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] e A crise ambiental egundo Miller (1985), nosso planeta pode ser comparado a uma astronave, desto- Govt cem mil quilémetros por hora pelo espaco sideral, sem possibilidade de parada para reabastecimento, mas dispondo de um eficiente sistema de aproveita- mento de energia solar e de reciclagem de matéria. HA atualmente, na astronave, at, gua e comida suficientes para manter seus passagelros. Tendo em vista o progressivo aumento do ntmero desses passageiros, em forma exponencial, ¢ a auséncia de portos pata reabastecimento, podem-se vislumbrar, em médio e longo prazos, problemas sé- rios para a manutengao de sua populacao. Pela segunda lei da termodinamica, o uso da energia implica degradagao de sua ‘qualidade. Como conseqiiéncia da lei da conservacao da massa, os residuos energé- ticos (principalmente na forma de calor), somados aos residuos de matéria, alteram a qualidade do meio ambiente no interior dessa astronave. A tendéncia natural de qual- ‘quer sistema, como um todo, é de aumento de sua entropia (grau de desordeml. Assim, 1s passageiros, utilizando-se da inesgotavel energia solar, processam, por meio de sua tecnologia e de seu metabolismo, os recursos naturais finitos — gerando, inexoravel- mente, algum tipo de poluigo. Do equilibrio entre esses trés elementos — populacao, recursos naturais e polui¢do (Figura 1.1) — dependerd o nivel de qualidade de vida no planeta. Os aspectos mais relevantes de cada vértice do triangulo formado por esses ‘elementos e suas interligacdes sao analisados nos itens subseqiientes. POPULAGAO RECURSOS NATURAIS — POLUICAO LL | Populagéo ‘A populagéo mundial cresceu de 2,5 bilhes em 1950 para 6,2 bilhdes no ano 2002 (U.S. Census Bureau, 2004a) e, atualmente, a taxa de crescimento se aproxima de 1,13% ao ano. De acordo com a analogia da astronave, isso significa que, nos dias de hoje, ela transporta 6,2 bilhdes de passageiros e, a cada ano, outros 74 milhées de passageiros nela embarcam. Esses passageiros estio divididos em 227 rages nos cinco continentes, poucas das quais pertencem aos chamados pases desenvolvidos, com 19% da populacio total. As demais sdo os chamados pafses em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, com 15 restantes 81% da populagio. Novamente usando a analogia com a astronave, é como se os habitantes dos patses desenvolvidos fossem passageiros de primeira classe, enquanto os demais viajam no porio. Em decorréncia das altas taxas de crescimento populacional que hoje somente ocorrem nos paises menos desenvolvidos, essa situacdo de desequilibrio tende a se agravar ainda mais: em 1950, os pafses desen- leeeeeecece volvidos tinham 31,5% da populagdo mundial; em 2002, apenas 19,3%; e, em 2050, terdo 13,7% (U.S. Census Bureau, 20042). ‘Uma das constatagdes mais importantes na questo demografica é que jé ultrapassamos 0 ponto de inflexdo da curva de crescimento exponencial (curva ‘J’) da populagdo (Figura 1.2). Revolugéo Industral Peste Negra Tempo goo 6000-4000» 2000 : 2000 210 Um casal que tenha cinco filhos, os quais, por sua vez, tenham cinco filhos cada um, representa, a partir de duas pessoas, uma populacdo familiar de 25 pessoas em duas geracoes. Esse fendmeno vem ‘ocorrendo mundialmente desde meados do século XIX, com a Revolugao Industrial. A partir dessa revolu- ‘0, a tecnologia proporcionou uma redugao da taxa bruta de mortalidade, responsével pelo aumento da taxa de crescimento populacional anual, apesar de a taxa de natalidade estar se reduzindo desde aquela 6poca até os dias atuais. ‘Ataxa mundial bruta de natalidade é hoje de 352.268 habitantes por dia, enquanto a taxa bruta de mortalidade ¢ de 150.677 habitantes por dia. Portanto, a taxa bruta de natalidade é 2,3 vezes maior que a taxa bruta de mortalidade. O aumento de populacao é dado pela diferenca entre os dois valores — 0 que, nos dias de hoje, significa um aumento anual de cerca de 1,2%. Apesar de os dois valores serem aparentemente pequenos, implicam valores absolutos aproximados um tanto alarmantes: 202 mil novos ppassageiros por dia, 1,4 milhdo por semana ou 74 milhdes por ano. Com essa taxa de crescimento, seria necessério somente um dia para repor os 200 mil mortos do maremoto de 1970, no Paquistdo, quatro dias para repor 0s 900 mil mortos da grande cheia de 1987 no Rio Huang, na China, e pouco mais de 12 meses para repor 0s 75 milhées de mortos vitimas da peste bubSnica que assolou a Europa entre 1347 e 1351. Dentro dessa perspectiva de crescimento, cabe questionar até quando os recursos naturais sero suficientes para sustentar os passageiros da astronave Terra, Existem autores, como Lappe e Collins (1977), ue contestam a tese de insuficiéncia de recursos naturais e responsabilizam a mé distribuicdo da renda ¢ @ ma orientaco da producdo agricola pela fome no mundo hoje. Na Tabela 1.1, podemos observar a densidade demogréfica de patses selecionados. Notamos que alguns paises, como Japo e Bangladesh, apresentam taxas de ocupacdo do solo muito elevadas. Obser. vando também a coluna de taxa de crescimento anual da populacéo, podemos concluir que a situagao em Bangladesh tende a se tomar mais critica, em fungo de sua ainda alta taxa de crescimento anual (2,1%). © Brasil ocupa a quinta colocagao no ranking com cerca de 2,9% da populacdo mundial, totalizando 180 milhées de habitantes (Tabela 1.1). Com uma ocupacao territorial de 21 habitantes por quilémetro quadrado e uma taxa de crescimento populacional declinante (1,2% no ano de 2002, nosso pais tende 2 uma situagao de menor complexidade em termos populacionais em relaco ao que se previa no inicio da década de 1980. Entretanto, devemos ter em mente que, mesmo que o problema da fome no mundo hoje possa ser atribufdo a interesses politicos e econdmicos dos pafses desenvolvidos, e ndo a uma super. Populagdo, em longo prazo teremos de encontrar um modo consensual de reduzir a taxa de crescimento populacional. TABELA 1.1 Patses mais populosos: populagdo, densidade demogréfica ¢ taxa de crescimento anual (U.S. Census Bureau, 2004b). ] Densidade demografica | Taxa de (2002) (hab,/km2) Crescimento anual (%) = Populacao 127.066 12 | Recursos naturais Recurso natural é qualquer insumo de que os organismos, as populacdes e os ecossistemas necessi- tam para sua manutencdo. Portanto, recurso natural é algo atil. Existe um envolvimento entre recursos na- turais e tecnologia, uma vez que hé a necessidade da existéncia de processos tecnol6gicos para utilizaczo de um recurso. Exemplo tipico 6 0 magnésio, que até pouco tempo nao era um recurso natural e passou a sé-lo quando se descobriu como utilizé-lo na confeccao de ligas metélicas para avides. Recursos naturais © economia interagem de modo bastante evidente, uma vez que algo é recurso na medida em que sua ex- Ploracio € economicamente vivel. Exemplo dessa situagao € 0 alcool, que, antes da crise do petroleo de 4 | teurxtugao a engeniara amorentat * 1973, apresentava custos de producdo extremamente elevados ante os custos de exploracao de petréleo. Hoje, no Brasil, apesar da diminuigao do Prodicool, 0 dlcool ainda pode ser considerado um importante combustivel para automéveis e um recurso natural estratégico e de alta significancia, por causa de sua possibilidade de renovacio e consequente disponibilidade. Sua utilizagio efetiva depende de anélises politicas e econémicas que poderdo ser revistas sempre que necessério. Finalmente, algo se torna recurso natural caso sua exploragao, processamento e utilizacao no causem danos ao meio ambiente. Assim, na defini¢do de recurso natural, encontramos trés tpicos rela- ionados: tecnologia, economia e meio ambiente. ( fato de nao se ter levado em conta o meio ambiente nas iltimas décadas gerou aberracdes, como uso de elementos extremamente téxicos como recursos naturais. Como exemplo, podemos citar 0 chum- bo e 0 merctirio que, dependendo das concentragées utlizadas, podem causar a morte de seres humans. 0s clorofluorcarbonos, que até recentemente vinham sendo utilizados em diferentes processos industrais, como em compressores de refrigeradores e como propelentes de liquidos, estdo sendo substituidos por outros gases diante das incertezas ligadas & eventual destrui¢ao da camada de oz6nio. (Os recursos naturais podem ser classificados em dois grandes grupos: os renovdveis e os ndo-reno- vaveis (Figura 1.3). Os recursos renovaveis so aqueles que, depois de serem utilizados, ficam dispontveis rnovamente gracas a0s ciclos naturais, A égua, em seu ciclo hidrol6gico, é um exemplo de recurso renové- vel, Além da 4gua, podemos citar como recursos renovaveis a biomassa, o ar e a energia e6lica. Como 0 proprio nome diz, um recurso ngo-renovavel é aquele que, uma vez utilizado, nao pode ser reaproveitado. Um exemplo caracteristico € 0 combustivel féssil que, depois de ser utilizado para mover um automével, esté perdido para sempre. Dentro dos recursos nao-renovveis é possfvel, ainda, identificar duas classes: a dos minerais néo-energéticos (f6sforo, célcio etc.) e a dos minerais energéticos (combustives fosseis uranio). Os recursos naturais dessa citima classe sdo, efetivamente, ndo-renovaveis, enquanto 0s recursos dda primeira classe podem se renovar, mas apés um periodo de tempo tal que néo serio relevantes para a ‘existéncia humana. Na Figura 1.3 apresentamos os principais tipos de recursos naturais. 22] FIGURA1.3 Classificagdo Recursos dos recursos naturais. [Néo-renavéves] Renova Minerale nto-energéticos| [Minera energéticas Tous oro, cco te Combustivels tse ms = = exania} Biomassa Vento Ha situagdes nas quais um recurso renovavel passa a ser ndo-renovavel. Essa condigo ocorre quando a taxa de utilizacdo supera a méxima capacidade de sustentagao do sistema. Hardin (1968), no historico The tragedy of the commons, ilustra essa situacZo. Um campo de pastagem comum (The com- ‘mons)é utilizado coletivamente por alguns fazendeiros. O capim, evidentemente, é um recurso renovavel (biomassa). Entretanto, os fazendeiros, visando ao aumento de seus luctos imediatos, colocam 0 niimero maximo de cabecas de gado nesse pasto, uma vez que o campo é comum a todos. O resultado dessa ati- tude é a deplecdo de um recurso, que era renovavel, até nfveis que inviabilizam a sua renovacao. \ Cinta! — Aetentional | 13 | Poluigio 13 | Poluigio Completando o terceiro vétice do trizngulo da Figura 1.1, como resultado da utilzaglo dos recur. 0s naturais pela populagao surge a poluigao, A poluigéo é uma alteracdo indesejével nas caracteristicas s. quimicas ou biol6gicas da atmosfer,litosfera ou hidrosfera que cause ou possa Causarprejuizo a salide, a sobrevivéncia ou as atividades dos seres humanos e outras espécies ou ainda deteriorar mateiais. Para fins prticos, em especial do ponto de vista legal de controle da poluigto, acrescentamos que 0 con. faite de poluicdo deve ser associado as alteracbes indesejévels provocadas peas atividades eintervengGes hhumanas no ambiente. Desse modo, uma erup¢o vulcanica, apesar de poder ser considerada uma fonts Poluidora, ¢ um fendmeno natural néo provocado pelo homem e que foge a seu controle, assim como outros fenémenos naturais, como incéndios florestais, grandes secas ou inundagées, Poluentes si res(duos gerados elas atvidades humanas, causando um impacto ambiental negatl- 0, ou seja, uma alteracdo indesejavel. Dessa maneira, a poluicdo esti ligada a concentraco, ou quanti- dade, de residuos presentesno a, na Agua ou no solo. Para que se possa exercero controle da poluigdo de acordo com a legislago ambiental, definem-se padrBes e indicadores de qualidade do ar (concentragoes de CO, NO», $0x Pb etc.) da égua (concentragdo de O:.fendis e Hg, pH, temperatura etc) ¢ do solo tana de erosao etc.) que se deseja respeitar em um determinado ambiente. Quanto a origem dos residuos, as fontes poluidoras podem ser classficadas em pontuais ou loca- Iizadas (langamento de esgoto doméstico ou industrial, efluentes gasosos industrais, aterro sanitatio de Iixo urbano etc) € dlfusas ou dispersas (agrt6xicos aplicados na agricultua edispersos no ar, carregados Pelas chuvas para os ris ou para o lencol fredtico, gases expelidos do escapamento de vetculos automo tore et). As fontes pontuais podem sr identificadas e controladas mas faclmente que as cues, cujo controle eficiente ainda é um desafio. Os efeitos da poluico podem ter caréter localizado, regional ou global. Os mais conhecidos ¢ Perceptiveis s80 0s efeitos locais ou regionais, os quai, em geral, ocorrem em éreas de grande densidade opulacional ou atividade industrial, correspondendo as aglomerag6es urbanas em todo o planeta, que flotesceram com a Revolugéo industrial. Nessas éreas hé problemas de poluicdo do ar, dgua e solo, Eoses efeitos espalham-se e podem sr sentidos em eas vizinhas,&s vezes relativamentedistantes,sendo objeto de confltos intermunicipats (disputa pelo mesmo manancial para abastecimento urbano), interestaduals (Poluigéo das éguas por municipios indstias de um estado, a montante de caplagdes municipal e industrials de estado vizinho a jusante) ¢ intemacionais (chuva dcida na Suécia e Noruega oriunda da Poluicao do ar na Gra-Bretanha e Europa Ocidental) Os efeitos globais detectados mais recentemente, como o efeito estufa e a reducdo da camada de Fronio, ainda ndo sd0 bem conhecidos, mas podem trazer conseqUéncias que afetardo o cima e equi. Ubrio global do planeta. € importante um esforgo conjuntoe sem precedentes para que se possa conhecer esses efeltos © controlé-los de modo eficaz. Os efeitos globais tém contribuido bastante para a sen lizacdo recente da sociedade sobre quests ambientals, merecendo destaque na midia © na agenda de politicos e grupos ambientalstas em todo o planeta. Iso talvez posta ser explicado pela incerteza que os humanos passaram a experimentar em relacio a propria sobrevivencia da espécie e pela constatagao de Sua incapacidade de entender e controlar os processose as transformagdes ambientais decorrentes de suas atividades. Até recentemente, acreditava-se que a inteligéncia e a tecnologia resolveriam qualquer proble- ma e que nao havia limites para o desenvolvimento da espécie e para a utilizacao de matéria eenergia na busca de conforto e qualidade de vida. Inaroducso 9 ongenharia ambicntad i Leis da conservagiio da massa e da energia T= @ qualquer fendmeno que acontece na natureza necessita de energia para ocorrer. A vida, como a conhecemos, requer basicamente matéria e energia. Esses dois conceitos s4o fundamentais no tratamento da maioria das questées ambien- ‘Occonceito de matéria é absolutamente simples: matéria é algo que ocupa lugar no espago. J6 0 conceito de energia é um pouco mais complicado: energia 6 a capacidade de realizagio de trabalho. Nesse sentido, quanto maior for a capacidade de realizar trabalho, melhor seré a qualidade da energia associada. Um litro de gasolina tem alta qualidade energética, enquanto o calor, a baixas temperaturas, possui energia de baixa qualidade. Em qualquer sistema natural, matéria e energia so conservadas, ou seja, ndo se criam nem se destroem matéria nem energia. Duas leis da fisica explicam esse compor- tamento: a lei da conservacdo da massa e a lei da conservago da energia ou primeira lei da termodinamica, Ao mesmo tempo, a segunda lei da termodinémica explica que a qualidade da energia sempre se degrada de maneiras mais nobres (maior qualidade) para maneiras menos nobres (menor qualidade), Essas leis da fisica, conhecidas desde longa data, esto atualmente sendo utiliza- das para 0 entendimento dos sistemas ambientais. A seguir, descrevemos em detalhes as referidas leis e suas implicacdes na conservago do meio ambiente. 2.1 | Lei da conservagiio da massa De acordo com essa lei, em qualquer sistema, fisico ou quimico, nunca se cria nem se elimina maté- ria, apenas & possivel transformé-la de uma forma em outra. Portanto, no se pode criar algo do nada nem transformar algo em nada. Logo, tudo que existe provém de matéria preexistente, s6 que em outra forma, assim como tudo 0 que se consome apenas perde a forma original, passando a adotar uma outra. Tudo se realiza com a matéria que é proveniente do proprio planeta, apenas havendo a retirada de material do solo, do ar ou da gua, o transporte e a utilizagao desse material para a elaboragéo do insumo desejado, ‘sua utilizago pela populacSo e, por fim, a disposicao, na Terra, em outra forma, podendo muitas vezes ser reutilizado. ‘A lei da conservago da massa explica também um dos grandes problemas com 0 qual nos de- frontamos atualmente: a poluicéo ambiental, compreendendo agua, solo e ar. O fato de nao ser possivel consumir a matéria até sua aniquilaco implica a geragdo de residuos em todas as atividades dos seres vivos, residuos esses indesejéveis a quem os eliminou, mas que podem ser reincorporados ao meio, para serem posteriormente reutilizados. Esse processo denomina-se reciclagem e ocorre na natureza por meio dos ciclos biogeoqutmicos, nos quais interagem mecanismos biogeoquimicos que torriam os resfduos aproveitdveis em outra forma. Quando ndo existe um equilfbrio entre consumo e reciclagem, podem advir conseqiiéncias desastrosas ao meio ambiente, tais como eutrofizacSo dos lagos, contaminacao dos solos por pestic ‘Atualmente, o mundo vive em plena era do desequilfbrio, uma vez que os residuos sao gerados em ritmo muito maior que a capacidade de reciclagem do meio. A Revolugéo Industrial do século XIX intro- duziu novos padrées de geracdo de residuos, que surgem em quantidades excessivamente maiores que a capacidade de absorcao da natureza e de maneira tal que ela ndo é capaz de absorver e reciclar(materiais sintéticos ndo-biodegradaveis) Cuptiaty ® — Lei da consernagdo da massa w do energia 2.2 | Primeira lei da termodindmica Esta lei apresenta um enunciado andlogo a lei da conservacao da massa, s6 que referente & energia. De acordo com essa lei, a energia pode se transformar de uma forma em outra, mas no pode ser criada ou destrufda. As diversas formas de energia podem ser enquadradas genericamente em energia cinética € potencial. Energia cinética é a energia que a matéria adquire em decorréncia de sua movimentac3o e em fungéo de sua massa e velocidade. A energia cinética total das moléculas de uma amostra de matéria €denominada energia calorifica. Energia potencial é a energia armazenada na matéria em virtude de sua posi¢o ou composicao. Assim, a energia armazenada nos combustiveis fésseis, nos alimentos etc. & clas- sificada como energia potencial. Na natureza ocorre constantemente a transformacao de energia em formas diferentes. Essas trans- formages induzem as pessoas menos atentas & idéia de que houve criacio ou destruigdo de energia. Esse falso conceito advém da tendéncia intuitiva de se considerar sempre partes do sistema, e ndo 0 todo. As- sim sendo, & possivel verificar que determinada parte de um sistema sofreu variagao em sua energia total. Entretanto, as partes vizinhas também podem ter sofrido variagées, de tal modo que o conjunto, formado por todas essas partes, pode néo ter apresentado varia¢ao alguma. Por meio da primeira lei da termodindmica é posstvel provar que as avaliagées do potencial ener- B8ético do planeta séo, em geral, otimistas. Considerando-se petr6leo, gés natural, carvo e combustiveis naturais, nota-se que 0 potencial podera ser menor do que indicam as estimativas, uma vez que nao se leva em conta a energia necesséria para a exploraco, o transporte e a transformacao desses materiais. O potencial a disposi¢do da humanidade deve, entao, ser quantificado em termos de energia liquida, e nao bruta, como em geral & feito, ‘Aaplicacao mais importante da primeira lei da termodinamica esté relacionada & maneira como 0s seres vivos obtém sua energia para viver. Essa energia chega até eles por meio de diversas transformacées. ‘Acenergia luminosa, incidente na superficie da Terra, & absorvida pelos vegetais fotossintetizantes, que a transformam em energia potencial, nas ligagSes quimicas de moléculas ofgénicas complexas. No processo respitatério, essas moléculas s0 quebradas em moléculas menores, liberando a energia que € utlizada nas fungdes vitais dos seres vivos. 23 | Segunda lei da termodindmica De acordo com essa lei todo processo de transformagao de energia dé-se a partir de uma maneira mais nobre para uma menos nobre, ou de menor qualidade. Quanto mais trabalho se conseguir realizar com uma mesma quantidade de energia, mais nobre seré esse tipo de energia. Embora a quantidade de energia seja preservada (primeira lei da termodinamica), a qualidade (nobreza) é sempre degradada. Toda transformago de energia envolve sempre rendimentos inferiores a 100%, sendo que uma parte da energia ) Secundérios mE (camivoros) de Detrito ‘Seguindo os preceitos das leis basicas da termodinamica, a medida que se avanga na cadeia alimen- tar, hd uma redugao na qualidade de energia dispontvel aos préximos organismos da cadeia. Isso explica por que as cadeias alimentares nao apresentam seqiiéncia muito longa, raramente passando dos consumi- dores de quinta orclem. Esse fendmeno e suas conseqiiéncias serdo estudados adiante, quando trataremos da produtividade. ‘As cadeias alimentares ndo podem ser vistas como seqiéncias isoladas, mas sim fortemente interl- gadas, formando as redes ou teias alimentares. Iss0 porque um determinado produtor pode ser consumido por varios tipos de herbfvoros que, por sua vez, podem ser presa de outros tantos camnivoros diferentes. Nesse ponto, torna-se importante a definicao de nivel tréfico, que é a posi¢ao ocupada por todos os orga~ riismos que esto em um mesmo patamar da cadeia. Isto 6, 0s produtores ocupam o primeiro nivel trfico, ‘0s consumidores primérios, 0 segundo nivel tréfico e assim sucessivamente. Entretanto, esse conceito néo é absoluto, pois os individuos podem ocupar mais de um nivel tréfico em uma rede alimentar, conforme a origem do seu alimento, podendo um mesmo organismo alimentar-se tanto de vegetais como de outros animais. Assim, eles ocupam 0 segundo nivel tréfico no primeira caso e 0 terceiro ou quarto no segundo aso. £ muito importante conhecer 0 mecanismo e as seqiiéncias das cadeias alimentares, uma vez que fazemos parte de uma rede alimentar na qual ocupamos diversos niveis troficos. Diante disso, e uma vez que a energia dil decresce ao longo da cadeia alimentar, quanto mais se afasta do primeiro nivel trofico, mais limitado e menor serd o ndmero de consumidores que podem ser sustentados por um dado némero de produtores. Isso implica uma maior eficiéncia na cadeia produtor—homem do que na cadeia produ- tor—boi—homem. Por essa razio, uma dieta vegetariana balanceada 6 uma pratica de preserva¢o do ‘meio ambiente, pois permite alimentar un maior contingente populacional. | ‘Além disso, o conhecimento das cadeias alimentares permitira aos seres humanos agir sobre elas e seu beneficio, de forma ordenada, Isso possibilitaria, por exemplo, o aumento da produtividade. agr com um combate mais eficiente as pragas por meio da incorporacgo & cadeia alimentar de pret Capitulo 3 ~ Ecossistemas naturais, 0 que evitaria 0 risco de se gerar uma praga pior pela eliminagao de seu predador natural. No Capitulo 9, item 9.6, apresentamos esse conceito aplicado ao chamado manejo integrado de pragas, no qual o uso de defensivos agricolas 6 minimizado pela utilizacao simultanea de predadores naturais. 3.4. | Produtividade priméria Conforme visto anteriormente, a energia solar que chega a superficie terrestre 6, em parte, absorvida pelos produtores, que a utilizam para elaboracaio de compostos organicos pela fotossintese. A quantidade de material produzido pela fotossintese, em um perfodo fixo de tempo, define-se como sendo a produti- vidade bruta do universo considerado (ecossistema, planta¢ao ou individuo). No entanto, os produtores, pelo processo respirat6rio, utilizam parte da energia potencial acumulada nesses compostos organicos para sua automanutengdo (atividades fisicas, crescimento, formagdo de elementos reprodutives, como ‘ovos e sementes). Assim, apenas uma parte do que é produzido torna-se utilizavel como alimento aos consumidores, e é a parte utilizével que definimos como produtividade primaria liquida (PPL). Em um mesmo ecossistema, a produtividade priméria varia significativamente, de acordo com a idade do individuo e com a estagao do ano. No vero, a produtividade bruta sofre um crescimento quando comparada a do inverno (estudos realizados no Lago Erie, na divisa do Canada e Estados Unidos, reve- laram aumento de nove vezes para 0 fitoplancton). Por sua vez, quanto mais jovem o individuo, menor a produtividade priméria, em decorréncia de altas perdas e consumo energéticos para seu crescimento. Variag6es consideraveis sao também verificadas entre os diversos ecossistemas em fun¢ao do clima, sendo. significativamente superior em clima tropical, conforme os valores mostrados na Tabela 3.1. Nos ecos- sistemas, de acordo com a primeira lei da termodinamica, a soma total de energia, cessadas as entradas e saidas de energia, 6 constante. Por sua vez, de acordo com a segunda lei da termodinamica, a energia utilizvel vai se reduzindo, ap6s cada transformacao, tomando-se inaproveitavel quando atinge a forma de chlor e tendendo a um estado de equilibrio com maxima entropia e, portanto, desorganizado. Assim, para manter-se um ecossistemia organizado, € necessério que haja fluxo constante e ininterrupto de energia proveniente de fontes externas. TABELA 3.1 Valores aproximados da produtividade primeria Uquida para diversas regides da Terra (Kormondy, 1976). Deserto 400 ‘Oceano 800 Lago Temperado 800 Lago poluido ‘Temperado 2.400 Decidua Temperado 4.800 Conifera Temperado 11.200 Tropical pluvial Tropical 20.000 & Bae eee aN sEeUE aa eae ‘Anual Temperado 8.800 Perene Temperado 12.000 ‘Anual Tropical 12.000 Perene Tropical 30.000 Teoma) Insrodugio & engenharia ambiental tents) jepantands S50 sR si Pantano Temperado 17.100 Pantano Tropical 30.000 ‘Acenergia que entra no ecossistema e & absorvida pelos produtores sofre transformagao ao longo da cadeia alimentar, omando-se cada vez menos aproveitével. Assim, muitos produtores sao necessérios para suprir um ndmero bem menor de herbivoros que, por sua vez, seréo capazes de abastecer ainda me- ros carnivoros, o que faz com que as cadeias sejam relativamente curtas, com poucos niveis troficos, Com base nesses fatos, podemos representar a estrutura tréfica por meio de uma pirdmide, sendo a piramide energética a mais importante e representativa, Nela, os produtores representam a base, e os demais niveis vo se superpondo até o cure (Figura 3.5). Definimos a relagao de energia entre diferentes niveis da cadeia alimentar como eficiéncia ecolégica. Como uma média geral, adotamos, para os diversos ecossistemas, 0 valor de 10%. Assim sendo, para energia incidente de 1.000 cal, a produgdo Ifquida dos vegetais seré de 100 cal, e apenas 10 cal estaréo disponiveis para os herbivoros e 1 cal para carnivoros primérios. Portanto, conclufmos que a pirdmide deve ter base larga e pequena altura. ‘Consumidor torciério (homem) Ycal* Decompositores, Consumidor seeundério Decompositores Consumidores primérios (eooplaneton) r00cal* Calor Decompositores Produtores {ftoplancton) titulo de curiosidade, 0 porco é o melhor conversor de energia até agora estudado, uma vez que, da energia consumida, 20% mantém-se utilizével no proximo nivel tréfico. De modo geral, a eficiéncia € maior nos invertebrados que nos mamfferos, pois os gastos de manutencdo para manter a temperatura Constante sao elevados nos homeotermos. ‘A produtividade priméria € controlada por varios fatores, como disponibilidade de gua, intensida- de luminosa e quantidade de sais minerais. Assim, duas regides, como os desertos e as regides profundas ddos mares, podem apresentar condicdes exatamente opostas e possuirtaxas baixissimas de produtividade, sendo a falta de agua a causa principal no primeiro caso e a falta de luz no segundo. O conjunto dos ecossistemas da Terra produz anualmente 31 bilhdes de toneladas de matéria, em que s6 as florestas so ‘esponséveis por 20 bilhdes de toneladas, ou seja, dois tercos do total. Os seres humanos consomem atualmente, junto com seus animais domésticos, mais de 6% da pro- dusio lquida da biosfera, além de grandes quantidades da producio bruta na forma de fbras, Deduzimos, entio, que o homem 6 o grande interessado no aumento de produtividade no planeta, que pode ser obtida or meio de irigagao, ampliacao da area agricola, reciclagem dos elementos nuttitivos do fundo dos ma- res melhoria no rendimento das culturas. Desses itens, 0 iltimo tem despertado maior interesse, e é nele ue estdo concentrados os maiores investimentos e diversos estudos. Esse aumento de produtividade ¢ possivel com a adigao de um fluxo suplementar de energia ao jé naturalmente existente, na forma de trabalho humano ou animal e combustiveis fésseis — ingredientes fundamentais para o cultivo,irigagio, ferilizagao, selegao genética e controle de pragas. Estima-se que (5 Estados Unidos empregam anualmente o equivalente a 1 HP por hectare cultivado, contra 0,1 HP por hectare na Africa e Asia, tendo, entretanto, uma produgdo por hectare apenas trés vezes superior a desses pases. Os esforcos despendidos pelo homem néo aumentaram a produtividade bruta, que é sempre mé- xima nas condigdes naturais. Porém, tem-se conseguido aumento considerdvel na produtividade liquid, que € 0 que interessa, por meio de redugo de perdas de energia e desenvolvimento de variedades que produzam em maior quantidade 6rgéos consumiveis pelo homem, como frutos e folhas, em vez de caule e raz. 1 35 | Sucessio ecolégica Sucessdo ecolégica é 0 desenvolvimento de um ecossistema desde sua fase inicial até a obtengo de sua estabilidade e do equilibrio entre seus componentes. £ um processo que envolve alteragées na composi¢ao das espécies com 0 tempo, levando sempre a uma maior diversidade, sendo razoavelmente dirigido e, portanto, previsivel. Resulta da acao da comunidade sobre o meio fisico, que cria condicées ao desenvolvimento de novas espécies e culmina em uma estrutura estavel e equilibrada. Durante o proceso de sucessio, as cadeias alimentares tornam-se mais longas e passam a constituir complexas redes alimen- {ares; ja 05 nichos tomam-se mais estreitos, levando a uma maior especializag3o. A biomassa também ‘aumenta ao longo da sucessao, do mesmo modo que o ecossistema adquire auto-suficiéncia, tomando-se tum sistema fechado por meio do desenvolvimento de processos de reciclagem de matéria orgainica. A sequéncia de comunidades que substituem umas as outras dé-se o nome de série, e a essas co- munidades transitérias dé-se o nome de estégios. A primeira comunidade que se instala 6 denominada comunidade pioneira,e a titima comunidade da sucesso € denominada comunidade climax. Quando a sucessio se inicia em uma area nunca antes povoada, ela é conhecida como sucesséo priméria, Por sua vez, se a sucessao se inicia em érea jé anteriormente povoada e cuja comunidade tenha sido quase extinta, essa € denominada sucesso secundéria e processa-se mais répido que a anterior, pois alguns organismos ‘ou mesmo sementes da povoacdo anterior permanecem no local. A sucessdo ecologica processa-se por causa da aco de varios fatores, tanto biéticos quanto abié- ticos. O clima e as alteracdes geologicas podem alterar o ambiente, tomando-o desfavorsvel as espécies que nele habitam e favordvel a novas espécies. Por sua vez, a propria comunidade age no meio fisico, al- terando-o, €0 resultado da decomposi¢o da matéria organica, proveniente da excre¢ao ou dos cadaveres dos individuos, gerara modificagdes quimicas no solo. © desenvolvimento de vegetagao leva a alteracées 18 | mrad a ener anbenal

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