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stu de Sociologia, Rev. do Progr. de Pbe-Craduaeo em Socilogia da UFPE, «13, 2. 9.297211 SIMMEL, Georg. Questées findamentais da sociologia: individuo e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2006. 118 péginas, Jacira Franga Georg Simmel (1858-1918) foi um dos influenciadores da Escola de Chicago ¢ dy Iuteracivnisiiy Simbolivy, Ein seus esciitus dialuga vom autures como Kant, principalmente no quesse refere ao ncokantismo, Goethe ¢ Nietzsche. Suas principais obras so: Sobre a diferenciagio social (1890); Introdugao @ cléncia da ética (1892-93); A filosofia do dinkeiro (1900) € Sociologia: investigado sobre formas de sociagio (1908). Com relagéo a Questdes fundamentais da sociologia (1917), aprescnta-sc como a primeira obra de Simmel a ser publicada de forma integral no Brasil, que a maior parte de seus ‘rabalhos foi traduzidaem fragments. presente livro, como o proprio titulo indica, trata do campo sociokigico ‘partir da relagao individuo/sociedade. E dividido em quatro capitulos.' Oprimeiro ~ Ombito da sociologia — 6 sem ditvida o que guia.as idéias desenvolvidas no decorrer da obra. Inicia-se com a constatagao de que nao ha um conjunto de problemas singulares no campo da sociologia. Esta “ciéncia da sociedade” (SIMMEL, 2006, p. 9) trabalha com uma articulacdo precéria entre esses diversos problemas, até mesmo o conceito de sociedade, que podenta servir de elo entre: ‘osmesmos, ndo desempenha esta fungio. [Uma das razes para queisto acontega é que o coneeito de sociedade, de um lado, é minimizado ¢ individuo é tido como algo conereto eobjeto central da anilise; o que existe de fato sio os individuos, a sociedade é, nesta perspectiva, ‘uma abstracio. Por outro lado, este conceito se toma abrangente demais e no consegue estabelecer o que Simmel denomina de uma “regiao cientifica’”, pois, acredita-se que tudo & determinado pela sociedade. Para autor, nem a sociedsde "Na versio traduzida para o portugués,o livro foi dividido em subt6picos, o que no se dé na versio original. Para a presente resenha, serio considerados apenas os capitulos, de maneiraampla. 207 Jira renga determina tudo ¢ nem sto os individuos as unidades tltimas a serem estudadas, Além disso, a propria idéia de individuo é, também. uma abstracio. Tal postura leva a trés idéias fundamentais: ade distdincia, ade sociagdo ¢ a dos principais problemas da sociologia. 0 conhecimento deve ser ‘compreendido no émbito de um complexo de fendmenos onde os virios objetos de andlise podem ser vistos por diversos ingulos. Eis, entio, a concepyio de disténcia. A possagem a seguir sintetiza a posigao simmeliana: Somente Os propositos especificos do conhecimento decidem se a realidade imediatamente manifestada ou vivida deve ser investigada em um sujeito individual ou coletivo. Ambas so igualmente ‘pontos de vista’ que no se relacionam entre si como realidade ¢ abstracao, mas sim como modos de nossa observacZo, ambos distantes da ‘realidade’ — da realidade que, como tal, ndo pode de qualquer maneira ser da ciéncie, e que somente por intermédio de tais categorias assume a forma de conhecimento, (SIMMEL, 2006, p. 15). As diferengas de perspectivas sio decorrentes dos varios propésitos do conhecimento que esti ligados as diferentes posigdes distanciais do objeto. E, diante desies diferentes anulus, ¢ possivel considerar que a existéncia humana se realiza nos individuos sem reduzir o papel da sociedade. Parafraseando Simmel, a sociedade é elgo que os individues fazem ¢ sofrem. So os lagos de associagio feitos, destitos erefeitos de maneira fluidica que compdem a sociagéo. A sociedade seria 0 envoltério ea sociagao se constituirianas interagdes, nos movimentos de idas e vindas das relagSes sociais. O campo e 0 método sociolégicos devem, Portanto, cotudar extas formas de zosiagio a qual compreende individuo © sociedade. No que se refere ao método sociolégico, neste capitulo, Simmel coloca trés problemas fundamentais no campo da sociologia. O primeiro, ligado “sociologia geral”, serefere & nocao de que @ realidade ndo pode ser apreendida ‘em sua imediaticidade. “Os conteiidos da vida humana’ estdo vinculados vida sncial, parém, nferecem elementas de ohservacio que se canfiguram a parte desta inamica social. A natureza e a criatividade so campos que nao devem ser interpretados e deduzidos em termos, apenas, de vida social (SIMMEL, 2006, p. 27). 208 SIMMEL, Georg Questdes fndame de sociolgta: inividua ¢ voiedade, Existem “contetidos objetivos” de tipo sensorial, espiritual, técnico ou psicolégico que, apesar de 36 poderem se configurar desta foune « partir de foryas sociais, histéricas e espirituais ~ ndo so sociais em si mesmos. Neste porto, encontra-se o segundo problema sociolégico, ligado a denominada “sociologia pura ou formal”. A questio éjustamente trabalharcertas realidades, por exemplo, ‘modos formais de comportamentos como dominago, subordinacao, concoréncia, divisio do trabalho, de maneira isolada, abstrata. ‘Umterceira problema é 0a “sociologiafiles6fica”. Neste ambito surgem questbes como: “a sociedade é objeto da existéncia humana ou simplesmente um meio para 0individuo?”;“o valor definitivo do desenvolvimento social sesitua na formagao da personalidade ou na associagio?”, Estas perguntas no s40 respondidas pelos fatos em si, mas pela interpretagdo dos mesmos, (SIMMEL, 2006, p. 38). ‘A partir deste quadro de problemas, Simmel desenvolveos demais capitulos dolivro. Nocapitulo 2—‘O nivel social conivel individual (exemplo de sociologia ‘geral)’ Simmel destaca queapartir do momento em queasociologia comeyoua se debrurar sobre a socializagio ¢ a vida grupal surgiu a pergunta sobre quais as diferengas caracteristicas entre 0 “sujeito individual” ¢ 0 “sujeito grupal”. Este ‘questionamento remete A idéia de semelhanga e diferenga. Cada individualidade ¢ganha significado quando especificamente se contrapde i individualidade dos outros € se constitui em caracteristicas como o novo, o excepcional, o nico, entretanto, existe outro lado, que é oda semelhanga~ ca idéia de massa. Historicamente, as massas sio consideradas inferiores com relagiio a0s individuos isoladamente. O individuo pode até considerar pejorativamente a “massa”, 0 “\povo”’semse sentir ofendido com isso, pois estaria sendo considerando ‘todo e nao suas caracteristicas peculiares. A massa” seria considerada inferior ‘porque elando desponta da “individualidade plena de cada um de seus participantes, ‘mas daqueles fragmentos de cada um que coincidem com os demais” (SIMMEL, 2006, p. 50). E a idéia de semelhanga. Osentimento, neste caso, caracteristico das massas, se contraporia 20 intelecto, caracteristico do individual. Esta seria uma das justificativas para o fato de que quem quer que tenha pretendido atingir as massas sempre o fez.apelando para certos sentimentos ¢ ndio para um debate tedrico mais articulado. Todavia, pode haver um elemento favoravel: 0 “sentimento de massa”, “arrebatamento” pode produzir mani festacdes nobres ¢ uma dedicaco incondicional — mas nio 209 Jia France ‘elimina fato da massa ser guiada pelo impulso enio pela reflexao, como destaca Simmel ‘No capitulo trés—‘A sociabilidade (exemplo de sociologia pura cu formal)’ 0 autor destaca a diferenca entre “forma” (a interagio entre os individuos) € “contetido” (instintos, interesses, impulsos, objetivos, entre outros elementos) no Ambito da sociacao. Assim sendo, a socia¢o vai combinar iniimeras maneiras diferentes de interagir em fuungo de seus interesses. E neste ponto que se insere 0 cconceito de sociabilidade. Para Simmel: ‘Toda socisbilidade é um simbolo da vida quando esta surge no fluxo de um jogo prazerosoe facil, Porém, é justamente tum simbolo da vida cuja imagem se modifica até 0 ponto ‘em que a distancia em relagao a vida o exige. Da mesma ‘mancira, para ndo se mostrar vazie ¢ mentirosa, a arte mais livre, fantéstica ¢ distante da cépia de qualquer realidade se mutre de uma relagio profunda e fiel com a realidade. (SIMMEL, 2006, p. 80). A sociabilidade é a “forma liidica da sociagio”. Na modemidade, 0 individuo se encontra saturado de formalidades, objetivos priticos e regras. A sociabilidade vem a sero espaco onde a interagio sai destes meandros (formais) entra no ambito do jogo, da brincadeira, dz conversa “despretensiosa”, do coqueterisma (ligado 20s aspectos do erotismo, do envolvimento), ‘No quarto etiltimo capitulo — *Individuo e sociedade nas concepgées de vida dos séculos XVIIle XIX (exemplo de sociologia filos6fiea)’ ele inicia com aidéia de que “o conflito entre a sociedade eo individuo prossegue no proprio individuo como luta entreas partes de sua essencia”’ (p. 84). A sociedade quer sua autonomia e individualidade, assim como os individuos, e dai resulta o embate entre ambos. Eno paleo do século XVIII que se desenvolve de forma mais agugada a idéia de liberdade onde os individuos deviam se livrar das amarras da sociedade. Além de ser uma idéia vaga nesta época, de acordo com Simmel, havia um ‘Problema maior: a antinomia entre igualdade e Iiberdade. A igualdade pressupde ‘uma socializagio detodos os meios de produco, mas esbarra na livre concomréncia, na liberdade de todos competirem contra todos. a0 SIMMEL, Georg. Qsestées fsdamentais do secilogie: individu seciedade Seno século XVIII tem-se a individualidade como a sintese da igualdade € da liberdade. No século XIX sai de cena a igualdade ¢ entra no processo a nogio de desigualdade—mesmo aigualdade permanecendo como o denominator comum. Esta desigualdade se dd em termos de diferenciagao, deindividualizagao, adiferenga passa a ser‘“uma exigéncia ética”. Se o primeiro tem como principais representantes Rasseau, Kant, Fichte; 0 segundo possui como referéncia ‘Schleiermarcher, fornecendo ao individualismo bases do sentimento e da vivéncia. ‘Simmel finaliza este tiltimo capitulo e o livro com aseguinte assertiva:"A, doutrina da liberdade e da igualdade &0 fundamento histérico-espiritual da livre cconcorréncia; ¢« doutrina das diferentes personalidades 6 fundamento da divisio do trabalho” (p. 117). Entretanto, as possibilidades com relagdo tindividualidade no foram esgotadas por completo, mesmo porque a humanidade iré criar novas formas depersonalidade. Diante do exposto, Questdes fundamencais da sociologia ¢ uma obra ‘quetraz reflexdes importantes para o contexto contemporaneo como ade distancia, ade sociagdo ea de sociabilidade. Quais seriam 2s noves formas de sociabilidade no contempordneo? Nove décadas depois, a sociologia deixou de lado a pretenso de formar um campo especifico de problemas? Estas so algumas quest6es que podemos aventar a partir desta leitura. 2

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