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Cultura Cultura Vol. 24 (2007) ‘Cultura intelectual das elites coloniais Kapil Raj Conex6es, cruzamentos, circulagées A passagem da cartografia britanica pela India, séculos XVII-XIX ‘visa ‘conaido deste webste et sued leglag ances ste a propriadadenelectualepropredade exclusiva ocd. (0s trabahesdpenbllzados neste este podem ser consutados ¢repeduados er papel ou suport dgtal desde que asa ublizacio sea esrtamente pessoal cu para ns Genco ou pedoobns,exchindo-se qualquer exlorarie camera. A epraducio devers menconar obgatoamerte oer, © nome dt revista, 0 autr © a relertcla de dacnt (Qualquer otra era de reprducéo ¢interdta sake se auterizads prevamente plo editor, excepto nos casos restos pela leplacdo em gr em Franca revues.org Rewues org € um portal de rvistas das clncas sci ¢humanss desarwolvse pelo CLLO, Centra para a eacio ‘etioica setea (CS, EHESS, UP, UAPV Franca). fefertcia eetréica al Fal » Conxdes, crzaments, rages» Cura {Onn}, 24 2007, posto ene no dl 10 Outre 2013, corsutado 2 09 Dezembro 20:3, URL: htpjcuturazewes.o877; DO: Y0.¢o0oluRre.877 tor Cento de Hist d Caltura Inepeatura ewes.og itpurewewues.og Documenta acessivel one em: hipseuturavewes.o877 Ete documenta facsimile da edgSo em papel © Canta de tra ds Cara tere 242007 Conexées, cruzamentos, circulagées A passagem da cartografia britanica pela {ndia, séculos XVII-XIX" epitRay” Nas ultimas décadas deram-se profundas modificagdes na concepcio da histéria das ciéncias,De uma visaéaté entao dominante, segundo a qual a ciéncia teria uma logica pro pria de desenvolvimento ~ construindo-se segundo procedimentos explicitos ¢ imutavels, tempiricamente testados em condigdes bem circunscritas e controladas e, portanto, sem decorter, de manelra alguma, de um qualquer tratamento histérico e social -,0 olhar dos histotladores das ciéncias voltou-se para as prdticas, sejam as praticas materials e socials, sejam as praticas cognitivas,o saber-fazer assim como 0s saberes, cujo conjunto constitu a clencla que se esté a fazer, ‘A mobllizacao de disciplinas t80 variadas como a histéria, a sociologia, a economia, a filosofia e a antropologia, contribulu para dar a conhecer a natureza negociada, contin- gente e local dos enunciados e dos objectos que constituem a ciéncia moderna, Os estu- dos recentes revelam assim que estes enunciados, objectos e praticas 56 se deslocam do seu lugar de invengao,¢ portanto s6 se universalizam,a custa de acomodacdes que con- sistem em reconfigurar os novos objectos ou procedimentos cientifcos e o corpo social ‘em que se Inserem. Exportar os produtos da cléncia para fora do seu lugar de concepcéo ‘ou de fabricagao exige a réplica dos instrumentos, saber fazer, gestos, protocolos,civilida- des da prova, regras e convengbes sociais e morais..., ou a recomposi¢ao do equilibrio entre todos estes elementos; tals so as condigées que permitem dar a0 mesmo tempo um sentido e uma utilidade 20s produtos da ciéncia que sio transferidos.A nogdo passiva de dlifusdo, assim como acontece para outras actividades culturais e materiais humanas, sucederam as nocbes mais activas, de recepgées, de representagdes e de apropriagbes his- ‘toricamente situadas.! Contudo, 0 novo othar dos historiadores das cléncias limitousse, até hoje, 20 horizonte ocidental;o resto do mundo teria assistido & imposico da nova vulgata cientifica pela Tradugéo do francs de Catarina Madeira Santos. * EHESS Pais Para uma apresentagdo mals completa desta renovacio na stra das ciéncas, ver Dominique Peste, “Pour une histoire socale et cultuelle des sciences. Nouvelles défntions, nouveaux objets, nouvelles pratiques’, Annales HSS, 1995,50-3, pp. 487-522 forga do conquistador.A ciéncla moderna é em larga medida olhada como o paradigma de tum discurso hegeménico do poder ocidental, uma formagéo discursiva através da qual o resto do mundo esté 20 mesmo tempo subjugado e relegado ao controlo do Outro bina- rlamente oposto. Deste ponto de vista, a difusdo da ciéncia ocidental seria conseguida ‘gracas 8 imposigo, muitas vezes violenta, de praticas“racionais" a outras culturas"a-cien- tificas”: Por exemplo numa obra recente que estuda a exploracio britnica do Sul da Asia nos séculos XVII e XIX, Mathew Edney afirma que a “cultura cartografica’ resulta de uma transplantagéo da Europa para a India pelas elites briténicas daquilo a que ele chama uma "arquitectura espacial que tem as suas rafzes nas mateméticas e estruturas nao indianas! 20s bitanicos nandla~ continua © mesmo autor~a medida ea observago propriasa cada acto de agrimensura representavam a cigncie. Medindo atera,impondo aciénciaea racionalidade europeias 2 espaco indiano,os ritdnicosdistinguiam-se dos indianos:eles faziam cléncia,os Indianos no, ou pelo menos de maneiraimitada e nesse caso, apenas a pedido expresso do funcionério bitanico[....a prética cartografica ~ os trabalhos de levantamento e compilacSo dos mapas ~ eram na ua esséncia uma actividade 20 mesmo ‘tempo cientific britanica."0 levantamento cartografico afirmava assim o dominio brits nico sobre 0 espago indiano, reduzindo o espago hindu mistic e religioso da India a uma estrutura imperial do espacoracionalecientifico Estes recenseamentos constitutigm um “pandptico” controlo sobre o campo e as populagdes indianas. Quanto aos autéctones eles seiam, quer autématos subalternos ao servigo dos Brita ‘opunham & ordem imperial perturbando as actividades de agrimensura, ‘ho assinalar a rela intima entre ciénciae poder, estes estudos constituemse como uum antidoto para a idela amplamente suportada de que a difusio da ciéncia moderna decorreessencalmente das racionalidades das suas proposicBes; todavia, eles sustentam 0s seus argumentos na sugestdo,na suposicdo,na assergdoe, por vezes, fazer mals apelo ‘a um pensamento politicamente correcto do que & demonstragao da sus visio da hist6- fia, Ao langar este novo olhar sobre a histéria das ciéncias para lé do horizonte ocidental, ppodemos surpreender uma realidade mais complexa e mais subtil. Ao explorar 0 mesmo Jentfico proporcionando 20 colonizador uma rede global de vigilancia e de s,quer camponeses insubordinados que se 2 Ver por exemplo, Gyan Prakash, Another Reason. Scence and the Imagination of Modern Indl Princeton, Princeton University Pres, 198 * Matthew Henry Edney, Mapping an Empire. The Geographical constuction of Bish India, 1765-1843, CChicago/Londres, The University of Chicago Press, 1997.As ctagSes si reticadasrespectvamente das piiginas 25 32.Para a parte que respita resistencia dos camponeses indianos ver p.225 s Ve tam bbém o ndmero especial cansagrado &etnogratia colonial da revista South Asia Research, 1999, 19-1 em particlara contrbuigaa de Gloria Goodwin Raheja"The Aaib-Gher and the Gun ZamZammah: Colonial Ethnography andthe Elusive Politics of radon” Inthe Literature of the Survey of India pp.29-52 Conese mareto cece 197 ‘tema abordado por Matthew Edney, vamos, ao contrério dele, mostrar que a histéria do desenvolvimento das ciéncias consideradas pela geografia néo é apenas o resultado de trocas e acomoda¢6esintra-europelas mas mais do que isso, de trocas activas,se bem que Inscrtas em relagées ce poder assimétricas,com as culturas clentficase técnicas de outros, continentes. Como afirma Frederick Cooper, hoje o desafio para o historlador consiste em Wo pensar o poder que ests por detris da expansio europeia como um poder absoluto, ‘mas em estudar a conftontagdo de diferentes formas de organizacSo social sem as tratar como autrquicas e auténomas™ ‘Assim, este estudo insere-se plenamente na familia das modalidades historiogréficas recentes, tals como a historia conectada, misturada e cruzadat. Como nao encontrar uma comunidade de interesse com aqueles que interrogam os laos, materalizados a esfera social ou simplesmente projectados, entre cliferentes forracées historicamente constitu as,oucom aqueles que apelam ao historiador para que ele"restabeleca as conexées con- tinentaise intercontinentals que as hstoriografias nacionals se aplicaram, durante muito tempo, a desligar ou a escamotear impermeabllzando as suas fronteiras"? Todavia cada uma destas abordagens tem a sua especfcidade, cada uma procura distinguirse das ‘outrasjaqui,um dos nossos objectivos consstré em situaranossa propria abordagem em relagao a estas outras correntes racionaisevzinhas. Comecemos entio por esbocar o estado das priticas geogréficas no Sul da Asia e na Gra-Bretanha em meados do século XVI, no iniclo da colonizacio. Depois, segulremos a circulagéo do uso destas préticas no decurso da emergéncia concomitante do império britanico da India e da prépria Gré-Bretanha enquanto nacéo que integrava a Escécia © © Pais de Gales’ Por fim, examinaremos os esforcos da East India Company para controlar Fredelek Cooper, *Conflct and Connection: Rethinking Colonial Atcan History; American Historical Review, 1994, 99 5, pp. 1516-1545 aqui. 1517 * Para uma apresentacéo destas abordagens, ver respectivamente Sanjay Subrahmanyam, “Connected Histories: Notes Towards @ Reconfiguration of Early Medem Eurasia Modem Aslan Stules, 1997, 31-3, pp. 735-762, e Serge Gruzinski,"Les mondes mélés dela monarchie catholique et autres connected his ‘ores, Annales HSS, 2001, 56-1, pp. 85-117; Arjun Appadura, The Social Lif of Things. Commedites in ultra Perspective Cambri, Cambridge University Press, 1986,e Nicholas Thomas, Entangled Object, Exchange, Material Culture, and Colonialism in the Pai, Cambge (Mass, Harvard University Pres, 1991; assim como a contrbuigdo de Michael Werner e Bénécicte Zimmermann Penser Histoire crolsée: entre empire et rflenvtsin De a comparison &Thstoire crise, Pars Le Seul, 2004, 236 pages.” Le Gere humain Serge Gruzinski*Les mondes mélés.cop.c, 87, Linda Coley, Britons Forging the Nation, 1707-1837, New HavervLondtes, Yale University Press, 1992. Ver também Roy Porter e Milas Teich (i), The Slentife Revolution in Ntional Context, Cambyidge, Cambridge University Pres, 1981 2 citculagao dos mapas e para os tomar instrumentos indispenséveis & administragio e 3 mobilidade modernas. Praticas geograficas nos séculos XVile XVIII O contacto directo entre a India e a Inglaterra data do estabelecimentos da East India Company (a partir de agora EIC) em 1600. Tendo ido participar do comércio lucrativo das especiarias e outros produtos de luxo, nicialmente os Ingleses néo eram mals do que algumas centenas de civis dois ou trés mil soldados. Mesmo no apogeu do Império, no século XIX, a presenga britnica na india nunca excedeu algumas dezenas de milhares de civis, um nimeto sempre demasiado reduzido pare que pudessem dispensar os interme- distlos aut6ctones na maior parte das tarefas comercials, administrativas e técnicas*, Por outro lado, & necessério notar que, no Oceano Indico, o comércto existia muito antes da ‘chegada dos Europeus. Estes tltimos precisaram entdo de negociar a sua introdugso nas redes comercias jf bem estabelecidas e que se estendiam do Préximo Oriente e da Aftica Oriental a Asia do Sul e & China.0 subcontinente indiano, rico e produtivo,era um ponto de passagem obrigatério por razbes geograficas e econémicas".De facto, desde a sua chegada, estabelecera-se uma colaboragao entre os Britanicos e certos sectores da populacao local: bbanians (banqueiros e mercadores), armadores,munshis(secretérios), dubashisintérpretes), harkaras (informadores de mao), artesaos (tecel6es,joalheiros,carpinteiros,construtores de navios, marinhelros... No quadro das rivaidades inter-europeias da segunda metade do século.XVl (em particular com os Franceses),esta colaboracao chegou a levar ao estabele- cimento de um exército que compreendia soldados,artfices e armeiros indigenas. No decurso dos séculos XVII e XVII, como aconteceu cam outros impérios que comer- ciavam com 0 Oriente, os Britanicos cartografaram os mares e as costas entre a Europa e ‘a Asia,De facto, mapas e roteiros maritimes eram utensilios indispensdvels & navegac3o formavam uma parte essencial da bagagem do bom marinheiro desde o século Xil pelo menos” Porém,os Europeus,na Asla,no faziam grandes esforgos para cartografaro inte * Segundo uma estimativa durante a primeira metade do século XX, para. aprovinca de Macias a pro porgio de Briténicosrelativamente 20s indianos que estavam ao servic da admiistragio colonial era de 1 pare 180, Ver Robert E.Frykenbera, Guntur Distt, 1788-1848, Histor of Leal luence and Central ‘Auterity in South Inca Oxford Clarendon Press, 1965,p.7. * Ver Asin Das Gupta, The World of the nian Cceon Merchant, 1500-1800 Delhi, Oxford University Press, 200% ara uma historia das téencas de navegagdo oceanic, ver Eva Germaine Rimington Taylor, The Haven- Finding rt. History of Navigation from Odysseus to Coptan Coo, Londres, Hols & Cater, 1956. Taylor ‘mostra que o primero mapa portuéio europeu conhecido data de cerca de 1275.Na mesma époce, 0 Viajante Marco Poo assnalao uso de mapas martimos no Oceano Indico, Por outre lado sabe-se que os Turcos eos Arabestambsém utilizavam mapas markimos no Mediterraneo eno Oceano indica Ver Gerald Fior,em parte porque as suas feitoras estavam sitvadas quer nas costas quer, como em Bengala,na foz dos ros mas também porque os mapas s6 passaram a fazer culturalmente parte do vade-mecum do viajante tereste a partir do século XIX.Parao interior, contavam principalmente com as informagées colectadas pelos viajantes ¢ com os misslondrios que eencontravam no seu caminho, informando-se constantemente ou, com mals frequéncla, alugando 0 servico de guias locas. Duas cartas excepcionais - como a de Jean-Baptiste Bourguignon d'Anville que publicou, em 1752, um mapa da India ~ baseavam-se na geo- ” Ver Christopher Alan Bayly, Empire and Information: Intelignce Gathering and Social Communication in Indi 1780-1870, Cambridge, Cambridge University Pres, 1996, p20. Jean Bemoull (de), Description. 9p. vol, 6, ok. I.9.267 59:"Des ange & du Gagra, avec une tds ‘grande Carte, par M.Anquetil Du Perron de Acad. des Ins & 8. Interpreted Rol pour les lngues otentales, Paris” dores] ou responde ele mesmo, porque é preciso responder; eo ntimero de cosses,0 nome dos lugares € langado no Itineréro, sobre o Mapa, O que acabo de dizer, vi-o com os meus préprios olhos, Em 1750, disse como brincadelra a M.de St.Paul, em segredo Doltabad, que contara na Europa como ele fzera para preparar os Mapas que allés me pareceram feitos de forma muito adequada: seu Dobachitinha-mo confessado. Ele respondeurme no mesmo tomindo acreditardo em si, acredltardo nas meus mapas”. James Rennel(1742-1830),’sem davida oprimeiro grande geégrafo ingléspode sercon- siderado como o primeiro inglés a ter sistematizado 0 uso destas tradigdes dispares, con- Juntamente com 05 métodos europeus de levantamento costeiros e terrestres". Nascido rio Devonshire e muito cedo rf, Rennel fol educado por Gilbert Burrington, vigério da lgreja vzinha de Chudleigh. Ali, este tltimo assegurou ao repaz uma educacéo elementar, proporcionando-Ihe, com catorze anos, um emprego de porta-bandeira num navio inglés ‘no inicio da Guerra dos Sete Anos (1756-1763). Operando ao largo das costas da Bretanha,o Jovem James aprendeu pela pritica a arte do levantamento,costelro e portusrio Fol este magro saber- fazer que Rennell teve a vantagem de utilizar e de desenvolver na India de 1764 a 1777,quando conseguiu um emprego ao servigo da EIC, como engenheiro a experiéncia, no exacto momento em que © governo de Bengala procurava desespera- Ibid, vot, pp. 466-467. 2 Clements Robert Markham, Major James Rennell and the Rise of Modern English Geoirophy, New York, Macmillan & Co, 1885,p.9. » Instrugbesa James Rennell datadas de6 de Maio de 1764, redigldas par Henry Vanshtart sq,Governador {de Fort William, reimpressas in. H.0.La Touche (lt), The Journal of Major James Rennell Witten fo the Information fr the Governors of Bengal during his Surveys ofthe Ganges and rabmmaputra Rivers 1764 to 1767,Calutta, Asiatic Society, 1910,p.9.Rangafula¢ 0 nome da enseada que liga Hougly aSunderbans. ° (bi Ver também a correspondéncia de Renn com o su tutor reverendo Gibert Burington [OR ms £ur/01073,005 seus mapas manuscritos ns aquivas da Royal Geographical Soiey.Londres.. No seu regresso a Inglaterra, em 1777, quando decidiu editar os mapas de Bengala, de Bihar e de Orissa e, mals tarde, do conjunto do subcontinente, Rennell serviu-se da maior parte dos seus levantamentos fluvias, Para o testo, embora conduzsse alguns dos reco- rnhecimentos terrestres, principalmente & volta da regido do delta, Rennel apolouse nos didrios de marcha dos soldados e agrimensores, quer indians quer europeus. A partir deste didros e relatos de viagem, assim como dos de outros vajantes e missionérios euro- ppeus easaticos,comegou a compilar 0 seu mapa de Bengala e depois ormapa do conjunto do subcontinente indiano.£ interessante mencionar que ele referiu todas estas fontes na Introdugo ou Meméria que acompanhou o seu primelro mapa do subcontinente indiano editada em 1783.A cabeca destes peripatéticos’figuram um sipalo, Ghulam Muhammad, “para as rotas ea regido entre Bengala e o Deco! Mirza Mughal Beg para o Noroeste da {ndia,e Sadanand, “um brdmane de génio e saber fora do comum’ ~ segundo os préprios termos de Rennel para o Guzerate”.Os informadores europeus compreendiam normal mente os jesuitas Monserrate eTiffenthaller,e franceses que estavam na India tals como ‘o marqués de Bussy Jean Law de Lauriston, Antoine Polier Claude Martin - que depen- diam, eles préprios,jéo vimos, em grande parte, dos saberes autéctones" E Rennel, com certeza, deu grande uso aos quadros do Ain- AkbariNo prefécio da primeira edicao da (Mémoire, escreveu assim “Para a divisio do Hindustéo em provincias etc, segul o esquema adoptado pelo impe- rador Akbar, porque me parecer ser 0 mais permanente: as ideias de frontelra no esto apenas impressas no esplrite dos indigenas pel tradigdo, mas estdo também precisadas no Ain’ Akbar, anurio que faz autoridade"™. Para mais, na cartuxa emblematica situada em balxo & direita do mapa da peninsula, ‘vemos representada a cooperacio entre elites indianas e britanicas, um bramane que ofe- rece & Britannia manuscritas sagrados, outros bramanes que esperam com outros manus- critos nos seus estojos", 2 James Rennel, Memoir of @ Map of Hindooston, or the Moguts Empire, 1. ed, Londres edigdo de autor, 1783,p.vi 66 n.©.69;e A Bengal Alas. Containing Maps ofthe Theatre of War and Commerce on that Side of Hindoostan, Londres, 1781, px. Poa a descicio de Sadanand por Rennell era edi de 1793 du Memo. 185,06. > Jean Bernoul (di, Description. op. ct, vol. . I. Sobre Martin e Poliey,ver respectivamente Rosie LUewellyn-Jnes,A Ver Ingenious Man: Claude Martin in Early Colonial india, Del, Oxford University Press 1992, ¢ Muzaffar lam e Seema Alavi A European Experience ofthe Mughal Orient. The Yazd Arsalan} (Persian Letters, 1773-1779) of Antoine-Louls Hen Pll, Del, Oxford Univers Press, 2001 > James Renn, Memoizop ct, 14 ed... “ \er"Explanation ofthe Emblematica Frontispece te the Maptibd, px, (© mapa de Rennel era menos denso em informacées dos que os mapas de Inglaterra ou dos seus terrtérios do ultramar até al realizados e irla servir de madelo, no detalhe e 1a precisio, para 0 futuro mapa de Inglaterra, Em reconhecimento das suas realizacbes, Rennell recebeu da Royal Society 2 medalha Copley em 1791. Nessa ocasi3o, Sir Joseph Banks, presidente da Sociedade, proclamou: “Poderel eu permitir me dizer que a Inglaterra orgulhosa por ser consideradaa ainha do progresso clentifco pelas nagées vizinhas, se pode vangloriar de um mapa geral to bem executado como 0 de Bengala e de Bihar pelo Major [Rennell, um tertitério consideravel mente maior do que toda a Gri-Bretanha ea Irlanda;(.] a preciso dos seus levantamentos ppermanece sem rival quando comparada com os melhores mapas dos departamentos que esta nagdo fol até hoje capaz de produit". Rennel eo seu amigo Wiliam Roy, reconhecido pelo seu mapa da Escécia, acaloravam havia varios anos a opinio pblica ao ridicularizar os mapas existentes da Inglaterra e dias suas costas para incitar 0 governo a empreender uma cartografiauniforme das llhas Britanieas ®, Doravante acompanhados por Banks, os seus defensores Viram 0s frutos 20 longo deste mesmo ano, que assistiu& fundaglo do servco britinico de cartografia. Todavia,as técnicas e os instrumentos de agrimensura entdo utiizados pela inglaterra «eram muito diferentes dos desenvolvidos na India. A Gna técnica que fol guardada como procedimento de levantamento a grande escal mente em Franca em meados do século XVI. Contudoos Briténicos nao quiseram utilzar ‘o cerclerepetiteur concebido pelos Franceses para realizar triangulacéo;conceberam eles pr6prios um teodolito azimutal de ts pés de dlametro, com 0 qual os levantamentos foram de facto executados®, Esta reconfiguragéo das técnicasutlizades e para as quals teré contibuido 0 saber fazer indiana, frances e brianico, € uma ilustra¢éo da maneira como foi ponderada aimportago de saberes e promovido o desenvolvimento de saberes e de instrumentos de carécternacional.Arealizacdo deste empreendimento cartogréfico 8 escala nacional ria agregar 8 volta destes saberes,saber-fazre insttumentos todos os a triangulacéo, aperfeigoada pri * Rel Society Journal, 1790-1793, 800k 34, pp. 389-380. * Vero preficlo& segunda edcdo da Memot, pp.rv- Roy tnhaé tentado por duas vezes.em 1763 ¢em. 1765,convencer 0 governador britaico a refazer 0 levantamento de toda a Gr-Bretanha. Ver Catherine DDetano-Smith Roger JP Kain English Maps:A History Londkes British Library, 1999, p218 © Ver Charles Clase, The Early Year, op. cit, e Sven Widmalm, “Accuracy, Rhetoric, and Technology the ParlsGreenwich Triangulation, 1784-88; n Tore Frangsmyr, John L.Hellron e Robin E. Rider (de), The ‘Quantivng Sprit in the Eighteenth Century, Berkeley, University of California Press, 1960, pp. 179-206, participantes como membros de um estado-nacdo emergente, resultado tanto da aven- tua colonial como da rvalidade intra-europela, Na India, pelo conti, fi o método compésto de colecta de dados que fol retido e esenvolvdo pelos sucessores de Rennel Assim, Thomas Call Surveyor General de Bengala de 1777 a 1788) empregou pelo menos quarenta indianos na recolha das informacses para. seu projecto de um atlas da India. £m 1783, escreva: “Durante 0 ano e meio que passou empreguei as minhas custas seis munshs e trinta hharkaras para viajarem por diferentes partes da India a fim de recolherem informagées (..] Fizisto como aval do honorével governadar geral.” E um ano mais tarde ainda “Sob as ordens do governador geral empreguei munshis para levantar as estradas entre lugares bem determinados no mapa,e assim obtive algumas informacdes iets" Esta escolha nao era um fenémeno isolado, nem a escolha de cartégrafos subalternos. Bem pelo contratio, este apoio massive no saber-fazer local era a regra comum.O mate- Imético e astr6nomo Reuben Burrow (1747-1792), que Nevil Maskelyne, também apelou a astrénomos autéctones para obter as coordenadas das cidades e de outros lugares precisos*. Alexander Allan (1764-1820), que mais tarde se ‘tomou director da £IC e deputado nos Comuns, foi durante algum tempo comandante de lum corpo de cinquenta guias indigenas criado em Madras em 1780: assistente do astrénomo real “Os guias-escreveu ele -examinaram e fizeram todas as observacbes necesséras,acerca de perto de cinco mil mithas de estradas....] Considero como um dever que tenho para com 0 Corpo de guias ...] pedira sua exceléncia fo governador de Madras] para tansmitr &honrada assembleia dos directores [de YEIC os seus mapas @ 0s seus diérios eo seu livio de estradas que mandel traduzir em inglés" “ 10R, Bengal Public Consultations, /2/63« P/3/7datads de6 de Outubro de 1783 ede 29 de Novembro de 1784, Um nimero considerivel de mapas resltante de levantamentos similares enconta-se naz cole da Bish ibrar: vr, por exemple, add. ms. 13907 (a,b 6.4 © 10,520, “10, Madras Military Consultations 12 de Dezembro de 1797, ctado por Reginald Henry Philimore, Historical Records. pci, vol. yp. 287.Um certo ndmero de livros de estradas dos agrimensoresautécto- nes estéconservade nos india Oifice Record enas Memoirs do Survey of nda nos Arquivos Nacional da Inia em Nova Del Indtil sera dizer que Allan e os seus predecessores, 8 cabeca do corpo de guias, nao tinham nem a competéncia, nem os meios financeiros, nem o tempo (em consequéncia das querras que atravessavam o sul da peninsula) para assegurar a estes gulas (principal- mente informadores para todo o servico) um formagao de agrimensores ocidentals”. Também é preciso notar que muitos europeus, mais cedo, no século XVI, mandaram tra Traduzido do manuscrito O10C,ms.0r 1996, Agradegoa Muzaffar Alam e Sanjay Subrahmanyam por me terem asinalado a sua exstnciae de me teem acuitado uma suo tad = James Rennell, The Marches ofthe British Armies in the Peninsula of Indl, during the Campaigns of 1780 and 1791 strated and Explained by Reference to a Map Compiled om Auten Documents Londtes W. Bulmer & Co, 1792,pp.45, mapas até & viragem do século X1X langa uma luz surpreendente sobre as utilizagoes que deles foram feitos na prética. Comecemos pelos mapas da India preparados em 1770, sob a direc30 do francés Frangals Jean-Baptiste-Joseph Gentil (1726-1799), entao em missao na corte dOudh. Embora este atlas de vinte e um folios, destinado a ilustrar a tradugi0 de YAin-i Akbari por Gentil, cobrisse regides praticamente desconhecidas dos Europeus (e ainda inacesst- vveis durante virias décadas)e fosse bastante mais denso de informagées do que qualquer outro atlas contemporaneo, os dois exemplares conhecidos desta realizagao tinham ini- cialmente um fim decorativot. Da mesma forma o mapa da India, realizado por D’Anville para os Franceses, os mals treinados a usar mapas, estava destinado a decorar os escrité- rio dos “Messieurs les Commissalres du Roi la Compagnie des Indes em Paris endo a servir para os administradores das feitorias francesas na India. Enecessério notar que, no inicio da sua estadia na india, Rennell néo embarcou na com- pilagdo de nenhuma carta de uma regio ou outra. Inicialmente,o pedido do governador de Bengala, Henry Vansittart, mais nao era do que:"manter um disrio consagrado a vossa progresséo, anotando o aspecto e a producao das regides atravessadas, 0 nome de cada aldela e tudo aquilo que vos parece importante; deste diario dar-me-els uma c6pia acom: panhada dos croquis dos rios e das enseadas que conseguirdes fazer"*-Fol apenas um ano mals tarde, a pedido de Rovert Clive, que voltou & India como sucessor de Vansittart, que Rennell comecoua realizar primeiro mapa de Bengala,ndo como utenstlio administrativo cou militar, mas para ilustrar 0 segundo dos trés volumes da obra de Robert Orme, History of the Military Transactions ofthe British Nation In indoostan from the Year 1745, Rennell tam- bém desenhou numerosos mapas para acoleccSo privada de Clive,com o fim de atraira si 10s favores deste governador todo-poderoso".A mesma sorte tiveram multos mapas con. temporaneos desenhados por outros cartégrafos, embora funcionarios de Orme, History of the Milleary Transactions ofthe British Nation in Indoostan from the Year 1745, motivados pelo arrivismo e 0 gosto do lucro. De facto, estes desenhos, sendo objectos Gnicos, eram altamente apreciados pela sua qualidade estética; muitos deles encontraram lugar entre as colecg6es privadas de membros do Parlamento ou de socledades eruditas, e chega rama estar na posse de certos directores e altos funcionérios da propria EIC. Tanto assim A ish Library ea Bibliotheque Nationale em Paris possuem, cada uma dels um exemplar. © Jean-Baptst Bourgulgnon eFAmile, Elarcssemens géographigues.opcita p.m. © TH.D.La Touche (i, The Journals of Major James Rennll. opi, 9. © Ver John Malcolm, The Lif of Raber, Lord Cle Londres, Jahn Muray, 1836, 3 vol oll p. 523. Alguns ‘dos mana da colegio prvada de Ce encontramse na biblioteca da Universidade de Cambridge ms. Plans3. 13). ‘que a Companhia, pressionada a obter a informacao mais ampla sobre as suas possesses na India, comecou a inquietar-se com esta fuga de mapas. J4 em 1766, 0 direct6rio em Londres escrevia ao governador de Bengala: “Um respelto muito ténue fol demonstrado, perante ordens muitas vezes repetidas, que diziamn respeito & transmiss3o das cépias de todas as carta e planos ..] todavia, parece-nos que certas cdpiasfizeram aqui a sua aparicdo (Londres), em particular 0 mapa de regito de Calcuté.T#1o-emos, portanto, como altamente culpado por negligenclar a atengio que deve ter relativamente a este assunto importante, ndo ser que nos faca chegar as copias de todos (0s craquis planos e levés das nossas fortificagbes,terrenos, ou outro, que esto em sua posse: E dois anos mais tarde: *Receberemos com prazer 0 mapa que esté a se realizado pelo capitdo Rennell,contudo devemos notar que este mapa nos deveria ser enviadlo em primeira-mao e que nenhuma cépila seja dada a no ser com o nosso acordo, regra até agora néo respeltada, uma vez que Lord Clive e M.\ansittart estdo os dois na posse de mapas de diferentes provincias realiza- das pelo capitéo Rennell.” Pouco depois exprimem-se de maneira bem mais enérgica: “Quando um levantamento é realizado, ninguém est autorizado a tirar dele ume c6pia, ‘o que nos leva a relterar 0 nosso espanto face 8 conduta desleal dos nossos gedgrafos, que 1do nos enviaram nenhum produto do seu trabalho, embora, para isso, tenham, em larga medida, feito conteibuir a Companhia (...] Esta negligéncia é tanto mais grave quanto se descobre que os mapas de todas as provincias esto a titulo privado nas maos de Lord Clive ‘edo governador Vansittart 0 nosso ressentimento em relacdo 3 sua conduta tera ido 20 ponto de os destitul,nB0 fora 0 facto de, pelo titimo barco,nos ter sido transmitida a noti- cla que assegura que os mapas serdo acabados e nos sero enviados no préximo ano*®, Estas queixas e ameagas, embora veladas, repeter-se pelo menos até 8 viragem para © século XIX. Todavia, 0$ mapas continuavam a fugi, tendo como destino, nao tanto as poténcias inimigas, como a Franca, mas os membros influentes da prépria direcc8o da Companhia que os compravam ou os receblam como presente, em troca de favores pas- “JOR Court Despatches to Bengal. datados de 19 de Fevereiro de 1766, 16 de Margoe 11 de Novernbro de 768 Ceneatencurmenton cheater 15 sados e futuros, Mesmo o5!'mapas originals (de Rennell...] foram levados para Inglaterra por algumas das mais altas autoridades na India e considerados como propriedade pri- vada até & sua descoberta acidental na colec¢ao de uma senhora nobre[...]e voltados a comprar pelo direc6rio pela soma de cem bras" O que aconteceu &s certasimpressas do subcontinente? Estes objectos produzidos em quantidade nao eram destinados.a um pubblico mais lato habituado aler mapas,eafuncio- natlos do terreno? A resposta ¢ surpreendente;56 muito tarde, no século XIX, comegaram 2 visar um publico ou um uso preclso na Gr8-Bretanta, Como o piblico brtanico letrado cexperimentava, 2 luz das conquistas britanicas, um interesse crescente pela India, surgiu tum mercado potencialmente lucrative que levou Rennelaeditaro seu mapa da ndia.No prefacio ds duas primeiras edigbes escreve: "Enquanto o teatro das guerra bitanicas no Indostdo estevelimitado a uma zona particu- lay.a geografia desta regiso susctou poucacuriosidade;mas, agora que nos empenhmos em ‘guerra, aliancas ou negociagdes com todas as poténcias principais do lmpétio,e que icsmos ‘a bandeira britdnica de um lado a0 outro, um mapa do Indostéo, detalhando as condigbes locals dos nossos lacos politicos e os movimentos dos nossos exéicitos, 86 pode interessar altamente Aqueles que se impressionam com o esplendor das nossas vtéras ou cuj atencéo desperta para o presente estado citi dos nossos assuntos nesta regito do globo", Rennell precisa como este mapa esta em duas folhas largas que se podem juntar pare uma viséo de conjunto,ou podem ser dispostas separadamente em atlas, segundo a con- veniéncia ou a fantasia de quem o adquire! Todavia, considerando a cartuxa decorada e as gravuras,é evidente que Rennell preferiaa primeira opgao. Além do mais, um mapa em papel “couche” espesso nao era conveniente & insercSo num livro,Jean Ill Bernoulll (1744- -1807),tradutor e editor em francés de Rennell, por seu lado, decidiu cortar este mapa em trés partes com a mesma escala e imprimi-1o em papel fino e resistente autorizando a sua insergo num livro uno e capaz de suportar frequentes dobragens e redobragens, Esta apresentacao correspondia melhor ao contexto da Europa continental, onde a cultura car togréfica estava jé muito difundida’™, Quantoao processo de desenvolvimento da culturacartografica juntodo grande piblico britanico, por um lado, e, por outro, a evoluséo destes mapas em direcc&o ao estatuto de "© Thomas Best JerisHstorcal and Geographical Account ofthe Westem Coast of nc Transactions of ‘the Bombay Geographical Society, 1840, 4-1,pp.1-244,2qui p17 © James Rennel, Memoir op. 12d Pl * Jean Besnoull (dir), Description .op-c, vk Ip. Instrumentos univocos de representagao cartografic indispensaveis as deslocacées ter restres, essa é uma longa historia. Nao decorte apenas de uma evolugéo interna nas ilhas Britanicas e nao pode ser separada das praticas geograficas dos priticos, dios nstrumentos. ‘e mapas saldos da aventura colonialindiana e dos esforcos da EIC para regular acirculaglo deste novo tipo de informagao, reservada para beneficio exclusivo da Companhia e da nacao britanica, De facto, como os interditos da Companhia no podiam travar a fuga das cartas em ditecgdo a0 mercado da arte, foi sé no inicio do século XIX que se tornou possivel concre- tizar a utilidade destes mapas como instrumientos de terreno. A EIC formou na sua escola mltar de Addiscombe, criada em 1809, geracées de militares treinados para ler e util zar os mapas, Estes comegaram entdo a tornar-se els ea substituir progressivamente, (05 guias autéctones. Assim sendo, surgiu uma procura sustentada de mapas nos diversos. servigos da Companhia, ber» como a necessidade de estandardizar as convencées topo- aréficas. Numerosas técnicas de reprodugao, a litografia por exemplo, contribuiriam para simplificar os mapas, dissociando-os da sua tendéncia cléssica para o estetismo € as pro- curas do mercado de arte.£m resumo,a cultura cartogréfica,tal como hoje a conhecemos, fol inicialmente imposta pelo controlo da citculagio dos mapas, depots pela formacao de um pablico apto a considerd-los como utensilios de terreno, por fim pela estandardizacio das convens6es topogréficas. Por melo do seu ralo de acco transnacional,a EIC teve um papel decisivo neste processo, Conexées, cruzamentos, circulagées Este panorama dos primeitos levantamentos terrestres extensivos sob o regime colonial britanico autoriza-nos a avaliar melhor outros pontos de vista que respeltam as préticas enti Sustentar a ideia de que os colonizadores acidentais se teriam servido da sua cléncla ‘moderna para melhor dominar as populagdes autéctones & permanecer prisioneiro do ponto de vista segundo o qual a ciéncia é um produto puramente ocidental,a linha de separacZo por exceléncia entre a Europa e 0 resto do mundo, Espero ter mostrado, com este exemplo preciso (mas existem outros igualmente signifcativos, como a boténica ou as estatisticas), que, bem pelo contrério, a histéria das préticas cientficas ditas ocldentais Ultrapassa as fronteiras da Europa e se mistura inextricavelmente com a historia das pré- ticas erudlitas de outros povos, noutras regldes®. Mals alnda,o estado-nagao na Europa, sua identidade, as suas insituigdes econémicas e sociais,e até as manelras de raciocinar ase cultura. © Ver Serge Geuzinsk‘Les mondes melds joc coved cucameton cele 177 histérica e antropologicamente,ndo foram uma simples produce dos palses do Ocidente, ‘mas antes 0 resultado de adaptacbes das suas institulgSes aos modos de organizacto das 1am estabelecido um dominio”. sociedades sobre as quals eles De facto, constata-se que Sul da Asia era, quanto ao desenvolvimento cientifico, muito mals do que “um espaco misticoe religioso' ou uma ferra incognita, e que o acto de observar e de medi inerente & agrimensura terrestr, nBo era de forma alguma uma actividade cientifica essencialmente briténica, marcante de uma diferenga fundamental entre Europeus e indigenas.Os levantamentos terrestres quantitativos eram tdo comuns no Estado Mogol como na Inglaterra no periodo pré-colonial e, no primeiro caso, estas praticas foram continuamente reconfiguradas no decurso dos séculos através nomeada mente de uma interaceo prolongada com o mundo islamico, Pode-se mesmo sustentar ue, nos dois casos, elementos militares ¢ iscais, materializados por uma rede de estra- das importante e a agrimensura cadastral figuravam entre as caracteristicas essenciais do Estado”.Os Briténicos, muito conscientes do saber fazer indiano, econheceram-no plena- mente esforcaram-se para o desenvolver nas suas prépriasinstituigdes militares e iscais nascentes na India, apolando-se nos contadores das aldetas, incorporando agrimensores indianos, traduzindo textos autéctones que tratavam da agrimensura e da astronomia. precisamente através destas reconfiguracdes do saber-fazer e das préticas na India, depois na Gré-Bretanha (com a fundago da Ordinance Survey),e dos vaivéns entre os dois espa~ 05 que emerge o mapa como instrumento de governo na Gré-Bretanha e,simultanea- ‘mente, no impétio Briténico. Assim, mais do que por caminhos lineares de difusio ou de transferéncia,é por processos de circulago dos homens das praticas, das informacdes e dos saberes, dos instrumentos edos objectos, que as ciéncias eas técnicas se desenvolvem.Estes mesmos processos per- miter a sua apropriagao e naturalizacio em diferentes locaidades, originando praticas ancoradas nestes diferentes lugares conectados pelos seus trajectos, ‘*histériaconectada' esforcou-se por fornecerum quadtro para pensar estas caracterst «as partlhadas no contexto da primeira modernidade.De facto, para que estas circulagoes entre regitestéo distintas no contexto da primelta modernidade (e da expansio europeia) estejam investidas de sentido, existe um conjunto partihado de valores, que estrutura as trocas comerciais,e de construgbes ideolégicas ede préticas materias ligadas @ formacio este propésitever Christopher Alan Bayly imperial Meridian. The British Empite andthe Worl, 1780-1830, Londres‘New York Longman, 1989, er respectivamente Muzaffar Alam e Sanjay Subrahmanyam tat moghol esa ical (KVE-XVI i dle) Annales HSS, 1994, 49-1, pp. 189-217,e John Breer, The Sinews of Power War, Maney andthe Engh State, 1688-1783,Londres, Un Hyman, 1989 do Estado”. Assim, 0 comérclo transcontinental, baseado em trocas monetarias, depots a formacio dos impérios magol e britanico,organizados a partir de exércitos e das funcoes administrativa efiscals constituldas, fornecem os contextos de poder que subentendem ‘a conexao dos espacos biténico e sul asiatico.£ isso que permite a circulagdo, num espaco doravante conectado, dos actores,praticas e objectos cientificos, a interaccéo entre eles «, eventualmente a construgso de novas conexées anteriores, produzindo assim novos objectos e préticas que servem por seu turno para consoldar as conextes anteriores € para reconfigurar,e até mesmo estender,este espaco. Tendo restituido as suas conexdies,0 historiador tornainteligiveisos valores, simboloseideologias do mundo no qual esituam os actoresreferidos Por seu lado, a historia cruzada quando apela a uma acco “como principio activo, no qual se desenvolve a dindmica do inquérito, segundo uma légica de interacgBes onde os diferentes elementos se constituem uns em relagdo aos outros, uns através dos outros, também encontra aqui um terreno de aplcacSo ft”. Ela também nos permite cruzar ‘objectos, pessoas e disciplinas a fim de melhor delimitar a complexidade dos objectos ¢ ptéticas construidos em contextos transnacionais, ou mesmo transcontinental. Em con- trapartida, ao reconhecer a ndo-linearidade dos processos de transferénciae de difuséo lem geral, as propostas da historia cruzada negligenciam a explcitaglo dos processos de poder que presidem as circulagbes e interaccbes entre homens, préticas e abjectos que aparecem em situagbes de assimetria como aquelas que aqui sio apresentadas. Mais a ‘mais, permanecem silenciosas perante aquilo que continua a ser a preocupacio central dos science and technology studies e deste estudo em particular: a emergéncia da novi dade, ou a *ciéncia a fazer-se” Sobre estes dois aspectos este estudo traz um olhar que poclet servi para entiquecer as proposigbes da histériacruzada Porém, aquilo que me parece fundamental no contributo da perspectiva aplicada no presente estudo ¢ a assercéo da crculaco como método de andlise”* Sequindo as tra- Jectéras dos actores, aqui sobretudo Rennel eo seu mapa, este método exige 20 proprio historiador que ele mude de ponto de vista er funcao dos movimentos dos actores. 0 "Sanjay Subrahmanyam, "Connectéel Histor. fe cit. Ver também idem, “imperial and Colonia Encounters: Some Reflections; Nuovo-mundo - mundos nuevas, 2003, 3 (chttp/wnwwchess i/etmal Rewe/presentacion htm) Ver Michael Wemere Bénédicte Zimmermana, op. Para uma primera tematzagaohistérica da crulacao ver Claude Markov, Jacques Pouchepadass @ Sanjay Subrahmanyam (de, Solty and Cculation. Mobil People and ltngrant Cultures South As, 1750-195, Delhi, Permanent Black, 2003. Para ums abordagem socickigica mals reacionad com os science and technology stds ver Bruno Latour, Scence in Acton. How to Follow Scents and Engineers Through Society, Milton Keynes, Open University Press, 1987 one rattle |173 _método concentra-se nas tentativas desses actores para fazerem seu um lugar no mundo, reconfigurando-o, mudando os seus ingredientes, ntroduzindo, entre novos objectos e recomposigdes. Sequindo, portanto,o devir dos actores,@ 0 seu grau de sucesso nestas mudangas e recomposicdes,este método faz uso das mudangas de escalas histéricas, passando de vidas singulares a niveis nacionals,transnacionais e tas, Assim sendo, esta metodologia permite uma melhor apreensio da maneira como 05 eruditos e 0s objectos clentificas e técnicos adquirem a capacidade de interveng30 pratica sobre o mundo moderno, Permite-nos sobretudo ver como emergem e se constl- tuem conjuntamente, nascendo de um mesmo movimento, objectos cientifics, técnicas, nagdes, impérios,identidades nacionals o tecido social scontinen- sobre este assunto ver Michel Callone Bruno Latous"Unscrewing the Big Leviathan: How Actors Macro structure Reality and How Socologists Help Them Do Soin Karin KnotrCetnae Aaron Victor Cicourel (ig Advances in Soca Theory and Methodology: Towards an Integration of Miro-and Macro-Socilogies, Boston/Londres,Henley/Routledge & Kegan Paul 1981, pp.277-203

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