Você está na página 1de 8
A REVOLUGAO FRANCESA E A LITERATURA BRASILEIRA Se ha Iteretura ocidental, para lé da francesa, na qual esperariamos. Surpreender uma relagéo clara ou directa com a Revolugao de 1789, essa Iteratura seria a brasileira, ou a do periodo Iterario que alguns chamam |uso-brasileiro, Porque no mesmo ano em que se inicio a Revolugéo Francesa corre no Brasil o movimento revolucionatio conhecido com © nome de “Inconfidénoia Mineira" ou “Conjuragao Mingira", que cenduziria a Independéncia do Brasil, © porque nosse movimento estiveram implicados. varios escritores, entre os quais 0 poruense Tomas AntSnio Gonzaga, © 98 nascidos no Brasil, Cldudio Manuel da Costa, Indcio José de Alvarenga Peixoto, aos quais poderia associar-se ainda Silva Alvarenga. (Outro escritor, ‘embora menor, 0 “patriarca da Independéncia” José Bonifacio, o Velho, saiu em 1790 de Portugal para Paris, onde teve contactos com alguns revoluciondrios) ('). Vai-se a ver, no entanto, @ as obras desses escrtores nao contém referéncias directas a0 grande acontecimento francés © mundial, ainda quando contenham ideias —~ de liberdade e de libertagto — que também foram detendidas pelos revolucionérios tranceses, Nao admira. Quando foi tomada a Bastilha, j& estavam press alguns dos “inconfidentes"; © nos circulos politicos @ cultureis brasileiros ou mineiros jé tinham penetrado ideias, como as dos encidlopedistas, gue também incubaram a Revolugéo Francesa; jA se sentia a influéncia dos movimentos norte-americanos que tinham conduzido libertagdio das colénias inglesas (em que alias colaboraram franceses como Rochambeau © La Fayette); j& se tinham criado situagées especiticas {excesso de controlo politico-administrativa, impostos abusivos arbitrarie- dates da Coroa) que estimulavam a rebelido, ou a critica e a satira Iteraria, © que de subversivo ou revoluciondrio pode encontrar-se nos escritores brasileitos da “Inconfidéncia” (um dos quais, Claudio Manuel da Costa, morre entorcado na piso, logo a 4 de Julho de 1789), e tambsm nos seus contempordneos, ja ostava escrito antes da Revolueao Francesa "caso dos poemas joco-sérios O Desertor (ou O Desertor das Letras) de Silva Alvarenga, que data de 1774, € O Reino da Estupidez, de Francisco de Melo Franco, escrito em 1785, ou das satiricas Cartas Chilenas de Tomas Antonio Gonzaga, escritas presumivelmente em 1788, © no inicio de 1789, 1 131 ‘Mas que as ideias da Revolugéo Francesa chegavam ao Brasil prova uma devassa que em 1794 mandou fazer 0 vige-rel, Conde de Resende, visando nomeadamente 0 posta e matemético Silva Alvarenga, animador de uma tertilia do Rio de janeiro. Para a justificar, o vice-rei garantia quo 0 posta e seus contrades defendiam: ‘Que os Reis nfo sao necessérios: Que os Homens S40 Iivres, e podem em todo tempo reciamar a sua Iiberdade: ‘Que as Leis por que hoje se governa na Nagao Francesa ‘sdo justas, € que 0 mesmo que aquela Nagao praticou s0 devia praticar neste Continente: Que 08 Franceses ‘deviacn vir conquistar esta Cidade: que a Sagrada Escritura, ‘assim como dé poder aos Reis para castigar os Vassalos, 0 dé aos Vassalos para castigar 05 Reis. ‘Sabe-se alls que 08 ideais da Rovolugao Francess — que alguma coisa deveriam ao Brasi, como tentou provar Afonso Arinas de Mela no sei ado O Indio Brasiisiro © a Revolugéo Francesa ()— foram vividos Shr ranga por alguns intelectuais brasieirs, que no debxariam de 08 (inemitr para 0. Brasil (9, onde por sinal j& havia "magons', ainda que nao houvesse nenhuma loj@ insttuica ¢) tm todo 0 aso no se pode dizer que a Revolugao Francesa ccomparega vedo em textos importantes da Ineratura brasileira. & até se pode dizer que 26 cerca de um século depois aparece'am ‘a erature Praslcia referencias muito explictas e entusidsticas a assa Revolugao, que arm mtelectual como voaquim Nabuco s6 descobru em 1886: “1366 foi para tii o ano da Revelugao Francesa; Lamartine, Thiers, Mignet, Louis Blanc, Guinst Mirabeau, Vergniaud © os Girondinos, tudo passa sucessivamente pelo meu espiito” (. TLaactamente Um ano antes, tha o seu amigo Canto Alves escrito __ exactamente na cidade de Joaquim Nabuco — estes verses. de homenagem 20 herél pemambucano Pedro Ivo E eu disse: Siiéncio, ventos! Cala @ boca, furacdo! No sonho daquele sono Porpassa a Revolugéo! Este olhar que ndo se move ‘Std fito em — Oltlenta e Nove — Lé Homero — escuta Jove... — Robespierre — Dantéo. 192 Naquele crénio entra em ondas © verbo de Mirabeau. Pemambucano sonha a escada Que também sonhou Jaco; Gisma a Repiiblca atgada, E pega os copos da espada, Enquanto em su‘aima brada: ‘Somes ieméos, Vergniaua’. () Castro Alves chegara @ Revolugdo Francesa um pouco antes de voaquim Nabuco, dois anos mais novo do que ele, mas também um pouco antes (cerca de um quarto de século).., das celebragdes do primeiro centenério daquela Revolugdo, Tendo entéo devorado a Histéria dos Girondinos, a Declaragae Universal dos Direitos do Homem, os discursos Ge Mirabeau © de Robespierre, ndo admira que @ sua poesia fosse uma “concha para recolher em seu bojo 0 alarido da onda revolucionéria® (°) provocada pela queda da Bastilha. Os seus versos “condoreitistas", fogosos, impetuoses, ttenéticos, onde se cruzam intengées épicas e confissées liricas, onde ecoam @ sé mesciam as vozes de Vitor Hugo e de Tomas Ribeiro, de Musset e de Anténio Nobre, ndo se limitam a celebrar os grandes temas revolu- ciondrios da Liberdade, Igualdade © Fraternidade — porque celebram também revolucionarios tranceses (Robespierre, Danton, Vergniaud, Mira- beau, etc) e simbolos revoluciondrios como a Marselhesa ou a Bas- tithes Vai nas planicies dos infindes pampas Erguer a tenda do soldado vate. Livre... bem ive a Marseihesa aos ecos Soltar bramindo mo feroz combate... () Quando @ Bastia vil tremia desraigada E ca mole ao sopé soava a martelada, A catapulta humana, a voz de Mirabea.. Quando aquele ideal Quasimodo do abisme Se agitava a ulular dos Reis no cataclismo, = Sinsiro que rebate aos séculos tocout... (%) Mau grado 0 seu arrebatado nacionalismo, Castro Alves nto se exime @ exaltagéo © a insinuagéo dos modelos franceses, ainda quando os envolvam algumas sombras: 138

Você também pode gostar