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ASPECTOS DO USUFRUTO. SIMULTANEO E SUCESSIVO CONTITULARIDADE DE DIREITOS Pelo Dr. A. Carlos Lima 1. © usufruto pode ser constituido em favor de uma ou mais pessoas, simult4nea ou sucessivamente, contanto que exis- tam ao tempo em que o direito do primeiro usufrutudrio se torne efectivo (art.° 1441° Céd. Civil) fi. Se 0 usufruto for constituido por contrato ou testamento em favor de varias pessoas conjuntamente, apenas se consolida com a nua propriedade — salvo estipulacdo em. contririo — por morte da altima que sobreviver (art.c 1442° Céd. Civil) (2). Consagra-se neste preceito o chamado direito de acrescer entre usufrutudrios: por morte de qualquer dos usufrutudrios conjuntamente instituidos, o respectivo direito, em vez de se consolidar com a nua propriedade, acresce aos demais usufrutus- tios, apenas se extinguindo todo o usufruto com o falecimento do dltimo que sobreviver (3). (1) Este preceito teve por fonte o art. 2199.° do Cédigo de 1867, cuja doutrina reproduz integralmente. 2) Cfr. art. 2250.° do Cédigo de 1867. 3) Hé diferengas de regime consoante o usufruto é constituido por negécio inter vivos ou por testamento. No primeiro caso, como se assinala no texto, o acrescer supde a cons- tituigéo conjunta do usufruto. No segundo, depende apenas da circunstancia 42 A, CARLOS LIMA A circunstincia do usufruto ser constituido conjunta- mente (4) em rela¢io a varias pessoas faz supor tet-se querido que se mantenha enquanto qualquer dos usufrutudrios dele puder aproveitar (5). ae a presungio que est4 subjacente ao art.° 1442° do Céd. Civil. Mas que, nos termos expressos desse preceito, pode ser afastada por estipulagio em contririo. Quando tal suceda, nao obstante a constitui¢io conjunta do usufruto, no haver4 direito de acrescer: por morte dos usu- frutudrios, as neers quotas (6) ir-se-0 consolidando com a nua propriedade. A constituigio de usufruto mediante contrato (7) pode ter lugar em circunstancias diversas. Pode resultar de um negécio juridico a titulo gratuito ou oneroso, em particular de doacio ou venda. Pode traduzir-se simplesmente na atribuigio do usufruto a outrem, a uma ou varias pessoas. Como pode traduzir-se na atribui¢io do usufruto aos pré- ptios titulares da propriedade e/ou a terceiros, acompanhada da transmissio da nua propriedade a outra ou outras pessoas. Neste iiltimo caso, fala-se, como ¢ sabido, de alienacdo ou transmissio de bens com reserva de usufruto (8). de os legados de usufruto se reportarem ao mesmo objecto (art. 2305.°) (Pires de Lima e Antunes Varela, Céd. Civil Anotado IIT— 399). Aliés, o acrescer entre herdeiros também nio pressupSe a instituicio conjunta (art. 2301.° Céd. Civil). (4) Em matéria de legados, apenas a circunstincia de estes se repor- tarem ao mesmo objecto (cfr. nota anterior). 3) Alberto dos Reis, Rev. Legislacio e Jurisp. 90-278. ‘A expresso é utilizada com as reservas decorrentes do que adiante se_ diz. (7) Ba constituigio de usufruto por negécio inter vivos que directa- een considerar para os fins as indeed ree '8) Tal expresso parece exprimir adequadamente a reali juri- dica a que se reporea, quando se tate de reserva de usufruto em favor do proprictério alienante. Neste caso, essa realidade parece consubstanciar-se no seguinte: atra~ ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 43 A constituigio de usufruto nestes termos refere-se, em matéria de doagdes, o art. 958.° Céd. Civil (9), 0 que no signi- fica que no se possa reservar o usufruto em beneficio préprio e/ou de terceiros em negécios a titulo oneroso. 2.1. A alienagdo de bens com reserva de usufruto tem frequentemente lugar em casos de contitularidade de direitos, em particular no caso de compropiedade: os comproprietirios alie- nam. a coisa comum, reservando para si o respectivo usufruto. Nesta hipétese, tem-se posto a questio de saber se os usu- frutudrios beneficiam de direito de acrescer nos termos do art.° 1442° Céd. Civil. Por outras palavras: alienada a coisa comum com reserva de usufruto, este apenas se consolida com a nua propriedade por morte do iiltimo dos co-usufrutudrios que sobreviver, ou, pelo contrério, vai-se consolidando desde logo relativamente 4s quo- vés do negécio juridico, o titular da propriedade desdobra-a em usufruto enua prowicdade, transmitindo esta a outrem ¢ retendo, reservando, aquele ara si. 7 ‘Jése tem sustentando, no entanto, que o fendmeno deve ser encarado noutros termos: de um ponto de vista Iégico-jurfdico, operar-se-ia, pri- meiro, a transmissio da propriedade plena para 0 adquirente, o qual, por sua vez, constituiria 0 usufruto em beneficio do alienante. ‘Tal construgio decorreria do principio nemine res sua servit, que impede © proprietério de constituir um usufruto em seu proprio beneficio. Trata-se de uma construZo artificiosa que assenta num entendimento incorrecto do mencionado principio, Para a sua critica pode ver-se Alberto dos Reis, Rev. Legisl. e Jurisp. 90-279. De anotar que tal concepgio, a ser aceitavel — mas nio é, repete-se —, constituiria s6lido alicerce para fundamentar a solugio que se daré como boa para o problema fundamental que adiante se examinaré (citada Rev.). 5 Dispde este preceito que «o doador tem a faculdade de reservar para si, ou para terceiro, 0 10 dos bens doados», acrescentando o n.° 2 que, havendo reserva de usufruto em favor de vérias pessoas, simultinea ou sucessivamente, sio aplicdveis as disposigdes dos artigos 1441.° ¢ 1442.°9 Por seu lado, também o art. 944.° aponta em geral —c j4 no apenas nas hipéteses de reserva — para © direito de acrescer entre usufrutudrios quando o usufruto tenha sido constinfdo conjuntamente (cfr. n° 1) por doacio. a4 A. CARLOS LIMA tas daqueles que forem falecendo e 4 medida que isso for suce- dendo? A questo nio oferece dificuldades quando no negécio juri- dico constitutivo do usufruto se estipular que n3o haverd lugar a direito de acrescer — por estas ou outras palavras —. Neste caso, a parte de cada co-usufrutudrio consolidar-se-a com a nua propriedade aquando da respectiva morte. A possibilidade do fenédmeno de acrescer ficar4, entio, exclufda por estipulagio em contririo, nos precisos termos do art? 1442° Céd. Civil. Também nio oferece dificuldades a hipdtese inversa: no respectivo negécio juridico estipula-se que o usufruto apenas se extinguir4 por morte do tltimo dos co-usufrutudrios que sobre- viver, em termos, portanto, de entre eles haver direito de acres- cer. Tratar-se-4, entio de uma estipulacio legitima 4 luz do princfpio da autonomia e liberdade negocial (19). As dificuldades parecem surgir, sim, quando o negécio juridico seja omisso no que respeita ao direito de acrescer: dele nada resulta no sentido de que o usufruto se ira extinguindo pro partes 3 medida que os usufrutudrios forem falecendo, como nada resulta no sentido de que apenas se extinguir4 na totali- dade com a morte do dltimo que sobreviver. E neste caso que assume relevo o art? 1442° do Céd. Civil ¢ a presuncio que lhe esté subjacente. Seri de aplicar esse preceito, com 0 consequente acrescer entre co-usufrutudrios, na hipdtese de os comproprietdrios alie- narem a coisa comum. com reserva de usufruto? (11). Tem-se respondido negativamente a esta questao. (10) A questio que poderé pér-se ¢ a do significado juridico de tal estipulacio, em particular a de ae se eee reciprocas do usufruto das respectivas quotas. (11) Sem quaisquer outras indicagdes, repete-se. Cfr. 0 que se disse anteriormente. ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 4s 2.2. Assim se pronunciou, designadamente, Alberto dos Reis (12), com os fundamentos a seguir referidos. A presungio de vontade assumida pelo art.° 1442.° do Céd. Civil — no Cédigo anterior pelo att.° 2250°—, no sentido do acrescer entre co-usufrutudrios, supde que tenha lugar uma ins- tituigao conjunta do usufruto, nio bastando para o efeito o simples ocasional de existir um usufruto conjunto em relagio a uma mesma coisa (13) (14). Se se realiza uma alienacio com reserva de usufruto em beneficio de terceiros, ou do alienante e terceiros, hi segura~ mente uma instituigi0 conjunta do usufruto. Neste caso, hd, pois, que aplicar o art. 1442° do Céd. Civil: 0 usufruto s6 se extingue na sua totalidade com a morte do tiltimo dos usufrutudrios que sobreviver. Coisa diversa suceder4, porém, na hipétese de os compro- prietarios alienarem a coisa comum com reserva de usufruto. Neste outro caso, no pode supor-se senao que cada um dos comproprietarios apenas reservou o usufruto da respectiva quota. Nao hé, ento, institui¢io conjunta de usufruto, ou, pelo menos, nio pode presumir-se, sem declara¢io expressa, a inten- gio de beneficiar bene — 0 outro ou outros consortes — com © usufruto total. Este entendimento — acrescenta~se — confirma-se se se pen- sar em que a mencionada alienagio pelos comproprietirios, com (12) Rev. de Lepisl. e Jurisp. 90, pag. 275 € segs. ‘A argumentagio a que de seguida se vai fazer referencia foi desenvol- vida pelo saudoso Professor face aos arts.° 2199.° e 2250.° do Céd. Civil de 1867, mas continua a poder ser invocada face aos correspondentes preccitos do actual Cédigo (art. 1441.° e 1442.). (13) Esta ideia pode considerar-se de algum modo reforgada pela redaccio do art. 1442.° Céd. Civil, no qual expressamente se alude ao usufruto constituido tem favor de varias pessoas conjuntamenter, ao passso que © correspondente art. 2250.° do Cédigo de 1867 apenas aludia ao usufruto constituido «em proveito de varias pessoas». ‘Todavia, nio parece haver dévida sétia de que este art. 2250.° também se va apenas aos casos de constitui¢io conjunta de usufruto. 14) Como se assinalou, as coisas j4 no so assim relativamente aos ley de usufruto a mais de uma pessoa (cfr. anterior nota 3). 46 A. CARLOS LIMA reserva de usufruto, se nao distingue jurfdicamente dos dois actos em que pode cindir-se: alienag3o por um dos compropric- thrios com reserva de usufruto da respectiva quota e posterior alienag3o pelo outro comproprietério da sua quota, também com reserva de usufruto. Nesta hipétese, passard a existir um usufruto conjunto dos comproprietdrios sobre a coisa alienada, mas nio pode, é claro, falar-se de usufruto conjuntamente instituido. Por outro lado, facilmente se concluird nfo haver na mesma jpotese qualquer razJo que possa justificar, no caso de morte de um dos co-usufrutudrios, que © outro ou outros beneficiem do respectivo usufruto. As coisas s6 nao serio assim, havendo lugar ao acrescer, se a reserva de usufruto tiver sido expressamente feita em bene- ficio dos demais comproprietdrios, ou seja quando estes tiverem feito doagées recfprocas do usufruto das correlativas quotas. $6 que, entdo, j4 se nfo tratard de aplicar o art? 1442° do Céd. Civil e de fazer funcionar a presungio em que assenta. Tratar-se-4, antes e apenas, de respeitar aquilo que foi convencionalmente estipulado. 2.3. Nao parece que esta maneira de ver as coisas traduza a mais correcta interpretacio da lei. Para melhor situar e procurar dar resposta 4 questo em referéncia, convém recordar algumas ideias sobre © instituto da compropriedade (15) (16). (13) Conforme se assinalard, a solugo que seré dada a0 problema em exame no est4 necessariamente comprometida com aquilo que de seguida se diz sobre a natureza da compropriedade. (16) Sobre a natureza da compropriedade podem ver-se, entre muitos outros: — Lodovico Barassi, Proprieta e Comproprieta, pag. 10x ¢ segs.j — Giuseppe Branca, Comunione — Condominio negli Edifici, 4.* ed., pig. 1 ¢ segs., in Commentario del Codice Civile, de Scialoja ¢ Branca; — Pires de Lima e Antunes Varela, Céd. Civil Anotado, Vol. III, pag. 312 € segs.; — Mota Pinto, Rev. de Dir. ¢ Estudos Sociais, ano XXI, pags. 95 ¢ segs.). A compropriedade € apontada como o tipo de comunhio de origem ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 47 Segundo o art.° 1403.° Cod. Civil, existe compropriedade quando duas ou mais pessoas sio simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa (cfr. também primeira parte do no 1 do art 1405.9). Acolheu este preceito a ideia de que os comproprietarios so contitulares de um tinico direito de propriedade sobre a coisa comum, ideia que parece ajustar-se 4 fisionomia do instituto. Assim, designadamente, n3o pode dizer-se que os compro- prietirios sejam titulares de uma pluralidade de direitos de pro- priedade sobre a coisa comum, que se limitariam uns aos outros no respectivo exercicio. Mas se, quanto ao direito de propriedade, o instituto deve ser encarado desse modo, h4 um outro aspecto que niio oferece divida: independentemente da sua comparticipasao no direito Yinico de propriedade, cada um dos comproprietirios ¢ indivi- dualmente titular de um direito, cujo contetido se exprime em varias faculdades, e em particular na possibilidade de o compro- prictério dispor de toda a sua quota na comunhio ou de parte dela (art.° 1408.°, n.° 1, Céd. Civil). Nao sendo, porém, esse direito de que cada comproprietirio é titular o direito de propriedade — encabegado em conjunto em todos —, resta saber que coisa ¢, afinal. romana, cuja ideia central, na época classica, era a de que cada contitular era proprietério pro parte. Modernamente, as diversas posisoes sobre a natureza da compropric- dade talvez possam resumir-se do seguinte modo: —cada comproprictério tem um dircito de propriedade plena, nao sobre a coisa comum, mas sobre uma quota ideal ou intelectual da mesma; —cada um dos comproprietirios é titular de um di de proprie- dade plena sobre a coisa comum, mas os respectivos direitos limitam-se reciprocamente no seu exercicio; —o direito de propriedade pertence 4 comunh’o, numa perspectiva personalizante da mesma; —erxiste um tnico direito de propriedade sobre a coisa comum com varios titulares, admitindo-se, numa certa variante, a existéncia também de direitos individuais, mas que no podem qualificar-se como sendo de pro- priedade. a8 A. CARLOS LIMA Questio dificil (17). Parece, no entanto, poder adiantar-se que 0 direito de cada comproprictério, no sendo a propriedade, é ainda um dircito in re, um direito com natureza real (18), Nesse sentido aponta a circunstincia de ser susceptivel de posse ¢ usucapido (art. 1406°, n.° 2, ¢ 1287,° Céd. Civil), ¢ também de as faculdades exercidas pelos comproprietirios inci- direm sobre a coisa comum, ¢, quanto ao uso, serem até tenden- cialmente tio amplas como as do proprietitio si (9). No mesmo sentido pode i te apontar-se 0 facto de o direito do comproprietirio poder ser objecto de usufruto ¢ de hipoteca (art.° 685°, n.° 1, Céd. Civil) (2°). Este significado jurfdico do direito dos comproprietirios, a sua apeténcia para se alargar a toda a coisa comum (art. 1411.°, n° 3, art© 1406.9, n° 1, art. 1409.°, Céd. Civil), a sua dnsia de se realizar, numa perspectiva de divisio, em termos de proprie- dade, imprimem a esse direito enquanto dircito carac- terfsticas muito particulares (2!). Dir-se-ia que o direito dos comproprietérios ¢ como que um direito de propriedade em estado de frustragao. De todo o modo, independentemente de preocupagées de construgio dogmitica, ¢ seguro, face ao regime da comproprie- dade, que existem, de um lado, direitos e obrigagdes que se articulam com todos os comproprietirios, com a comunhio (17) Pensa~se que pode afirmar-se nfo ser esse direito um direito de propriedade sobre a respectiva quota. A iedade... nio pode incidir sobre coisas ideiais e abstractas, visto que a sua disciplina pressup5e, como objecto do direito, coisas indivi- dualizadas (de natureza corpérea ou i . Acresce que, se 08 direitos dos compropri ios incidissem no sobre a coisa comum, mas sobre quotas abstractas, havia de concluir-se que a coisa comum nio teria dono, o que é inaceitfvel (Branca, obra citada, pég. 313). 18) Branca, obra citada, pags, 11, 12, 128, 142. 19) Branca, obra citada, . 77; —Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada ,pig. 323. 20) Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada pag. 323. '21) Branca, obra citada, pag. 128. ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 49 e, de outro lado, direitos e obrigagdes que se centram individual- mente nos comproprietarios. Vistas as coisas numa outra perspectiva, pode dizer-se que o regime juridico do instituto exprime a incidéncia de duas esferas de interesses: a esfera do interesse colectivo da comunhio (2?) ¢ a dos interesses individuais dos comproprietarios. Entre as manifestagdes a nivel legal dessas duas esferas de interesses, importa recordar aqui, quanto 4 esfera do interesse colectivo, 0 principio de que sé todos os comproprietarios podem dispor da coisa comum — do direito de propriedade (74) —, €, quanto a esfera individual, o principio de que cada com- proprietirio pode alienar a respectiva quota (art 1408.° do Céd. Civil) (24). 2.4. Nada impede evidentemente que 0 comproprietirio, movimentando-se na sua esfera individual de autonomia juridica, aliene o respectivo direito de participagio na compropriedade —a sua quota —. Nada impede até que, no mesmo acto, mais exactamente no mesmo documento — maxime escritura piblica —, dois ou mais (22) Delonge a mais importante (Branca, obra citada, ps 9) (23) Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, pags. 331 ¢ 332 Podem indicar-se outras manifestagSes da mesma esfera: os demais comproprietarios beneficiam, mediante alargamento dos respectivos direitos, da rentincia liberatéria de qualquer deles (art. 1411.9); — a administrago da coisa comum cabe ao grupo organizado (art.° 1407.°); — os comproprie~ trios esto vinculados ao pagamento das despesas de conservagio ¢ fruicio da coisa comum (art. 1411., n.° 1). Em geral, o principio de que «os comproprietirios exercem, em conjunto, todos os direitos que pertencem ao proprietério singular...» {art. 1405.°, n° 1). Anote-se que a rentincia, no sendo uma causa extintiva da proprie- dade, surge no art. 1411.° como uma forma de extinglo do direito dos comproprietirios (Pires de Lima ¢ Antunes Varela, obra citada, pag. 324). (24) Na perspectiva do interesse individual dos comproprietirios, podem indicar-se ainda a posse da quota (art. 1406., n.° 2), a faculdade de uso da coisa comum (art. 1406.®, n.° 1), 0 dircito aos frutos (art.° 1405.°, n.° 1, segunda parte), 0 direito de preferéncia quanto 4 venda de outras quotas (art. 1409.°). “4 30 A. CARLOS LIMA comproprietérios disponham eee dos respectivos direi- tos de participagio na comunhio (?5). Tratar-se-4, entio, de incorporar mais de um negécio juri- dico no mesmo documento. Se dois ou mais comproprietérios alienam as suas quotas nos termos expostos, com reserva de usufruto, nio hd evidente- mente constitui¢io conjunta de usufruto. Hi, antes, constitui¢o de dois ou mais usufrutos, cada um relativo ao direito de participago — quota — do respectivo comproprietario. Isto, desde logo, porque as alienagdes —e correlativas reservas —tém objecto diferente: cada comproprietério aliena a sua quota. Depois, porque o fazem através de negécios e manifesta- g6es formais autonomizadas, ainda que, porventura, englobadas, por comodidade ou outra razZo, no mesmo documento (26). (25) Nio é raro na pritica seguir-se tal caminho, em particular quanto a contratos promessa de compra e venda. Significard isso que algum, alguns ou todos os comproprietirios promitentes vendedores pretendem distanciar ¢ autonomizar os respectivos Regécios jurfdicos face aos celebrados pelos outros, em termos de serem Tisnclades os cortelativos destinos no que respeita a validade, eficcia e cumprimento dos mesmos. ‘$6 em concreto, em termos de interpretago do negécio juridico, se pode concluir se tal dissociagéo tem ou no lugar. (O referido modo de proceder nio convém, em regra, ao promitente comprador que, em geral, pretende adquirir a totalidade da coisa comum, ¢ no apenas partes indivisas da mesma. Alids, a aquisicZo de toda a coisa comum tem quasc sempre um alcance econémico-pratico diferente da aquisigio s6 de parte dela, para além do que decorre da proporcional diferenga de valor entre 0 todo ¢ a parte. ‘No entanto, em concreto podem verificar-se circunstancias (v. g., um. prego excepcionalmente baixo) que explicam sujeitar-se 0 promitente comprador a correr 0 risco de vir a adquirir apenas alguma quota ou quotas icipagio na coisa comum. (25) "Neste caso, nem sequer se verifica algo que possa corresponder aguilo que, em matéria sucessoria, se designa por conjungio verbis tantum, na qual se abrangem numa sé disposicao (formal) varias pessoas, mas -thes logo quotas. Tal modalidade de conjungio nfo servia de base a direito de acrescer entre os institufdos (cf. Galvao Telles, Direito de Representagio, Substitui- cdo Vulgar e Direito de Acrescer, pig. 229). ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 51 Mas se todos os comproprietirios, como contitulates do tinico direito de propriedade, movimentando-se na esfera colec- tiva dos interesses da comunhio, alienam toda a coisa comum — 0 direito de propriedade sobre a mesma —, com reserva de usu- fruto, j4 as coisas sio diferentes. Neste caso, nao s6 a expresso formal da alienago é tnica, como tmico é 0 negécio € © respectivo objecto —o direito de propriedade —. Trata-se, assim, de uma situac¥o que corresponde ao tipo mais acabado e exigente de conjungio, em que a unidade formal da disposigio anda associada 4 unidade de objecto (27). Traduzindo-se, sem diivida, tal situagio na constituiggo de usufruto em favor de varios pessoas «conjuntamente», tem de entender-se que cai no Ambito de aplicagdo do art.c 1442.° do Céd. Civil (28). Em sentido diverso, diz-se que so equiparveis as duas mencionadas situagdes: a de todos os comproprietérios disporem simultaneamente da coisa comum, com reserva de usufruto, e a de disporem separada, e até sucessivamente, também com reserva de usufruto, das respectivas quotas. Todavia, como decorre do que ficou dito, no se afigura que (27) Ba chamada conjungio re et verbis que, em matéria sucesséria, se traduzia na instituicio de varias pessoas através de uma disposigao formal ce substancialmente una (cf. Galvdo Telles, obra citada, pig. 227). Actualmente, como jé se assinalou, em caso de tiaafrato testamentrio, a lei dispensa para efeitos de acrescer a conjungio formal, contentando-se coma i. de o usufruto se referir a0 mesmo objecto (cf. anterior nota 3). A lei satisfaz-se, portanto com a chamada conjungo re tantum, que liga os institufdos na unidade do objecto, mas nio os engloba na mesma forma verbal (cf. Galvao Telles, obra citada, pag. 228). (28) Anote-se que no mencionado néimero da Rev. Legisl. ¢ Juris- prudéncia nfo se nega, em termos inequfvocos, que seja de afastar nestes casos a ideia de constituicio conjunta do usufruto. Efectivamente, depois de se dizer n3o haver instituigio conjunta do usufruto, acrescenta-se 0 seguinte: «ou, pelo menos, nio pode presumir-se, sem declaragio expressa, a intengio de beneficiar alguém — 0 outro con- sorte—com o usufruto . 52 A. CARLOS LIMA tal equiparacio seja correcta: cada uma das indicadas situagSes traduz uma operagiio de alcance juridico e pritico diferente. Operagies diferentes sob o aspecto formal, quanto ao objecto e, em geral, no seu enquadramento negocial. Na primeira situagio — exactamente ao contrdrio do que acontece na segunda — os comproprietérios dispdem todos, em termos formal e negocialmente unitdrios, daquilo de que somente todos podem dispor: 0 direito de propriedade sobre a coisa comum ou, de todo 0 modo, uma realidade jurfdica que se nio confunde ou esgota naquilo de que podem. dispor individual fraccionadamente. A diferenca que medeia entre as duas situagdes consiste precisamente em que numa delas se dispSe conjuntamente de certa «coisa —o direito de propriedade——e na outra se dispde nao-conjuntamente, separadamente, de «coisas» diversas — as quo- tas—. Deste modo, se nao tem sentido aplicar o art. 1442° a esta situagao, j4 a primeira quadra com todo o rigor ao que nesse preceito se dispde: os comproprictarios dispdem conjuntamente da coisa comum e do mesmo passo reservam ou constituem o usufruto em idénticos termos sobre a mesmissima coisa, ¢ nao sobre quotas da mesma. Alids, o regime juridico das duas situagSes em referéncia também é diferente, como nfo podia deixar de ser, sob outros aspectos. Assim, no que diz respeito 4 matéria de validade, eficdcia cumprimento dos negécios juridicos, no é idéntico o trata- mento do negécio juridico mediante o qual todos os comproprie- thrios alienam. a coisa comum, e dos negdcios juridicos através dos quais autonomamente alienam as respectivas quotas. ‘As diferengas serio naturalmente as que, em principio, decorrem. de, consoante os casos, haver que considerar apenas ar ou varios negécios juridicos, com sujeitos e objectos diferen- los. Por outro lado, nos casos de alienacio Ror todos os compro- prietérios da coisa comum com reserva usufruto, nos ter- ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 53 mos expostos, nao pode dizer-se que nao é de presumir a inten¢io de cada um beneficiar os outros com o usufruto total. Desde logo, nos termos da lei, a constituicio conjunta de usufruto é o indice que serve de suporte 4 presungio que esta- belece: a de que o usufruto apenas se extinge por morte do filtimo dos usufrutudrios que sobreviver. Sendo assim, verificado esse indice, opera tal presungio, nio podendo o interprete substituir ou sobrepor as suas préprias presungdes as do legislador. Se no respectivo negécio juridico, nio obstante a constitui- gio conjunta do usufruto, se estipular que no haverd direito de acrescer entre os usufrutudrios, certamente que ter4 de ser res- peitada essa estipulag3o. Di-lo expressamente o art.° 1442.° do Céd. Civil. Todavia, enquanto nos mantivermos ao nivel das simples presungées, no ¢ legitimo afastar as do legislador por outras que, porventura, se julgue serem mais ajustadas 4 realidade (art.° 350°. do Céd. Civil). Para além disso, dir-se-4 que, no caso de todos os compro- ptietarios disporem da coisa comum, com reserva de usufruto, é de presumir aquilo mesmo que a lei presume. Se os comproprietdrios, em vez de dsporem daquilo de que sd por si podem dispor — as respectivas quotas —, se juntam para dispor daquilo de que sé todos podem dispor — a coisa comum, — expresso unificada das diversas participagdes, como objeto do mesmo negécio juridico, se, em suma, imprimem um cardcter de unidade 3 alienagio, ¢ razodvel entender terem tam- bém querido estender essa unidade 4 reserva de usufruto. Se todos se juntam para alienar tudo, é de supor que, ao reservarem o usufruto, o fazem quanto a tudo para todos. 2.5. Nas consideragdes que ficam feitas esté subjacente a ideia acima mencionada de que na compropriedade existe um finico direito de propriedade com varios titulares. Mas a solug3o defendida para o problema em apreciagio no est4 necessariamente dependente tal ideia. Prescindindo do compromisso a nivel doutrinal que a mesma implica, sempre subsiste como dado seguro que a alienagio por 4 A. CARLOS LIMA todos os comproprietirios da coisa comum — se se quiser, da sintese unificada das diversas participagdes, de 100.) — tra- duz uma realidade de significago juridica diferente da aliena- do parcelada e individualizada das diversas quotas. ‘A disposicgo por todos de tudo coenvolve e determina como consequéncia a aquisicao do complexo de faculdades que inte- gram o direito de propriedade. Assim nio sucede com a alienagio auténoma e fraccionada das diversas quotas, enquanto tais, pois nenhuma delas pode assegurar ao adquirente aquele quid juridico de plenitude que as transcende e esta associado ao controlo juridico global da coisa comum em termos de propriedade. Nenhuma das alienages nesses termos pode assegurar tal resultado como o no assegura a simples adicio de todas elas: a respectiva soma nio pode ter natureza qualitativamente dife- rente das parcelas. Se os comproprietdrios transmitem a pessoas diversas as suas quotas, nenhum. deles transmite mais do que a realidade juridica que as mesmas exprimem, e que nao é o direito de propriedade sobre o bem comum. E as coisas nfo mudam se por coincidéncia as transmiss6es sio feitas para uma sé pessoa, na mesma ocasiio ou sucessiva- mente. O adquirente nio pode receber de cada transmitente mais do que este pode transmitir —a quota —¢ nenhum nem todos enquanto cada um podem transmitir o mencionado quid de pleni- tude que exprime o direito de propriedade. S6 a circunstincia, logicamente posterior, de todas as quotas se concentrarem numa nica pessoa, a circunstancia — passe 0 paradaxo —de uma sé pessoa passar a ser todas, faz com que o adquirente assuma o complexo de faculdades do direito de propriedade. Por outras palavras: é a transformagio da compropriedade em propriedade manifestada nas maos do adquirente que faz com que este passe a dispor do conjunto de faculdades que anterior- mente sé pertenciam a todos os comproprietérios agindo em con- junto. ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 55 Em resumo, qualquer que seja a posigio doutrinal dada como boa na matéria, é seguro ser aguilo que os comproprietarios alienam em conjunto uma realidade juridica diferente das que alienam individual e separadamente—as quotas —. Deste modo, pode reafirmar-se o que acima foi dito: diver- samente do que sucede quando alienam autonomamente as respectivas quotas, no caso de todos os comproprietirios simulta- neamente alienarem a coisa comum, esti-se face a uma disposi- do formal e substancialmente conjunta, em particular quanto ao objecto, que implica, em relagio ao usufruto reservado, a apli- cagio do disposto no art.° 1442.° do Céd. Civil. 2.6. Mas, a luz do exposto, supde-se que se deve ir mais longe. ‘Julga-se, na realidade, que para efeitos de aplicagio do indicado preceito legal se impde equiparar ao caso de todos os comproprietarios alienarem, com reserva de usufruto, a coisa comum a hipétese de apenas alguns dos comproprietdrios disporem, com a mencionada reserva, da sua particicapio na compropriedade: A, titular de uma quota de um quarto, ¢ B, titular de quota idéntica, alienam, com reserva de usufruto, metade da participagio na compropridedade. ‘Aqui ja niio pode dizer-se que A e B, em vez de disporem apenas das respectivas quotas, dispdem do direito de propriedade: para que tal sucedesse seria necessério a intervengio de todos os comproprietarios. Todavia, isso nio prejudica que se deva entender verificar-se um fenémeno de conjungio. A e B, tendo evidentemente legitimidade para disporem, associados, de metade da coisa comum, optam por fazé-lo, tra- tando como uma, unificadamente, as respectivas quotas indi- viduais. Ainda aqui se deve dizer que 0 objecto mediato do negé- cio — metade da compropriedade — é um s6, diferente do objecto dos negécios que separadamente A e B poderiam celebrar em relagio as correlativas quotas. ‘Ainda aqui a concepgio conjunta do negécio, na sua dimensio formal e quanto ao objecto unitariamente tratado, 56 A. CARLOS LIMA implica a aplicagio do disposto no art.° 1442? Céd. Civil: sendo reservado para os alienantes 0 usufruto daquilo de que dispdem em conjunto, o mesmo apenas que se extinguir4 com a morte do iltimo dos co-usufrutudrios que sobreviver. 2.7. Na linha de pensamento que se tem vindo a expor, parece poder invocar-se o disposto no art®. 958.° Céd. Civil. No n° 1 deste preceito, consigna-se de modo expresso, ainda que desnecessariamente, que o doador tem a faculdade de reservar para si ou para terceiro o usufruto dos bens doa- dos (29). No n.° 2 diz-se que havendo reserva de usufruto em favor de varias pessoas, simultanea ou sucessivamente, sao apliciveis as disposigdes dos artigos 1441.° € 1442.°. Esta disposigio nao faz distingdes, nem se vé motivos ara as fazer. Assim, deve entender-se que se reporta as duas ipdteses previstas no n.° 1: tanto a hipétese de a reserva de usufruto ser feita para os doadores como 4 de ser feita para terceiros. Se a lei quisesse restringir a aplicacio dos indicados, arts.° 1441° e€ 1442°—a presun¢ao neste consagrada — apenas ao caso de a reserva de usufruto ser feita a favor de varios tet- ceiros, té-lo-ia dito nesses termos. Por outro lado, na medida em que o mencionado n.° 2 tam- bém abrange a reserva de usufruto a favor dos préprios doadores, nfo tem evidentemente em vista o caso de varios doadores, ainda que no mesmo documento, doarem cada um de por si, coisa que apenas a cada um pertenga. Neste caso nio tem (29) Nada permite supor que 0 usufruto no possa ser reservado em quaisquer outros negécios jurfdicos, em particular na compra e venda. a n° 1 do art. 958.° € manifestamente afloramento de um principio eral. : Tal preceito explicar-se-4 pela preocupagio de afastar quaisquer diividas que sobre a possibilidade de reserva de usufruto pudessem filiar-se na velha regra de que donner et retenir ne vaut (Pires de Lima e Antunes Varela, Coe Civil Anotado II-202) (Cf. anterior nota 8). a sua insergio no mbito das disposig&es sobre doagdes explicar-se~d por nestas serem particularmente frequentes as reservas de ito. ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 37 sentido qualquer fenémeno de acrescer entre os usufrutos auté- nomos, estando antecipadamente excluida a possibilidade de aplicagio do art.° 1442°, por isso que nio pode falar-se de insti- tuicio conjunta. Deste modo, enquanto se reporta 4 reserva de usufruto para os doadores, o citado n.° 2 parece ter precisamente em. vista as hipdteses de contitularidade de direitos sobre a mesma coisa, em particular a compropriedade. Mas, a ser assim, se 0 indicado preceito diz, além do mais, que nos casos de contitularidade de direitos h4 que aplicar a presungio consagrada no art. 1442.°, no sentido do acrescer entre co-usufrutudrios, nio pode afirmar-se, em contrario, que nos mesmos casos apenas se pode presumir que cada contit somente quis reservar o usufruto da respectiva quota. Assim, segundo se afigura, o art. 958.° Céd. Civil con- firma o que se tem vindo a sustentar: salvo estipulagao em contri- tio, se os comproprietérios alienarem com reserva de usufruto a coisa comum — ou a quota global que na mesma lhes perten- cer —, o usufruto somente se extingue na totalidade nos termos do art. 1442.°, com a morte do iltimo dos usufrutudrios que sobreviver. 3.1. Mais frequente na pratica do que alienacio pelos comproprietarios, com reserva de usufruto, da coisa comum é © caso de os cOnjuges alienarem — em particular mediante doa- gio — bens comuns, com a mesma reserva. Também aqui se pde o problema de saber se ¢ aplicével o disposto no art. 1442.° Cod. Civil: na falta de qualquer estipu- lacdo, num sentido ou noutro, a tal respeito, o usufruto reservado apenas se extingue na totalidade com a morte do dltimo dos conjuges que sobreviver ou, diversamente, extingue-se logo quanto a metade com a morte do primeiro que falecer? Como facilmente se concluiré, as consideragdes acima feitas sobre 0 mesmo problema no 4mbito do instituto da compropriedade também sao aqui apliciveis. Em particular, a alienacgio pelos cénjuges, nos termos expostos, de bens comuns traduz-se numa disposigio formal ¢ 58 A. CARLOS LIMA substancialmente conjunta que, como tal, cai no ambito do men- cionada art. ee 7 E, nesta hipdtese, nem mesmo se pode argumentar em sen- tido diverso ns pee sucede em elaeio 4 compropriedade — dizendo que a alienacio pelos cénjuges de bens comuns se pode desdobrar juridicamente em dois actos, ou seja na disposicio por cada cénjuge da respectiva quota nos bens alienados. Efectivamente, conforme é sabido, na comunhio conjugal, no hi margem para operar, nesses termos, com pretensas quotas dos cénjuges. Tal comunhio est préxima da chamada propriedade colec- tiva ou de mao comum & direito germinico, assumindo nela a contitularidade de direitos, sob diversos aspectos, configu- racio e significado juridico diferentes dos que tem na compro- priedade. Designadamente, no s6 os bens comuns pertencem a ambos os cénjuges como titulares de um tnico direito de proprie- dade sobre os mesmos, mas também nio hé lugar a qualquer divisio, mesmo ideal, em quotas (3°). Daf que nenhum deles possa dispor de qualquer quota no patriménio comum, E também nio possa dispor de qualquer quota nos bens concretos que integram o mesmo patriménio. Em principio eem geral, sé ambos os cénjuges em conjunto podem dispor dos bens comuns, em particular dos iméveis comuns (art. 1682.°-A, art. 1682.°, n.% 1 € 3 ) (34). (30) Pereira Coelho, Curso de Direito de Familia, I-Dircito Matri- monial, 1970, pag. 122 a 126; — Antunes Varela c Pires de Lima, Céd. Civil Anotado IV-396; — Castro Mendes, O Direito de Familia, 1978/79, pags. 125/126;— Mota Pinto, Revista de Direito e Estudos Sociais, XXI- -98. (31) Conforme é sabido, no é simples o regime das relagdes patri- moniais no casamento. Por desnecessério para o fim em vista, no hé que entrar no exame desse regime, mas apenas que assinalar aspectos muitos precisos ¢ delimitados do mesmo. Dir-se-4, no entanto, que por razbes ligadas a defesa da familia no plano patrimonial, também para a alienagio de iméveis préprios € necessé- ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 59 E quando algum deles tem legitimidade para dispor sé or si de tais bens tem-na em relacio 3 totalidade dos mesmos ‘art. 1682.°, n.° 2), ¢ no em relagdo a qualquer pretensa quota. Quando existe tal legitimidade, pode de certo o respectivo cénjuge dispor em concreto somente de parte dos bens comuns. Todavia, tal no significa, como logo se vé, que tal modo de proceder esteja em correlagio com qualquer quota de participagio do cénjuge nos mesmos bens. Significa apenas que o respectivo cénjuge, podendo dispor do todo, também pode, é claro, dispor apenas de parte. Precisamente por isso é que o cOnjuge com a mencionada legitimidade tanto pode dispor de metade — a fracgdo que seria imagindvel em termos de quota — dos bens comuns como de um. terco, trés quintos ou qualquer outra fraccio dos mesmos. De todo o modo, decorre do exposto aquilo que se come- cou por assinalar: nio podendo qualquer dos cénjuges dispor de quotas no patriménio comum ou nos bens concretos que 0 inte- gram, nio pode argumentar-se aqui, para afastar a ideia de conjungio em que assenta a plicagio do art. 1442.°, com a observagao de que a alienagio conjunta pelos cénjuges de bens comuns seria juridicamente cindivel em dois actos, a aliena- do separada por cada cénjuge da respectiva quota. 3.2 No que respeita 4 alienacio pelos cénjuges de bens comuns com reserva de usufruto, pde-se, na vigéncia do Céd. Civil de 1867, 0 problema de saber se 0 usufruto reservado em favor de ambos os cénjuges, por estipulagio expressa ou por aplicagio do disposto no art. 2250.°—correspondente ao actual rio 0 consentimento de ambos os cénjuges, salvo se entre eles vigorar 0 regime de separagao de bens (art.” 1682.°-A n.° 1). Todavia, o significado juridico da intervengio de qualquer dos cén- juges na alienagio é, naturalmente, diferente consoante tem lugar como ‘contitular de bens comuns ou em termos de apenas autorizar a alienagio de iméveis proprios do outro. Designadamente, neste caso, sendo reservado 0 usufruto — sem mais indicagdes —, nao se afigura que possa entender-se ser aplicdvel o agt. 1442.9, dada a circunstincia de os bens pertencerem apenas ao cénjuge alienante. 0 A. CARLOS LIMA art. 1442.°— envolvia ou nio uma doagio reciproca de usufruto entre os cénjuges. O interesse da questo resultava do disposto na redaccio inicial do art. 1180.°, segundo o qual os cénjuges nio podiam fazer doacio um ao outro no mesmo ¢ tinico acto. A jurisprudéncia orientava-se em sentido negativo, mas 0 problema foi ultrapassado com a redaccio dada aquele art. 1180.° pelo Decreto Lei n.° 19 126 de 1930, que excluiu do ambito do preceito «as deixas ou reservas de usufruto para o sobrevi- vente, feitas no acto da doag&o de bens seus a terceiros» (32). E tal dispositivo foi mantido no art. 1763.° do Céd. Civil vigente (33). 4.1. Finalmente, quanto 4 alienagio de bens da heranca, com reserva de usufruto, pelos respectivos herdeiros, dir-se-4 serem igualmente aplic4veis as consideracdes feitas anterior- mente, devendo entender-se ser aplicivel 4 alienacio nesses termos — salvo, é claro, estipulagio em contririo — 0 disposto no art. 1442.° Céd. Civil. Adiantam-se sobre esta hipétese breves observagées, sem desenvolvimentos aqui desnecessirios. Conforme é sabido, em relagio ao patriménio hereditirio como universitas, tem os herdeiros direito a uma quota ou quinhio que podem mobilizar, particularmente em termos de disposi¢ao (art. 2124.° e segs. do Céd. Civil). Todavia, relativamente aos bens concretos e determinados que integram a heranga, nfo sio os herdeiros titulares de qualquer quota de que possam dispor. Salvo excepgdes que aqui nao interessa considerar, des- 32) Cf, Rev. Legislagio e Jurisprudéncia 80-276 ¢ 73-347. 33) Uma outra questo que se punha,c pee por-se, era a de saber se os cOnjuges nao jé cm doacées, mas em vendas a terceiros podiam reser- ‘var o usufruto até 4 morte do tiltimo, dada a circunstancia de 0 at. 1180.° apenas se reportar a doagSes. Parece que se impunha uma resposta afirmativa a tal questo, como pés em relevo Alberto dos Reis na Rev. de Legislagio e Jurisprudéncia 78-281. ASPECTOS DO USUFRUTO SIMULTANEO E SUCESSIVO 61 ses bens apenas podem dispor todos os herdeiros (art. 2091.° do Céd. Civil) (34). E, assim, quando o fazem, com reserva de usufruto, fazem- -no em. termos de conjuncio, com a consequente aplicagio ao usufruto reservado do disposto no art. 1442.° do Céd. Civil. Também aqui, tal como na comunhio conjugal, nem sequer pode dizer-se — para afastar a aplicacdo do indicado preceito — que a alienagio se pode cindir em varias alienagdes das quotas dos herdeiros: essas quotas nio existem e, portanto, nio podem ser alienadas. Sé todos os herdeiros em conjunto podem alienar quais- quer bens da heranga. (34) Oliveira Ascengio, Direito Civil — Sucessdes, p4g. 417-419.

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