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Na primeica parte tratamos de todo um novelo de problemas wntrclagados. Puxamos dois deles para fora do novelo: exi gem tratamento & parte, Um & 0 problema da “paralisagio do tempo”, pois a paralsagio co tempo ¢ a condigho da *heleza du obra kalkiana, O outro é0 problema dainversio de culpae punigio”, pois esta contém in nuce su eatin e teologia da mo. ral. Por convengio, seria possvel dato ttulo de "Kafka coma artista” "Kafka como homo re sxplanagies Mas antes de atacarmos essas uas tars ai a é preciso reali um trabalho présio: elucidagao do mecanisma do sim bolo eda alegoria em Kafka, Coma cle funciona? Que motor 6 propele? Que tipo de transiisef tract coisas “deste” mundo para as coisas do "seu" mundo? Ou, talver,aqullo que Kaka fz ‘seja um processo sui generis que no pode sev apreendido com ‘expresses usais coma *simboliagio" ou “alegorizaySo"? Hiaviamos comegado com a tes: as “desfiguragies” em sua ‘obra objetivam « promovem o conhcimenta, Sozinha, esta tese £ insuRicente, Mesmo quando sabemas que, para revel sous segredos, a natureea¢ forgada pelos modelos experimen: tals, ela permanece fechada para ne enguanto nia devassa mos 08 priprios modelos. Temos, por isso, que expar de smaneira se completa a transmissio do mundo real para @ de Katka, segundo qual prinelpio Kafka “radu” (© legorita pie em movimento seu mceanismo conven ional (colégion, mitoligica ow do género) de traduyiv 20 substituirconceitos por tmagins, © simbolista a parte pelo todo (partem pro rota), ato &, fsx: urn abjeto rspre~ sentar 0 outro, porque este, ao que se supe, é da mesma subs tncia que o outro, Kafka no faz nem ma coisa nem outs © que ele traduz em imagens ndo so conceitas, mar situa Mas, por ser (como &)“solacionst’ jo pode tambin ofe roccr“ximbolos” no sentido usual, pots “simbolas” 96 pore em pregar aguele para quem oy, aligasio com uma base (divine ‘ou terrena), é natural. 0 fato de que a maior parte dos intée- pretes, por avcrsio 30 “racionalismo fri da alegora, tenha se decidido por Kafka como “simbolst”, trai unieamente a preferincia superficial pela *profndidade”, mas no a eapaci- dade de produzir uma nova chave para um novo fendmeno ( aprosa de Kafka & um fenémeno novo), (© ponto de partida de Kafka np é uma erenca comum, dda qual nasgam os simbolos, mas apenas a Linguagem conn, pois era fice & disposigio dele — lle, o rejeitado — em uplitude ¢ profunddade, Fla 6 inextorquivel, Ele « parilha com o inimigo cortejado: 0 mundo, Mais ainda ele lke mo cero preesitente da inggem, do seu er de agen, Toma ao pda letra as palayras retafricas Exeimplos: «Acs olhos do mundo respeltivele“capaz", Gregor Sams um “inseto suo, porque quer viver como artista {isto & como um "er aireo") entio ele acorda, na Metamorfose, trans formado num inscto que gosta de grudarno teto da quart. “Para mim, tanto faz quem sio voo’s”, diz-se das pes soas com quem nada se tem aver: logo, Kaka introcke, como Judantes indefectiveis de K. em sua estada na aldeia, dos auxiliaes” ce apartncia absolutamente igual, gue ele, apesar de seus nontes individeais, chama por um dinico nome. 3. "Exper mentar algo na prpria carne", dir a linguagem, quando quer exprimirarealidade da experiéncia: esta a base para Ne colina penal, de Kafka, ma qual a pena € comunicada 0 criminoso nip verbalimente, mas por uma agulha que risca «erm seu corpo. 44: "Viver sob os alhares de-mtmdoé como lingea chama 2 eargncia de vids privads, Porta, a vida privada de K., em 0 cestlo, decorte tuum Iugar que, na realidade, & a casa de outras pessoas; alii, nfo re wata nem mesmo de uma casa particular F suas inimidades com Prieda sio comentadas pe- Tos outros moradores ‘Mas estes exemplos ainda slo insfilentes, pois € 2 pré prla ling {quotidiana que, mexmno nos seus estikagos tos, condste em metiforas.A tose microscdpicos, ea al sor exemplo, “embsi tue", & proprio um sentido originariamente espacial; e muitas as preposigdes, como, com", “en das mas inslitas constelagiex nos romances klkianostornam- se compreensivels de imeslato quando se tem em mente que Katka ressuscitou exte sentido imagético soterrado, Esse “tomar-20-pé-da-le a inguagem, porém, & ‘outra vez embora num sentido que causa estranheza — um rétodo da empiria, A vida que o homem vive no & nenhum foetus brurum pré-lingistico, mas um fato jéinterpretado Tingiistcamente por ele. Quads © homem diz que vai “afundar de vergonhs", que “ests caida por alguém” ox quc pose “edificar-se com uma cangia”, cle proforit, com isto algo essencial sobre a realidade humana, O-que Kafka far nio conste em outra coisa senko submeter a um golpe de Ic cessat vordadciras imagens verbais, Nenbuma de suas imagens, por mais absurda, parece gratuita: cada uma esté fundada num pronunclamento imagétin que a homens, antes dele, jt fizcra sobre si mesmo, wm Jss0 sth asvnalada a diferenca fundamental en tre simbolismo e alegoria, de um lado, ©10 método kafkino, de outro. Katka nio vive mais num mando com © qual par vil bolas « alegorias em que se acredita, como, talvez, Bunyan. Mas resguarda-se, também, de imaginar a hibtum ges alegéricas, como Nietzsche e Wagne eriadores desesperados de mitologiasprivads. Imagens: assume-ss, Ele pe sob o microscépio 0 que bi de sensorial nests imagens ~ © vejam, a metifora mostra deta Ihes to colossas que, dai em diante, a desergdo adquire algo ste yavorosa realidade, © pormenor prova, entio, outra ver, a svedibilidade da imagem, em nome da qua a linguagem assu ade wiv primeira responsabil As imagens de Kelka sZo, portanto, tudo, menos misterioss. Mas —e nisto rusk 0 verdadeiro motivo da obscuridade — 38 rmetiforas, com inuita feqincla,obscurecern mas ds outta, Lau metifora pode ser transformad em uma imagem. Existern, dle fato, numerosas pesas curtas de Katka que sio *monolites| rnctalbricos”.. pegas que podem consstir de um minimo de frase ~ € que, com iso, vio de encontro a simultaneade dos lementos imagéticos na imagem. "Na galeria” tem pouco mais ‘de wma pagina: consiste em apenas dus frases widas Mas, assim que virias metiforas precisam ser 0 nfo se pode cultivar um romance no sao ee wna tnia ima gem — corre colisbes © compresses de metiforas que obs turecem 2 compreentio, No Castel, por exemplo, sucede a K.,forastero, que ele — uma ver que no pertence a lugar rnenhum e nfo aprendeu nada de til — precita ir outra vex" cexcol", Kafka aoja-n, portant, na escola, Mas acontecem The muita outras coise, que nada tém a ver com a metifors da excola, Sua mulher, Frieda, nfo teria absolutamente que it 4 escola” — mesmo que se tratase apenas de metiforas pois aduliac faz parte da aldeia, a0 passo que K. € umn estranko, Mas, visto que a methlora colocow K, no prédio da escola, © «que sua mulher © acompanh, Kafka tem de alia, da mesma -mancira, cons megfricamente, no prédio da escl Macaulay j huvia apontad, em suas observagies sobre Bunyan, que as metéforas de Bunyan sio magnifica, mas se cextorvam umas ds outras, Muitas vezestambéun so flea Jato, 20 leitor de Kafka, se cle esti apenas dante de uma metifora Life ou de ura colisio de metioras. De qualquer modo, & pouco urpreendente o fato de que os romances de Kalk a stingom, com seus entrelagamentos de metiforas, 2 plenitude de suas fibulas monoliticas Mas o entrelagamento de metiforas nio ¢ a tines dif evldade com que a intexpretagio se defronta, Pols bi, tam bm, historias curtas, monolitias, que na si decifrvets sem ralores problemas, porque muita esto fechadss com virias chaves a0 mesmo tempo, Mesmo quand temos todas a8 cha- ‘es na mo, pode acontover que a porta nfo te abra ~ porque rio soins capares de usar todas a4 chaves a0 mesmo tempo. Acontece com freqiéncia, sobretude nos romances,» gue se Alenomina, em misica,“confsio enarmdnies"; no decurea da histéria, um objeto ou personagem que deve sua vida a uma Alterminads metifora, assume outro matic metalbrico: de certo modo, 0 ee se transforma, de repente, ein ino. Mis, uma vee que, apesar disso, pessoa ou o abjeto mnatém, pela histéria tod amma certa identidade comsigo mesma, seu "ig nifieado global” se torna incompreensivel. O significado global, pordu, consists, com freqiénela, no fato da bilateraidade ox ambigiidade,A amoigiidade, alii, ¢ uma das princpais expe slncias da vida kafKana, pois o mundo, para ele, é, continua cate, objeto de pavor e de alciamento, Eremplo dea ambigitdade: a8 instancias judicial, no vo mance proceso, representam duas coisas: por um lada, 08 obres", caja exsténcia tornaa propria existéncia uma “culpa” No 6 por acaso que os aposentos judicials se encontrar na smansatda da rua dos pobres ~a bem dizer, em cada casa de por Inve, Mas, por outro lado, muitos merabros do “mundo”, pos tanto, da classe dominante —¢ justo aqucles que consideram » consciéncia scial de K, uma vergonba — conservam o mais tstreito contato com esse tribunal, Essa duplicdade sé pode ser esclarecida por Kalka ter experimentado uma consciéncla pesada em duas diresSe: ia x sentia como culpa ofato de ‘nfo pertencer aos totalmente prejudicados, como também, 30 tmestn parte da “manda” — ou se, 0 smpo, 0 de nio fax Into de ser un “incapar”. Nunca conseguiu traralimpo essa ambigiidade da consciéncia eno & exagero quando se diz que a metifora do“slto” tribunal etconde o eariter vago de sua poricio moral ¢transfigura sua indecisio em paradoxo. 0s FERSONAGENS DE KAFKA SKO SKo MAIS ABSYRATOS Portanto, Kafka no é alegorsta, Mas seus personagens nfo sio abstragdes? Nao so irmios daguclas virtues e vicios fax Tantes que Bunyen fez subir ao paleo? Nao é Kaka tio dil de se entender porque estende diante de nés seu instrumentério metafbrico privado e cunido caso a cago a hos, 90 passa que Bunyan pOile assumir 0 seu do mundo alegérico familiar rwologia cristi? (Os personagens de Kalla so abstragies? io, eles no slo abstragsies humanizadas; representa antes, sores hurmanos abstratos, Entendemos, aqui, a paavr “abstrato” no seu sentido originio, tomado de abt there: as pessoas que Kala faz entrarem em cena so arrncades da ple nitude da existéncia humana, Muitas, de fato, nfo sia outra io Fangiis: umm homer & mensageiroe nada mais que 02 relagio” e nada mais que iso. ‘Mas este “nada mais que iss” nfo & uma invengio katana: tem seu modelo na realidade moderna, na qual o homes age sé em sua fungio expecta, na qual ele“ sua profissdo, na qual a divisio do trabalho o tornou mero papel eapecilisdo,” Ao passo que os romances realists médios fizeram pouce ase deste fatoe muitas veves se deletaram em apresentaro eaneda act forma que as fangs profissionats das pessoas ficassem invisiveis ~ portanto, ao passo que falscavam 2 realidade atra 63 da desergSo “dos homens plenos « completos" Kaka é, com sua introduco de marionetes, o realists mals vedateiro Hoje em dia, essa sus funcionaliarse de personagens roma rnescos tom um sentide francamente profética, pois agora o Alesenvolvimento atingiv aquele climax horrpilante no qual 7 dade ~ sendo, portanto, considerado nulo e aniquilivel. Nos quem no tem fungio definida nfo é mais digno de terre campor de exterminio perecer aqueles a quom mio se quis ‘ou nose péideatribuir uma Fungo dein, Numerosos romances do séelo xnx deixaram impicito, sw csconderem ¢ minimizarem as profises (ou a0 apresenta rem como “herd” esse homer plen que ¢ o“artita"), que @ sor hamano ‘propriamente dito” era o homen fora de soa pro liso, Kafka pactua t30 pouco essa fraud, que, ao contrivio, spresenta.a profissio como a forma exclusiva de existéncia do homern, faz que ele aja engolido por sua profisia, Com isso, tum cariter tio absoluto que «»conceita de “profesor tar lembranga 0 conceit rligioso da rcato, East se ma hifesta uma semelhange gritante entre a imagem calvinista ea imagem kafkians do homem ~ semelhanga a que voltaremos mais tarde, O que o homem é “autenticamente” —a pergunta «que flosoiaexistencaleoloca, desesperada, Kafka nio a faz nem respond uma vex que a profisio no permite, em abso- luo, que essa “autenticidade” venha & tona, Inpeator somnions ‘mperator: até dormindo o imperador & imperadar, Esa identi ficagio de homem ¢ profisso, que © mumdo mederno trouxe consigo, Kafka torna plena ¢visivel inventand profisdes aby surdas, que faze 0 absurd da identdade de honver e profs #9 fear claro de modo mais visivel do que aquelss profisdes {quotidianas, diante das quais ndo nos espantansos mais com ‘a questio da identidade. Ji no trabalho do Kafka de 25 anos, "Conversa com aquele que or minha vida & ser olhado pelos outros". A profisio absurda re- dia este que“o objetivo de vela, aqui, o absurd da profisio.em goral “Pui empregado como espancador; portanto espanco", declaa, em O proceso, um homem que é foegado, por culpa snvoluntirs de K., 2 hater em dots funciondrios sem parar. Hi tum quarto de seulo, quando Kalla crion esse personagem, cle foi considersdo como umn boneco inventade por tm sidico; a psicanilise logo aplicou-se a esta © a outrascriages semelhan os da obra de Katka, E mesmo o letor nio-analiticojulgow-as “intencionais", porgue n porque, sem 0 menor indicio de conscitnca, nfo agiam mais ro sentido genio do terma, mas apenas obedectam.* Hoje, ram outra cota sno “fangs” © a resposta do espancador se apresenta a0 Teitor sob urna Tuz totalmente divers: 6 intica dquelasrespostas que os fanci- nirios das expos de exterminioslemaes deram em juiza. Ea resposta do despojado-de-poder, do sem-responsbiidade, que no €responsivel porque no Ie deram responssbiliade alguma, mm sua: a resposta daquele que na verdad aio vive, mas & ivido" por a Seo homem no ¢ nada a nio ser sua “profisio", se sua existéncia se etgota no papel em que ele é entendido, entio cle mesmo no & nada, realmente nada, mas sim, de certo modo, apenas a duplicats da certidSo que corre em seu nome: Em comparagie com esse doc trativa), 0 individu (*Lhomme attaché & sa carte d'dantité” ow snto (de realdade adminis ‘© homem ligado a sua cartcira de identidade", como, quinze anos depois, formuilou um autor francés), ¢ tio sem valor guanto 0 é no manda platénico, © “fendemeno” comparado adi igial, Esse “platonismo buroerstien” nfo & nada ‘menos que uma farsa afkiana: o homer que no tives ace ‘ido original com 2 qual ele coincidisse no valia “para mada", rio existia como cldadio ~ ¢ isto a historia confirmou, da mesma forma que quem esta “empregado come espancador” ve ato espancava, Nesses t3908, Kafka firma se efetivamente ‘ome vealist protien, ‘Mas no 6 apenis 0 desespero que fiz Kafka apresentar ‘» homem como mero funcionirio. E, ao mesmo tempo, in vj ¢ ansco, Pois, vistos da perspectiva da total flea de fun 30 do herdi K, — ou seja, de si mesmo ~, agueles que tém tama funsio definida no raundo, aqueles dos quais se espersm | Fungiesdefinidas © que se identificam com essa FonsSo, spare cdam-Jhe como homes reas, homens adultos. De fato, aquele que tem uma profisdo di de s mesmo; Yeu soe arqutelo” ou 14 hospedeiro”. Portanto, 3 sua volta os homens ao an ddam como conccitas alegéricos, mas como homens, para o8 quis ser outra coisa que no seja aquilo que sia interes to potico panto interessaria ama mesa um dia sr uta cai, Como im sor absolutamente mulkivoco do ponta de vista so lal, Kafka amava a univocidade mais estrita, E quando iden tficavao homem & sta profsso, era porque sso para ele no constitula apenas uma descrigi, mas também um sonho de realizagia de desejo, © entrelagamento ov colisio de metaforns abscureee, fre aqientemente, o sentido das historias kafkianas — 3s veres| heya mesinaa ilu seu sent, ca mesma mancis que wns Imagem composta de vérias plas com indicagies de direybes aniqullaria, como um todo, 0 sentido de seus elementos e des. tituiria a si mesma de sentido, « despeito da profusdo de sen tidos isolados ‘Mas existe uma outta cause para a inintel inexplicabilidade dos processos kafkianos: a circunstincia de que a maior parte dos seres de Kafka nunca sabem na in néncia do que esto, fundamentalmente, se acham diante de situagécs Imposstres de julgar; de que o priprio Katks nfo 4k pela sitnago em que eles estio ¢ parece saber pouco mais {que seus préprios personagens ~ um trago extremamente cstranho: pois é normal que o autor, diante de suas criagBes, desempenhe a onisciéncia ¢ 4 providéncis, Qutra causa para a incxplicabilidade dos processos kakianos é portanto, o a ao de Kafka, ¢ a causa do seu agnosticism (e do de seus seres) &a fia de diets. Na qualidade de pessoas sem direitos, snlvuma delas merece ser informadasenenhuma & apesar da panburocratsina reinante, digna de ter noticia do sew préprio estatuto civil. O Sno se pode saber” repos no *nlo se tem nenhuma reivindicagio a0 eonhecimento”. 0 agnoticieme de Kejha £ um forbeno peliico Ninguém sabe quem ele &? Isso nfo contraria a firma ‘0, defendida hi pouc, de que os sees kalkanos cram absor vilos por sua profisio" e tatu, ¢ nfo cram nada ano ser sua profissio? Dificl dizer. © mesino vale para © quanto elas porventura se contradigam no Estado facista. A infimia do mundo kalkiano consiste, pelo contriro, justo no fato de que, ‘mbora cada qual seja apenas “funcionsrio" do mundo, nin guém goca do dreito de descobrir 0 papel que desempenha no todo oficial. Quem é “percebido" apenas como chance ou isi nfo tem, pessoalmente, acesso & xerdade; vive, portanto, somo agnésticn 4 fola de Mbendade eo agnonicimo so apenas ones de um dnc fndmeno Se ninguém sabe « quantas anda, com 0 que pode con tar, a quem deve alguma coisa, do que poderia ser suspelto, oF @ {quanto tempo, se & acusado, se é tolerado ¢, em caso afrmativo, por até que porto vai a competéncla da autoridade ~ ento aquels energla ainda to viva xe transforma ce fra tterpretativedesmedia eininterrupta. Nao existe, a nenhum fendmeno, por m: passagero, que mio suite a pergunta: 0 que significa? O fu fatimo, nenhur gesto, par mais ror interprefativo que ele provoca&, pols, o estigma de quem foi despojado de poderes, daquele que ~ para fazer uma vat {0 om toro de uma afrmagio elisica ~ prec ioterpeetor 0 mundo, porgueoutres 0 adniniem « modfcam. ‘No entanto, o frorinerpretativo € mais que so. £20 mesmo tempo, + chance poética de Kafka, Poi interpretar projeta posibilidades eirvcalidades. Do menor trampotim da reaidadessltars oF personagens kafkianos para 0s hori zontes amplos ¢ entrclagados dos ses" e das subjuntivos, € “se firia interpretativa torna-se fantasia log ca.A pega "Na galeria” comesa com um “se” assim; o subjuntive, fio da inseguranca, tcrna-se soberano e arroja-se gloriosamente 10 ‘oka da granule poesia, (0 texto em prosa “O sibite pasecio® (em Comempla), por exemplo, que consite numa dnica ¢ mens frase, & “introdaido” por uma sentenca condicionsl de 24 fnhas. Com vistas preciso, essa frase se desintegra outra vez em nove Frases condicionals ligedas por coordenasao, que por sua vez se desbram de novo. O volume da ara principal aesses“ses"& pelo contririo, pouce cansiderivel, Esa discrepaincia entre a Yconsiderabilidacle” do que foi levado em consideragio e a “ndo-considersbiidale” do real & caracterfstca da situagio daquele que ests condenado a viver possibilidades; daquele que, alés, pode levar em considera io suas possbildades, mas nie tem autoridade para decklir sobre elas. Através dessa falta de liberdade, porém, as “moras possibilidades” perdem a earacterstcas ~ que de regra cs ~ de cfemeridade e fragile; livre vontade de coneretiar ou lini possibilidades estéparalisads; com isto, a6 eventualdades sobrepsiram, coagulam-se no ar e per= imitem (mals: exigem) que samy fartamente descritas como se Fosem coisas rigidas. 4 minto das nes condiconas de Kafka mento decisvo da sintae do n-liberdade, na qual, em iltima semboca toda a pros Sim, tolaa obra de Kafka deixa em aberto até que ponto dove ser entendida no indicative © até que ponto no subjun tivo: "Se 0 mundo significa isto", patoce querer dizer, seria preciso fazer isto ou aquilo, isto © aqui teriam estas ou aquelas conseqiéacias; se 0 mundo significa aquela coisa, eu teria que fazer aquile ¢ isto, por $08 Yer, teria outras conse iiéncias”. As conseqiiéncias sempre evoluern, ais, com mior tal conclusividde; mas, para ele mesmo, & sempre incerto se vas se fundam num pressuposto vélido. Sucede, assim, que ‘le com freqieia fiz subsistirem, umas ao lado das ontras, sem poder apontar pessoal ‘tuas ou até mesmo vas posi nte; e, desse modo, mente qual delas ele de fato tem em nividade, de resta como "verdadlta" apenas a préprta incon aque ele com certeza se censura, no plaso moral, como “he: sitaglo", ou que ele, religiosamente, respeta com humildade, tomo alguém que “no €julgado digno da verdade", A mul tiplcidade das posipdes que existem justapostas (o exemplo ‘mais nftido: a cena da condenagio na catedral, em 0 proceso) ‘opera entio, é daro, como uma verdade de muitas camadas insondiveis, E, embora Kafka certamente pucesse, de ver em ‘quando fear Feliz porno precisa ser profundo, fo} obrigid | ‘fazer, constantemente, da necessidade de multipicidade, a virtude duvidoss da“profundidade” Quandono Castelo se dz que cada pass seri protocolado, mas que esses protocolos nunca sero lidos, © que o fato de nunca serem lidos tem um sentide profundo ~ essa descrigio horipilant de eed tape mio € apenas ironia, Isso no quer di yet apenas que a conseigneia em verdade registra tudo, mas aque as instincias divinas no se importar ~ ou sea, que 0 que & moral fies sem conseqiiéncias; a oma da prontido de Kafka para o paradaxo, de sua procura no sentido de nmudar coisas negativas em outras posttivas do onto de visa neligioso eto ¢ sintoma de sua dsposigao para reconhecer, mi grandeza impiedosa e ma impenetrabilidade do poder, o testemunho do sentido, da mesma forroa que Jé por fim reconbece o direto de Deus porque Ele eriow animats tio ntescos como os hipopétamos e os crocodilos, Como se Bi lisse, nem mesmo Kafka poderia responder até que ponto ele de fato sabe onde acaba o indicaiva e comesa 0 subjuntiv. AA impossibilidade de dar resposta a essa pergunta torna-o, despeito ds plenitude de suas intuiges, un autor flosiieae moralmente inutlzével. Nao fol por acaso que ele — que sem

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