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‘nnanots "Fala an-ncigena de ministro ena para matar"— CartaCaptl "Fala anti-indigena de ministro é licenga para matar" E 0 que diz o antropdlogo Carlos Fausto, diretor do filme As Hiper Mulheres, que estreia neste sabado, em Sao Paulo Diuigagao Documentério "As Hiper Mulheres" estréia nesse sébado em Sao Paulo Leia também Genocidio brasileiro, por Vincent Carelli A danga das cadeiras na Funai Ministerio suger em terras indigenas A politica ¢ feita de atos, gestos, retéricas, falas. Por isso que, na situagao atual da crise indigena, a politica anti-indigena nao ¢ feita apenas pela nao demarcacao das suas terras tradicionais, ou pela construgdo de grandes obras dentro de seus territérios sem que sejam, ao menos, consultados. Tem sido feita também de falas agressivas contra os indios até pelo primeiro escalao do governo. E palavras ganham dimensao no espago. Como diz o antropélogo Carlos Fausto, na entrevista que segue: "Uma palavra anti-indigena de um ministro é entendida nos locais de conflito como uma licenga para matar.” ipukwwrwcartacpital.com,brblogtog-do-milanazia sciedade-cvi-esta-calada-¢o-o-insos-pratestan-naclonalmente-6334 Hm a sua20%6 “Fala angen de minis 6 cena para mata’ — CaraCapta Fausto dirigiu com Leonardo Sette e com Takuma Kuikuro o filme "As Hiper Mulheres", um documentério extraordinario sobre um dos mais belos, e complexos, rituais dos povos indigenas do Xingu, o Jamurikumalu. Mas o filme & muito mais do que um documentario etnografico, Trata-se de um musical, sensorial e envolvente. Ganhador de diversos prémios nacionais ¢ intemnacionais, entre eles 0 Prémio Especial do Juri e Melhor Montagem no Festival de Cinema de Gramado, Melhor som no Festival de Brasilia, Troféu Imprensa e Prémio do Publico no FICA — Festival Internacional de Cinema e Video Ambiental - e o Prémio Al Jazeera para Documentério Vancouver Latin American Film Festival 2012 ‘As Hiper Mulheres ja esta em cartaz no Rio e em Belo Horizonte. O documentario estreia nesse sabado 15 de junho em Sao Paulo, e em breve vai estar em Recife, Porto Alegre e Brasilia, nas proximas semanas. E um filme imperdivel para ser visto — e ouvido, pois 0 som é extraordinario — no cinema, e em rara chance. Pela primeira vez, um filme dirigido por um indigena entra em cartaz. Takuma Kuikuro, 30 anos, é 0 filho mais velho de Samuagii Kuikuro e Tapualu Kalapalo. Jovem talentoso documentarista, ele foi treinado pelo projeto Videos nas Aldeias. & um obstinado e inspirado film maker que dirigiu outros trés documentarios. Talvez essa seja uma resposta digna e elegante por parte dos indios aos ataques racistas que estejam sofrendo nos tltimos tempos: mostrar pela arte a beleza e a riqueza de sua cultura. Como cantou Gilberto Gil na musica "Um sonho": Viva 0 indio do Xingu! Carlos Fausto € antropélogo, fotégrafo e documentarista. Professor do Museu Nacional, UFRJ. Publicou recentemente Warfare and Shamanism in Amazonia (Cambridge University Press, 2012) e autor de diversos livros e artigos sobre os indios da Amazénia, Atualmente, trabalha entre os Kuikuro do Alto Xingu, onde desenvolve além de pesquisas académicas, projetos de documentagao e de produgo cinematografica em colaboragdo com os Kuikuro. Na entrevista abaixo, 0 antropélogo comenta, além do documentério que dirigiu, sobre a crise atual da questo indigena no Brasil. Nada melhor do que, no dia seguinte ao protesto de ruralistas contra 08 direitos indigenas pelo Brasil afora, ir assistir As Hiper Mulheres. E inspirar-se pela luta das grandes guerreiras kuikuro. Carta Capital - Qual a conexao entre os diversos conflitos indigenas pelo Pais? Carlos Fausto — E um momento particular: hoje s6 os indios protestam nacionalmente. A sociedade civil organizada, que ajudou a levar o PT ao poder, parece calada, incomodada em quebrar um pacto ipukwwrwcartacpital.com,brblogtog-do-milanazia sciedade-cvi-esta-calada-¢o-o-insos-pratestan-naclonalmente-6334 Hm 26 s2n0%6 “Fala anncigaa 6 ministo6 cena para maar" — CartaCapial de muitas décadas. E preciso entender que a fungao dessa sociedade civil é justamente protestar, limitar © poder e, quando possivel, negociar acordos que fagam avangar as causas sociais. Mas por que os indios protestam de Belo Monte ao Mato Grosso do Sul? Claro que sao situagées diferentes. Fora da Amazénia Legal, o problema indigena é de terra. Bastaria ver os dados dos censos para entender isso: quase metade da populago indigena ocupa apenas 1,5% da area total das terras indigenas. Ou seja, é pouca terra para tanto indio. E para agravar a situagao, esses indios vivem em reas de terras férteis localizadas em areas bem estruturadas. Com a valorizagao dos tltimos anos, a terra nessas regides alcangou um valor espantoso. Isso tudo acirra o conflito, Porém, isso nada tem a ver com Belo Monte, certo? Em alguma medida, tem sim a ver. O governo federal impés um monte de obras goela adentro da sociedade e, sobretudo, dos indios. Tudo com dinheiro do BNDES direcionado a consércios empresariais que hoje dominam o Brasil. Eu me sinto de volta ao governo Geisel. Os indios estdo sofrendo derrotas atras de derrotas. Justamente eles que nos salvaram, no final dos anos 1980, do desastre — admitido até pelos técnicos da Eletronorte — que teria sido a construgao da Usina de Belo Monte, nos moldes do projeto original. Quando 0 governo federal acirra as tensdes, quando impée derrotas seguidas aos indios, quando usa da truculéncia para resolver problemas sociais, o cendrio para a revolta esta armado. Quem acendeu o pavio foi o governo federal com a paralisagao da demarcagao de terras indigenas no Parana, ordenada pela ministra da Casa Civil com 0 objetivo de satisfazer seus currais eleitorais, e com o projeto de mudar a mecnica do proceso demarcatério. Junte-se a isso a incapacidade de mediar o conflito latente e permanente no Mato Grosso do Sul e temos o cendrio perfeito para essa revolta CC - Por que é importante ver o filme, além de tudo, em meio a essa crise da questao indigena? CF — Acho que ver o filme independe da crise. Ele vale, e esse sempre foi nosso intuito, como cinema e deveria atrair a todos que tem a sensibilidade para ver filmes menos lugar-comum. Agora, & ébvio que, neste contexto, ele ganha uma outra camada de significagdes. E, se ndo me engano, o primeiro filme de produgo compartilhada com indigenas (um dos diretores é Takuma Kuikuro) que entra em cartaz. Isso ndo é pouco. Mostra como um trabalho sensivel, cuidadoso, de longo didlogo e envolvimento com uma comunidade indigena conduz a uma sinergia positiva, uma troca em que ambas as partes tém a ganhar. Esse envolvimento requer a capacidade de escuta de parte a parte, E 6 justamente a capacidade para ouvir as reivindicagées dos indios, o que falta neste momento. A crise até tardou a acontecer. Os indios chegaram a um limite de humilhagao, humithagao hoje imposta também pelo governo federal, que sempre serviu como anteparo para minimizar os conflitos locais. Uma palavra anti-indigena de um ministro é entendida nos locais de conflito como uma licenga para matar. ipukwwrwcartacpital.com,brblogtog-do-milanazia sciedade-cvi-esta-calada-¢o-o-insos-pratestan-naclonalmente-6334 Hm a st2206 “Fela ant-naigona de minsiro¢lcenca para mata” — CaraCaptal CC - 0 que pode esperar do filme o espectador que quer saber mais do universo indigena que esta sendo tao atacado? CF-0 filme no quer ensinar, nem explicar nada. E um musical, que fala da transmissdo oral dos cantos, através de personagens e dramas humanos. Ele nao pretende exotizar — 0 que se vé nas telas so pessoas com seus dramas e alegrias. Mas, 6 claro, pessoas nao existem em um vacuo. Nossos dramas humanos também so culturais, eles tem uma forma prépria: aqui no Rio, na aldeia kuikuro, em Oklahoma, em Pequim, no Ira ou em qualquer lugar. E apenas preciso abrir os olhos ¢ escutar, O problema é que o Brasil vé essas formas culturais indigenas como atraso ou com um romantismo ingénuo. Em ambos os casos, exotiza, afasta, exclui. A fita requer uma educago do olhar e do ouvir. Ela quer envoiver o espectador na vida kuikuro e fazé-lo compreender esse mundo desde uma perspectiva interna e intima. CC — Em meio a um ataque também sobre as mulheres no Brasil, como a "Lei do Nascituro, qual a contribuigéo moral das revoltas das mulheres kuikuro para o Brasil hoje? ‘CF —Acho que o filme mostra formas alternativas para lidar com desafios ético-morais. O ritual das Hiper Mulheres permite criar um mundo subjuntivo, um "como se”, um frame tempordrio no qual se podem fazer coisas que seriam inadequadas em um tempo cotidiano. 0 rito e o mito falam de uma utopia feminina de um mundo sem homens, de mulheres com uma sexualidade agressiva, mas esse mundo nao pode ser humano. Ao final, as mulheres se tornam espiritos, hiper-mulheres, congregando os dois géneros em si mesmas e partem para longe. O mundo humano, ao contrario, 6 feito de complementariedades, de formas que permitem a relagdo entre homens e mulheres. O filme narra assim uma explosao da sexualidade, da oposicao contrastiva, da revolta, mas ao mesmo tempo institui os mecanismos para sua superagdo. Em nossa sociedade, os rituais nao parecem mais conseguir dar voz a esses conflitos e os mecanismos da democracia representativa nao estao funcionando, pois foram corroidos pela pragmatica da politica, Um exemplo disso é 0 PT ter permitido, por interesses eleitorais, que a Comissao de Direitos Humanos e Minorias da Camera fosse assumida por um pastor evangélico. Ha limite para tudo. Como é possivel discutir questées ético-morais neste contexto? ipukwwrwcartacpital.com,brblogtog-do-milanazia sciedade-cvi-esta-calada-¢o-o-insos-pratestan-naclonalmente-6334 Hm 46

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