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A UM MORTO NA NDIA

Carlos Drummond de Andrade

Meu caro Santa Rosa, que cenrio


diferente de quantos compuseste,
a teu fim reservou a sorte vria,
unindo Paraba e ndias de leste!

Tudo teatro, suspeito que me dizes,


ou sonhas? ou sorris? e teu cigarro
vai compondo um desenho, entre indivisos
traos de morte e vida e amor e barro.

Amavas tanto o amor que as musas todas


ao celebrar-te (so mulheres) choram,
e no pressentem que um de teus engodos
no morrer, se as parcas te devoram.

Retifico: so simples tecedeiras,


so mulheres do povo. E teu destino,
uma tapearia onde as surpresas
de linha e cor renovam seu ensino.

Que retrato de ti legas ao mundo?


Se so tantos retratos, repartidos
na verlainiana mscara, profunda
mina de inteleces e de sentidos?

Meus livros so teus livros, nessa rubra


capa com que os vestiste, e que entrelaa
um desespero aberto ao sol de outubro
area flor das letras, ritmo e graa.

Os negros, nos murais, cumprem o rito


litrgico do samba: esto contando
a alegria das formas, trismegisto
princpio de arte, a um teu aceno brando.

Essa alegria de criar, que tua


explanao maior e mais tocante,
fica girando no ar, enquanto avulta,
em sensao de perda, teu semblante.

Corts amigo, a fala baixa, o manso


modo de conviver, e a dura crtica,
e o mais de ti que em fantasia dana,
pois a face do artista sempre mtica,

em movimento rpido se fecha


na rosa de teu nome, claro vu,
Toms Santa Rosa... E em Nova Delhi,
o convite de Deus: pintar o cu.

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