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Qual o conceito que trazemos sobre a cultura?

Karin Strobel

[...] se a compreensão da cultura exige que se pense


nos diversos povos, nações, sociedades e grupos humanos,
é porque eles estão em interação.
(José Luiz dos Santos)

Podemos iniciar esta discussão a partir de alguns questionamentos.


Qual o conceito que trazemos sobre a cultura? Há, de fato, cultura surda? O
povo surdo, de fato, produz uma cultura? O que os outros falam sobre a cultura
surda? Para obtermos respostas dessas reflexões, analisamos a base teórica
que sustenta o conceito de cultura.
Nos estudos e pesquisas sobre a cultura percebem-se variações,
desde concepções tradicionais até as mais recentes. As várias suposições
limitadas em compreender a cultura resultam de um conjunto corriqueiro para
referir unicamente às manifestações artísticas. Ou é identificada como os
meios de comunicação de massa ou, então, cultura diz respeito às festas e
cerimônias tradicionais, às lendas e crenças de um povo, seu modo de vestir,
sua comida e sua língua.
Estes focos sobre a cultura resultam polemicas entre várias opiniões
dos pesquisadores e dos leigos. Por que há tantas variações de teorias a
respeito da cultura? O Dr. Lynn comenta que “apesar de uma longa histórica de
descrições e definições de cultura em várias tradições, o conceito continua a
oferecer mais indagações do que respostas” (SOUZA, 2006, p.1)
Desta forma, se torna imprescindível que analisemos o processo
histórico sobre o conceito de cultura. Para esclarecer as variações das teorias
sobre a cultura, traçarei algumas sequências históricas mostrando as
transformações nas relações da sociedade com a natureza e, principalmente
nas relações de seus membros entre si.
Cada teoria sobre a cultura é o resultado de uma história particular
que inclui os escritos de vários pesquisadores que tinham suas próprias idéias
em relações às culturas diferenciadas.
Desde o século passado, os pesquisadores vêm elaborando
inúmeros conceitos sobre a cultura e apesar de a cifra terem ultrapassado mais
de 200 definições, ainda não chegaram a um acordo sobre o significado exato
da terminologia. O conceito de cultura é transmitido e inferiorizado em
diferentes aspectos, assim como Moles afirma: “cultura, termo tão carregado de
valores diversos que o seu papel varia notavelmente de um autor para o outro
e do qual se enumeram mais de 250 definições” (apud RICOU; NUNES, 2005).
Há quem considere a cultura de forma unitária, ou admita a
existência não de uma cultura, no singular, mas de culturas no plural. A idéia
unitária de cultura está relacionada na sociedade com as ideologias
hegemônicas, de padronização, de normalização, onde todos devem se
identificar com esta cultura única em um determinado espaço.
Conforme assinala Schiller, a cultura é a estrutura daquilo que é
chamado de “hegemonia”,1 que molda os sujeitos humanos às necessidades d
um tipo de sociedade politicamente organizada, remodelando-os com base nos
atuantes dóceis, moderados, de elevados princípios, pacíficos, conciliadores
(apud EAGLETON, 2005). Isso evidencia que esta sociedade gerou o desejo
da necessidade de sermos perfeitos para pertencermos a ela, senão
estaríamos excluídos.
Na teoria moderna, a cultura se torna sabedoria grandiosa ou arma
ideológica, uma forma isolada de crítica social. Esta teoria grandiosa ou arma
ideológica, uma forma isolada de crítica social. Esta teoria possui a idéia de
uma cultura única e perfeita, a alteridade e a diferença são vistas como
mancha para a sociedade, fazendo com que tenham a necessidade de
transformação do “outro”, isto é, como já ilustrado anteriormente, moldando os
sujeitos “diferentes” para serem iguais a eles.
Deste modo, alude doutor Lynn “[...] que partia da noção da
superioridade do discurso filosófico que permitia acesso a razão, a uma
referencia pura e, portanto a uma precisão e consistências no pensamento [...]”
(SOUZA, 2006, p. 2), para esta sociedade a identidade e cultura são vistas com
essencialistas, substancialista, pronta e pura para este grupo hegemônico.

1
O termo “hegemonia” deriva do grego “hegemon”, que significa líder, guia ou quem dita as
regras. No uso geral, refere-se ao domínio e à influência de um país sobre os outros e a um
princípio segundo o qual um grupo de elementos é organizado (EDGAR, A.; SEDGWICK, P.
2003, p. 151).
Na teoria pós-moderna, Herder propõe pluralizar a terminação
“cultura”, falando das culturas de diferentes nações e períodos, bem como de
diferentes culturas sociais e econômicas dentro da própria nação (apud
EAGLETON, 2005).
Os autores pós-modernos enfatizam as múltiplas culturas e se
dedicam a interagir de forma profunda no interior delas. Neste pensamento
pós-moderno, a pluralidade encontra-se cruzada com a auto-identidade, em
vez de se dissolver em identidades distintas.
A humanidade, ao longo do tempo, adquire conhecimentos através
da língua, crenças, hábitos, costumes, normas de comportamento que o grupo
social transmite a seus membros através de aprendizagem e de convivência,
percebe-se que cada geração e sujeito também contribuem para ampliá-la e
modificá-la.
Considerar a questão cultural no plural admite a multiplicidade de
manifestações e grupos culturais das mais diversas naturezas tornando o
conceito da cultura mais amplo.
Conforme afirma Hall (1997), nas teorias do campo dos Estudos
Culturais,2 a cultura que temos determina uma forma de ver, de interpelar, de
ser, de explicar e de compreender o mundo.
Os Estudos Culturais são originados da Inglaterra, depois se
expandiram para os Estados Unidos e outros países da Europa e da América
Latina. Os Estudos Culturais formam um campo de pesquisa interdisciplinar
para estudos na área da cultura. Na sua agenda temática estão gêneros e
sexualidade, identidades nacionais, pós-colonialismo, etnia, políticas de
identidade, discurso e textualidade, pós-modernidade, entre outros.
De acordo com Culler, “[...] o projeto dos Estudos Culturais é
compreender o funcionamento da cultura, particularmente no mundo moderno:
como as produções culturais operam e como as identidades culturais são
construídas e organizadas, para indivíduos e grupos, num mundo de
comunidades diversas e misturadas [...]” (1999, p.49).

2
“O termo “estudos culturais” pode ao mesmo tempo ser amplamente usado para se referir a
todos os aspectos do estudo da cultura, e como tal ser tomado para incluir as diversas formas
em que a cultura é compreendida e analisada [...]” (EDGAR, Andrew; SEDGWICK, Peter,
2003).
Então, nesse campo de Estudos Culturais, a cultura é uma
ferramenta de transformação, de percepção a forma de viver diferente, não
mais de homogeneidade, mas de vida social constitutiva de jeitos de ser, de
fazer, de compreende e de explicar. Essa nova marca cultural transporta para
uma sensação a cultura grupal, ou seja, como ela diferencia os grupos, no que
faz emergir a “diferença”.
O vocabulário “cultura” vindo do latim significa o cuidado dispensado
à terra cultivada; segundo Eagleton (2005) o conceito da cultura,
etimologicamente raciocinando, é proveniente do de natureza, sendo que um
dos significados originais é “lavoura” ou “cultivo agrícola”. Isto mostra que o
cultivo da linguagem e da identidade são, então, os elementos fundamentais de
uma cultura.
Dessa maneira, os elementos mais importantes da cultura podem
ser destacados com as habilidades dos sujeitos para construir sua identidade e
usar a linguagem. Ilustrado mais claramente, na “cultura”, a palavra natureza
significa tanto o que o que está a nossa volta como o que está dentro de nós.
Poderíamos usar a metáfora de uma semente que é plantada em solo e cresce
uma bela planta; mas isto não ocorre sem a ajuda da natureza, ou seja, do sol,
da chuva, do vento, do fertilizante do solo, que faz a semente reagir e
desenvolver. A semente que está sozinha sem ademão da natureza, não
cresceria uma vez que estaria abandonada e apodrecendo.
“A cultura permite ao home não somente adaptar-se a seu meio,
mas também adaptar este meio ao próprio homem, as sua necessidade e seus
projetos. Em suma, a cultura torna possível a transformação da natureza”
(CUCHE, 2002, p.10).
Da mesma forma, um ser humano, em contato com o seu espaço
cultural, reage, cresce e desenvolve sua identidade, isto significa que os
cultivos que fazemos são coletivos e não isolados. A cultura não vem pronta,
daí porque ela sempre se modifica e se atualiza, expressando claramente que
não surge com o homem sozinho e sim das produções coletivas que decorrem
do desenvolvimento cultural experimentado por suas gerações passadas.

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