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Benjamin Habermas Horkheimer Adorno Os PensadoréS ee Os PensadoréS Benjamin Tlabermas Tork heimer Adorno “Sempre foi uma das taretas ese ciais da ane a de suscitar detorminada indagagdo num tempo ainda no ma- duro para que se recebesse plea r posta.” WALTER BENJAMIN: A obra de one na Epoce de suas técnicas de reprodu- a0, *Separados da teoria o« conceltos perdem seu significado como ocore- fia com qualauer perte de uma cone- x30 vive. E plenamenie possivel que uma horda de bandidos desenvolva tra Gos positives de coletividade humana mas esta possibilidade aponta sempre as falhas da sociedacie mainr. na quel esse bando existe, Em uma sociedade injusla, 0» criminoses nao sie obrigato- rlamente sees humanos inferiores, Na Sociedade totalmente justa eles setion a0 mesnia tempo desumanos. O seni do correla de julzos isolados sobre as coisas humanas 56 € oblide na sua rela- go cam o todo." HORKHEIMER: Teoria tradicional & fearia critica “A.ane musical caja de ser obje- to'dé consume deve pagar prego de sua Comisténcia, © os eres que encer r& MG0 constitvem eros. ‘artisticos’, mas cada acorde falsamente compost ou retardatario expressa o cariter rea- Cionétio daqueles a cuja demanda a musica € adaptada. Uma musica de massas tecnicamente conseqlente, coerente © puriicada dos elementos de mé aparéncia, se translormaria em misica aftistica. © com iso mesmo perderia a ceracteristica que a forna aceita peias massa. THEODOR ADORNO: O. fotichiema na misica e 4 regress3o na audicso. __US Fensadores ‘CIP-Brasil. Catalogacio-na-Publicagio ‘C&amara Brasileira do Livro, SP 7336 ed. 83.0394 ‘Textos oxcothides / Walter Benjamin, Max Horkheinuer, ‘Theodor W, Adorno, Jirgen Ha'permas ; tradugdes de José Lino Grunewald... Jet al, —2. ed, — Siio Paulo : Abril Cultural, 1983, (Os pensadores) Inclui vidi € obra de Benjamin, Horkheimer, Adorno ¢ Habermas, Bibliogratia.. |. Ame ¢ sosiedade 2. Ane ~ Filosofia 3, Ciencia ¢ civilizagi 4, Cule wra S$, Filosofia alemi 6. Filésofos modernos 7, Tecnologia ¢ civilizagho I. Benjamin, Walter, 1892-1940, Il, Horkheimer, Max, 1995-1973. IIl. Ador. no, Theodor Wievengrunc, 1903-1969. 1V, Habermas, JUrgen, 1929- V. Se. vie 17.¢ 18, CDD-193 ie 18 301-2 17 “WL 18 301.243, 17.6 18 -700:301 17.0 18. “70 Indices para catdlogo sistematico: 1, Alemuanha ; Filosofia 193 (17. ¢ 18.) 2. Ante : Filosofia 701 (17. 18) 3. Arte € sociedade 700:301 (17. ¢ 18.) 4. Cigncia ¢ tecnologia : Sociologia 301.34 (17,) 301, 243 (18.) 8, Cultura : Sociologia 301.2 (17, ¢ 18. 6, Filosofia alemd 195 (17, ¢ 18.) . Fildsatos alemaes 193 (17. @ 18.) 8. Tecnologia © ciéneia : Sociologia 301.24 (17.) 301.243 (18) WALTER BENJAMIN MAX HORKHEIMER THEODOR W. ADORNO JURGEN HABERMAS TEXTOS ESCOLHIDOS 1983 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titalos originals: “Textas de Benjamin: “Dus Kunsrwerk in Zeitlter seiner ischnaschers Reprechsslerbarkeit™ (de Atienénationen) Ueber einige Motiven bei Baudelaire” (cle uminarionen) “Der Exzaeter"” (de Veber Literatur) “Der Surrealisnws"” (de Veber Literatur) ‘Texto de Horkhelmer ¢ Marcase: “Begeitl der Aufktarung’” (de Dinkokk der Auflarung Philosophische Fragment) ‘Texto de Horkhelmer: Tradisioneste und Kritische Theorie nd eran Oe Herkimer « Maree: “Philosophic und Kritische Theurie'” (de Zeicrchrifs fir Sottalforschung. v. 6) Tein dation ~ Anabyuisehe Wissenschu‘ts Theorie und! Dialektk™ (de Der Positivésmassiret in der deutschen Sozioto gies “Erkewutais-und Inferesse "(de Teclinih wal Wissenschaft als Ideolagle") *"Techaik und Wissemschalt als Meclowic"™ te} Copyright dest edigio, Abel S.A, Calcural, Sio Pauls, 1980 — 2-*edigdo 1983, ‘Texto publioudes sob lieengt de: Subrkamp Verlag, Frankiurt-um-Maim (liar pare a Sociologia da Mfésica, 1959 Hosigdo do Nurrucler Cansempordneo, 1938; Conferéncia Sobre Lirica ¢ Soceedaae: A Obra de Arte ne Epoce Ue suas Téenicus de Reproduce. Sobre Alguns Femas em Bundelaire: 0? Narradar: 0 Surreati Conhacimento « tateresse: Ténica ¢ Cidncia EnqucatoYdcologla"’) LLuchterhand Verlag, Darmetidt usd Newwied, 1969 (areaturdo d Camrovérsia Sobee 1 Positiviama na Sacintogia Alemed: Teoriv Analitica da Cééncta + Diatéicn), Vandeahoeck und Ruprecht, Goettingsa (0 Fetichiame na Masica «1 Regresstio da Audit). . Placher Verlag. Feinkfurt-art-Main ¢ Bditora Perwpoctive 8... Sto Paul (Feoria Trauiciona! ¢ Teoria Cra), $8. Phocher Verlig, Peankft-ani-Main (Cancett de Hldminisina, 1909: Piiosopas ¢ Teoria Chica, 1987). ‘Traduyao publicada sob licengs de José Lino Grinnewakd, Rio de Inneiro VA Obra de Arw ma Epsea de suas Thenicat de Repronlucdo. Direitox exelusivos sobre at domais tridugaes dete vohaias, Abvil S.A, Cultural, Sis Paulo, ‘Direitos exctusivos subse“ BENIAMIN, HORKHEIMER, ADORNO, HABERMAS — Vida @ Obra”, Abril S.A. Cultural, So Paulo, ADORNO HABERMAS VIDA E OBRA Consultoria! Paulo Eduardo Arantes um dia qualquer de 1940, no lado espanhol da fronteira en- tre a Franca é a Espanha, um funciondrio da alfandega, cumprindo ordens supertores, impediu a entrada de um grupo de inte- lectuais alemSes que fugia da Gestapo, a temivel corporagao nazista, Um dos integrantes do grupo, homem de quarenta e Gite anos de ida- de, que estampava no rosto sinais de profunda melancolia, mas ao mesmo tempo transmitia a impressio de um intelecto privilegiada, ndo resistiu a tensdo psicoldgica e suicidou-se, © fato poderia ser visto apenas a luz da psicologia individual, mas na verdade transcende esses limites e adquire dimensdo social ¢ cultural mais ampla, © intelectual em questio era Walter Benjamin, ‘um dos principais representantes da chamada Escola de Frankfurt. As idéias dessa corrente de pensamento encontram-se, em gran- de parte, nas paginas da Revista de Pesquisa Social, um dos documen- tos mais importantes para a compreensio do espirito ouropeu dao sécu- lo XX, Seus colaboradores estiverarn sempre na primeira linha da ro- flexao critica sobre os principais aspectos da economia, da sociedade eda cullura de seu tempo; em alguns casos chegaram mesmo a par cipar da militanga politica, Por tudo isso, foram alvo de perseguigde dos meios conservadores, responsdveis pela ascensio e apogeu dos regimes totalitérias europeus da época. Fundado em 1924, o Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt, do qual a revista era porta-voz, foi obrigado, com a ascensio ae po- der na Alemanha do nacional-socialismo, em 1933, a transferir-se pa- ra Genebra, depois para Paris, e, finalmente, para Neva York. Nesta cidade a revista passou a ser publicada com o titulo de Estudos de Fi- fosofia e Ciéneias Socials. Com a vitéria dos aliados na Segunda Guer- ra Mundial, os principais diretores da revista puderam regressar a Ale~ manha e reorganizar 0 Instituto em 1950, Alfred Schmidt, que se dedicou a investigagao da importincia ¢ da influ@ncia da Revista de Pesquisa Social, afirma que nela se fune dem, de maneira dnica, a autonomia intelectual, a andlise critica e o protesto humanistic, Os colaboradores da revista opunham-se aos periddicos e@ instituigdes de carter académico, desenvolvendo um pensamento comum nese sentide, sem que isso, contudo, anulasse interesses @ erientagoes individuais e, sobretudo, sem que fossem pos tas de lado as exigéncias de rigor cientifico. Gian Enrico Rusconi, ou- tro estudioso da Escola de Frankfurt, chama a atengio para o fato de vit BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS que o pensamento dese grupo nao pede ser comprecndide sem ser vinculado @ tradigdo da esquerda alema. Para Rusconi, o significado historico € politico das reflex6es encontradas na Revista de Pesquisa Social reside em sua continuidade em relacio ao marxismo € 3 cién- cia social anticapitalista. Essa posigaa tedrica foi desenvolvida endo como pano de fundo as experiéneias terriveis e contraditérias da rept blica de Weimar, do nazismo, do estalinismo e da guerra {ria Ainda segundo Rusconi, a “teoria critica” — como costuma ser chamado 0 ‘canjunto dos trabalhos da Escola.de Frankfurt — 6 uma expressao da crise tedrica e politica do século XX, refletinda sobre os scus proble- mas com uma radicalidade sem paralelo. Por isso, os trabalhos de seus pensadores exerceram grande influtncia, direta em alguns casos, indireta noutras, sobre a> movimentos estudantis, sobretudo na Ale- manha ¢ nos Estados Unides, nos fins da década de 60. A histéria desse grupo de pensadores pode ser iniciada com a fundagdo do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, sob diregao de Carl Grunberg, que permaneceu no cargo até 1927. Grinberg abria a primeira némero do Arquivo de Histéria de Secialismo e do Mavi- mento Operirio (publicacic que fundou em 1911), salientanda a ne- cessidade de nao se csiabtlecer privilégio especial para esta ou aque- la concepgio, orientagio cientifica ou apinida de partidy. Grinberg estava convencido de que qualquer unidade de pontos de vista entre 98 colaboradores prejudicaria es fins criticos e intelectuais da propria iniciativa, Posteriormente, ji na diregio da Revista de Pesquisa So- cial, ele proprio se consideraria um marxista, mas entendendo essa posica n4o em seu sentido apenas politicospartidario, mas em seu significado cientifico; © conceito ‘‘marxismo’’ servia-the para descri- a0 de um sistema econémico, de uma determinada cosmovisda e de um método de pesquisa bem definido. Essa postura inicial de Griin- berg — vinculada a uma “escola” de pensamento, mas ao mesmo tempo entendenda-a em sua dimensdo critica e coma perspectiva aberta — constitui, de modo geral, a ténica do pensamento dos ele- mentos do grupo dé Frankfurt, Entre os colaboradores da Revista, contam-se figuras muito co- nhecidas de um pdblico mais ampla, como Herbert Marcuse (1896-1979), autor de Eros @ Civilizagdo © O Homem Unidimensio- nal (au Ideologia da Sociedade Industria), ¢ Erich Fromm (1900-1980), que se dedicou a estudos de psicologia sacial, nos quais procura vincular a psicandlise criada por Freud (1856-1939) as idélas marxistas. Outros s40 menos conheciclos, como Siegiried Kra~ cauer, autor de umn clissico estudo sobre o cinema alemao (De Caliga- nv a Hitler, ou Leo Léwenthal, que se dedicou a reilexdes estéticas e de sociologia da arte. Ao grupo da Revista pertenceram também Wittfogel, F. Pollock ¢ Grossmann, autores de importantes estudas de economia politica. Os homens e suas obras Entre todos os elementos vinculados ao grupo de Frankfurt, sa- lientam-se, por razdes diversas, os nomes de Walter Benjamin, Thec- dor Wiesengrund-Adorno e Max Horkheimer, aos quais se pode ligar VIDAEOORA = IX @ pensamente de Jlirgen Habermas. Esses autores formaram um grupo Mais Coeso € em suas. Obras encontrasse um pensamento dotado de maior unidade teérica, ‘Os tacos biogrificos © 0 perfil humano de Walter Benjamin sao os mais conhecidos entre esses quatra pensaderes de Franklurt; sua morte, quando era ainda relativamente maco {48 anos) ¢ em ¢ircuns- Wncias tragicas, deixou marca indelével entre os amigos, fazendo Cam que surgissem muitos depoimentos sobre sua vida e sobre sua personalidade. Para Adorno, Walter Benjamin era a personalidade mais enigmatica do grupe, s¢us interesses eram ireqdentemente con- traditérios & sua conduta oscilava entre a intransigéncia quase rispida © a polide oriental, Essa maneira de ser aparentava mais 0 tempera- mento vibrante de um artista do que a trangiilidade © a frieza racio- nal, normalmente esperadas de um {ilésofo. Seu pensamento parecia nascer de um impulse de natureza artistica, que, transformada em teo- ria — como diz ainda Adorno — “liberta-se da aparéncia e adquire incomparavel dignidade: a pramessa de felicidade"’, Qutro depoimenta que onriquece de significados o perfil intelec- tual ¢ humano de Walter Benjamin € 0 de Gerschom Scholem, seu companheiro desde a juventude. Scholem o conheceu na primavera de 1915, quase um ano apés 0 comego da Primeira Guerra Mundial, @ relata que nessa época ficau impressionada com a profunda sensa- gio de melancolia de que o amigo parecia estar permanentemenie possuido. Walter Benjamin nasceu em Berlim, em 1892, de ascendéacla is- raelita. Seus estudos superiores foram iniciados em 1913. realiza- dos em varias universidades, nas quais sempre exerceu intensa ativie dade politica ¢ cultural entre os colegas, Em 1917, casou-se © passou a viver em Berna (Suiga), em cuja universidade apresentou uma disser- tagao académica intitulada © Conceito de Critica de Arte po Romi tismo Alemio. Em 1921, publicou uma tradugao dos Quadres Pari- sienses de Baudelaire (1821-1867) © na ana seguinte @ pocta e drama- turgo Hugo Yon Hoimannsthal (1874-1929) @ conyidou para publicar na revista que dirigia (Novas Contributcdes Alemds) seu primeiro gran- de ensaio: As “Alinidades Eletivas" de Goethe, Em 1928, Walter Ben- jamin viu truncadas suay esperangas de uma carreira Universitaria, quando a universidade de Frankfurt recusou sua tese: As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha, Para assegurar a sabrevivéncia, pas- ‘entio a dedicar-se a critica jornallstica e a tradugées, escrevendo ainda numerosos ensaios. Nessa época, fez uma das mais perfeitas tra- ducoes em lingua alema que se conhece: A Precura do Tempo Perdl- do, de Proust (1871-1922), Além disso, projetou uma grande obra de filosofia da historia, cujo titule deveria ser Paris, Capital do Século XIX e que ficou incompleta, A déeada de 1930 trouxe-Ihe outros intor- tinios: seus pais faleceram, teve de divorciar-se da esposa € viu as- cender 0 totalitarismo nazista, Sob a ditadura de Hitler, ainda conse- gulu publicar alguns trabalhos menores, recorrendo ao disfarce de pseudénimas, Em 1235, foi obrigado a refugiar-se em Paris, onde os Girigentes emigrados do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankfurt re- ceberam-no como um dos seus colaboradores ¢ derany-lhe candigdes para esecever alguns de seus mais importantes trabalhos: A Obra de Arte na Epoca de suas Técnicas de Reproducao, Alguns Temas Baude- x BENIAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS: lairianos, O Narrador, Homens Alemées. Finalmente veio 2 falecer na fronteira entre Espanha e Franca, em circunstancias dranyaticas. Theodor Wiesengrund-Adoing nasceu em 1903, em Frankfurt, ci- dade once fez seus primeiros estudos e em cuja universidade se gra- duou em filosuiia, Em Viena, estudou composigao musical com Al- ban Berg (1885-1935), um dos maiores expoentes da revalucao must- cal do século XX. Em 1932, escreveu o ensaio A Situagdo Social da Mésica, tema de inGmeros outros estudos: Sobre o Jazz {1936}, Sobre © Cardter Fetichista da Musica © a Regressdo da Audicao (1938), Frag- mentos Sabre Wagner (1939) @ Sobre Mdsics Popular (1940-1941). Em 1933, com a tomada do poder pelos nazistas, Adorno foi obriga- do a refugiar-se na Inglaterra, onde passou a lecionar na Universida- de Oxford, ali permanecendo até 1937. Nesse ano, transferiu-se para 05 Estados Unidos, onde escreveria, em colaboracgéo com Horkhei- mer, a obra Dialética do Numinismo (1%47), Foi também nos Estados Unidos que Adorno realizou, em colaboragao com outros pesquisado- res, um estudo considerado posteriormente como um modelo de so- cidlogia empirica; A Personalidade Autoritaria. Esta obra foi publica- da em 1950, ano em que Adorno péde regressar a terra natal ¢ reorga- nizar o Instituta de Pesquisas Sociais de Frankfurt. Entre outras obras publicadas por Adorno, antes de sua morte ocorrida em 1969, saliens tam-se ainda Para a Metacritica de Teoria do Conhecimento - Estudos Sobre Husser! ¢ as Antinomias Fenomenoldgicas (1956), Dissondn- cias (1956), Ensaios de Literatura J, Il @ i (1958 a 1965), Dialética Ne- rae (1966), Teoria Estdtica (1968) ¢ Trts Estudos Sobre Hegel Max Horkheimer, © principal director da Revista de Pesquisa So- cial desde o afastamento de Gronberg nos fins da década de 20, nas- ceu em Stuttgart, a 14 de fevereiro de 1895 e falecou em Nuremberg, a 9 de julho de 1973. Em 1930, tornou-se professor em Frankfurt, on= de permaneceu até 1934, quando teve de se refugiar, como os de- mais campanheiros. Nesse ano transferiu-se para os Estados Unidos, passando a lecionar na Universidade de Coltimbia. Nos Estados Uni- des, Horkheimer permaneceu até 1949, ano em que pode regressar a Frankturt e reorganizar o Instituto de Pesquisas Sociais, com Adamo. A maior parte dos escritos de Herkheimer encontra-se nas pagi- nas da Revista de Pesquisa Social, Entre os mais importantes contam= se: Inicios da Filosofia Burguesa da Historia (1930), Um Novo Cancei- to de Ideologia (1930), Materialismo e Metafisica (1930), Materialis- mo e Moral (1933), Sobre a Polémica.da Racianalismo na Filosofia Atual (1934), O Problema da Verdade (1935), © Ultimo Ataque 4 Me~ taffsica (1937) & Teoria Tradicional e Teoria Critica (1937), JGrgen Habermas ¢ considerado um herdeiro direta da escola de Frankfurt. Nascido em 1929, em Gummershach, Habermas ficen- ciou-se em 1954, com um trabalho sobre Schelling (1775-1854), inti- tulado G Absolute e ¢ Histéria, De 1956 a 195%, colaborou estreita- mente com Adorno no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, Em 1968, transferiu-se para Nova York, passando a lecionar na New Yor- ker New School for Social Research. Entre suas obras principals, con- lam-se Frire a Filosofia e a Ci@ncia - O Marxismo como Critica (1960), Reflexdes Sobre o Conceito de Participegéo Publica {publica- do em 1961, juntamente com trabalhos de outros autores, com o titu- VIDAEOBRA XI lo geral de O Estudante © a Politica), Evolugao Esteutural da Vida Pd- bitca (1962), Tearia e Praxis (1963), Logica das Ciancias Sociais (1967), Técnica e Ciéncia coma Ideologia (1968), e Conhecimento € Interesse (1968), Benjamim: cinema € revolugio Os miiltiplos interesses dos pensadores de Franklurt © © fato de ndo constituirem uma escola no sentido tradicional do terme, mas uma postura de andlise critica e uma perspectiva aberta para todos os problemas da cultura do sécula XX, torna dificil a sistematizacao. de seu pensamento. Podese, no entanto, salientar alguns de seus temas, chegando-se a compor um quacro de suas principais idéias. De Wal- ter Benjamin, devem-se destacar refloxées sobre as técnicas de repro- dugéo da obra de arte, particularmente do cinema, © as consequén- eias sociais @ paliticas resultantes; de Adorna, 0 conceito de “indts- tria cultural” @ a fungio da obra de arte; de Horkheimer, os funda- mentos epistemoldgicos da posicae filestfica de todo o grupo de Frankfurt, tal como se encontram tormulados em sua “teoria critica’; 2, finalmente, de Habermas, as idéias sabre a ciéncia ¢ a tecnica co- mo ideologia. Benjamin tinha seu ensaio A Obra de Arte na Epoca de suas Téc- nicas de Reprodugao na conta de primeira grande teoria materialista da arte. © ponto central desse estudo encontra-se na andlise das cau- gas @ conseqiidncias da destrui¢ao da aura’ que envolve as obras de arte, enquante objetos individualizades & unicos, Com 0 progresso- das técnicas de reprodugao, sobretudo do cinema, a aura, dissolven- dose nas varias reprodugdes do original, destituiria a abra de arte de seu status de raridade, Para Benjamin, a partir do momento em que a obra fiea excluida da atmosfera aristocratica ¢ religiosa, que fazem de- la uma coisa para poucos ¢ um objeto de culto, a dissolugdo da aura atinge dimensdes sociais. Essas dimensdes seriam resultantes da estrei- ta relacao existente entre as transformacées técnicas da sociedade e as medificagdes da percepgo estética. A perda da aura ¢ as conse- gdéncias socials resultantes desse fato sao particularmente sensiveis no cinema, no qual a reproduc3a de uma obra de arte carrega consi- g0 a possibilidade de uma radical mudanca qualitativa na ralaco das massas com a arte. Embora o cinema — diz Walter Benjamin — exija © uso de toda a personalidade viva do homem, este priva-se de sua aura. Se, no teatro, a aura de um Macbeth, por exemplo, liga-se indis- soluvelmente 3 aura do atar que o representa, tal como essa aura é santida pelo piblico, 0 mesmo nao acontece no cinema, no qual a aura dos intérpretes desaparece com a substituicso do poblico pelo aparelho. Na medida em que o ator se torna acessorio da cena, nao € rato que os priprios acessérios desempenhem o papel de atores, Benjamin considera ainda que a natureza vista pelos olhos difere da natureza vista pela camara, @ esta, ao substituir o espago onde o hamem age conscientemente por outro onde sua agao ¢ inconscien- te, possibilita a experitncia do inconsciente visual, do mesmo modo que a pratica psicanalitica possibilita 2 experi@ncia do inconsciente instintiva. Fxibindo, assim, a reciprocidade de agio entre a matéria xil BENIAMIN - ADORNO - HORKHFIMER - HABERMAS 9 homem, 9 cinema seria de grande valia pata um pensamento mate- fialista, Adaptado adequadamente ao proletariada que se prepararia para tomar © poder, @ cinema tornar-se-ia, em conseqténcia, porta: dor de uma extraordinaria esperanga histérica. Fm suma, a-anélise de Benjamin mostra que as técnicas de repro- dugdo das obras de arte, provecando a queda da aura, promovem a li- quidacao do elemento tradicional! da heranga cultural; mas, por outro lado, esse processo contém um germe positive, na medida em que possibilita outro relacionamento das massas com a arte, dotando-as de um instrumento eficaz de renevacgao das estruturas sociais. Trata- se de uma postura otimista, que foi objeto de reflexae critica por par- te de Adorno. Adorno: a industria cultural Para Adorna, a postura otimista de Benjamin no que diz respeito 4 funcao possivelmente revolucionaria do cinema desconsidera certos elementas fundamentais, que desviam sua argumentagao para conclu- ses ingénuas. Embora devendo a maior parte de suas reflexdes a Ben- jamin, Adorno procura mostrar a falta de sustentagdo de suas teses, na medida em que elas ndo trazem § luz o antagonismo que reside no proprio interior do conceito de “técnica”, Segundo Adamo, pas: sou despercebide a Benjamin que a técnica &e define em dois oiveis: primeira “enquanto qualquer coisa determinada intra-csteticamente” @, segunde, “enquanto desenvelyimeme exterior as obras de arte’, conceito de técnica néo deve ser pensado de maneira absoluta: ele postui uma origem histérica & pode desaparecer. Ao visarem a produs gdo em série ¢ & homogeneizacao, ay técnicas de repredugao sacrifi- cam a distingdo entre o carater da prépria obra de arte ¢ do sistema social. Por consuguinte, se a técnica passa a exercer imenso poder so- bre a sociedade, tal ocorre, segundo Adorno, gragas, em grande par- te, ao fato de que as circunstancias que favorecem tal pader sao ardul- tetadas pelo poder dos econcmicamente mais fortes sobre a prépria sociedade, Em decoréncia, & racionalidade da técnica iden se com a racionalidace de proprio dominio, Essas consideragoes eviden- Giariam que, ndo s6 0 cinema, come também 0 radio, ndo devem ser tomados como arte, "O fato de ndo serem mais que negdcias — es creve Adorno — basta-lhes como ideologia.” Enquanto negdcios, seus fins comerciais s80 realizades par meio. de sistemética ¢ progra: mada exploragéo de bens considerados culturais, Tal exploracde Adorno chana de “indastria cultural”. © termo foi empregado pela primeira vez em 1947, quando da publicagéo da Dialética do Muminismo, de Horkheimer e Adorno. Es- te ditime, numa série de conferéncias radiofénieas, pronunciadas em 1962, explicou que a expresszo “inddstria cultural!” visa a substituir “cultura de massa’, pois esta induz ao engodo que salisiaz os interes- ses dos detentores dos veiculos de comunicagaa de massa. Os deien- sores da expresso “cultura de massa” querem dar a eniender que se trata de algo como uma cultura surgindo espontaneamente das pré- prias massas. Para Adorno, que diverge frontalmente dessa interpreta- Gdo, a industria cultural, ao aspirar 8 integracda vertical de seus con= MIDAEOBRA XII sumidores, nao apenas adapta seus produtos ao consume das massas, mas, em larga medida, determina © proprio consumo, Interessada nos homens apenas enquanto consumidores ou empregados, a inddstria cultural reduz a humanidade, em seu conjunto, assim como cada um de seus elementos, as condig&es que representam seus interesses, industria cultural traz em seu boja todos os elementos caracteristicas do mundo industrial moderno e@ nele exerce um papel especitico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sen- tido a todo o sistema. Aliada a ideologia capitalista, c sua cumplice, a inddéstria cultural contribui eficazmente para falsificar as relacbes en- tre os hamens, bem como dos homens com a natureza; de tal forma que © resultado final constitui uma espécie de antiiluminismo. Consi- derando-se — diz Adorno — que o iiuminismo tem como finalidade libectar as homens do medo, ternando-os senhores ¢ liberando o mun- do da magia e do mito, e admitindo-se que essa finalidade gode ser atingida por meio da ciéncia e da tecnologia, tude levaria a crer que 0 Hluminismo instauraria o poder do homem sabre a ciéncia ¢ sobre a técnica. Mas ao invés disso, liberto do meda magico, o homem tor- nou-se vitima de novo engodo: 0 progresso da dominacao técnica. Es- Se progresso transformau-se em podcroso instrumenty utilizado pela inddstria cultural pata conter 9 desenvolvimento da consciéncia das massas. A inddstria cultural — nas palavras do. proprio Adamo — “impede a formagdo de individuus aulnomes, independentes, capa zes de julgar e de decidir conscientemente”. O praprio dcio de ho- mem ¢ utilizado pela inddstria cultural com o fito de mecanizi-lo, de tal modo que, sob © capitalism, er suas formas mais avancadas, a diversio eo lazer tornan-se um profongamento do trabalho. Pata ‘Adomo, a diversio é buscada pelos que desejam esquivar-se ao pro: cesso de trabalho mecanizado para colocar-se, novamente, em condi Ges de se submeterem a cle. A mecanizagao conquistou tamanho po- der sobre 0 homem, durante 0 tempo livre, e sobre sua felicidade, de+ terminando tao completamente a labricagdo dos pradutos para a dis- tragio, que o homem mio tem acesso senao a copias e reproducdes do préprio trabalho. © suposte conteddo nao é mais que uma pilida fachada: o que realmeme the @ dado ¢@ a sucessdo automdtica de ope- ragées reguladas. Em suma, diz Adorno, ''s6 se pode escapar ao pro- vess0 de trabalho na fabrica e na oficina, adequando-se a cle no cio”, Tolhendo a consciéncia das massas @ instaurando o poder da me~ canizagae sobre o hemem, a inddstria cultural cria condigdes cada vez mais favoraveis para a implantagao do seu comércio fraudulento, no qual os consumidares sio continuamente enganados em relacio a0 que Ihes é prometida mas néo cumprido, Exemplo disso encontra- se nas situagdes ertticas apresentadas pelo cinema. Nelas, o descjo suscitado ou sugerido pelas imagens, a¢ Invés de encontrar uma satic- fagdo correspondente 4 promessa nelas envolvida, acaba sendo satis: feito com o simples elogio da ratina, Nao conseguinde, come preten- dia, escapar a esta ditima, o desojo divorcia-se de sua realizagao que, suloeada @ transformada em negagao, convene o proprio desejo em privagao. A inddstria cultural nao sublima o instinte sexual, como nas verdadeiras obras de arte, mas o reprime © sufoca. Ao expor sempre como nove © objeto de deseja (0 seia sob o suéter oy 0 dorsa nu do xIV BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS heréi desportivo), a inddstria cultural no faz mais que excilar o pra- zer preliminar nao sublimado que, pelo habito da privagao, converte- se em conduta masoquista. Assim, prometer © nao cumprir, ou seja, oferecer e privar, sao um Gnico ¢ mesmo ato da inddstria cultural A situagae erdética, conclui Adore, une “2 alusaa © a excitacao, a ad- verténcia precisa de que nao se deve, jamais, chegar a esse ponto”’. Tal adveréncia evidencia como a industria cultural administra o mun- do social. Criando “necessidaces’ ao consumidor (que deve contentar-se com o que the ¢ oferecido}, a industria cultural organiza-se para que ele compreenda sua condicio de mero consumidor, ou seja, ele 6 apenas € 140-somente um objeto daquela industria. Desse modo, ins- laura-se a dominagao natural ¢ ideolégica. Tal dominacao, como diz Max Jiménez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no dese- jo de posse constantemente renovado pelo progresso técnico e cientl« fico, € sabiamente controlado pela indistria cultural, Nesse sentido, © universe social, além de configurar-se como um universe de “coi- sas", Constituiria um espaco hermeticamente fechado. Nele, tadas as tentativas de liberacao estan condenadas ao fracassa. Contudo, Adorno ndo desembeca numa visao inteiramente pessi- mista, © procura mostrar que é possivel encontrar-se uma via de salva- cao. Esse tema aparece desenvolvido em sua Gltima obra, intitulada Teoria Estética. A obra de arte © a praxis Em Teoria Estética — nas palavras do comentador Kothe — “Adorno oscila entre negar a possibilidade de produzir ane depais de Auschwitz @ buscar nela refiigio ante um mundo que chocava, mas que ele ndo podia deixar de olhar e denominar'’. Essa postura foi ex- tremamente criticada pelos movimentos de contestagdo radical, que 9 acusavam de buscar refiglo na pura teoria ou na Criagao artistica, esquivando-se assim da pridxis politica, A seus detratores, Adorno res- ponde que, embora plausivel para muitos, © argumento de que con+ tra a totalidade barbara néo surtem efcito sendo os meios barkaras, na verdade ndo releva que, apesar disse, atinge-se um valor limite. violéncia que ha cinqdenta anos podia parecer legitima aqueles que hutrissem a esperanga abstrata e a ilusdo de uma transformagdo total esta, apds a oxperiéneia do nazismo e do horror estalinista, inestrica- velmente imbricada naguilo que deveria ser modificado: “ou a huma- nidade renuncia a violéncia da lei de talido, ou a pretendida praxis politica radical renova o terrar do pasado" Criticando a praxis brutal da sobrevivéncia, a obra de arte, para Adorno, apresenta-se, sovialmente, como antitese da sociedade, cu- jas antinamias e antagonismos nela reaparecem camo problemas in- ternos de sua forma. Por outro lado, entre autor, obra e publico, a obra adquire prioridade epistemoldgica, afirmancdo-se como ente au- lonomo, Esse duplo cardier vincula-se a propria natureza desdobrada da arte, que se Constitui come aparéneia. Ela é aparéncia por sua dife- renca em relacdo @ realidade, pelo cardter aparente da realidade que Pretende retratar, pelo carater anarente da espirito de qual ela é uma VIDA E OBRA xv manifestacdo; @ arte é até mesmo aparéncia de sl propria na medida em que pretende ser o que nao pode ser: algo perfeito num munda imperfeito, por se apresentar como um ente definitivo, quande na ver dade 6 algo feito e tornado coma 6. Horkeimer: ciéncia e totalitarismo A expresso “teoria critica” é empregada para designar 0 conjun- ta das cancepgées da Escola de Frankfurt. Horkheimer delineia seus tragos principais, tomando como ponto de partida o marxismo € opondo-se aquilo que ele designa pela expressao “teoria tradicio- nal". Para Horkheimer, o tfpica da teoria marxista é, por um lado, nao pretender qualquer visio concludente da totalidade e, por outro, preocupar-se com a desenvolvimento concreto do pensamento. Des- s¢ modo, as categorias marxistas mao sao entendidas camo conceitos definitivos, mas come indicagées para investigages ulteriores, cujos resultados tetroajam sobre elas prprias. Quando se vale, nos mais di- yersos contextos, da expressao ““materialismo" Horkheimer ndo repe- le ou Wanscreve simplesmente o material codificado nas obras de Marx e Engels, mas fefiete esse materialismo segundo a dptica dos momentos subjetives e objetives que devem entrar na interpretagao desses autores. Por teoria tradicional Horkheimer entendé uma certa concepgao de ciancia resultante do longo procesto de desenvolvimento que re- monta ao Discurso da Método de Descartes (1596-1650), Doscartes — diz Horkheimer — fundamentou o ideal de ciéncia Como sister dedutive, no qual todas as proposigdes referentes a determinado eam po deveriam ser ligadas de tal modo que a maior parte delas pudesse ser derivada de algumas poucas, Estas formariam os principios gerais que tornariam mais completa a teorla, quanto menar tosse sev_niime- ro. A exigencia fundamental dos sistemas tedricos construidos dessa maneira seria a de que todos os elementos assim ligados o fossem de modo direto ¢ nao contraditério, transformando-se em puro sistema matematico de signos. Por outro lade, a teoria tradicional encontrou amplas justificativas para um tal tipo de ciéncia no fata de que 0s sis- temas assim construidos sdo extremamente aptos 3 utilizagso operati- va, isto é, sua aplicabilidade pratica ¢ muito vasta. Horkheimer admite a legitimidade e a validez de tal concepgao, reconhecendo © quanto els contribuiu para o controle técnico da na- tureza, transformando-se, como diz Marx, em “forga produtiva ime- diata"’. Mas o reverso da moeda é negativo. Para Horkheimer, o traba~ tho do especialista, dentro dos moldes da teoria tradicional, realiza- se desvinculado dos demals, permanecendo alheio a conexgo global dos setores da produgao. Nasce assim a aparéneia ideoldgica de uma autonomia dos processes de trabatho, cuja dirego deve ser deduzida da natureza interna de seu objeto. O pensamento cientifista contenta- se com a organizagae da experiéncia, a qual se di sobre a base de de- terminadas aluagOcs sociais, mas 0 que estas significam para o todo social nao entra nas categorias da “teoria tradicional”. Em outros ter~ mos, a teoria tradicional nic se ocupa da génese social dos proble- mas, das situacdes reais nas quais a ciéncia € usada € dos escopos pa- xvi BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS fa 63 quais é usada, Chega-se, assim, ao paradoxo de gue a ciéncia tradicional, exatamente porque pretende © maior rigor — para que seus resultados alcancem a maior aplicabilidade pratica —, acaba por se tornar mais abstrata, muito mais estranha 4 realidade (enquan- fo conexéo mediatizada da praxis global de uma época) do que a teo- tia critica. Esta, dando relevancia social 4 ciéncia, nao canclui que o conheciments deva ser pragmitico, ao contririo, faverece a reflexdo autonoma, segundo a qual 2 verificagao pratica de uma idéia e sua verdade nao sao coisas idénticas. A teoria eritica ultrapassa, assim, 0 subjetivismo © 0 realismo da concep¢ao positivista, expressio mais acabada da teoria tradicional, © subjetivismo, segundo Horkheimer, apresenta-se nitidamente quan- do os positivistas conferem preponderancia explicita ao metodo, des- prezando os dades em favor de uma estrutura anterior que os enqua- draria, Por outro lado, mesmo quando os positivistas atribuem maior pese aos dados, esses acabam sendo selecionados pela metodolo; utlizada. E esta atribui maior relevo a ceterminadas aspectos dos da- dos, em detrimenta de outros, A teorla critica, ao contririo, pretende ultrapassar tal subjetivis- mo, visando a descobrir 0 contetdo cognoscitive da praxis histérica. ‘Os fatos sensiveis, por exemplo, vistos pelos positivistas como passui- dores de um valor irredutivel, sao, para Horkheimer, “préformados socialmente de dois modos: pelo cardter histérice de objeto percebi- do e pelo cardter histérico do Grgao que percebe”. Outros elementos de critica ao positivismo, sobretude os aspec- tos politicos nele envolvidos, encontram-se em uma conferéncia de Horkheimer, em 1951, com o titulo. Sobre o Conceito de Raziv. Nes sa conferéncia, ele afirma que 0 positivismo caracteriza-se por conce- ber um tipo de razao subjetiva, formal ¢ instrumental, cujo unica cri- \ério de verdade ¢ seu valor operative, cu soja, seu papel na domina- cao do homem ¢ da natureza. Desse panto de vista, 05 conceitos née mais expressam, como tais, qualidades das coisas, mas servem ape- nas para a organizacéo de um material da saber para aqueles que po- dem dispor habitualmente dele; assim, os conceitos sio considerados como meras abreviaturas de muitas coisas singulares, como ficcdos destinadas a melhor sujeité-las; j§ nfo 340 subjugados mediante um duro trabalho concreto, tedrico € politico, mas explicadas abstrata e sumariamente, através daguila que se poderia chamar um decreto filo- s6tico. Dentro dessas coordenadas, a razdo desembaraga-se da refle- xao sobre os fins ¢ torna-se incapaz de dizer que um sistema politica ‘OU econdmico é irracional. Por cruel e despético que ele possa ser, contanto que funcione, a razdo positivista o aceita e ndo deixa ao ho- mem outra escolha a nao ser a resignagao, A teoria justa, ao contréric — escreve Horkheimer —, "nasce da consideragSo das homens de tempos em tempos, vivendo sob condicdes determinadas ¢ que con- servam sua prdpria vida com a ajuda dos instrumentos de trabalho". Ao considerar que a existéncia social age como determinante da cons- iéncia, a teorta critica néo esté anunciande sua vissa do mundo, mas diagnosticanco uma situacao que deveria ser superada Em suma, a teoria critica de Horkheimer protende que os ho- mens protestem contra a aceitagso resignada da ordem tolalitaria, A “raz3o polémica” de Horkheimer, ao se epor a razao instrumental ¢ subjetiva dos positivistas, nao evidencia somente uma divergéncia de ordem tedrica. Ao tentar superar a razao formal positivisia, Horkhei mer nde visa suprimir a discérdia entre razao subjetiva e objetiva atra- vés de um grocesso puramente teGrico. Essa dissociagao somente de- sapareceré quando as relagdes entre os seres humanos, € destes com a natureza, vierem a configurar-se de maneira diversa da quo se ins taura na dominagao. A unido das duas razbes cxige o trabalho da tota- lidade social, ou seja, a praxis histérica. Habermas: tecnicismo ¢ ideologia Jurgen Habermas desenvolve sua teoria no mesmo sentido de Horkheimer. Para ele, a teoria deve ser critica, engajada nas lutas po- lfticas do presente, ¢ construir-sc cm nome do future revolucionsrio para o qual trabalha; € exame tedrico e critico da ideologia, mas tam- bém critica revolucianaria do presente. © prajeto filosdfico de Habermas pode ser sintetizado em termos de urna critica de positivismo e, sobretudo, da ideologia dele resultan- te, ou seja, o tecnicismo. Para Habermas, o tecnicismo ¢ a ideslogia que consiste na tentativa de fazer funcionar na pritica, e 3 qualquer cuso, @ saber cientifico e a técnica que dele possa resultar. Nesse sentido, pode-se falar de um imbricamento entre ciéncia e técnica pois esta, embora dependa da primeira, retroage sobre ela, determi- pando seus rumos. Essa vinculagdo, mostra Habermas, & particular mente sensivel nos Estados Unides (na URSS, por suposic’o ocorreria algo andlego), onde a Secretaria de Defesa ¢ a NASA sie os mais im- portantes Comanditarios em matéria de pesquisa cientifica. Na medi- da em que se considera o complexa militar industrial, particularmon- te observavel nos Estados Unidos, ¢ na medida em que se releva aque- la comandita, tem-se como conseqdéncia um hava complexe que deria ser referido como complexo ciéncia-técnica-indistria-exército- adminisiragao. Nesse complexo, o proceso de mdtua vinculagiio en- tte ciéncia e técnica amplia-se tornanda-se um processo generalizado. de realimentagio recfproca que Habermas compara a um sistema de vasos comunicantes. Desse modo, ciéncia ¢ técnica tornam-se a pri- meica “a produtiva, subordinando todas as demais. Para Haber- mas, “sia os clemtistas ¢ os técnicos que, gragas a seu saber daquilo que ocorre num mundo nie vivide de abstragdes e de dedugdes, ad- quiriram imensa e crescente poténcia (...), dirigindo e madificande o riundo ne qual os homens possuem, simultaneamente, o privilégio & a obrigagdo de viverem’. Assim, esse Contexto, ndo apenas técnico= cientifico, mas também econdmico-politico, passa a ser a conatacio da técnica. Nesse sentido, 0 autor ataca a ilusio objetivista das citn- cias. Contra a ilusao da teoria pura, Habermas procura trazer 4 tona a5 raizes antropolégicas ca pratica teérico-cientifica @ evidenciar os interesses, que esté0 no principia de conhecimento, particularmente ‘60 conhecimento cientifico. No plano da filosofia social, Habermas critica 0 objetivismo onto- Idgico ¢ contemplative da filosofia tedrica tradicional. Para ele, em henhum caso a filosofia paderia ser propriamenté uma ciencia exata, © as pretensées que ela pode (e poder} manifestar nesse sentido no XII BENJAMIN - ADORNO - HORKHEIMER - HABERMAS fazem sendo testemunhar sua contaminacgdo pelo objetivismo positi- vista das ciéncias; nesse contexto ela no é mais que uma especialida- de entre outras, no seio da instituigio universitaria, colocando-se “unto as ciéncias” e afastada das preocupagdes de um publico leigo, devido a seus refinamentos tedricos. A critica do positivismo cientitico e filoséfico, empreendida por Habermas, 6 inseparivel de sua luta contra © objetivismo tecnocrati- co, O positivismo € ¢ tecnicismo nao passam, para ele, de duas faces da mesma e ilusdria moeda idealogica: tanto um, como outro, nao se- riam mais que “manchas turvas no harizente da racionalidade’”. CRONOLOGIA 1892 — Em Berlim, nasce Walter Benjamin. 1914 — Tem inicio. Primeira Guerra Mundial. 1918 — Benjamin gradua-se no Universidade de Berna com a dissertagit so~ bree Nocdo de Critica de Arte ne Primeiro Romantismo. 1921 — Adorno conhece Max Harkheimer, a0 qual se liga por profimda ami- ade. 1924 — Fundagio do Instituto de Pesquisas Sociais de Frankturt, 1928 — Benjamin vé rejeitada sue tese sobre As Origens da Tragédia Barroca na Alemanha, 1929 — Nasce jiinges Habermas. 1933 — O Instituto de Pesquisas Sociais transfere-se para Genebra. 1936 — Benjamin publica em francés A Obra de Arte na Era de sua Reprodu- tibilidadle Técnica 1938 — Adorno viaja pers os Estadas Unidos, $953, — Publica Fragmentos sobre Wagner. Eclade a Segunda Guerra Mun- lia 1940 — Benjamin suicide-se. Na mesma ano, sie publicadas suas Teses s0- bre a Filosofia da Historia, 1947 — Adorno © Hovkheimer empregaim peli primeira vex 0 temo india cukural. 1950 — Reorganizagio do Instituto de Pesquisas Sociats, na Alemanha. Ador- no publica seu estuda sobre a Personalidade Autoritaria, 1951 — Horkheimer pronuncia conferéncies Sobre o Conceito de Razin, 1954 — Habermas licencia-se com uma tese sobre Schelling: O Adsoluto ¢ a Histéeia, 1955 — Publicacio do original alemia de & Obra de Arte na Era de sua Re- produribilidade Técnica, de Benjamin, 1956 - 1959 — Habermas colabara com Adorno. 1956 — Adorno publica Para a Metacritica da Teoria do Conhecimenta — Es- tudos sobre Husserl eas Antinamias Fenomenaldgicas. 1958 - 1965 — Publics os Ensaios de Literatura |, Ie Ill. 1961 — Inicia a Teoria Estetica. 1962 — Publicacdo de Evolucaa Estrutural da Vida POblica, tese de doutora- mente de Habermas. 1963 — Habermas publica Teoria e Praxis. 1966 — Adorno publica a Dialética Negativa 1968 — Conclui a primeira versdo da Teoria Estética. Habermas publica Téc- nica e Ciencia. como “Ideologia’”. e transfere-se para Nova York, 1969 — A 6 de agosto, com 66 anos, falece Theodor Wiesengrind-Adamo. 1973 — 4 9 de julio, com 78 anos de dade, morre Max Horkheimer, VIDAEOBRA XIX BIBLIOGRAFIA Scroum, G: Welter Benjani, Mon Ami, in Les Letires Nouvelles, Paris, maio-junho 1972_ Agewor H: Walter Benjamin: 1892-1940, in Men in Dark Times, da mesma autora, Penguin Books, Middlesex, 1968. Aovano, T.W.: Prafilo di Walter Benjamin, in Prismi, do mesmo autor, Giulio Einaudi Editore, Torino, 1972. Scrmanr, A. e Ruscow., G.E: Le Scuoia di Francojorte, De Donato editore, Ba- ni, 1972. Hastinias, Anckso @ autres: Comunicapao e Industria Cultural, uranizade por G. Cohn, Companhia Editora Nacional ¢ Gditora da Universidade de S40 Paulo, $80 Paulo, 1971 ‘Andano, Posren € outros: La Disputa del Positivismo em fa Sociologia Alema- na, Ediciones Grijallto, Barcelona-Cidade da Méxica, 1973. 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A OBRA DE ARTE NA EPOCA DE SUAS TECNICAS DE REPRODUGAO* Nossas belas-artes foram institufdas, assim come os seus tipos ¢ praticas foram fixados, nur: tempo bem diferente do NOSSO, por homens cujo poder de acde sobre as coisas era insignificante face dquete que possuimos. Mas @ admirdvel ineremento de nossos meios, a flexibilidade e preeisdo que alcangam, as idélas ¢ os habitos que introduzem, assegu- ramnos modificagdes préximas ¢ muito profindas na vetha indistria do belo. Existe, em todas as artes, uma patte fisica que nde pode mais ser encarada nem tratada come antes, que néo pode mais ser elidida das iniciativas do conkecimento ¢ das potencialidades modernas. Nem a matéria, num o espage, nem o tempo, ainda sdo, decorridos vinte anos, @ que eles sempre foram. E preciso estar clenre de que. se essas (do imensas inovagdes transformant toda a técnica das artes e, nesse sentido, atuam sobre a propria invengdo, deve, passivelmente, tr alé ao panto de modifi cara prépria nocao de arte, de mada admiravel. (Paul Valéty, Pidees sur MAr1, Paris, 1934: “Conquéte de 'Ubiquité", pp. 103, 104.) * ‘Trduridey do original alemao: “Dax Kunstwerk im Zeitalter seiner techaisehen Renrodciertuarkelt", em Kidurvirartoner, Frankfurt am Main, 1961, Subrkamp Verlag. pp. 148 184. A prescnte tradue’0 foi publicads ‘an obca A Lidia db Cinema, Riv de Jansico, Tditora Civilizagio Brasileira, pp. $$ 95. Predmbulo Na época em que Marx empreendeu a sua analise. o modo de produgdo capi- talista ainda estava cm scus primOrdios. Maca soube orientar sua pesquisa de modo a lhe cenferir um valor de progndstico. Remontande as relagdes fundamen- tais, pode prever.o futuro do capitalismo, Chegou 4 conclusao de que, se a explo- raga do proletariado continuasse cada vez mais rigorosa. o capitalismo cstaria preparando, a0 mesmo tempo, as condigies de sua propria supressao. Como as superestruturas evoluem bem mais lentamente do que as infra-es~ truturas, foi preciso mais de meio saculo para que & mudanca advinda nas condi- gGes de produgio fizesse sentir seus efeitos em todas as Areas culturais. Verifi- camos hoje apenas as formas que elas podstiam ter tamado. Dessas constatagdes, deve-se extrair determinados prognésticos, menos, no entanto, dos aspectos da arte proletiiria, apés a tomada do poder pela classe operaria — a fortiori, ne sociedade sem classes — do que a respeito das tendéncias evolutivas da arte den- tro das condigdes atuais da produgdo. A dialética dessas condigdes est também mais nitida aa superestrutura do que na economia. Setia erréneo, em conse: qiéncia, subestimar © valor combativo das teses que, aqui, apresentamos. Elas renunciam ao uso de um grande niimero de nogées lradicionais — tais como poder criativo © genialidade. valor de eternidade ¢ mistério — cuja aplicagio incontrolada (e, no momento. dificilmente controlavel) na elaboragdo de dados concretws toma-se passivel de justificar interpretagdes fascistas. O que distingue as concepgdes que empregamos aqui — e que so novidades na teoria da arte — das nogdes em voga, é que elas ndo podem servir a qualquer projeto fascista. Sie. em contrapartida, utilizfvels no sentido de formular as exigéncias revoluciondrias dentro da politica da arte. A obra de arte, por principio, foi sempre suscetivel de reprodugao. O que al- guns homens fizeram podia ser refcite por outros. Assistiu-se, em todos os tem pos, a diseipulos copiarem obras de arte, a titulo de exereicio, os mestres reprodu- zirem-nas a fim de garantir a sua difusdo e os falsarios imiti-las com o fim de extrair proveito material. As técnicas de reprodugdo so, todavia, um fendmeno novo, de fato. que nasceu ¢ se desenvolycu no curso da histéria, mediante saltos sucessivos, separados por longos intervatos, mas num ritmo cada vez mais rapido, Os pregos sé conheciam dois processos técnicos de reprodugao: a fundigdo ¢ a

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