acresca-se a este favorecimento o fato de que as politicas sociais so em si mesmas espago para a expansio de acumulagao do capital. © tratamento dado as politicas de assisténcia médica ¢ as politicas habitacionais tem sido bastante analisado como espaco de mercantili- zagio do soctal e de expansfo para a acumulagao. A dispersio das fontes de consulta a abrangéncia que a andlise do aparato governamental exige fazem com que aqui se desenvolva um ensaio indicative de outras pesquisas ¢ levantamentos. A consulta de dados foi concentrada em informagées do nivel federal, © sempre na perspectiva urbana. Os programas ¢ os drgios examinados sf aqueles qualificados como executores de programas assistenciais, Os recursos financeiros tra balhados so os qualificados orgamentariamente como destinados a assisténcia enquanto drew programética 1. © FORMATO BUROCRATICO DA ASSISTENCIA SOCIAL A nivel federal, o aparato primordial para a assisténcia concen- trase no Ministério da Previdéneia © Assisténcia Social, através da Secte- taria de Assisiéncia Social ¢ da Fundagio Legido Brasileira de A: Embora este delineamento seja genérico, 0 que se constata € que mesmo som um suporte administrative explicito, 6rgéios governament: no campo da sade, educagio, trabalho, transporte, habitagao, agricul- tara, enfim, em varias dreas socieis, mantém programas assistenciais. 1. Devese ter presente auc a nivel da abrangoncia da ago, devem ser destacados Funabem, criada pela Let nf 4,513 de. 1-12-1864, érgio normativo nacional responsivel pela claboragéo ¢ implantactio da politiea nacional de bem- fslar_do (nenot, ale opera através de convénios de colaboragso técnica e financeirs ho nivel estadyal e municipal, Agui ela no é porticularizada, oa medida em que Timitaria a anilise polities de asssténela ao menor. Na mesma situagio esté a FEBEMSP, criada em 264-76 como nova denominagio da Fundagio Pantista de Promesio Sosisl do Menor (Promenor), que j4 funcionava desde mai de 4974, c, subordinada Secretaria de Proniosio Social do Estido, que, pelos motives expostos qusato A Funabem, nfo seré também aqui analisado. Velase 2 fespeito Battin’ (1981) © Bierrenbach (1981). 81 Hé uma tendéncia de se ctiat um suporte institucional “8 parie” para dar conta dos exclusdos, seja como um érgio especifico no aparelho governamental, scja como programa especial dentro dos Srgios existentes, Como Srgao piiblico especifico, no conjunto da agiic governamental, recebe no mais das vezes a titulagao de bem-estar, promogiio, assisténcia, desenvolvimento social, e ocupase de uum segmento da forga de trebalho: 98 grupos da populagdo que no participam diretamente do processo produtivo e sequer tém condigées, por si s6, de provar sua subsisténcia, Sao os dilapidados, os desgastacios, isto €, idosos, abandonados, doentes mentais, acidentados, invélidos, entre outros denominados carentes. Estes Srgdos terminam tendo que reproduzir quase que © conjunto das ages governamentais para um segmento especifico. E como se a sociedade dividida “em castas” exigisse um “governo especial” para um determinado segmento tido como populagéo de isco ou vulnerével. Com isto, € caracteristica a estes Srgios de nssisténcia uma complexidade de frentes de trabalho, um conjunto de solugées diversificadas para as diferentes “esferas de subsisiéncia” da populagio. Assim, eles se expan- dem através de um leque extenso de programas assistenciais que buscam responder as necessidades de satide, educacdo, abrigo, trabalho, alimen- lagdo, subsisténcia dos excluidos. Conforme Lea Leal "O eleaeo desses programas, que identificem a LBA em wo 0 pa comsttui um diversificado leque social que cobre toda a existoneia hea. na, pois vai da protego & crianga ainda no ventre materno a asssténcia 10 idoso eafente © margioalizado, passando pela implantagie © manuten ‘io de uma rede nacional de creches, pela execusto de cuidados priméios de sate cltigidos & populacio materno-infuntil, vor énfase em nuticio, educugio para o trabalho, assisténcia juclciéra, tratamento e reabilitasao, lor ensepcionsis" (LBA, 1904), _ Pouce se tem estudado sobre esta rede de servigos no conjunto da edo governamental. Seu surgimento varia de avordo com a complexili cago da ago governamental frente & realidade, Constituem-se, em geral, a partir dos Srgfios estatais que se ocupam da satide ou do trabalho, Outra alternativa da génese © ago desses rgiios assistenciais € sua face colada as agGes e organismos geridos pelas primeiras damas. __ Outra tendéncia ¢ a da presenga de programas assistenciais nos varios Srgfios publicos, na qualidade de uma ago complementar. Cont 82 jsto, dimensionar © aparato a nivel federal © até mesmo estadual ou municipal € uma tarefa que exige uma investigagao Grgfo a rao." A atividade assistoncial publica se realiza através da complexa orga- nizagio estatal e € compartimeniada nos vérios setores de agao gover rnamental (Ministério da Saiide, do Trabalho, da Previdéncia, da Educa- g40, do Interior...) conjugando-se com programas, recursos e estruturas do nivel federal a oferta estadual © municipal de servigos (Ver Quadro 1). O Ministério da Previdencia e Assisténcia Social, através da Seore- taria de Assisténcia Social (SAS), seria 0 eixo de coordenagéo desses Orgos. A esta compete, de acordo com 0 Decretolei n." 76.719 de 3-12-75, em sou art, 12, € com a Portaria n.” 316 de 23-12-75, supervi- sionar @ exeeweao da politica relative 2 prestagzo de auailio & pessoas carentes de recursos materials, educacionais ou culturais e outras medidas de protegdo social para cuja concessdo nao se haja exigide contraprestagio direta dos assistidos.” Contudo, até hoje nfo se equacionou um sistema bierarquizado entre os diferentes niveis governamentais para a prestagao dos scrvigos de assisténcia social, ou sequer uma politica explicita, orientadora dos rgios estaduais ou municipais. Mesmo sem diseutir a orientacio politica das propostas existentes, portanto, j& se pode inferir 0 quanto 0 aparclho institucional assim criado € extremamente complexo. Interpoem-se inicia- tivas publicas federais, estaduais, mun iniciativas privadas, que Tuncionam de forma isolada, fragmentada ¢ paralela A aparelho institucional assistencial se comporta como o submundo do Estado e atua de forma a abafar e oculter a exclusio, A nivel do senso comum os técnicos interpretam estas instituiedes © programas como 0s "secos de lIXo” onde as demais instituiybes depo sitam “o que ndo guerem” ou “nao podem resolver”, Nesta interpretacho esti contida a dentincia de uma irracionalidade ¢ nfo a leitura de que @ assisténcia social piblica expressa a face oculia do capitalismo. Observa-se neste processo a complexificacdo das organizagdes blicas: a eada momento que o Estado reconhece uma func%o social ele crin organizagées burocréticas permanentes para cuidar destes problemas, "2. A presenga do recurso orgamentitio para assist@ncia, conforme adiante nerd apreventado, confirma esta dimensto, 3. Proposta Nocional de Assisténcia Social, Carlos Agtonio dz Souza Dantas, Secteldtia de AssistGncia Social/MPAS. Rio de Janeiro, Servigo Pablico Federal 15-10-84, mimeo. 83 QUADRO T DISTRIBUIGAO POR MINISTERIOS DOS PRINCIPAIS PROGRAMAS ASSISTENCIAS DE ACORDO COM A PREVISKO ORCAMENTARIA DE 1985 MINISteRIOS rrocnamas | _ sunerocwamas Minisiério do Interior | assisténcia a0 silvicola Ministrio da Sade | servigos funeratioe Saike materno-infantil fssistincia social peral Ministerio da asstencia ao menor . Previdenein © assistBncia social gerat asistencia flnancsira a en Assisténcia Social Tidades coordenaeio & flscalizacio ‘ts politica de assisténcia social projetos © alividades a car- go da Fundagio Abrigo Redentor Ministério da assisnela flaaneeira progsama nacional de agdes Faducagio © Cultura Sécioveducalivas culty fais porno melo rucat atividades cargo do. Fun do. Nacional de sen velvimento da Eduengao Basica apoio a0 Desenvolvimento dda Educagio Basics assisencta comunitiria | programas de agoes.socio- ‘educativas ¢. culturais para as. populagdes ci Fentes erbans| rssistnela a0 edueandos | bolsas de estudo atividades a cargo da Fun Macao ue Assistineia 40 Estudente assistincia financeira a | entidudes de assistencia so- ‘enldades educacionais, | “cial: reaistros e subven: Sutturais, sociais oe ev assistenciais Bi Fonte: Orcamento da Unlao para 1986. 84 © easuisino politico € 0 determinante da “racionalidade” da distri buigde de recursos e fungdes entre os diversos Srgios pablicos. Inexiste ‘uma proposta ou ume politica mais ampla de prestacao de servigos que explicite competéncias e recursos dos trés niveis de governo: federal, estadual ¢ municipal. Nesta indefinicéo permanece escamoteada a natu- reza da insercao de iniciativa privada nesta grea. A tal ponto isto ocorre, que muitas vezes se identificam iniciativas particulares e oficiais na medida em que conyénios e contratos de servicos vinculam mutuamente cio piblica € privada. A esta indefinicdo © desarticulagio ha uma tendéncia das institui- .g8es responderem com uma crescente busca de autonomia ¢ isolamento, reftagmentando seus recursos para dar conta das vérias caréncias apre- sentadas pelos exclutdos, Outca questo fundamental aqui, a ser repetida, ¢ a de que essa indefinigdo de competéncias € uma estratégin que perpetua a tutela, porque ela propria impede aos excluidos © conhecimenta dos servicos produzidos © o consegiiente direito de acess aos mesmos. O crescimento das agdes na diregio de direitos implicaria a explicita uigdo dos Srefios para que as demandas tivessem « clareza do que reivindicar, gerenciar & exigir Os dretios para prestacto de servigos assistenciais terminam sendo ao mesmo tempo o espago onde tudo e nada pode caber. Com isto, se reforga a caracteristica de desenvolver ages emergenciais, se reforgam. experiéncias-piloto, cuja continuidade ou extensia ficam sempre a aguar- dar a clara atribuicgo de competéncias e conseqilente extensiio de recitrsos. Dadas estas caracteristices, 08 dtgios assistenciais terminam gerando propostas ilusérias: um conjunto de idesrins expressas nos planos de agio da instituigao, Através destes planos manifestam a intengao de aten. der as “reais necessidades sentidas” pelos grupos populares. No entanto, a escassez de instrumentos e recursos reduz a execucHio desses planos a experiéneias-piloto, carregadas de qualidade, mas sem expresso quan- titativa. Provoca, ainda, a clegibilidade de alguns “individuos” no con. junto demandatério, transformando-os em_assistidos privilegiados. Assim iterada a estratégia de nao-consolidayo das priticas como politicas. A Secretaria de Assisténoia Social (SAS), a nivel federal, nio foge a regra, nem por ter a Legio Brasileira de Assisténcia, 6rgio em geral sob jurisdigdo (direta ou indireta) da primeira dama do pais, como o grande executor dos servigos de assisténcia. 85 A partir da andlise do funcidniamento da SAS © dltimo govern presentou uma proposta para o estabelecimento de uma politica nacional de assisténcia social, Esta proposta tem por diagnéstico: a austncia de regulamentagéo do subsistema de assisténeia social deniro do Sistema Nacional de Pre- videncia e Assisténcia Social (Sinpas); o agugamento dos problemas so- ciais brasileiros: a necessidade de alocacdo dos recursos do FAS e do Finsocial sob tel Secretaria (SAS); ¢, ainda, @ articulagao dos nfveis estadual ¢ municipal com o federal. 4. Document citado na nota anterior, no qual o geeretirio da, SAS apresenta ap ministre do MPAS proposia de organizaeto do Sistema Nacional de Assis fy Social, através da “articulnedo dos és nivels: federal, estadusl @ toe ‘A proposta apreventada consisie em fixar as fungSes ormativa € coordens. dlora a nivel federal, através de dus. ulternativas: 4) Criar_ um minisiro extraordinério para assuntos extraordindrios junto 2 Presidéncia ‘da. Repdblien b) Reesiruturar a SAS dentro do prdprio MPAS, a ela subordinando © Con- selho Nacional de Servigo Social, hoje no MEC, a geréncia do FAS, do Finsoeial e #-coordenacio de um Conselho de Assisioncia Social compos (w "por. presidentes da LBA, Funubem, CR, INAMPS, INPS, Come, es6, Sexi, Sena, Senac, entre outros. A nivel” estadual seria criada uma Comissio' Estadual, em ato conjunto da SAS e do governador do estado, que elaborasse 0 dingadstico, 0 levantamento de fontes de ciseio, © Plavejamento e redirecionamento das agdes, A. nivel local ou munieipal faberis 0 Tevantamento doy “anselon da comuinidade” ea mebilizagko de Fecursos para assuimie 0 plisno ge ©, documento. prope uma reformulacio gradlativa das entidades vinculadas 16 MPAS que atusm no setor de assistencia social © a sensibilizagio dos pov nantes quanto ios aspectos politicos e administraivos que essi fren represents, Props, inclusive, Tetomada dos valores hmanitérios frente a grave sitwagio Co Brasil.” pois estudos, estatistiews, convénios, acordos, protocolos le intencSes a nivel cfonal-e internacional tem sido “assiaados ¢ rniilos fieam nas {sins © nh boa isposigaie de seus signatérios”. Faz refertacia 2 estos existentes sobre fe _prnpas mais walnerdveie chy ponsigie comes evianen. ion mils nace tional, Ressalta a questio da ulimentacio © suas consegilénciay para forma Ga crianga. ‘Tece um quadro sitizeional da populagio brasifeirs mostranda su ‘vulnerabilidade: $09 tém menos de vinte anos, as profundas disparidades eco- nomice-sociais regionals; concentragao urbana: ea repereussio. nacional dos pro- blemay da populagio periférica das areas metropolitinas. Usando como fonte de Informagio | PNAD-#2, eslimam que 63.6% dh nopulacio brasileira esta0. em provivel dependéncia social (menores de dez anos, 25.8%): mtiores de dez anos Wo ocupades, 33,1; majores de sessenta anos nfo econamieamente allvas, Ne Embora este grave quadro seja definido, as propostas de revisio da SAS se presenter como simples racionalizagao sistémica. © sistemismo secntua 6 fend ‘meno da-organizagio, co planejamento racionalizador das fungdes, es. ucdey & day decisdes. A’ superacio proposta da politica nacional de assistencia no pass, pois, de um avanco reformsta: de cuoho adminisirativo, oo fope da anflise, ante” Forinente feliz em 1975, onde os sunilios ram presindos noe carentes. Os agra- vantes ocortidos ma década (74784) nfo. sfo analisades como indicalivos de Un mudanga politica © no s6 de geréneta, 86 ‘Tal proposigio é porém, mais a tentativa de um posicionamento quanto ao poder gestor da SAS do que a explicitagdo da oxientacao da assisténcia social, Com isto termina por ser mais uma proposta de defini¢ao de niveis de poder, sendo sugerida a vinculacao do Finsocial e do FAS & SAS como forma de efetivar sew poder executivo. F claro que se faz necesséria a hierarquizagio do poder governamental, mas sobre uma efetiva proposta politica que nao reitere os drgdios de assisténcia (ja que sio necessérios) como meros geradores de “trato desigual” acs desiguais. A Fundagio Legiic Brasileira de Assist@ncia, criada em 1942 por Darey Vargas, compe também © Sistema Nacional de Previdéncia & Assisténela Socal (Sinpas), ¢ fol tansformada em fundagao em 1969. Em seu estatuto atual, aprovado pelo Decretolei n.? 83.148 de 82-79, € estabelecido como sua finalidade primordial: promover, mediante o estudo do problema € o planejamento de solucdes, ‘a implantagio © execueso da Politica Nacional de Assisténcia Social, bem como orienta, coordenar © supervisionar outras entidades executoras dessa politica”.® A LBA, de avordo com a Portaria n° 2.230, de 21-8-80, do MPAS, 6 estruturada através de tr@s grandes secretarias: a de Assisténcia e Bem -Estar Social, a de Administragao e Finangas ¢ a de Planejamento © Pro- jetos Especiais, Sua_programagio envolve assisténcia ao menor (creches-casulo, Projeto Elo, colonia de férias); assisténcia social complementar (destinada a adquirir material escolar, uniformes, etc., a erianca); assisténcia social geral (atividades sécio-educativas com familias © grupos comunitérios); sducagio para © trabalho (formagao de miodeobra); legalizacio do homem brasileiro (fornecimento de documentos); atencao priméria & satide (agdes de saiide, complementago alimentar ¢ distribuigio de Ieite); assisténcia aos excepcionais: assisténcia aos idosos ¢ 0 Programa Nacional de Voluntérios (Pronav-LBA). 5. Elementos extraidos da Relatéria Geral de 1984 da LBA, publicagio interna. Na fala de apresentagio a presidente assim se expressa: “Hoje, © trabalho tle assisténela social realizado pela instituigso assenta © busca, com a autodetes ‘minagio e pacticipagao das bases comunitévias, a melhorin day condigses de, vida do homem e de seu ambiente desenvolyendo programas voltados para a sutisagao fde sins necessidndes hasicss". De sicarda com 0. mesmo relatirio LBA, quando (riada em 1942, propunhase w “congregar brasieiras de boa vontade para. pro- mover, por todas as formas, servigos de asistencia social, prestados diretemente ou em colaboragtio com © poder publico ¢ us enldades privadas”, 87 Uma das formas de eatuctetiza® © atendimento aos excluides, como grtipos minoritérios, ¢ a criago de uma multiplicidade de programas ¢ Srglios que utilizem formas diferenciais © parcelares de atendimento, ‘A fragmentagdo expressa pele setorizagio © compartimentagéo das ages ptblicas ¢ caracterfstica presente em todo o campo de ago estatal brasileiro. Como Pedro Luiz Barros Silva analisa, esta fragmentagao tem sua explicagao mais geral no fato de que as fragdes dominantes que compéem o bloco no poder mantém Idgicas diferenciadas relativas 2 agdo do préprio Estado, © assim a ‘hegemonia no interior deste bloco ¢ sempre problemétiea acabando por determinar um aparelho stata estruturatmente segmentado, onde 0 con. flito © a competigio ocorrem iotensantente™ (Silva, 1984: 10-1). ‘A caractoristica de tragnientago € acompanhada pela de autonomia relative de cada sector de ago goyernamental em relagao aos demais & em relagio & sociedade. (Os aparethos estatais encontramse, na verdade, segmentados, com partimentalizados, atuando de nvanciracompetitiva e sempre. tentando ‘manscender suas jurisdigdes com o objetivo de expandir suas areas. de cig, transformando-se; em importantes arenas de negoctagd eas decisdes cotidianas das politicas que implementans, ein permanente att ‘ulagio com os interesses também fragmentados dus organizagdes socielas. E isso tudo, na maior parie das yezes, com um baixo gral de controle, tanto" por parte acoslizan poltce ae goveroa quanto, da sotedade em geral” (Silva, 1984: 10). - No caso espevifice do complexo de organizagées piiblicas destinado 8 operar a politica de assisténcia social esta fragmentagao corresponde também, estrategicamente, 2 possibilidade de apresentar os usudrios desta politica como grupos minoritarios da soviedade. __ Outro trago € a excludéneia da presenga dos interessados nas deci- sex desses Argos, possivelmente sob a justifieativa de que es grupos mais vulneréveis nde sao organizados enquanto tais." Estes tragos niio permitem # universalizagio © diferenciagio neces- siria & disteibuiedo de servigos, Ao lado deste pesado e desarticulado aparato estatal, hé um pro- gressivo repasse na execugio dos servigos sociais a ontidades privadas. No campo assistencial esta diretriz. se faz inclusive como estratégia de capitalizagao dos esforgos naturais de solidariedade social exer organizagGes da sociedade civil & Fimbors hoje je (sam Asocaydes de Ex-Alunos ta PEDEM, Ass: cist Betta a cop ab Paras ema ete mete tem aces 88 Os organismos estatais, ao se responsabilizarem pelas agdes de “pro- mogo social”, nfo negardo, em absoluto, os esforgos de filantropia solidatiedade da sociedade. Pelo contrario, até hoje a ago cstatal no campo da assisténcia social piblica se dilui entre 0 aparato préprio ¢ 0 chamado conveniado, ou indireto, Valorizar as iniciativas da comunidade 2 a otimizagéo dos recursos existentes torna-se uma orientagao técnica, Com isto, esses érgios governamentais irao desenvolver uma nova face, a de “aparelhos formadores” do idedtio do pessoal das obras sociai Complexifica-se a organizagao burocrdtica do trabalho institucional, com setores de treinamento, supervisfio © coordenagio das entidades sociai ‘Termina-se por exigir, em alguns casos, a presenga do assistente social no quadro da entidade, para que esses conyénios se ultimem, Com isto busca-se 0 “enquadramento” da entidade social nas pri tidades governamentais. O que termina, para a entidade, sendo uma ruptura com muitos dos pzopésitos filantrépicos espiritualistas pelos quais foi criada, © que unificam as intengdes do grupo de pessoas que a mantém, Para o servigo piblico, muitas vezes 0 gesto filantrépico pre- sente nesta rede acaba por consagrar a tutela, « benevoléncia ¢ 0 assis- tencialismo como postura de ajuda, Conforme Lea Leal, “conta a LBA com um valioso purrimdnio operacional, representado pelo apoio constante de 6,000 entidedes sociais brasileiras com quem fant convénios, pela presenga dominante de um sistema atuindo com 8.000 servidores © cerea de 2.000 equipamentos soctais préprios spar Ihades por todo © palit, Esta vaste rede de enlidades associndas, centros, rnucleos € postos préprios de atendimente social encontra-se junto com © Contingente voluntério inteiramente mobilizado na execusa0 daqucles idiversificedos servigos sociait que a Institulcto oferece a populacto bra Sileira carente” (LBA, 1984: 2, grifos nossos) ‘Como se pode perceber, nfio se faz a diferenciagéo entre o assumir governamental ¢ as iniciativas particulares, de modo que ambas so enquadradas como um mesmo patriménio, © cardter deste vinculo se expressa ainda nos conselhos de auxilios, subvengoes, isengées a entidades existentes nos trés niveis de poder, federal, estadual ¢ municipal? A proposta de uma politica nacional de assisténcia, jé assinalada anteriormente, faz mengao & 7. 0 estudo do funcionamento desses conscthos eo direcionamento de verbas ao longo do tempo esizo também a metecet atengfo. Bde se notar que, a nivel Federal, este Conselho ests subordisade 20 MEC. 89 “necessidace de reformulagio dos projctos © programas das entidades socials, 8 modificacio de sun forma de atuasio, o incentive a0 desen- volvimento das atividades em Zmbite estadusl ¢ muniolpal seeguerdan- sdo-se para as insttuigdes federais o poder decisério, aormalivo, supervisor, contioludor e orientagor da Politica Nacional de Assistéacia Social (,. .} © esinbelecimento das atividades priortérins © da selesio das ent aces que melhor as executam & também um dos objelivos desta politica, de forma gue ndo baja superposicio de ntividades e no oeorra pulverk 2agho de recursos". Ha uma forte dependéncia cconémico-financeira destas entidades em relagio ao poder pttblico. Séo raras as cntidades nesta drea que posstiem um suporte financeiro proprio que thes permite auto-sustentar 6s servigos que realizam, As entidades sociais assistenciais nfo raro mantém convénios ou secebem subvengdes das trés esferas.de governo para realizar um mesmo servigo. Ha uma certa conivéncia ¢ complacéneia das trés esfetas diante cesta irracionalidade, scja pela indefinigo de competéncias, seja pelo fato de que estfio conscias de que os recursos financeiros que destinam estdo aquém do custo real dos servigos conveniadas, e, via de tegra, so repassados com atraso. Em conseqiiéucia, a relagio que se desenvolve entre ambos, instituigao piiblica ¢ entidade privada, é quase sempre per meada por processos de manipulacdo, fayoritismo ¢ auséneia de cobran- gas de qualidade, A vealimentagio técnica © 0 controle do padriio dos servigos pres: tados pelas entidades particulares solrem um processo de desearacteri- zagio © anomia, Seja porque o Estado € “mau pagador” (¢ entao precisa ser complacente), seja porque a interveniéncia de ués orientagdes. por vezes conflitivas (municipal, estadual e federal) garantem & entidade particular uma condigdo de manipulagao © descompromisso com relagio fis exigéncias qualitativas, restando apenas a obrigatoriedude de cumpri- mento das exigéncias burvcréticas, Com isto, néo se garantem alterag&es qualitativas no atendimento, Em consegiiéneia, as agdes assistenciais reduzem-se a um conjunto de providéncias © ajudes parciais que terminam por prestar um atendi mento paliativo ou mesmo a destinar uma “esmola” justificada pela im- poténcia da instituigdo em lidar de forma conseqiiente com a pobreza Atayés de subvengdes ou convénios sao repassados as entidades sociais privedas a execucto de programas assistenciais e de servigos de infraestrutura social (creches, asilos, centros de formagio de mao-de- 8. Trechos da proposta de Politica Nasional de Assisténcia Social 90 obra, centros de reabilitago). Com isto o Estado descaracteriza tais fungdes como de sua responsabilidade.* Ha uma tendéncia de raptura deste padrio, percebida na cidade de Séo Paulo, pot efeito das press6es de usudrios quanto & qualidade dos servigos, impulsionando 0 avango da unio das entidades filantrépicus © a mobilizagéo destas pata reivindicar ao poder piiblico recursos com- pativeis a um desempenho mais satisfatsrio. Nesic quadro fragmentado, desarticulado, onde no se expressam claramente @ atribuicao estatal e a participacio da iniciativa privada hd nda outro agravante: « burocratizagao. A definicio destes servigos como nfo exiginds a “contraprestagio direta dos assistidos” termina por acarretar um aparato comprobatério de despesas, auxilios, etc., para que néo configurem a chamada “dilapi dagéo do patriménio piblico Com isto, # burocracia contébil estabclece limites reais & criatividade € clasticidade no uso de recursos, processos e instrumentos de acdo, pressionando por um reducionismo do atendimento assistencial a ajudas parciais © fragmentadas. Novas propostas de trabalho sio fatalmente enquadradas em formas de desembolso jé aprovades pelos Tribunais de Contas governamentais, reduzindo, assim, a introdugdo de novas formas de operacao, Ha um dlesestimulo e descrédito a qualquer iniciativa ou politica de articulacdo © integragao de recursos, Hi de fato uma insuficiéncia de servigos sociais bésicos que deses- timula o profissional na busca de acionar € articular recursos ¢ servigos. Mas hi, ao mesmo tempo, um nio-tproveitamento © desperdicio de te cursos na medida mesmo em que nao se mobilizam, articulam ¢ otimizam os recursos © servigos existentes. A inércia a0 nivel dessa ago prende-se também & cristalizagao do isolamento e individuelismo presentes no desempenho dos varios serviges Em decorréneia, assolam os processos competitivos entre um servigo e outro, os preconceitos e esterestipos, a desconfianga e a desinformagdo, solapando qualquer tentativa de articulagao © maximizagao do uso de setvigos disponiveis. 9. Bste é outro estado a ser realizado, no sentido de verfiear tratar-se. ou aio esia afirmagao de eastismo isolado e stig j4 superado. Por que os conselhos de subvencio mio so aerklos pelos érgios enicos mas pelos Esbinetes cover on

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