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Dados Internacionais de Catslogagio na Publicagio (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Marshall, 1. Howard ‘Teclogia do Novo Testamento: diversos testemunhos, ‘am s4 evangelho / L Howard Marshall ; tradugio Marisa K. A. de Siqueita Lopes, Sueti da Silve Saraiva — Sao Paulo : Vida Nova, 2007 ‘Titulo original: New ‘Testament theology: many sienesses, one Coxpel Bikliogeafia, i ISBN 978-85-275-05 2 1. Biblia, NT’ ~ Teologia LPitulo. i CAPITULO 4 O FVANGELHO DE MATEUS ARQ, Eom seguida a nossa anilise do Evangelho de Marcos, convém que passemos a0 estudo do Evangelho de Mateus em vez de Lucas. Sob varios aspectos, Mateus guarda uma semelhanga maior com Marcos:do que Lucas, este é menos vinculado no texto ¢ A estrutura de Marcos, pois seu autor o situou dentro do contexto mais amplo do inicio do cristianismo. Mateus segue uma perspectiva mais voltadi a0 pensamento judeu e, nesse ponto, aproxima-se do étbos de Jesus ¢ dos primeiros cristios, Fica mais ficil entender o Evangelho de Lucas aps ter visto a forma como Mateus tratou a histéria de Jesus, muito embora existam passagens em que Laces possa apresentar perspectivas ¢ relatos anteriores aos de Mateus." “ANARRATIVA TEOLOGICA DE MATEUS ‘A narraiiva teoldgica de Mateus sobre Jesus ¢ muito semelhante a de Marcos. Mateus assimila a grande maioria das histérias que ha em Marcos. Em termos gerais, nantém a mesma seqiiéacia da macrativa de Marcos, embora haja ama complexa reorganizacio do material nos primeiros capftulos. Também se mantém bastante préximo ao estilo de Marcos, apesar de sua tendéncia de abreviar os relatos até certo ponto. Assim, 0 impacto geral do material paralelo ao de Marcos na narrativa de Mateus é praticamente o mesmo que ocorre em Marcos, embora a quantidide de material adicional faga com que isso seja visto em um contexto diferente e as diversas alteragdes e acréscimos de menor importincia que existem " Bivste um consenso relativamente grarde em torno da ese de que o Evangelho de Mateus deva ser consid:rado posteriorao de Marcos. A tendéncia geral€ slegarque sua autora € desconhecida, em {que pee cfato de que possa apresertar material qe Fundamentalmente remonta s Mateus, 0 disspulo dd Jesus. R.T. France, em Matthew: Evangelist and Teacher (Exeter: Paternoster, 1989), p. 50-80, aprecenta fortes argumentos em favor da autoria de Mateus, embora a maior parte dos estuiiosos defenda que, ainda que isso seja possfvel, ais argumentos continum rao sendo conclusives, 188} ESUS. OS EVANGELHOS SINOTICOS E ATOS afetem ainda nossa visio. Em termos idedis, 0 tratamento adequado a ser dispen- ado A rarrativa teolégica de Mateus, assim como também a de Lucas, deveria cobrir todo 0 rclato da mesma forma e com os mesmos detalhes dispensados ao Evangelha de Marcos. Porém, isso nos tomaria um espago considerivel ¢ nos leva- ria ineviavelmente a um grau de intensa repetigio de suas énfases comuns. Em termos priticos, portanto, 0 caminho que seguiremos seré.0 de observar as ceme- Thangase diferengas existentes em comparagao com o Evangelho de Marcos. “A ectrutura bisica de Mateus € praticamente a mesma de Marcos. Merece destaque o fato de Mateus recorrer 3 mesma férmula “desse momento em diante” em Maceus 4.17 ¢ Mateus 16.21, sendo que ela aparece no inicio de sua procla- raga da mensagem do reino? ¢ no momento em que ele comesa a falar a seus dliseipubs sobresua morte iminente. Isso indica que Mateus compartilha da mesma estrutura teolégica daplice e basica do Evangelho de Marcos, em que a primeira parte revela quer é Jesus e a segunda expde a necessidade de seu sofrimento,? No eenante, uma outra estrutura é superposta a essa prineira, Tratarse de uma estru- ura na‘rativa que intercala agio e discurso.* ‘Nascimento, batismo e tentagdo de Jesus. Mateus se diferencia de Marcos 20 fomecer um extenso preficio ac Evangelho mediante a inclusio da narrativa do nascimento de Jesus (Mt 1—2). Essa narrativa contém dois elementos. Inicia-se com uma genealogia de Jesus que parte de Abraio, trage ura linha que leva aos reis de ud, prossegue até Zorobabel ¢ entio relaciona uma série de nomes desco~ nhecidos até chegar a José, esposo de Maria, mac de Jerus. Nessa trajetéria, slo Gitadas quatro mulheres (Tamar, Raabe, Rute ¢ Base-Seba, a mulher de Usts) {que mantiveram unides irregulares ¢ nio eram judizs, © efeito dessa genealogia. goed eri demonstrat a origem judaica de Jesus ¢ sua linhagem real, assim como prepang o terreno para seu nascimento fora do vinculo conjugal para a inclusio ddos geatios entre 0 povo de Deus ‘A seguir, Mateus conta que Maria ficou gravida ¢ foi revelado a José, em tum soaho, que 0 que rela fora gerado era do Espirito Santo. Com isso, Mateus unha a nitida intengao de que sc concluisse que Maria nfo havia cometido adultério com outro homem. A crianga se chamaria Jesus, que significa “Javé € + Wo gar de “reno de Des", Mateususaem quae todos os casos a forma “reino dos cts Iso parece ser mda mais do que uma vasante estistica que calves seflta a forma sada pelos jes Emon a expressio nto tenha se confirmado no judafsmo antes ce Johanan ben Zaki: ver WD Davicee D.C. Allison Je, The Gospel According to St Matthews (Edinburgo: T 8 T Chek, 1997), 3390-391 7 tema relative & recede de Jesus afo eatéausente na primeiea parte do Evangelno (eg. Mt 12.40), mas ado ¢ apresentado tio abertamente quanto na segunda parte. {Os dealhes precisos des estrtura, que sto objeto de wna cera polemic; no asumens urna jiaportincia cosencal para o estudo da teologia de Mateus. "Tanto Mateus quanto Lucas partem do pressuposto de que o reconhecimento de Jesus como fitho por parte de Jos habitava-olegalmente a integra ena genealoga e, portato, 1 ser considerado um decendente de Davi. © EVANGELHO DE MATEUS 189) Salvador”, e seu nascimento seria 0 cumprimento da profecia do Antigo Testa- mento, que falava a respeito da virgem que conceberia e daria a luz um filho, ¢ ele seria chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco). Portanto, desde 0 comeso, Jesus é inserido na linhagem dos reis de Jud, um forte indicio de que ele é o Messias, de que seu papel esti afeto a salvar as pessoas de seus pecados € de que sua presenca equivale a presenga do proprio Deus, O componente real continua sendo explorado no relato sobre o nascimento de Jesus ¢ sua posterior perseguicio, quando entio os reis magos o véem como o rei dos judeus e Herodes presume que ele é o “Cristo”. O tema de Jesus como Filho de Deus aparece de forma quase que acidental no relato da fuga para o Egito, como sendo o cumpri- mento da profecia de Oséias 11.1. O restante da infancia e a mocidade de Jesus passa sem nenhum comentatio. Mateus esti pronto, entio, para retbmar o selato ¢obre a vida adulta de Jesus do mesmo ponto inicial que Marcos, a saber, com 0 ministétio de Joio Batista ¢ 0 batismo de Jesus (Mt 3). O relato ilustra bem a forma como Mateus trabalha sua narrativa. Primeiro, ao incluir material proveniente de suas outres fontes, tal como © relato completo da pregacto de Joio (Mt 3.7-10,14-15), ele atribui uma grande énfase 4 questo do julgamento que aguarda aqueles.que nao se arrepen- dem de seus pecados, assim como as vozes de um certo ceticismo acerca das inten- es dos fariscus e saduceus que vieram para serem batizados. Ambos sio temas que se repetem. Em segundo lugar, ele introduz pequenas modificagSes no relaro de Marcos, substituindo, por eremplo; “fu és 0 meu Filho amado” por “este é 0 mea Filho amado”, cujo efeito ¢ transformar uma declaraco a principio dirigida, sobretudo, a Jesus, em Marcos, numa declaragao publica. ‘Da mesma forma, o breve registro de Marcos sobre a tentago de Jesus por Satands é substituido por um relato mais extenso que narra as trés tentativas feitas pelo maligno para tentar Jesus a desobedecer e a nao confiar em Deus (Mt 4.1-11). ‘A firme resistincia ¢ 0 triunfo de Jesus aparecem mais nitidamente neste relato. A proclamagao do mestre. Superadas as preliminares, Mateus retoma a narra- tiva do ministério de Jesus na Galiléia (Me 4.12-25). Aqui, como se dew anterior mente no reluto do nascimento, Mateus vé 0 cumprimento de uma profecia do Antigo Testamento, citando as passagens correspondentes ¢ seguindo em geral ‘uma formula especifica que afirma que esses fatos ocorreram para que se cum- prisse a profecia. © efeito resultante demonstra com algun detalhe que obras ¢ fatos significativos na vida de Jesus guardavam uma correspondéncia com certos simbolos ¢ profecias de Antigo Testamenta* A mensagem de Jesus é sintetizada de forma ainda mais breve do que em Marcos: “Arrependei-vos, porque o reino do céu chegou" (Mt 4.17).’ © componente relacionado ao cumprimento da profecia, —— 1994), p. 71. 7A mesma mensagem é atribuide a Jodo Buista em Mateos 3.2. Menninger, Israel and the Church in the Gospel of Matthero (Nova York: Peter Lang, 190) US. OS EVANGELHOS SINOTICOS L ATOS encontrado no relato de Marcos acerca dessa mensagem, esta aqui contido na cita- do anterior de Isaias 9.1-2. A orem que identifica 2 mensagem como as boas noves (0 “evangelho”) € exorta ao arrependimento € suprimida, mas ee encontra presente de forma eficaz na sintese, dada a seguir, da missio de Jesus que estava, “pregando o evangelho do reino ¢ curando” (Mr 4.23). Enquanto Marcos passa diretamente a descrever uma série de episddios que coniirmariam essa sintese ¢ que conduzem, de forma relativamente ripida, ao conflito provocado pelé ensino ¢ pels curas de Jesus, Mateus apresenta agora, de antemao, a primeira de cinco extensas passagens que descrevem os:ensinamentos de Jesus e que séo tio caracteristicas do seu evangelho. Ao fazé-lo, Mateus ressalta que Jesus deve ser visto como um imestre que s0 mesmo tempo realiza curas, ¢ nao o contririo. O sermao do monte (Mt 5—7) é uma passagem que foi cuidadosamente estruturada, possuindo noventa ¢ oito versiculos. Ela corresponde a uma oatra passagem muito mais breve do evangelho de Lucas (Le 6.20-49), que apresenta apenas 30 versiculos, embora partes do sermio om Mateus scjam reproduzidas em outros locais no evangelho de Lucas. O procedimento adotado por Mateus demonstra a importincia que ele atti- bua a uma apresentacdo dos ensinamentos de Jesus que fosse mais minuciosa ¢ razoavelmente mais sistematica. Como jé vimos, existe algo semelhante em Marcos 413, embora Mateus tenha ido muito mais longe nesse aspecto. © sermio é enderesado a um grupo do qual fazem parte as multidées ¢ 08 discipulos de Jesus. As multidées representam os que ainda nio tinham nenhum compromiscc pessoal com Jesus ou com sua mensagem, ao passo que os discipulos ceram of que jf haviam assumido algum tipo de compromisso, inclusive mesmo os de caréter bastante parcial ou nominal. E surpreendente, porém, que 0 sermio contenha ensinamentos essencialmente voltados aos que o seguiam’, pois com- preende as promessas de Jesus para estes, concentrando-se no tipo de conduta que Deus experava dagueles que aceitassem a mensagem do seu reino. Assim, esses sto ensinamentos para os discipulos, mas so, ao mesmo tempo, um chamado pare os {que ainda no haviam entregado sua vida a Jesus e ainda um vistumbre do que os aguardava, caso aceitassem 0 chamado. Dessa forma, Mateus concentra-se no tipo de comportamento que deveria ser caracteritico dos discipulos de Jesus. Embora rio falte em Mateus material de cunho evangelistico, falando da graga de Deus ¢ de sua agio redentora, esse sermio traz uma descrigao cabal sobre 0 que implica o arrependimento, ou seja, uma nova vida para quem aceits a mensagem de Jesus. Embora 0 sermio se preocupe com 0 comportamento € ndo com 2 fé das pessoas, ainda assim traz em si pressupostos e implicagdes de curiter teolégico. E necessério que fagamos uma breve andlise a esse respeito, o que faremos a seguir 10 ino dos céus pertence iqueles que sio humildes de espitite ¢ perse- por causa da justiga (Me 5.3,10), Isso significa que eles destruram ~ § Mateus 5.13-16, por exemplo, x5 podia estar voltado pare seus seguidores. 0 EVANGELHO DE MATEUS jot] dos beneticios associados ao reino de Deus. Contudo, as demais beatitudes que apresentam as promessas em detalhes esto todas no futuro (Mt 5.4-9, 11-12). Esse aspecto reconhece ‘2 realidade da situacio, ou scja, que essas promeseas ainda nfo foram totalmente cumpridas, mas o scrdo no futuro, ‘No‘entanto, o reino dos eéus:com certeza jl pertence, aqui e hoje, aos humnildes de espitito: Assim, hé um certo sentido em que o reino jé esta presente e segundo 0 qual suas béngios jé sio reais (Mt 12.28). 2, Jesus afirma que a lei e os profetai nao foram revogados, mas sim cumpri- dos por meio dele, destacando a necessidade da pritica e do ensino até mesmo dos mendres dos ‘mandamentos no contexto do reino dos céus (Mt 5.17-20). Entio, ele prossegue discorrendo adbre diversos manda- mentos, todos exttaidos da lei, explicando-os de forma a fazé-los ocupar tum nivel de importincia mais elevado. Se alguns parecem redundantes (eg-, Mt 5.38-39), a redundancia perminece vilida e ativa, como uma espécie de rede de seguranga. Esses nao $9 éxémplos dos “menores” dos mandamento:’. Segundo a ética de Matéus, fica claro que para Jesus a lei continua valendo para 0s judeus que integravam 2 audiéncia, Porém, & luz dos'ensinamentos antagénicos que se seguem, a lei a ser observada é a lei reinterpretida por Jesus. 3, Jesus.chama @ atencao para a bondade.e o.cuidado de ‘Deus, o pai celeste (Mt 6.8,25-34). Os. ensinamentos. acerca.do cuidado ¢ da providéncia diving sio dados em um contexto de encorajamento para que os disci- pulos canfigssem em Dens. Isso esti de acordo com os ensinamentos consistentes de Jesus que se encontram. nos demais evangelhos, eegundo 08 quais, o relacionamento de Deus, coma.pai, sempre se dé com aque- les que sio seus discipulos e no com todas as pessoas em geral. Jesus nunca:se refere a Deus.como pai, exceto quando fala aos discipulos. Assim, esse é um relacionamento de ordem espiritual, ¢ nio algo que se baseie na criacio. ‘ 4. A bondade de Deus pode ser vista péla forma como ele responde as ora- 6es'de scus filhos e Ihies da‘boas dadivas (Mt 7.11). Aqui, a versio de Mateus difere da dé Lucas, éegindo a qual 0 Pai dari o Espirito Santo Aqueles que the pedirem (Le 11.13). £ pouco provivel que Mateus tenha transformado uma dadiva originariamente de cariter espiritual em algo de outra ordem, © mais plauisivel €/que ele tenha se expressado de forma mais genética, de shodo que a dédiva, cxtibora de caréter primordialmente espiritual, nfo exdua outros tipos de sespostas de oracio. *E possivel supor que a palavra menortenha sido usada em conjunto com a palavra*mmandamentos" com a finalidade de permitir 0 jogo de palavras com a expression “miriimo no rein dos céus”, nio devendo ser tomada em sentido excessivamente estrito. 192) JESUS. OF EVANGELHOS SINOTICOS TAT 5, A conclusdo do sermio destaca a importancia da obediencia as paluvras de Jesus e avontade de Deus. Aqui esta implicita a igualdade entre as decla- ee de Jesus ea vontade de Deus, no entanto, 0 ponto chave é que a vida cristl € uma questio de obediéncia e ndio somente de fé. Por conseqiéncia, © sermAo coloca lado a lado a fé absoluta na bondade de Deus, que res ponde as oragdes, ea obediéncia absoluta sua vontade, que nto revoge 08 mandamentos, mas, 20 contririo, eleva-os a umm nivel superior de realizagio que vai muito além da simples obediéncia a letra da lei. Portanto, o sermio amplia « mensagem que convida as pessoas ao arrependi- mento e far isso 20 apresentar as promssas € as exigéncias que cabem aos que aiceitarem 2 mensagem do reino, Em sama, 0 que uma continua conversio a0 caminso de Jesus acarreta é algo colocado por Mateus no contexto do cuidado paternal de Deus para com os diseipulos. "A missio de Jesus —e de seus discipulos. A seguir, Mateus utiliza basicamente 0s préimos dois capitalos (Mt 8—9) para contar algumas historias do ministério de Jesus que também podem ser encontradas nos capitulos iniciais de Marcos (vic 15), sem concudo respeitar muito de perto a ordem em que aparecem em ‘Marcos. Enquanto Marcos se serve desse material como forma de ilustrar a cres- cente oposicio a Jesus (Me 2.1—3.6), Mateus parece estar menos interessado no tema lexceto em Mt 9.34). Em vez disso, ele se concentra no cardter extraordina- tio de Jesus em curar nossas enfermidades e carregar nossas doengas, conforme a profeca (Mt 817), além de enfatizar paralelamente seu chamado ao distipulado sua crescente reputagio. Tado isso alcanga seu pice no final de Mateus 9, quando 4 obra comega a se tornar muito grande para ser cumprida por uma sé pessoa. Portanto, ¢ neste ponto que Mateus relata que Jesus escolhew doze discipulos ¢ os erviou para que levassem adiante sua missio, ‘© mandato serviu de ocasi4o para a segundo trecho mais importante dos censinamentos de Jesus no evangelho de Mateus (Mt 10-5—11.1), corstituido por instruyoes, advertencizs e encorajamentos voltados aos que partcipariam da feiss. Embora a sessio comece com um material diretamente relevante para a missio dos doze em sua propria época (Mt 10.5-15),"" ela se torna, dentro da Gstematica adotada por Mateus para a apresentacdo dos ensinos de Jesus, 0 local para insergao de outro tipo de material que era mais relevante para os discfpulos do periodo posterior 4 Piscoa (Mt 10.16-42). “As duas caracteristicas mais marcantes desse discurso estio em dois versiculos especificos de Mateus. Em Mateus 10.5-6, Jesus instrul os discipulos pars que tao fossem até onde sc encontravam os gentios ou os samaritanos, mas que procu- assem as ovelhas perdidas da casa de Israel. A razdo da ordem tinha como base «s Rapes Mau gu mca ba do maealencontad cm Marcos utente ‘com material paralelo de Qu © EVANGELHO DE MATEUS 193] realidades geogrificas da época: a Galiléia tinha uma imensa populasio de gen- tios, sendo também préxima a Samaria, passagem dos viajantes para Jerusalém: Teologicamente falando, a missio tinha como prioridade Israel e, mais especifi- camente, as'pessoas necessitadas de Israel (os marginalizados ¢ os pobres). Todas as evidéncias apontam para o fato de que o Jesus histérico tinha os judeus como alvo de sua missio, como indica o embaracoso incidente registrado em Mateus 1521-28 (observe Mt 15.24 em paralelo a Me 7.24-30). Ao mesmo tempo, existe por todo Evangelho de Mateus uma abertura aos gentios, um indicative de que, para seu autor, a limitacao estava restrita A missao de Jesus, nio se consti- tuindo em algo obrigatério: para a igreja primitiva, Conseqientemente, embora esse capitulo traga também ensinamentos relevantes para discipulos em miss4o; seu horizonte continua sendo basicamente o da época de Jesus. O horizonte, porém, éindefinido. A idéia da perseguiao no mundo gentio aparece em Mateus 10.18-20, ponto em que o texto incorpora material de Marcos 13, Entio, nos deparamos com o enigma de um segundo versiculo exclu- sivo de Mateus (Mt 10.23); no qual é dito avs discipulos que cles nio acabariam de percorrer as cidades de Israel até que viesse o Filho do homem. A declaragao parece ser uma alusio 4.futura vinda do Filho do homem, anunciada em outras passugens dos evangelhos, € uma afirmac&o de que a tarefa destinada aos disci pulos era por demais extensa para que fosse cumprida antes desse episédio. Presumivelmente; contemplava ums missio que se entenderia além da época de Jesus, sendo que os evangelistas néo tinham ‘dificuldade alguma com relacdo i capacidade de Jesus prever acontecimentos posteriores a sua morte. Assim, a declaracio parece situar-se dentro do contexto da missio continua e néo da missio imediata c especifica dos discipulos. Com certeza ¢ uma declaracao estra- nha, pois'o nimero de cidades em Israel nao era assim tio grande, a menos que se pretendesse a inclusdo das muitas cidades da didspora, onde também viviam judeus. Se a passagem faz referéncia a um periodo posterior a ressurreicao, con- tinua sendo estranha por manter a restrigdo as cidades dos judeus. A melhor explicasio € dada por W. D. Davies ¢ Dale C. Allison Jr, eles sustentam que Mateus via nessa declara¢io uma profecia da pariisia do Filho do homem, que aconteceria antes que os discipulos completassem sua missio no mundo, inclu- sive em Israel." A declaragio tem propésito de encorajar os que passam por perseguigto quando env missio € dar-Ihes a certeza de que o Filho do homem vvird enquanto eles ainda estiverem engajados nessa tarefa.” O crescimento da oposicao e da divisio. A seco seguinte também esti voltada as atividades de Jesus, sobretudo seus ensinamentos ¢ as mais diversas reagdes que * Davies ¢ Allson, Geil, 2187-192. 2 Hiumapequena inconsistéacia com relacio « Mateus 24,14 (ef. Mc 13.10), eujaafirmagio é ro sentide de que o evangelho deve “primeiro” sex pregado a todas as nage, Tso & socomado até certo pomto se a expressio “todas as napdes’ nao for interpretada como sendo “cada comunidade particular’, 4) SUS. OS EVANGELHOS SINATICOS © ATOS provocavam (Mt 11—12). Contém material oriundo de Q, em particular tra- tando do relacionamento entre Jesus e Joao Batista, ¢ ainda do contraste entre a rejeigio que Jesus encontra nas cidades da Galiléia e a aceitagaa de sua mensagem por parte dos discipulos. Entdo, retoma material encontrado em Marcos 2~-3, ignorado anteriormente em Mateus, completando-o com material extraido de Q. ‘Nessa seco, o tema dominante ¢ a oposigdo dos fariseus a Jesus, culminando em um plano para assassiné-lo. Nessa passagem € digno de nota o fato de que 0 evangelista refere-se a Jesus como 0 *Cristo” (Me 11.2), respondende assim, de forma implicita porém afir- mativa, 8 pergunte de Joio Batista: “Es tu aquele que estava para vir ou espera~ remos outro”, Jesus responde a pergunta fazendo uma refeténcia aos milagres que havia realizado, yendo-os como um cumprimento do que fora profetizado, em Isafas 35 com relagio a furura vinda de Deus." Em outra declarasio complexa (Mr 11:12-13), traca um contraste entre a era dos profetas ¢ da lei, ou scia, a era anterior, € a nova era, na qual o reino dos céus esti em agio."* Jodo € abertamente identificado com o Elias de Malaquias 4.5~6, que estiva para vir ‘A natureza da obra de Deus por intermédio de Jesus é esclarecida na impor- tante passagem em que Jesus discorre sobre a forma como o Pai se revela, através do Filho, aos que o Filho o quiser revelar; a seguir, o Mestre convida todos os que estavam cansados ¢ sobrecarregados para que viessem até ele (Mt 11.25-30). Essa passagem ¢ significativa para a cristologia e a soteriologia. Da maneira como se apresenta, identifica abertamente Jesus com o Filho, 0 qual mantém com Pai um tipo de relacionamento de cariter intimo e exclusivo. © evangelho de Joao dispensa a esse tema um tratamento mais aprofundado." A passagem também indica que o conhecimento de Deus ¢ de sua vontade é algo mediado por Jesus. Isso também se liga a0 fato de que os sabios desse mundo nao puderam conhecer 2 Deus (cf. 1Cor 1.18-25); Deus revela-se aos “pequeninos” que esto preparados para aprender. O capftulo seguinte (Mr 12) trata efetivamente da atitude fechada dos fari- seus, que nao conseguiam demonstrar aprego pelo que Deus estava realizando. © A alusio a Islas J5 ¢ outros textos paralelos¢ implicita, nto hi neshumma citagao forinal. © onto significaivo esti no fato de que aquile que fora profetizado em Isaias sobre a vinda de Deus {16 35.4) visto como alge quese curpriu com a vinda do Messias. Logo, Jesus éde fro 0 Emanuel. 1 uma dedanglo ambignae por isso os ctdisos divider, apresentanda diferentes perspectivas ‘quanto ao reino dos céas: uns consideram ter sido ele “tamado por esforyo” os “i forga"(cf. ARA € TB, respectivamente}; outs que “se fat violencia a0 Keino dos céus” (cf. ARC, DO € também NTL) ‘Também divergem quanto aos que recorrem a violéncia serem os “que se esforsam” para se apoderar dos reinos dos oéus (cf: ARA e TB) ou os que se opde ele. A tendéncia awa incina-se no senido das ulimas perspectiva. Ver, por exemple, Donald Hagges, Mateus 2—13 (Dalla: Word, 199), p. 306-307. {Qualquer que sea a perspectiva, no entant, o reine dos céus encontra-geclaramente em aso. © Hi conteoverin em tomo da ligacko que exe entre essa passagem eos ensinamentos do Jesus histérica, Bm prol de sua autenticidade, ver Ben WitheringtonTI, The Crstlegy of Jesu (MLinneupots Fortress, 1990), p. 221-228. © EVANGELHO DE MATEUS 195 Sua oposigao permanece em absoluto contraste com a posigo das pessogs curadas ppor Jesus, que o reconheciam como o enviado de Deus. Dois pontos surgem esse momento, Primeiro, Jesus adyerte ans que foram curados para qu no digam quem ele era (Mt 12.16). Aqui, como em outeas patcagens (Me 8,4; 9.30; 16.20, 17.9), Mateus apresenta.o mesmo tema encontrado em Marcos, a saber,a manu- tengio do-segredo acerca da identidade de Jesus. Porém, hi outras passagens em ‘que Mateus nao ec ateve ao.tema, particularmente no que se refere 3 silenciar os demdnios. Assim, vemos que 9 tema, embora com certwza também esteja presente m Mateus, nio adquire a mesma importincia atribuida em Marcos. Segundo, Mateus mais uma yer aproveita a oportunidade de citar uma passagem das Escri- turas que se cumpre na missio de Jesus, no caso, uma citagdo de Isaias 42.1-4 na {ngegra, O aspecto principal da citagio esté em destacar a misao humilde e dis- creta do Senhor Servo, pelo poder do Espirito (cf, Me 11,28-30; 1228), embora também faga duas referéneias As nagdes, o.que indica que a missao de Jesus, em tiltima andlise, no se limita ae povo judeu (cf. Mt 12,39-42),"¢ A terceira-segio discursiva de Mateus (Mt 13) insere-se adequadamente nesse ponte como um comcntirio estendidg sobre o modo comp as pessoas respondem,-ou deixam de responder, A mensagem de Deas transmitida por Jesus. Essa paste trez um mimero maior de pardholas, se comparada a Maroos 4. Assim, como;em Mareos, a primeira delas, a paribola do semeador, ¢ simplesmente contada como uma historia, sendo que somente depois vem a tona 0 fato de que cla era uma pardbola sobre 9 reino dos céus. As demais parébolas sic todas do tipo *e reino dos céus 4 semelhante 2”, convidando os ouvintes maisdiretamente airem além da historia, alcancendo a realidade ela representada E bastante significative que na explicagio dada a par4bola do semeador exista uma énfase acerca da ngcessidade de entender a mensagem (Mt 13,23; em sintonia com Me 13,15); ao-passo que em Marcos os diseipulos sto considerados como haven- do.compreendido a mensagem, ainda que outras coisas sejam ditas scbre sua falta de entendimento em outras passagens. Como em Marcos, aqui também ¢ possivel pressupor que Jesus passou a falar por-pardbolas, ume forma que nem todos com- preendiam, somente spée-ar pestoas cerem comerado a sejeitar sua mensagem. O evangetho de Mateus traz duas paribolas novas, a paribola do joio e do trigo ea parabola da rede, sendo ambas explicadas como uma referencia a0 juizo final, quando os justos serio glorificados.no reino de Deus, enquanto os maus, os que praticam o pecado'e a iniquidade, serao langados no fogo eterno. Mais do que qualquer outro evangelists, Mateus insiste nesse aspecto ¢ langa mao de uma lin- guagem marcante, incisiva para descrever 0 remorso ¢ 0 tormento des que forem condenados. Paralelamente, mostra também a alegria dos que encontrram o reino Soe as deconéncias des ciao, ver David Fill, "Son and Servant: An Essiy on Mathean Christology’, JSN7 6 (1980): 2-16 (9-12), que apresenta tecrias propestas por O. L, Cope; Richard Beaton, Issa Christin Matthews Gospel (Cambridge: Cambridge University Prese, 2002) 96) FSUS, OS EVANGELHOS SINOTICOS & ATOS dos céus, como a de alguém que encontrou um tesouro escondido ou uma pérola de grande valor.” ‘A revelago de Jesus como 0 Messias. Na sesio seguinte, voltads para 0 minis rerio de Jesus, que vai de Mateus 13.53—17.27, Mateus segue Marcos ainda mais de perto. As pequenas diferencas existentes variam em importancia. Assim, no hi de firo uma diferenca entre a mancira como Mateus 13.58 retrata o fato de Jesus nio poder realizar milagres na cidade de Nazaré e a forma como isso é desctito em Marcos 6.5. Se analisarmos uma sinopse dos quatro cvangelhos, vere mos que grande parte das diferencas existentes deve-se simplesmente a abrevia- es. Porém, também existem acréscimos. A histéria em que Jesus caminha sobre as aguas conta também o episédio em que Pedro tenta imitar Jesus € nao conse~ guc. E, ainds, enquanto 09 disefpulos em Marcos ficam assombrados ¢ no enten- dem o que estava se passando; em Mateus os mesmos discfpulos adoram a Jesus como o Filho de Deus, Assim, o elemento da “epifania secreta’, rastreado em Marcos por alguns estudiosos, ¢ ainda mais intenso em Mateus. Em Mateus 15, uma certa reorganizagio do: material parece ter o intuito meramente de proporcionar maior clarezs. As opinides divergem sobre a impor- tincia da omissio do comentirio de Marcos relativo a Jesus haver, em suas decla~ ragdes, considerado puros todos os alimentos (Mc 7.19). Por vezes, tal fato é considerado como algo que se encaixa dentro de uma tendéncia maior de ver a Jesus como alguém que cumpre a lei e critica os fariseus. No entanto, essa critica se di mais pela falha dos fariseus em cumprir sua propria lei, e pela forma equivo- cada como a interpretam, do que com o propésito de destacar a impostancia da lei. E muito mais provivel que Mateus esteja apenas abreviando o texto de Marcos © que acréscimo feito em Mateus 15.12-14 seja suficiente para sugerir sua rejeigao ao principio de que os alimentos podem tornar as pessoas impuras.”” Porém, 0 material nove mais importante dessa seco esté em Mateus 16, na passagem em que Jesus perguata a seus discipulos quem pensam que ele era. Pedro responde: “Tu és 0 Cristo, o Filho do Deus vivo" (Mr 16.16). Segue-se um trecho relativamente longo no qual Jesus afirma ter sido Deus quem revelara isso a Pedro, para em seguida anunciar que Pedro era a pedra sobre a qual ele edificaria a sua igreja. A primeira parte dessa passagem nio tem nada de surpreendente a vista de Mateus 11.25-27, uma vez que é o Pai quem revela seu Filho aos homens. A interpretagao mais plausivel para a segunda parte é a que identifica Pedro como sendo a pedra.”” Somente aqui (Mr 16.18), e em Mateus 18.17, 0 termo igreja (ekklesia) aparece nos evangelhos. Sua presenga coaduna-se com um interesse no A linguagem da alegris € quase que avsente em Marcos (ver, no entaato, Me 4.16). © CE Menninger, Irae p. 124-125. Poréma visto, segundo a qual a pedra seria as palavras de Jesus 012 confissio de Pedro, ainda cencontra aguns adeptos. Ver Chrys C, Caragounis, Peter and the Rack (Berlim: de Gruytsr, 1990); em favor da interpretaglo mais comm, veja por exemplo, Donald A. Hagner, Matthew 14—28 (Dallas: ‘Word, 1995), p. 469-472, © EVANGELHO DE MATEUS 197 Evangelho de Mateus pelos discipulos como formadores de uma nova comuni- dade. Em Mateus, esse interesse talvez seja'mais pronunciado do que em qual quer outro evangelho. Obviamente, essa comunidade deve ser identificada com a comunidade da qual Mateus ¢ sua audigncia cram parte integrante, A mesma ligagao é alcancada por Lucas através.da compilago de seu segundo volume” ‘As duas declaragdes seguintes sio exclusivas de Mateus. Primeiro, declara que a igreja seré-invencivel em face de toda oposisio. As “portas do inferno” so uma alusio aos poderes do mal que itio-atacar a igreja” A metéfora da porta prossegue com a referéncia da entrega a’Pedro das chaves do reino dos céus. Jesus estende 4 seu discipulo amesma autoridade que tinha de abrir o reino dos céus a todo aquele que cré. Isso é explicado em termos da autoridade para 0 ensino, de forma que Pedro se imp6t aos fariscus cujo ensind € rejeitado, Essa é a declaragio de cunho mais forte na qual Jesus estende sta propria autoridade em prol do futuro de seus discipulos. E importante observar que essa mesma afirmacio sobre “ligar e desligar (coisas) ria terra” ¢'dirigida a todos os discipulos em Mateus 18.18. O parigrafo inteiro € de importincia crucial para ensinar que a igreja é efetivamente 0 novo Iseuel inaugurado por Jesus; o reino seré retirado das mios de seus antigosdideres © entregue-a.um novo povoy que produziri os respectvos fratos (Mt 21.43). Acomunidade dos discipulos. Dessa titima sero, passamos diretamente para a quarts: segdo°de ensinos, em Matcus 1825 Nessa passagem, a narrativa comega pela disoussto.acetca de queiné omaior novreino dos céus, que Mateus encontrou em Marcos 9.33-50. Ele a torna‘thais pronunciada pela omissio de parte do material ¢ decide acrescentar outros ensinamentos de Jesus que diziam respeito a vida dos discépulos em comunidade. Existe uma éafase na importancia dos “peque- rings’, que devem se converter e'se-tornar como criangas (o mesmo que em Mateus 11.25). Isso hos fz lembrar de Paulo exortando os “fortes” a demonstrar preocu- pacio pelos “fracos” (1Co 8—10). A versio de Mateus para 2 paribola da ovelha perdida tesh 0 propésito de apontar para ordever que os discipulos tém de cuidar daqueles que se desviarn'do caminho'e niio'o de justificar, como em Lucas 15, a isséo de Jesus diante de coletores de impostos e pecadores, grupo que tipifica os nio convertidos..Na segunda metade do capitulo surge a questio das disoutas inter nas entre os discipulos e, entio, estabelece-se um determinado padrio de conduta ® Marcos sabe que os discipulosirdo se reanir com Jesus, Galiléis, aps a ressursicio, embora, ‘no mais, quase no fale sobre aigrjs. 2 Joachim Jesemias, TDNT 6924-928, Contudo, Mateus ado identifica abectamente a igreja como o novo rac; para ohn P-Meier, ‘The Vision of Metehew: Christ, Church and Morality inthe First Gospel (Nova York: Paulist, 1978), 1-55, ¢Jeoue quem incorpora o nove Isruel. France, Matthew, p. 208-213, vé Jeous ¢ a igseja como ‘a consumagio de Israel. Norestante de Mateus 16—17, nio ha nada de diferente que mereca uma anilise especifica do ponto de vista tealégico. Mateus se mantém bem préximo a Marcos. 198) Imus, Os NOTICOS F ATOS que tem por ebjetivo dar oportunidade para o reconhecimento do pecado © a conseqiiente reconciliacao." Ao mesmo tempo, reconhece-se 2 importincia de purificar a igreja dos pecados ¢ das disputas internas. Todo esse procedimento pode parecer algo que entra em contradigo com o principio estabelecido pela paribola do joio e do trigo. Nesta paribols, contudo, o campo em questio é 0 mundo inteiro, e nio apenas a igreja, no sendo fornecida interpretacio alguma as instrugdes que os trabalhadores receberam no sentido de deixar o joio e 0 trigo crescer lado a lado até o tempo da colheita, Esse detalhe é apenas parte do cenario da histéria e nio tem nenhum significado na parabola, Para 2 ago da congregagio € atribuida a mesma autoridade concedida a Pedro. Uma afirmagio posterior, reforgando mais ainda esse ponto, aparece a seguir, quando Jesus assegura-Ihes que, com apenas dois deles concordando a res~ peito de alguma coisa ¢ a pedindo em oraco, seu pedido seria. atendido. Isso ocorre porque, estando eles reunidos em nome de Jesus, 0 préprio Jesus esti ali presente com suas oragées reforgando o pedido deles (Mt 18,19-20), Essa passa- gem encontra seu equivalente sinético em Joao 16.23-24, O procedimento para lidar com © pecado cometido, concedendo-se a0 peca- dor trés oportunidades para que se arrependesse, ¢ seguido por uma instrugao dada Aquele contra quem o irmio havia pecado. A pessoa deveria estar disposta a perdoar o irmao que the ofendera até setenta vezes sete. O ensinamento € refor- sado pela pardbola apresentada a seguis, cujo significado é por demais evidente uma yez que nos lembremos de que, na linguagem das paribolas, a figura de um “rei”, com toda seguranga, esti relacionada a Deus. Se isso nao for suficientemente Obvio por si 6, a referéncia a uma divida de dez mil talentos demonstra que nao se esté tratando do mundo real, onde vivem os seres humanos. Esse capitulo demonstra, talvez mais do que qualquer outro, os aspectos pastorais da teologia de Mateus ¢ sua visio sobre a plena graca de Deus para com os pecadores.* Jesus ensina em Jerusalém. Com esse discurto, chegmot ao fim da missio de Jesus na Galiléia. Mateus 19 assinala a transigio da Judéia para Jerusalém ¢, a partir desse ponto, o texto caminha novamente em paralelo com Marcos. Existem tumas poucas diferencas relevantes a serem observadas, Em Mateus 19.28-29, 20 padelo escrito limita-se ao essercial. Parte-se do pressuposto de que o erro de uma das partes & algo jé definida. Criam-se oportunidades part o reconhceimento do era e #reconciliagio, ¢ seria um equivoco presumi que deveriam ser oferecidas apesas t&s oportunidades. Tal conduta implica, 20 contririo, que se chega a um ponto em que todas as tencativas ce reconciagtofatharam «, nesse caso, a congregardo deve entrar em agio para que a discérdia nfo prossiga no sein da comunidade, Nada se diz, no sentido de que a exclusio do membro seja definitiva ¢ nfo possa ser * Conseqlentemeate, nfo hi necessidade alguns de que Pedro tenba usm sucesor. * Cf, Donald A. Es, “Righteousness in Matthew's Thedlogy’ em Worship, Theology and Ministry in the Early Church ed. Michael J. Wilkins e Terence Paige (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1992), p. 101-120. GELHO DE MATEUS 1991 a promessa, que garante que os discipulos seriam recompensados no futuro por negarem a si mesinos no presente, € complementada pela afirmagio (também encontrada em Le 22.28-30)de que os que seguissern Jesus iriam se assentar em doze tronos, a fim de julgar as doze tribos de Israel na vinda do Filho do homem. A declaracio € importante, pois.demonstra que a missio de Jesus diz respeito & renovacio de Israel na nova era. Uma segunda inseredo: é a parébola des trabalhadores da vinha (Mt 20.1-16), que reforca a mensagem acerea da-graga de Deus ser concedida aqueles.que dela necessitam € ndo aos que.a merecam. Evidentemente, uma paribola como essa ¢ contada para os que se consideram mais merecedores da graca de Deus do que os que dela necessitam. Apresenta.importantes semelhangas com a pardtola do filho prodigo, em Lucas 1577. O meamo tema. aparece novamente em Mateus com a parabola dos dois filhos. (IMe.24.28-32). Enduanta isso, a.medida que Jesus se aproxisae de Jerusalém, a sonbra da cruz torna:se cada vez mais nitida, rclembrande ds discipulos de que nio heveria coroas ou tronos.para eles-sem. que antes bebessem do.cilice do softimento 20m Jesus. Porém, em certo sentido,.a entrada de Jesus ent Jerusalém acontece como se ele jé fosse rei, & Mateus quem cita Zacarias 9.9, ,relacionando essa passagemwa entrada triunfal do Jesus colocando-re assim ao,iado de: Liucas ¢ Jodo aa identificar Jesus como.o tei ~ que esti, no entunto, pana ses rejeitsdo. As multidées, porém, reco- nheclam-no apenas como um profeta (Mt 21.11); enquanto os meninos no tem- plo (cf. Mt 11.25) reconheciam-no gomo:o ‘Filho-de Davi" (Mt 21.15)” No contexto dos encontros de Jesus: com seus oponentes em Jerusalém, ‘Mateus mez a paribola do proprietétio.da vinka.em uma versio mais acentuada. Para ele, a parabola atinge seu climax quando os. proprios ouvintes chegam a conclusio sobre © que'o proprietério da vinha ixia fezer com os lavadores que hhaviam asassinado seu filho; com isso, estariam abertos para aceitar a profecia de que o-reino de Deus seria timdo deles © entregue a um povo que p:oduziria os respectivos frutos (Mf. 21.40-46). Essa passagem-deve ser vista como um juizo, diigido principalmente aos lideres d6 poo. judeu, que seriam substituidos pela igteja ou por seus respectivos lideres no papel de sentinelas do povo de Deus.” » Davies e Allison, Gospel, 3:69. 3 Mateus aio faz mensio ao batismo pelo qual devcriam passar, provavelmente porque a [passagem parecese mito cnigmética. De mancira surpreendentey Mateus ¢ Laicas omitera a fiase regisurada em Marcos 11.17, segundo a qual o templo seria chamadlo casa de oragio para todas 2s nagoes. Isso podeser um reflexo do fato de que o tempo fora destmido e de que, portanto, a profecia nio se curnprira Iteralmente, » As opinioes divergem quanto & posstilidade desse versiculo tatar apemas de uma troca de lideranga, ou se também se referit A substituicao de Israel pela igrej. A titima posicio é «mais provavel (Cé Menninger, Lragh,p: 151-153). No entanto, a palavea subetituigio nio € adequada e da margem a interpretagocs equivocadas, O ponto em discustio & que, agora que o Messias huvia sido revelado, 0 remanescente fiel da nagdo de Israel seria constimuido daqueles que aceitassem Jesus 20m0 Messias (acrescidos dos gentios convertidos). |100) TESUS OS EVANGELHOS SINOTICOS F ATOS Nese ponto, Mateus acrescenta outra pardbola, a que conta a histéria do banquete das bodae do filho do rei. Ela diz respeito as pessoas que sio convidadas a entrar no reino dos céus (Mt 22.1-14): os primeiros a serem convidados fazem pouco caso do convite, enquanto outras pessoas de diversas classes ¢ origens, boas ‘e més, sao depois convidadas e trazidas ao banquete. Apesar de continuar possivel as pessoas ir ao banquete, elas, contudo, nio demonstram consideracao alguma por esse privilégio. Elas estio “no reino, mas nio so do reino” sero descobertas 10 {juizo final. Mateus nao dea espago para complacéncia entre os leitores cists. ‘A principal interferéncia de Mateus a essa altura da historia tem a ver com a ampliagao do aviso dado em Marcos 12.37-40, dirigido aos escribas. Mateus ‘amplia seu alvo, transformando o aviso em uma séric de acusagées contra escribas ¢ fariseus, como se estes estivessem presentes. Embora a maior preocupagio esteja voltada para a inconsisténcia de seu comportamente, que combinava uma meti- culosa observancia de certos hébitos e priticas religiosos a uma atitude basica~ mente impia, também existem implicagdes de caréter teolgico. Ha um claro chamado para que os seguidores de Jesus fossem consistentes em seu modo de viver. Ha também a substitui¢ao dos escribas por um mestre, 0 Cristo, ¢ a recusa da atribuigio do titulo de “pai” aos mestres humanos. Aliado a isso ha uma insis- téncia na questio da fraternidade de todos os que créem e um chamado a todos para que ajam como servos uns dos outros. Qualquer sugestiio de que os doze discipulos, por exemplo, gozavam de uma posiglo privilegiada em fungio de seu papel (cf. Mt 19.28) é firmemente refutada. Inimamente ligado a esse discurso, embora também claramente separado dele, est o discurso final do evangelho de Mateus. E constitufdo essencialmente de instrugées relacionadas ao fucuro, que se encontram em Mateus 24 (equiva~ lentes 1 Mc 13), e complementadas por trés paribolas apresentadas em Mateus 25, Astim, existe uma certa ambigiiidade no quinto e tiltimo discurso do evange- Tho de Mateus em relagéo a sua extens&o, se composto por Mateus 23—25 ou simplesmente por Mateus 24—25." ‘Mateus 24 € relativamente paralelo 2 Marcos 15, mas contém material extra, oriundo da fonte Q.® Mateus destaca o perigo de alguns dentre os discipulos serem tentados a se desviarem. Ele também observa que vinda do Filho do homem seri precedida pelo aparecimento de seu sinal no céu."* Porém, a vinda de > \ tendéncia geral dos estadiotos estt no sentido de nfo considerar Mateus 23 como parte Integrarte do quinto dscurso em Mateus, mas como um trecho autinomo de ensinamentos, No entanto,0 tema do juizo elamumente perpassa todo o trecho que vai de Mateus 23 2.25. 22 | diferenca maior est4 no-uso de material parlelo aMarcas 13,9-13 ja em Mateus 10.17-22, ‘embora sso aio aiete seriamente a fluéncia da passage. © Se¢ uma referencia & parcusia,enta0 0 sina provavelnicnte fincioua como um avito para que se redmam para a batalha final A interpretacio de France para essa passagem, com respeitoa queda de Jerusalém e & missio mundial da igreja¢falha em apresentar uma propostaclarade como o sinal deve totinterpretado dentro dercecendrio, Ver R.T France, The Coypel According to Matt Am Introduction ‘and Conmentary (Leicester: InteiVarsity Press; Grand Rapids, Mich: Eerémans, 1985), p. 344-345, © EVANGELHO DE MATEUS 101) dia final ainda sera inesperada e imprevisivel. Mateus inclui veementes advertén- Gas aos discipulos para que estejam preparados para esse dia, e para que vivam de tal modo a nio serem pegos de surpresa, ficando assim sujeitos ao julgamento em ver da salvacio. O tiktimo ponto é tratado nas trés parabolas seguintes. A primeira enfatiza 0 petigo de nio se estar preparado para o dia em que‘ Senhor viri. A segunda destaca a necessidade de se ocupar o tempo restante'até esse dia com uma conduta que ganhe a aprovasio do Senhor. Paralelhmente'd &nfase sobre a grasa e a recom- pensa concedidas aos que nio merecem, hé ainda o reconhecimento de que a entrada no reino significa a entrada para um local de servigo a Deus, A tltima “parabola” nio é, obviamente, uma parabola, mas uma descrigio do julgamento final nas miios do Filho do homem, agora claramente identificado como “o rei” Vem a tona o fato de que servir a0 rei é 0 que conta no juizo, embora o servico seja alcansado servindo aos irmdos e irmis. Por unv ado, as pessoas que se consideram servos do rei, mas no o’sebviram a. contento por nio haverem servido a seu povo, setiio condenadas, Por outro lado; os que no perceberam que serviam ao rei ao servir seu povo, descobrem que de fato'o'setviram. Embora a interpretasio mais comum da parabola é no sentido de que as pessoas podem estar servindo a Deus ou a Cristo sem que 0 percebam, 0 ponto em questo parece ser, contudo, 0 simples fito de que servir a Deus ou a Cristo acontece quando se cumpre 0 man- damento para que amemos uns'206 outros’e aos nossos'inimigos. A idéia de que isso poset acontecer sem que se’peroeba nfo é um ponto a ser interpretado de forma isolada.* A morte e ressurreicio de Jesus. Pela ultima vez no Evangelho de Mateus, lemos as palavras: “Havendo Jesus concluido todas essas palavras”. A parte final do texto passa 2 tracar, entio, a histéria da paixto e ressurreigio de Cristo. Pouca coisa hi para ser dita’ do ponto de vista teolégico sobre a primeira parte do relato, pois € bem proxima a Marcos ¢ nao ha alteragdes particularmente signi- ficativas.®* Portanto, quando Matetis acrescenta que 0 eangue de Jesus € derra- mado “para temissio de pecados’ (Mt 26.28), torna explicito o que era técito na narrativa de Marcos. Na tiltima parte da narfativa, no-entanto, hi questdes importantes a analisar. Primeiro, hd um relato de que, com a morte de Cristo, a terra tremeu, fenderam-se arochas ¢ 0s Corpos de muitos santos ressuscitaram e apareceram a muitas pessoas depois da ressurreigao de Cristo (Mt 27.52-53). Quer isso tenha sido um fato * Claramentefilando, o propésito da pardbola nlo é ensinar que pessoas gadis a outra f, 04 scar alguma, serio salvas no julzo fina apenas por mostrarezn bondad para com o1 necesitados, ‘mesmo queamais tenham crido em Jesus, quer ess possildade «ja ou nao ensinada em algum lugar do Novo Testamentn. Antes, o ponto é que servir 20 poro do rei € servi ao rei. 2 0 fito de, segundo alguns manuscritos, Matens haver chamado Barrabis de “Jesus Barrabs™ (Me 27,16-17, NTLH) tem importincia litenéria¢ nto teoligica. 102) ESUS, OF EVANGELIIDS SINOTICOS E ATOS histérico ou nao; ¢ um testemunho teologico do fato de que a morte € a ressur~ reigzo de Jesus tiveram conseqiéncias decisivas para o destino dos mortos. Até esse momento, a ressurreicdo dos mortos era pouco mais do que uma esperanga baseada em profecias como ade Daniel 12. Agora, ela € afirmada, ha uma anteci- pasio de seu camprimento. ‘A segunda questao diz respeito ao fato de Mateus haver registrado a apari~ slo de Jesus as mulheres que foram ao sepulero (Mr 28.8-10). A promessa de que os discipulos o veriam € devidamente cumprida e, de fato, mais do que cumprida, Pois a profecia falava apenas de uma aparigio na Galiléia para os discipulos, mas nessa passagem ja temos o cumprimento da promessa para as mulheres em Jerusalém. ‘A terceira e dltima questo esti relacionada ao fato de que, quando Jesus aparece aos discipulos na Galiléia, uma experiéncia sobrenatural ocorre sobre um monte para o qual eles foram levados & adoragio (Mt 28.16-20). As tltimas palavras de Jesus aos discipulos so uma tremenda declarasio de autoridade: 0 Filho do homem esti agora, efetivamente, sentado em seu trono. Portanto, eles devem ir a todas as nagées e fazer diseipulos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo. Também os ensinario a guardar todas as coisas que Jesus thes tinha ordenado, Jesus lhes assegura ainda que estari com eles em todos lugares, o tempo todo. Nada poderia elucidar de forma mais intensa a suprema posigao de Jesus 20 lado de Deus Pai e, a0 mesmo tempo, o cumprimento da profecia sobre o Emanuel, feita em sett nascimento. TEMAS TEOLOGICOS Na segunda parte desta discussio tentaremos sintetizar o que aprendemos a partir da nossa pesquisa da narrativa teoldgica do Evangelho e caracterizar a nacureza da teologia expressa por Mateus. A compreensiiode Jesus por Mateus, Como em todos os evangelhos, 0 centro da teologia de Mateus é Jesus. Existe uma clara compreensio de Jesus como um ser humano genuino, mas, uma vez que nao ha nenhum vocabulario especifico dedicado a cla, trata-se muito mais de uma caracteristica basica da naerativa que pode ser tomada por certa e que, portanto, corre o risco de ser negligenciada. Em termos de designagdes de Jesus, a cristologia de Mateus nio é marcadamente dife- rente daquela de Marcos, com 0 mesmo uso de “Cristo”, “o Filho de Deus” ¢ “Filho do homem”, Porém, axistem diferengas ou mudangas de énfase. Enquanto Marcos inicia o texto simplesmente nomeando 0 seu objeto como Jesus Cristo € * O problema encontra-se no na possibilidace ov impossibilidade de Deus ramincitar of mor ‘os; mas sma na faa de alguns comprovicdo sobreum evento tRo incomum or parte de outras fontes «dos efeitos resultantes disso. Para uma perspectiva diferente do assunto, ver Hagner, Matthew 14—28, 1.849 £52, cD. A. Carson,"Matthew”, sen The Espositor's Bible Commentary, ed.FrankeE. Cabelein (Grand Rapids, Mich: Zondervan, 1984), p,581-582. © FVANGELHO DE MATEUS (1034 o Filho de Deus, Mateus apresenta a narrativa de seu nascimento na qual o signi- ficado desses termos emerge de forma mais clara. © nome Jesus est associado & salvagio, embora.na seqiiéncis o tema nio eeja deifato mais proeminente do que em Marecs. © papel de Jesus como 0 Mestias ¢ deduzido pela indagacio dos magos e a igualdade proposte entre Cristo e 0 fei dos judeus. Como em Marcos, o termo rei destaca-se nit narrativa da paixio, mas também éusado na entrada de Jesus em Jerusalémie especialmente com neferéncia a0 seu futuro papel no julgamento. O papel tradcional do’reiou de’ ama figura measidinica como pastor de:povo € assu- mida:de Marcos, reconhecido no tema da compainio pelas ovelhas sem pastor em Mateus 9.36 (cf. Me 6.34 no contexto da alimentacao dos cinco mil)’ e também presente ra descrigio do’juilgamento final (Mt 25.32-33). Partioalarmente caracteristico:de Mateus ¢ a-identidade de Jesus como “Filho de Davi” cue surge no primeiro versiculo do: Evangelho e, em especial, é usado em conexio com as curas realizadas por Jesus (Mt-9.27) 12.23; 15.22; 20.30-31; Mc 10.4748), E evidento:que, nesse contexto, 0 didlogo em Mateus 22.41-46 nido deve ser interpretado eofno uma rejeig:do, por Jesus dessa denominagio em razio de ser inadoquada, mas antes é um. convite para ponderar sobre o enigma de comoo filho. de Dati também poderia set 0 seu senhor, Além disso, o papel do Filho de Davi deve ser visto como significativamenté reeserito:2 luz dos atos compassivos de Jesus para.com os necessitidos* A posiciio elevada deJesus.é ainda adcade pelo freqiente uso do trata~ mato de ‘Senhor” (Kyrie) proferido getalente por pessoas simpatizantes, com- prothetidas com Jesus, muitas vezes cosresponderido:20 uso de “Rabi” em Marcos. Embora:cwe'termo- nio sighifique mais'do.que:um titulo bisico de respeito, a freqiiéncisdo-uso eos indicadétes contextuaie sugerem a existéncia de um maior gtau-de revéréncia no'seu uso. Diversas pessoas dirigiram-se a Jesus para lhe mos- thar rerdréacia (proskmed), ama atitude propria para um rei (Mt 2.2), ¢ a mesma aura com certeza cercou os usos subseqiientes."* O tema chega ao seu apogeu no final, na cena p6s-ressurreicao onde Jesus ¢ adorado diante dos onze e proclamada suis autoridade|absolura. °s Oso em Mateus de “Filho do homem” € mais produtivo do que em Marcos, basicamente porque existem mais declaragdes de Jesus disponiveis sobre ele. A tendéncia zeral que resulta de seus é a maior énfase na identidade de Jesus como @ Filho de homem vindouro ¢ como uma figura sejeitada na terra.” © Ver também Mateus 10.6; 15.24 26.31; of. Menninger Imaet, p. 142-48. *CE Leonhard Goppelty TBealigy of the New Testament (Grand Rapids, Mich: Eerdmans, 1981, 1982),2:220-21, » Cf, Nateus 8.2; 9.18; 14:33; 15.25; 20.20; 289,17. Q termo também é usado em Marcos 56 6: spdina ressureigio, em Lucas 24.52. Em cada nm dos erangelhoe sinéticos hi exemplos isolados de pessoas cainco de joelhos diante de Jesus (Mr 17.14; Mc 1.40; 10.17; Le 5.8). “Cf. I. Howard Manhall, D/G, p. 776-77. os 104) HESUS OY EVANGELHOS SINOTICOS E ATOS ‘De modo semelhante, 0 uso de fontes adicionais em Mateus leva 4 maior proeminéncia do “Filho de Deus”. O tema esta implicito na anunciagao do nasci- mentode Jesus, que ocorreria pelo Espirito Santo, e que vem a tona na citagio de (Oséias 11.1, em Mateus 2.15. Em Marcos, o titulo é usado apenas por atores ao-humanos antes da crucificagio, mas em Mateus os discipulos adoram a Jesus como 9 Filho de Deus depois que ele acalmou a tempestade (Mt 14.33) ¢ a confissio de Pedro em Cesaréia de Filipe inclui a expressio (Mt 16.16). Além disso, Mateus apresenta a declaracio explicita de Jesus sobre a relagio do Paie do Filho : o papel do ultimo na revelagio do Pai (Mt 11.25-27). Para Mateus, Portan:o, o reconhecimento de Jesus como Filho de Deus pelos seres humanos acontece mais poderosamente do que em Marcos, onde isso no surge até a con- fisedo do centurigo depois da morte de Jesus (Mc 15.39). ‘Tem havido certa discussto se hi uma prioridade entre os conceitos de Mesias ¢ Filho de Deus na cristologia de Mateus. O debate é provarelmente fitil, edeveriamos reconhecer que ambas as linhas de pensamento sio essenciais Para uma compreensio completa do papel e condigio de Jesus." Talvez seja Preciso ver algum desenvolvimento no Evangelho. No inicio, Jesus é principal- mente 0 messianico Filho de Davi — enfatizando-se assim o seu papel em relisio a Israel —, sendo dado maior realce a sua origem divina do que a sua filiagaa No final do Evangelho ele é denominado numa formula trinitéria como © Filho de Deas, sealgando-se, assim, a sua condigao cosmica em relagao 20 mundo apés a ressurreicdo. Mas a diferengs € puramente uma questio de énfase ¢€, 20 longo do Evangelho, ambas as linhas de pensamento se mantém unidas. Em contraste com essa tendéncia & exaltacio, no entanto, tem-se a identifica- ‘so de Jesus como o Servo do Senhor que trabalha silenciosa c suavemente em vez de levantar a sua voz (Mt 12.18-21, citando Is 42.1-4), 0 que é confirmado pela afirmagio de Jesus de ser manso e humilde (Mt 11.29; cf. Mt 21.5).!"De acordo com Divid Hill, Mateus agrega contetido a0 conceito de Jesus como Filho de Deus ao descnvolver a idéia de servo. O papel de Jesus no pode ser determinado puramente por um estudo de titulos ¢ designacées. Em particular, as atribuigdes de mestre e realizador de mila- gree sto de importincia crucial e nao estio associadas a nenhum tipo especifico de “1En um ou dois lugares Mateus usa o termo “o Fitho" em vee de “o Filho de Deus” ou formas equivalenes; ver Mateus 11.27; 24.36; 28.19, Umavez que o Filho do homem rem Deus como sea Pai (Me 16.2, Meier, Vision, p. 82-83, 172, afirma que “O Filho” nao é necessariamente equivalente a0 “Filho de Deus”, mas antes tem conexdes também com Filho do homem” em especial Matews 24.36 “A tespeito do iltimo ponto de vista ver especialmente Jack D. Kingsbury, Matibews Struure Chrivtlogy, Kingdom, ed. (Minnespois: Fortress, 1989). ‘8Ve;, por exemplo,]. Riches, Martens (Sheffield: Sheffield Academic Press, 1996), p, 88-93. “Pea uma anilise completa do significado do termo, incluindo especialmente suas conexses coma jusiga, ver Beaton, Laiab Chic. Ve Hil, “Son”, © FVANGELHO DE MATEUS 105) designacdo cristologica. Dois outros possiveis aspectos de sua condigao que nao estéo expressos em titulos demandam agora considerasio. Primeito, existe a questio se a figura judaica da Sabedoria ¢ importante para a cristologia de Mateus. Nao hé-nenhuma divida de que algumas vezes Jesus fala maneira de um sfbio mestre, usando o.tipo de discurso encontrado na tradicio da sabedoria. Nem existe qualquer dtivida de que Jesus € visto como um enviado (0 fitho) da Sabedoria em Lucas 7.35: Porém, Mateus 11.19 traz a mesma decla- raglo na forma: “a sabedoria ¢ justificada por suas obras”, vista como implicando uma identificagao de Jesus com a Sabedoria. Existe também um enigma com a citagdo feita por Jesus em Lueas-11.49-51, a qual emana da “Sabedoria de Deus” ¢ foi proferida pelo proprio Deus cm primeira pessoa, no. entanto, em Mateus 23.34-39, a declaragio ¢ feita mesmo por Jesus. Isso significa implacitemente-que Mateus identificou Jesus como a Sabedoria? De formasémelhante, Jevss fala de um modo que poderia set visto como tipico.de uma expresso de Sabedoria em Mateus 11.28-30, embora nfo teahamos em outra parte nenhuma comparagao precisa parweonfirmar tal suposisio. Esses fragmentos de evidéncia foram suficientes para persuadir alguns-estu- diosos de que, para Mateus, Jesus € visto no papel da Sabedoria, mas é significa- tivo 0 fato:de néo, haver:qualquer uso explicito do termo como titulo, € nao se pode dizer que ela desempenhe um papél principal no Evangelho em comparagao com as outtas categorias cristoldgicas.” Certariente essa identificagio seria apro- priada num: Evangelhd que:destaca Jesus como-mestre ¢ enfatiza a origem € a autoridade-divinas de suas declaragées (cf. Mt 8.8). Também seria apropriada como complemento a concepcao.de Jesus como'o Filho'de Deus; em ambos os casos sém-se um agente divine préximo:de Deus. Mais significativo € 0 fato. de Jesus poder ser visto como uma contraparte a Moisés, com uma autoridade que excede ado patriarcs.“* A compreensio de Jesus como'um novo Moisés faz justiga’ao importante lugar que 0 ensino ocupa no Evangelho ¢ ajusta-se & totalidade do Evangelho como uma obra preocupada especialmente com a relagio entre o cristianismo ¢ 0 judaismo.” Oevangelho eo judaismo. Neste momento, é apropriado observar no Evan- gelho de Mateus como Jesus € a'sua missio so compreendidos dentro de um Ccontexto judaico e em relacdo a0 judaismo. No comeso do livro, a genealogia “Mac a declaracia extaria realmente mostranda mais da que uma comparicho entre Jesus ¢ 4 sahedoria, on seria apenas uma expressio proverbial? "Para uma “excelente” antlise da crstologia sapiencial de Mateus, ver Fred W. Bumett, Te Tatament of Jesus-Sopbia: A Redaction-Critical Study of the Escbatological Discourse in Matthew (Lanham, Md.: University Press of América, 1981). Sobre uma visio muito mais comedida, ver Davies & Allison J, Gospel, 2:295. “Davies & Allison, Gospel, 3718-21. De forma mais completa, Dale C. Allison Jn, Tbe Newo Mose: A Matthean Typology (Minneapolis: Fortress, 1993). Outra possibilidade € que Jests aca visto como encarnagio de Israel (cf. Mt 2.15). 106}, JESUS, OF EVANGELHOS SINGTICOS E ATOS insiste que Jesus é um descendente de Abraio, bem como de Davi. Muitos aspectos de sua identidade ¢ de suas acdes, como também do que acontece a ele, so associadas 4s profecias nas Escrituras. De todos os evangelistas ¢ Mateus quem mais enfoca esse ponto através do uso freqiiente de citagdes literais intro~ duzidas por formulas do tipo “Para que se cumprisse o que fore dito por inter- médio do profeta” (Mt 8.17). Nao ha davida de que Mateus foi o responsivel por tal caracteristica de sua nerrativa, embora parte do material usado fosse tradicional. A caracteristica nio é, portanto, original a Mateus, mas ele a forma- liza de um modo que 08 outros evangelistas no o fizeram. E importante para ele ser capaz de mostrar que Jesus cumpriu as Escrituras. Mas por que é impor- tante? Um elemento pode ser apologético, provar que Jesus realmente é o redentor esperado, visto que a sua obra corresponde 4 descrigo prevista pelos proferas, Em passagens. como Atos 17.2-3, fica evidente que esse era um elemento da apologética crista primitiva. Ao mesmo tempo, o uso possibilita o desenvolvi- mento de uma compreensio da obra de Jesus em termos de profecia ¢ cumpri- mento. Um plano de Deus esta sendo operado na histéria e, como conseqiiéncia, devemos entender 2 obra de Jesus como a culminagao do que Deus vem reali- zando durante os iiltimos séculos. ‘Mas dizer isso suscita a questo da relagio entre o pasado ¢ o presente, mais especificamente suscita a questio dos judeus em relagao a esse plano. ‘Mateus, como 9s escritores do Novo Testamento em geral, trabalha com um. esquema de promessa ¢ cumprimento em que a vinda de Jesus é vista como a realizagio das profecias biblicas do Messias e da era vindoura de héncio divina. O efeito de tal compreenséo ¢ produzir uma ampla divisio da hist6ria em dois perio- dos, o da promessa ¢ o do cumprimento, © anuéncia de Mateus a semelhante compreensio pode ser vista especialmente em Mateus 11.12-13, onde ha uma distingio entre 0 periodo até Jodo Batista (quando os Profetas e a Lei predisseram. © que viria a ocorrer) e 0 periodo a partir de Joao Batista em diante (durante 0 qual o reino do céu atua). Existe, no entanto, uma discussie considerivel sobre a exatido dessa compreen- siio basica. Hans Conzelmann, em sua famosa andlise sobre a idéia de histéria em Lucas, argumentou que uma compreensio crist’ original a respeito do tempo dividido em era passada € nova era, com o pressuposto da vinda de Jesus como antincio da chegada iminente da nova era, foi seinterpretada por Lucas em um esquema de trés periodos, O tempo da preparagio é seguido pelo periodo de Jesus, que, por sua vez, é seguido pelo tempo da igreja. Desse modo, Lucas lidou ‘com o problema causado pela crescente lacuna temporal entre a vinda de Jesus € a ocorréncia da consumacio final, interpolando 0 tempo da igreja e conside- rando a vinda de Jesus como marcando “o tempo intermediério”, e no 0 inicio do tempo do fim.* “Hans Conzelmann, The Thealogy of Saint Luke (Londres: Faber, 1960). (© EVANGELHG DE MATEUS [107] Inevitavelmente, surge a pergunta a zespeito de Mateus compartilhar ow nfo ‘com esse-tipo de compreensao histérica. E, no caso, se ele pensa basicamente em termos de duas eras (promessa ¢ cumprimento) ou de trés (as vezes como Israel, Jesus e a igreja)> Ou seria melhor adotar uma concepgio mais complicada, che- gundo a cinco periodos?* Levando tudo isso em eonsideragio, € provivel que em Mateus, como em Lucas, nés deverfamos fazer uma distingio basica entre 0 tempo da promessa e 0 do cumprimento, mas reconhecer que dentro do periode de curnprimento existe uma outra divisio clara entre o tempo do ministério de Jesus, inaugurando.a nova era do reino do céu, e'0 tempo da igreja, o qual continua o. que Jesus iniciou* John P. Meier-defende com veeméncia que para Mateus a morte a ressurreigao de Jesus marcam a fase fundamental no advento da nova era, com 0s eventos apocalipticos que cercam a ressurreicio de Jesus ¢ o reconhe- cimento de Jesus como Filho de Dour pelo entaiio gentio © aqueles que ert: vam com ele.** Estreitamente associada a essa sjeseci vest ¢ que relaciona os judeus com a igreja. O esqnema dos tempos da:promessa'e do eumprimento em sirmesmo nada mais ¢ do-que um simples relato das fasés operacionais da iniciativa de Deus para a salvagao dos povos do mundo. Porém, existe claramente um problema paralelo suscitado pela-cxisténcia de Israel como.0 povo de Deus no periodo da promessa ¢ pelo estabelecimento dy igreja como 0 pove que acreditou que as promeseas. estavami-sendo cumpridas nele. Como Ierael-e a igreja estio relacionados? Ou, mais precisamiente, como os judeus na ¢poca de Jesus -e a igreja se relacionam como povarde Deus? E, junto a isso, estao inportantes questoes acerca do lugar e da missio dos gentios na igreja, e a validade permanente:ou nio da lei de Moisés. Aleie a novajustica. Pot filiacdo biolégicasosjudeus tram os descendentes do povo a quem as promessis'haviam sido:feitas nas Escrituras, Do mesmo modo, cles eram povo que herdara a lei de-Moisésya qual consiteravam ainda obrigaté- ria, Portanto devemos lembrar que o Evangelho foi escrito num tempo quando uma igreja tinha se desenvolvido de modo a incluit os judeus e cristios gentios. O judaismo de fato permitia.a.enttada de prosélitos*; mas em nada semelhante & propoteio de gentios que afluiu.paraa igreja primitiva, ¢ certamente apenas me- diante o entendimento de:que eles aceitariam totalmente a lei de Moisés. E, além disso, 0 jiidaismo'era dominado no-nivel popular pelos esforsas do partido dos fariseus em encorajar « observa¢o minuciosa da lei por todo © povo, e nfo apenas pelos sacerdotes. Conforme jé vimos; tais:debates podem ser percebidos como parte do contetido programitico do Evangelho de Marcos, mas eles adquirem especial destaque em Mateus. Os estudiosos na verdade esto divididos a respeito "Sobre o sirime ponte de vsts, wer Scot McKnight, DIG, p. $36-38, Essa anise € similar a de Kingsbury, Matthew. "Meier, Vion, p. 29-39, CE. Mateas 23.15. Nao discutiremos squi a questio bastante debatida qpianto a naturera € ‘exensio da ‘missio" entre os judeus naquele tempo. 1108) JESUS. GS EVANGELIDS SINOTICUS & ATOS de Mateus ser um Evangelho cristic-judaico ou um cristéo-gentilico. E suficiente dizer que a resposta ¢ intrincada, mas hi bem menos comphicagées se a primeira solugio (que é a visio da maioria) for adotada. Em geral, € mais plausivel que © auto! seja um cristio-jadeu que escreve 0 Evangelho na condicio de jit havé-lo ‘esquematizado em sta mente.® Come, entio, o Evangelho lida com tais assuntos? Jesus ¢a lei de Moisés. O ensinamento de Jesus foi historicamente dirigido a ‘uma audiéncia judaica, havendo ocorride ponco contato direto com os gentios. Logo, Jesus poderia assumir naturalmente 0 contexto da devogio judaica e pode~ ria falar As pessoas supondo que elas continuavarn cumprindo as préticas religiosas judaicas (Me 5.23-245 6.1-17). Fazé-lo de outro modo seria um anacronisme. A discussio de Jesus sobre 0 divércio é com freqiéncia entendida dentro do con- texto de bem conhecida disputa entre escribas acerca dos fundamentos do divér- cio (Mt 5.31-32; 19.3), Nesse contexto nio ocorre a abolicao da lei de Moisés**. Jesus também pode haver falado aos seus owvintes coma intuito de que obedecessem is prescrigdes dos escribas ¢ fariseus (Mi 23.2-3; conferit com a aparente aprovagao ao dizimo de hortalicas em Mt 23.23). Isso € francamente intrigante, pois se encontra em certa tensio com o restante do ensino de Jesus até mesmo, com versiculo seguinte, onde o ensino dos escribas é caracterizado ‘como “fardos pesados” (23.4); além disso, em Mateus 15.1-11, a tradizdo dos ancides € contrastada com o mandamento de Deus. Uma possibilidade € que ‘Mateus 23.2-3 seja fortemente ironico. Outra possibilidade € que Jesus cst con- trastando a leitura da lei de Moisés pelos escribas e fariseus com 0 modo pelo qual cles « interpretaram ¢ praticaram.” Radicalizando a lei, Conforme j4 observado, Mateus registra 0 ensinamento de Jesus que divide a historia do procedimento de Deus com seu povo em duas fises,o perfodo da lei e dos profetas, eo tempo da acio do reino do céu (Mt 11.12). O primeico periodo também € 0 periodo do estabelecimento da lei, que nao ¢ entendida aqui como um modo de salvagio, mas antes como uma expressio do ‘modo pelo qual o povo de Deus deveria viver, O ensinamento de Jesus sebre a lei é duslo. Por um lado, ele se opée ao desenvolvimento da tradigao dos ancives & ‘medida que isso seria visto como na verdade contririo ao mandamento de Deus.* Por outro lado, ele estabeleceu a sua propria doutrina, indo além da lei em sua exposigao radical da necessidade de obediéncia pelo coragio. Assim, enquanto 2 lei limitava a vinganga em um olho por um olho, Jesus permite que esse mite “Sobre a voto de que Mateus era um genti, ver, por exemplo, Meier, Vision, p. 17-25. % Sobre a intexpretagao das passagens em disputa, ver David Instone-Brewes, Divorce and Remarriage in the Church: Biba Solutions and Pasreral Realities (Casisles Paternoster, 2003) Assim, por exemplo, Frank Thielman, The Law and the New Testament. The Question of Continuity (Nova York: Crosstead, 1999), p. 6 Ee formulasao sugerira que Jesus podria muito bem ter aprovado a tadicio se ela ahudasse sescarecer ale © FYANGELHO DE MATEUS |109| Vigore, mas insiste em que as pessoas nilo se vinguem em absoluto e, nessa sitaz- cio, a leiseria supérflua. A lei proibia o adultério, mas, zinda que a tegra perma- nega em tigor, se as pessoas dominarem os desejos hneuriosos, ela nfo serd necessiria. Onde a lei ordenou amor ao préximo, Jesus 2 estendeu para 0 amor aos inimigos. Pode ser dito que a lei inteira espera as duas grandes ordens para amar a Deuse ao proximo ¢ a0 inimigo. Assim, alei é a0 mesmo tempo internalizada e radicalizada. Ela nfo é abolida, mas ser vista como uma incorporago desses dois mandamen- tos radicais, que envolvem aé:smotivagdes das pessoas, bem como o seu comporta- ‘mento exterior, ¢ que priorizam.o:comportamento:moral em oposicao ao ritual ¢ a0 cerimenial (cf. Mt 9:13; 12.7,citando Os 6.6): Portanto, a lei é tomada numa nova expressio da vontade de Deus conforme ensinado por Jesus; ¢, ao término do Evangelho, os discfpulos ensinario as pessoas “a obedecer a tudo o que ex Ihes ordenei” Mt 28.20, NVI). sem @.mengao.da.lei. ‘Mateus passa umna:forte impressio de estar apresentando a doutrina de Jesus como wine nova lei ao enzer pars. a linha de frente os ensinos-de Jesus sobre 0 comportamento dos diseipulos, e o far de um modo que parece estar contrariando ‘Moisés. Isso tanto poderia:significar que ele apresenta Jesus como um segundo Moisés, propondo uma nova Tori (baseada na antiga, mas indo além dela), como poderia implicar na descricao de Jesus como-alguém que realiza algo diferente de Moisés. No final das contas,.a primeira hipétese € mais provavel, contanto que reconhegamos que as declaragdes de Jesus se referem as atitudes do coracio e que as instrugses dades a respeito:delas nio sio-a ‘lei’ no sentido comum do termo.” Em relacao 2 isso, um elemento importante no vocabuldrio de Mateus € Jastiga e justo As pessoas fidis do passado (Mt.13:17; 23.35) ¢ do presente (Mt 13.43, 49; 25.37, 46) so caraeterizadas como “justas”, o que simplesmente significa que sua vidas se conformaram & vontade de Deus, conforme expressa em seus nandamentos (como Le: 1.6.exp5e muito bem), ainda que fossem per- seguidas por faré-lo (Mt 5.10). A principal énfase de Mateus parece ser que a tarefa de {o&0 (Mt 21.32) e de Jesus (cf. Mt 3.15) é ensinar e indicar 0 modo de vida que ¢ exigido pela vontade de Deus, e que esta estreitamente relacionada 20 reino do céu (Mt 6:33). Tem havido um debate considerivel sobre Mateus 5.6, 20, O iiltimo yersiculo exige que.os ouvintes facam mais (ou melhor) jastica do que os fariseus se quiserem entrar no reino do.céu. Iseo da a impressio de que viver em justica nesta vida é a condigo ou a.qualificagio para a entrada futura no reino. E, além disso, as pessoas devem: praticar até mesmo o menor dos mandamentos, se~ guindo rigofosamente o seu ensinamento. E impossivel que Jesus continuasse ado- tando a linha seguida pelos fariseus, com sua énfase nos mandamentos triviais, No devemos, na verdade, cometer erro de pressupor que Moisés estava preocupado siniplésmente com as abservincias externas e nio também com as motivasdes e uma relcioespisitual com Deis. Mates is essa dss palvraavintee trés vezes, Marcos duas vezes¢ Lucas doze veoes, Parkumm reaumo da questio, ver Hagner, “Righteousnest 110) JESU, OS EV MUS SINOTICOS F ATOS a menos que estivesse afirmando a necessidade de manter os mandamentos triviais, também os principais (conforme aparenta ser em Mr 23.23); porém, parece mais provivel que Jesus estivesse reforgando a importancia de manter toda alei, o que faz. por meio de uma linguagem retérica, isto é, hiperbélica. Em Mateus 5.6, 2 questo que se levanta é se a fome e sede de justisa é, portanto, a capacidade em se fazer o que Deus ordena — ou seja, ser 0 que Deus quer que sejamos —, ou é a justica no sentido paulino de ser aceito por Deus como ‘justificado pela f”, ou (provavelmente) um clamor por justica a ser mostrada ao oprimido (cf. Le 18.3 a respeito do tema). A versio de Mateus das bem-aventurangas esti cm geral relaci- onada is coisas que o povo de Deus faz, por oposigao as (como em Lucas) neces- sidades que sao supridas e das situagbes que sio revertidas, mas esse versiculo pode ser excesio a tal generalizagio. A viabilidade de um novo modo de vida. Os Evangelhos apontam para um cédigo radical de comportamento. O Sermo da Montanha em particular tem sido fieqientemente considerado muito pouco pritico ¢ por demais.perfeccio- nista para ser tomado seriamente, sendo até mesmo sugerido que sua fungio seria mostrar a condicio humana pecadora, em vez de apresentar um cédigo viével de comportamento. O que os Evangelhos nio parecem fazer é prometer ajuda divina para 0 modo de vida no reino, tal como encontramos no ensina~ mento de Paulo sobre a fung4o do Espirito Santo ou 0 poder da nova vida em unio com o Senhor ressuscitado. Para Mateus, a vida ¢ atividade de Jesus esta- vam estreitamente relacionadas 20 Espirito. O Espirito foi ativo em sua concep¢ao (Mt 1.18,20) e desceu sobre Jesus no batismo (Mt 3.16), conforme profetizado por Isafas (Mt 12.18). Mateus registrou que Jesus expulsou demdnios pelo poder do Espirito de Deus (Mt 12.28; Le 11.20: ‘pelo dedo de Deus” carrega ‘9 mesmo significado), o que foi confirmado pela declaragio de Jesus de que a blasfémia contra o Espitito Santo € um pecado imperdoavel, num contexto em que se negwa que suas realizagées-procedessem do poder do Expirito (Mt 12.31-32). Mas, além da promessa do batismo com Espirito Santo ¢ com fogo (Mt 3.11), e de que o Espirito do Pai ajudaria os discipulos em tempos de perseguicao (Mr 10.20), nao hi nada sobre qualquer tipo de vida sob o poder do Espirito. (O que de fato temos, porém, é a promessa de Jesus de estar com os seus discipu- Jos (Mt 18.20; 28.20; ef. Mt 1.23), a qual envolve uma orientagao para a igreja ¢ a possibilidade do companheirismo na tarefa missionéria ¢ do discipulado. Na promessa estaria implicita a possibilidade de se viver de acordo com os designios de Jesus. © Enguanto Mateus relata 2 promessa de Jesus de que Deus dard “boas coisas” aos que the peditere,« Lucas mgietr que Dest dart o Repirito Santo (Me 7.11 ¢ Le 11.13), exiete so menos « ppossibildade de que Mateus tenka removido uma referéncia oxiginal ao Espirito Santo, CE Max “Tumes, Power from on High: The Spirit in Israels Restoration and Witnes: in Luke-Acts (Sheffield Sheffield Acodemic Press, 1996), p. 340, sobre a possibilidade de que o texto de Lucas trags “Espitito bom". © EVANGELHO DE MATEUS ttt} Oreino do céu. © ensino de Jesus sobre o reino do céu enfoca ajustiga, 00.0 comporamento desejado pot Deus, que seus participantes deveriam demonstrat. que suscita 2 questio se Mateus considera um reino futuro, que send adentrado pelos que forem qualificados, ou uni reino presente, no qual seus participantes se comportam da forma ordenada por Devs. Para Mateus, o reino é'incontestavel- mente futuro: no sentido de-que as'pessoas entrario nele no porvit. Ao mesmo tempo, ele esté potencialmente.em agio'ow-potencialmente préximo ao tempo presente, e-cresce como uma érvore ow age como fermentoyas pessoas podem ser “as pessoas do reino” aqui e agora. Seria possivel initerpretar o discipulado como signifieando que os segquidores’de Jetus & os obedientes ao seu ensinamento sio discfpulos'e num momento faturo entrario’ no reine — o que seria muis adequado do que igualar 0 genuino discipuladacde Jesus:a-presensa do reino aqui ¢ agora. Provavelmente a evidéncia:decitiva estejeem Mateus 23.13, que se refere dlara- mente 4 entrada no reino no tempo presente: Devemos nos ajustar com a reali- dade presente ¢ a esperanga futureno rcino, como um estado no qual as pessoas podem estat. ODeusdo reino, A partic do conctito de eino do céu, & uum passo natural considerir o lugar de Deus no Evangelho. Deus € 0 personagem mais freqiiente- mente negligenciado nos éatudos teoldgicos do wr.Isso nfio € surpresa, conside- rando-seo fato de que. principal propésito dow é expressar a revelacio missionéria de Deus em Cristo, como risco-de a énfase recairino agente da revelagio em vee de na pessoa revelada. Na verdade, Mateus fz referencia ao reino como o reino do Filho do homem (IM 13.41; of. aestreita ligagto-entre 0 Filho do homem como rei eo reino em Mt 25.31,34). Logo em seguida, ele prossegue com uma referén- cia 0 “reino de'setr Pai” (Mr 13.43); mior ha evidentemente qualquer conflito entre asduas expresses. Archibald M. Hunter indicou ‘nitidamente 0 ponto essencial com a ex- pressio “o Reino Reino é um Pai”, mostrando que € na nova relasio dos disci- pulos com Jesus que Deus é vivenciado camo o Pai que cuida das caréncias deles (Me 6.25-34). Essa caracterizacio de Deus nio.é, de qualquer maneira, des- conhecida no Antigo Testamento e n0 judaismo, mas foi somente com o ensino de Jesus qué ela ee tornou dominante a tal ponto que 0s autores do NF (como Paulo) puderam asstumi-la como modo normal de compreender Deus. O Evan- gelho de Mateus, mais-do que © de Mateos ou de Lucts, deseavolre cssa nova concepgio de Deus como.Pai., Marcos usa o termo “Deus” umas poucas quatro vezes (trés vezes Deus como o Pai de Jesus, ¢ uma vez como o Pai divino dos discipulos), Lucas 0 apresenta dezessete vezes. No entanto, Mateus o faz qua- renta € quatro vezes, em eal Deus como o Pai de Jesus, mas também Deus como 0 Pai dos discipulos. E provavel que virias das referencias devam-se a0 © Asad M Huse, relaing New Testament Talo 2d (Calis: Paeronte, 197; originalmente publicada cm 1957), p. 31-33. 112) JESUS 09 EVANGELHOS SINOTICOS E ATO fato de Mateus usar uma linguagem mais ampla do que certamente a que cons- tava em suas fontes como o modo caracteristico de Jesus falar sobre Deus. ‘Ao mesmo tempo, a relaco pessoal que Deus assume com os discipulos nao diminuem a sua grandeza (Mt 5.34-35), ¢ Mateus sublinha a sua atividade como 9 juiz que agira contra todo o mal e desobediéncia a sua vontade. Mateus de fato mantém notavelmente unidos a cleméncia ¢ a bondade de Deus € 0 seu rigido julgamento. A linguagem usada para expressar as conseqiiéncias do juizo é forte, com referéncias 20 perverso sendo langado para fora, nas trevas (Mt 8.12; 22.13; 25.30) ou no fogo eterno do Geena (Mt 5.22; 18.8-9; 25.41; cf. a imagem parabélica em Mt 3.10-12 [pregagao de Joao Batista]; 7.19; 13.40, 42, 50). Essa linguagem nao deixa de manter paralelos com os outros Evangelhos (Me 9.43,48; Le 3.9,16-17), mas nade na mesma proporcio de Mateus. Israel ea igreja. Por fim, podemos perceber agora que a vinda de Jesus constitui uma nova era na qual o reino esta em agio € 0 Messias esta presente. Os ideres hebreus eram os agentes de Deus ¢ o reino thes pertencia (Ms 21.43), no sentido em que eles possuiam a sua jurisdigao, Mas a jurisdigao thes foi retirada € entregue a um outro grupo de pessoas. Mateus fala como se houvesse apenas um reino, onde ocorre uma mudanga de pessoas a quem ele é prometido. Os lideres judeus perderam o direito, Se eles houvessem respondide positivamente ao Mes~ sias € concebivel que poderiam ter se sentado.nos tronos que governariam as doze tribos de Israel. Mas tal possibilidade nunca aconteceu. A atitude de Jesus € 0 seu ensino foram decisivos. Conforme afirma a versio de Lucas, Jesus ¢ a pedra na qual as pessoas tropecam e caem, € igualmente ele € a pedra que cai sobre as pessoas ¢ as destroi (Le 20.18). ‘As novas pessoas do reino sao certamente os discfpulos de Jesus. Apesar do fato de que Jesus veio pela ovelha perdida da casa de Israel e proibiu os seus discipulos de se dirigirem aos nio-judeus (Mt 10.5; cf. Mt 15.24), existem sinais em abundancia de que Mateus considerou a incluso dos gentios entre as novas pessoas do reino. Em Mateus 24.14 ¢ 28.19, essa idéia se apresenta clara como o cristal quando 0 texto se refere i missio dos discfpulos no futuro. Ela também esta indicada na decisio de Mateus registrar eventos que apontam para a abertura do Messias em diregao 20s gentios: a visita dos reis magos, logo no inicio do Evangelho; a profecia das multiddes vindar do oriente e do ocidente para o reino (Mt 8.11); a missiio do Servo (Mt 12.18-21, especialmente v, 21); a resposta contingente de Jesus para a muther cananéia (Mt 15.21-28); 0 julgamento entre ovelhas ¢ cabrites, separados entre os povos de “todas as nagdes” (Mt 25.31-46). Por conseguinte, a restrigao da missio de Jesus e da incumbéncia dos disefpulos em relagio aos judeus s6 pode ser entendida como um caso de prioridades, dificilmente como uma estratégia. Em "= Certamenteserinesseo caso, falando de forma pritic, 2 Jesus tivesse comesado pelos gentios, cle teria perdido toda a credibilidsde com os judens, mas é muito improvivel que tal consideree0 cestivesse nas mentes dos autores do NT. © EVANGELHO DE MATIBUS ty 113 outros lugares do Nr, alguns autores ¢htenderaiy haver uma necessidade divina na proclamagio do reino em primeiro lugar aos que haviam sido prometidos original- mente: os judeus sio “os cidadios [os fillios] do reino” (Mr 8.12), e Jesus se preo- ‘cupa com a renovagio do povo de Deus, que € entid ampliado ao ser aberto a todas as nag6es. Se houver uma ra2l0 para a inclusto das ages, ela se encontra no quadeo biblico do papel do Servo e do préprio povo de Deus sendo uma luz as nagdes. Outras evidéncias de que Mateus consideroito reino do céu como ja presente podem ser vistas no énsinamento de Jesus a respeito da igreja. Mateus usa o termo “igreja” em duas passagens. A Ultima (Mt 18.17) evidentemente se refere a um grupo limitado ¢ local de pessoas, e, num coritexto judaico, poderia ser simples- mente uma comunidade da sinagoga. Potém, para os leitores cristios a palavra significaria sem divvida uma congrégacho ctisti. Isso é especificamente desse modo, visto que tal referencia éstd positionadd depcis de Mateus 16.18, onde a lingua- gem é de uni tipo diferente. Nessa passagem, Jesus Funda uma ekklasia, a qual possui um papel césmico, rizdo pela qual as forgas da morte esto dispostas contra cla, Ela ou os seus lideres possuern a chave qye controla a entrada para o reino do ctu. Conforme Jesus afirma, a comunidade poderia ser pequena e insignificante para os padrdes humanos, mas, a luz dis paribolas do griio de mostarda ¢ do fermento, ela esti destinada’a um crescimento magnifico. Além disso, Mateus discorre sobre como as pessoai se relacionam umias com as outras dentro da comu- nidade, Como vimos, Mateus 18 preocupa-se com as rélagGes entre os discipulos ¢, especificamente, com as exortagSes pastorais para que as pessoas nio tropecem, que seria suficiente para langé-las para fora, Podé=se presumir que a igreja e os discipulos séo uma mesma entidide. Nao obstante, 0 tempo futuro pode implicar em que a igreja nao surgiria até que fosse estabelecida sob a lideranga de Pedro e dos outros apéstolos. Para Mateus, Israel encontra seu futuro na igreja, 0 povo que reconheceu a vinda do Messias. F a entidade exclusiva que continua rumo ao futuro; no pode haver lugar para uma outra igreja, a qual serd resistente as investidas do Inferno. A posigzo.dos doze em seus tronos como os juizes de Israel indica que a atual lide- ranga judsica teve retirado 0 seu dominio sobre o reino. Isso nio significa a inexis~ téncia de futuro para os judeus no reino ou que a missio da igreja sirva somente aos gentios. A igreja, ou o novo Israel, compreende crentes judeus e gentios; a missto dos discfpulos € para todas as nagdes, o que inclui a naco judaica, Como Donald A. Hagner expe: “A igreja nio toma o lugar de Israel, antes Israel encon- tra sua verdadeira identidade na igreja”® Em Marcas 13.38, amesma fase éusadh par aqueles que responidem 20 cosinamento de Jus. Donald A. Hagnes, NDBT, p. 264. Aqui, como em outro ligarno Nr, no é uma questio de soplantagao, como sea grea substituise Israel eas promessas de Deus a Israel io fossem mais vidas. ‘Ao contrério, Deus renovon a eua alianga com 0 seu povo; 08 elementos da renovagio incluem 0 fato de que o Messias agora veio'e, entio, a rceitgdo da alianga demand: a aceitagho do Messi, ¢ a abertura da bianca inclu os gentios que aceitarem o Messias. 14 IFSUS. OS FYANGFI HOS SINGTICOS F ATOS CONCLUSAO, A teologia de Mateus, portanto, interessa-se intensamente em estabelecer a rela- so de Jesus e a igreja com o judafsmo. O seu Evangelho fornece um fundamento fa missio € no ensinamento de Jesus para uma igreja composta por judeus ¢ ggentios, chamads para ums missio a todas as nacées, inclusive aos judeus, e cons- ciente de si mesma como herdeira das promescas graciosas de Deus 20 seu povo as Escrituras. O que Mateus tem em mente ¢ provavelmente um piblico forte- mente jidaico-cristao, ¢ 0 sex Evangelho indica vigorosamente que a lei dada por Moisés ainda é valida no sentido que fo: tomada por Jesus ¢ incorporada ao seu novo ensinamento. Desse modo, parsdoxalmente, « Ici continua sendo vilida, mas aperas no novo formato que foi énsinado por Jesus. Ao término da nossa discussio de Marcos, nés nos empeahamos em caracte~ tizar a sua teologia, analisando-a em termos da sua estrutura, tema central € produgio detalhada do tema. © que ocorre quando tentamos o mesmo exercicio para Mateus? A estrutura de pensamento em Mateus parece set éssencialmente igual aquela em Marcos, mas Mateis est mais evidenteriente voltado para os judeus. O tema principal de Mateus é 0 ensino de Jesus como antincio da vinda do reino do céu, 0 que requer um novo modo de vida de seus membros, aprendido pela rejeicao da falsa religiao e sua substituigan por uma obediéncia radical lei de Deus, expressa em amor e compaixio. ‘Analisando isso com mais detalhe ¢ comparando-o implicitamente com a apresentagio de Marcos, temos os seguintes clementos significativos: 1, Mateus destaca 0 modo pelo qual Jesus viu 0 povo na sua condigo precé- sia e responsabilizou os lideres religiosos pelo fracasso do povoem seguir & {que eles ensinavam. 2, Jesus demonstrou a presenga da diregio de Deus através de seus atos poderosos de cura e compaixio. Mateus compreendeu o cariter de Deus em termos de paternidade para aqueles que respondam as boas novas do reino do céu. . © papel de Jesus € visto como uma combinagdo de Mesiias e Filho de Deus em virtude do seu nascimento, mas ele também representa um novo Moisés, ensinando com autoridade @ lei de Deus ao povo, ¢ 0 humilde, mas poderoso, Servo do Senhor. Jesus é visto como mediando a presenga de Deus para as pessoas, ao permanecer espiritualmente presente entre todos os scus seguidores (presumivelmente esta é uma promessa para o periodo pés-ressurreigio). Into suscita aquestio se Mateus viu maneieis diferentes de cumprimento pelos ristios judeus «pelos cristios gentios. VANGELHO DE MATFUS 15) 4. Jesus reine seus seguidores e pretende levantar uma ek&/ésia fundada pelos seus primeiros discipulos. Ele antecipa o desenvolvimento da vida em comunidade entre eles. 5. O Evangelho prenuncia uma missio continua para converter os gentios em seguidores de Jesus, embora ele tendesse a restringir a sua atividade e a dos seus seguidores na terra & populacdo judaica. No entanto, Jesus decla- rou que a lideranga do povo de Deus seria tomada de seus atuais lideres judeus, acreditando ainda que os judeus continuariam tendo o seu lugar ‘no novo povo de Deus. 6. A compreensio da vontade de Deus como amor é intensificada pela inclusao dos inimigos como os proprios objetos de amor. Existe ainda uma énfase quanto a necessidade da verdadeira justiga, em vez da de- vosio vazia. 7. A morte de Jesus € vista como sacrificial ¢ redentora, levando uo perdi dos pecados por Deus. 8. Eenfatizada 2 realidade do julgamento final de Deus, levado a termo pelo Filho do homem e resultando na felicidade ou condenacio eternas. Um ‘esumo to sucinto quanto este corre o risco de cair na caricatura, Nao obstante, deve bastar para mostrar a forma como a teologia de Mateus essencial- mente incorpora a de Marcos, embora vi significativamente além dela.

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