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Campinas, novembro, 95
Resumo
Índice
Introdução ................................................................................................................ 3
Introdução
O objetivo do presente trabalho é caracterizar a atividade administrativa como processo de
comunicação humana para, a partir daí, mostrar o estilo de comunicação que caracteriza o
movimento da gestão da qualidade total.
A alta administração deve tomar iniciativa para que o poder seja exercido de
forma transparente,
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 4
A rede de compromissos
O que é uma empresa? A empresa não é um prédio, uma vez que a empresa pode mudar
de lugar e continuar sendo a mesma, nem um produto, pois os produtos podem ter vida
muito curta, nem um grupo de pessoas, pois as pessoas apenas mantêm relacionamentos
com as empresas, por mais que eles sejam duradouros. A empresa pode ser entendida
como uma instituição jurídica, mas as empresas fantasma são instituições jurídicas e não
devem ser entendidas como empresas de verdade.
que o negócio possa efetivar-se é preciso que exista um mercado, isto é agentes que têm
necessidades e estão dispostos a pagar por algum produto ou serviço que os ajude a
satisfazer essas necessidades. O papel dos administradores é juntar esses agentes, de
modo que seja vantajosos para todos. Para isso, os administradores estabelecem
compromissos com os vários agentes e depois controlam a execução desses
compromissos. Podemos pensar em uma empresa como uma rede de compromissos que
viabilizam a execução de um negócio, de modo que seja mutuamente vantajosos para todos
os agentes. Quando os compromissos deixam de ser compensadores, a empresa não tem
condições de continuar existindo.
Organizações burocráticas
O exercício da atividade administrativa envolve alguma forma de poder, uma vez que os
administradores precisam dar ordens e serem obedecidos. Quais são os princípios através
dos quais as ordens são obedecidas pelas pessoas? Segundo o sociólogo Max Weber,
existem três princípios que podem fundamentar uma autoridade legítima: o carisma, a
tradição e a racionalidade. O carisma baseia-se num dom especial que o emissor da ordem
possua, como é o caso de um grande guerreiro, de um sábio ou de um santo. A tradição
baseia-se no fato de que as ordens e as pessoas que as emitem seguem um padrão
tradicionalmente estabelecido e respeitado no grupo social. A racionalidade consiste em que
as ordens obedecem padrões estabelecidos, em termos das finalidades, das maneiras como
são dadas, da competência reconhecida por critérios objetivos das pessoas que exercem a
autoridade.
O processo da comunicação
Comunicar consiste em agir sobre o comportamento de outras pessoas, através da
linguagem. A linguagem usada pode ser a verbal, falada ou escrita, ou uma linguagem de
gestos que expressem sentimentos, como a mímica, ou uma linguagem de sinais, como os
de trânsito. O efeito da comunicação sobre o comportamento pode ser imediato, quando
damos alarme de incêndio, ou levar muito tempo, quando deixamos uma mensagem escrita
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 6
para ser aberta e lida muitos anos depois. O efeito pode corresponder a nossas expectativas
ou contrariá-las completamente.
Os grupos sociais, assim como as pessoas, possuem identidades que são referidas a outros
generalizados compartilhados pelos integrantes do grupo. Todos os grupos possuem uma
orientação comum, que é encarnada na imagem de uma pessoa, que pode ser real ou
imaginária, presente ou ausente à convivência dos membros, mas que constitui uma
referência compartilhada para o comportamento no grupo. Assim, por exemplo, a referência
dos cristãos é a imagem de Cristo, a referência da comunidade científica é a imagem do
cientista ideal. Eventualmente, pessoas de carne e osso podem assumir aspectos
significativos dessa imagem e adquirir assim grande influência pessoal (carismática), como
acontece com os homens considerados santos, como Francisco de Assis ou com grandes
cientistas, como Galileu ou Einstein.
O quarto fechado
Podemos fazer uma analogia entre a mente e o interior de um quarto. A casa na qual o
quarto fica é o corpo. Dentro do quarto está preso um homenzinho, que representa a
consciência. O quarto tem uma pequena janela através da qual pode-se ver alguma coisa do
exterior: a experiência. O homem faz com suas mãos desenhos e modelos para representar
aquilo que ele percebe através da janelinha: as representações mentais. Os modelos são
úteis porque permitem ao homem saber mais sobre o mundo exterior à casa: é como se ele
ampliasse o estreito campo de visão que a janelinha lhe oferece. Os modelos são tão
interessantes, que às vezes o homenzinho acha mais interessante observar os modelos e
brincar com eles do que olhar a janela: é a doença dos teóricos. Às vezes, o quartinho fica
tão atulhado com os modelos que o homenzinho não consegue mais encontrar a janela. Às
vezes o homenzinho se entusiasma com um modelo e só pensa nele, só trabalha nele,
esquecendo a janela e os outros modelos. Às vezes, o modelo fica tão grande que ocupa o
quarto inteiro. É a neurose.
Fonte de ruído
I
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 9
A língua
portuguesa
Exemplo: a palavra
“gato” da língua
portuguesa
S
O som da
O animal gato
palavra “gato”
M O
FIGURA B - DIAGRAMA DE REPRESENTAÇÃO DO SIGNO SEGUNDO OGDEN E RICHARDS
A relação consiste em que, para o interpretante, o meio representa o objeto, isto é, toma o
lugar dele. Quando eu digo a palavra “gato”, a palavra é o meio, o objeto é o animal e a
língua portuguesa, que é usada pelo ouvinte para interpretar a palavra, é o interpretante. O
signo pode ser representado através do diagrama proposto por Ogden e Richards (1972),
que consta da Figura 2. Note-se que, na figura, a ligação entre o meio e o objeto é feita por
uma linha pontilhada, indicando que a relação entre esses dois elementos não é direta, e
sim mediada pelo interpretante.
Semiótica
A semiótica é a ciência que estuda os signos. Morris (1946) dividiu a semiótica em três
áreas: a sintaxe, a semântica e a pragmática.
Sintaxe
A sintaxe estuda os modos pelos quais os signos podem ser combinados, através de seus
meios, para formar outros signos válidos (por exemplo, como as palavras podem ser
combinadas para formar sentenças. Através da sintaxe podemos determinar se um
determinado meio (por exemplo, uma série de palavras grafadas no papel) constitui um
signo válido (um período em português).
Semântica
A semântica estuda as relações entre os signos e os objetos aos quais eles remetem. O
que os signos evocam não são os objetos exteriores e sim representações mentais desses
objetos, armazenadas na memória e formadas a partir de experiências. Isso quer dizer que
uma mesma palavra pode ter interpretações completamente diferentes para pessoas
diferentes. Por exemplo, besta pode ser uma arma, um animal, uma qualificação ofensiva
para uma pessoa ou uma marca de veículo.
Pragmática
A pragmática estuda a origem, o emprego e os efeitos dos signos. O processo de
comunicação é começado por algum motivo, isto é, existe uma motivação implícita na
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 10
mensagem. Caso essa motivação não seja reconhecida, as pessoas sequer reconhecem
que trata-se de uma mensagem. A comunicação cria uma situação social, isto é, quando ela
é reconhecida como uma comunicação, ela cria a necessidade de alguma resposta, que
pode ser uma nova comunicação, como a resposta a uma pergunta, um ato como oferecer
um copo de água, ou simplesmente o reconhecimento de que a informação foi recebida
(“entendi”).
Ação, isto é, a maneira como a comunicação cria a necessidade de uma ação, de uma
resposta, que pode ser a esperada pelo locutor ou não;
Ambiente E
Pessoa A Objeto O Pessoa B
AA BA AB BB
Por exemplo, digamos que eu encontre uma amiga na lanchonete e deseje convidá-la para
ir a um jogo de basquete. A intenção de ir ao jogo na companhia dela é a mensagem que eu
desejo passar para ela. Para fazer isso, preciso transformar minha intenção em palavras,
como: “Você quer ir ao jogo de basquete comigo?” Acontece que, como sou meio
atrapalhado, acabo dizendo “domingo”, em vez de “comigo” (ruído de codificação). A
lanchonete fica numa avenida movimentada e está cheia de gente falando e ela não ouve a
palavra “basquete” (ruído de transmissão). Minha amiga acabou de ver um cartaz
anunciando um bingo e estava justamente pensando em como achava desagradável esse
tipo de jogo. Ela entende minha frase como “Você quer ao jogo de bingo” (ruído de
decodificação) e responde polidamente que não está interessada, ao mesmo tempo que diz
com seus botões: “Porque ele não me convida para a final do campeonato de basquete em
vez desse bingo idiota!”
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 12
Percepção do comportamento
Percepção do meio
Percepção semântica
Linguagem e ação
O filósofo John Austin constatou que na verdade todos os enunciados, mesmo os científicos,
possuem um caráter performativo. Se aceitarmos essa posição, deveremos admitir que a
validade dos enunciados científicos não decorre de uma relação direta entre o enunciado e
determinados estados de coisas do mundo. A validade dos enunciados científicos seria
mediada pela condição social, pela estrutura da comunidade científica, pelos valores e
hábitos das pessoas. Esta posição, que choca diversos estudiosos da filosofia da ciência, é
defendida, por exemplo, por Thomas Kuhn, em seu estudo, hoje clássico, “A Estrutura das
Revoluções Científicas”.
As pessoas que participam do ato devem ser aquelas prescritas pelo procedimento;
Estrutura da ação
Para estudarmos o comportamento das pessoas e das organizações, é importante termos
um entendimento do que constitui a ação humana, individual e coletiva. Entendemos por
ação a aplicação de capacidades do organismo a determinadas resistências do ambiente,
de acordo com uma intenção, determinada por um conjunto de valores e por uma
representação do mundo.
O comportamento humano não pode ser entendido apenas em termos físicos. Os mesmos
gestos de uma pessoa podem fazer parte de comportamentos completamente diferentes,
quando ocorrem em uma luta, em um espetáculo teatral ou em uma seqüência de exercícios
rotineiros. da mesma forma, não podemos entender o comportamento apenas a partir do
lado mental. A vida mental das pessoas é acessível apenas a elas mesmas e precisamos
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 14
Ação
Manipulação Intenção
Físico Mental
Sistema
Organismo-ambiente
Quando uma pessoa fala, o interlocutor adiciona informações que ele conhece e que
contribuem para que a mensagem seja interpretada. Quando alguém diz “Ele chega
amanhã”, a interpretação dessa frase exige que o interlocutor complete o significado,
atribuindo uma referência a ele e ao lugar onde ele vai chegar. Dependendo do contexto, o
ele pode ser um empresário que está viajando a um país distante para fechar um negócio
com uma empresa, um familiar que retorna de uma viagem a passeio, ou então um
companheiro de trabalho que está voltando das férias.
Quando uma pessoa responde a uma comunicação, ela está participando de um ato
cooperativo. O diálogo consiste na construção de um significado através da colaboração dos
participantes. Essa situação se contrapõe ao monólogo, no qual uma pessoa possui um
significado que deseja transmitir aos demais. No diálogo os interlocutores constróem uma
significação que não era disponível previamente a nenhum dos interlocutores. Para que isso
aconteça, é necessário que as pessoas atendam a determinadas condições.
Grice (1975) enunciou a seguinte condição geral para a cooperação entre os interlocutores:
Este princípio geral pode ser desdobrado em nove regras, listadas na Tabela 1.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 16
4. Não dizer aquilo que se tem razões para pensar ser falso.
7. Evitar ambigüidade.
8. Ser breve
9. Ser ordenado.
Contexto
Sempre que ouvimos alguém falando ou lemos um texto, a interpretação da comunicação
depende de uma série de conhecimentos ou premissas que adicionamos ao interpretar. O
contexto é constituído pelo conjunto de informações em relação às quais é atribuído um
significado à mensagem, isto é , que permite transformar os dados em informação. Segundo
Sperber e Wilson (1989), o contexto é o “conjunto das premissas utilizadas para a
interpretação de um enunciado, excetuando a premissa de base segundo a qual o
enunciado em questão foi produzido”.
Tradicionalmente, considerava-se que o contexto era um dado, uma estrutura fixa que
determinava o sentido do discurso. Atualmente, considera-se que o contexto é um processo
dinâmico. A comunicação pode ser entendida como a ação do discurso sobre o contexto.
Gerentes são na verdade comunicadores. Apesar disso, sua habilidade é bem diferente
daquela dos comunicadores de massa. Os comunicadores de massa são capazes de atingir
grandes números de pessoas e de causar um impacto forte num tempo relativamente curto
que dura a mensagem. O efeito produzido pela comunicação de massa varia bastante de
uma pessoa para outra. Algumas pessoas gostam da mensagem e outras odeiam, a
mensagem pode ser entendida de formas diferentes e causar efeitos diferentes. Já no caso
do gerente, a comunicação é dirigida e especializada, visando a execução de uma certa
tarefa por um grupo bem definido de pessoas. O efeito da comunicação precisa ser
rigorosamente controlado, de outra forma o gerente faz mais mal do que bem. O processo
de comunicação é de malha fechada: o gerente monitora os resultados e toma medidas
corretivas para que o resultado final visado seja atingido. A comunicação é de duração
longa, podendo chegar a vários anos, por exemplo, no caso de um projeto de longa
duração, envolvendo formação de pessoal, pesquisa e desenvolvimento, criação de novos
produtos e negócios, etc.
pessoas, em lugares dispersos por uma ampla região geográfica. A copa mundial de futebol
é vista por muitos milhões de pessoas, em toda a superfície do planeta.
Quando queremos que uma informação seja usada sistematicamente ao longo do tempo,
costumamos colocá-la por escrito. Por exemplo, as leis dos estados, as circulares, os
procedimentos operacionais das empresas, as instruções de uso nas embalagens dos
produtos.
Funções sintáticas
As funções sintáticas da comunicação dizem respeito à formatação das mensagens
consideradas válidas no sistema. Por exemplo, as regras que permitem combinar palavras,
formando frases que fazem sentido. As formas de comandos que uma linguagem de
programação de computador aceita como válidas constituem uma sintaxe. Os formatos de
dados que um sistema de reservas de vôos aceita como informações sobre o passageiro
constituem regras sintáticas. Os formatos de dados que, anotados sobre um formulário,
constituem um relatório de inspeção de um produto, constituem funções sintáticas. As
regras da lógica quanto a modos válidas de combinar proposições constituem regras
sintáticas. A racionalidade consiste no uso de regras sintáticas para aferir a validade de
conjuntos de proposições. A administração racional consiste em considerar legítimas as
determinações que possuem validade sintática, dentro do sistema de racionalidade da
empresa, que inclui premissas básicas sobre o negócio, tecnologias e informações sobre o
estado do ambiente externo.
cumprimento, e assim por diante. Caso a mensagem seja reconhecida como válida, ela
passa a ser interpretada, isto é, entra em ação o processo semântico.
Funções semânticas
Os dispositivos modernos de comunicação põem em contato pessoas distantes e com isso
aumentam o risco de incompreensões de ordem semântica. Na administração, a
decodificação semântica errada das mensagens é desastrosa. Somente depois que a
mensagem foi decodificada semanticamente é que ela pode surtir efeitos, isto é, passar ao
processo pragmático.
Funções pragmáticas
As funções pragmáticas (estudadas por Rodrigues, 1995) dizem respeito à maneira como a
linguagem é usada na comunicação, isto é, no processo social. A comunicação ocorre em
meio a relações sociais e tem efeito sobre essas relações. Um mesmo objeto ao qual a
comunicação se refira pode ser associado a experiências completamente diferentes para
pessoas diversas, mesmo que semanticamente o objeto seja o mesmo. Por exemplo, um
parafuso pode ser visto de maneira diferente pela pessoa que fabrica parafusos, pela
pessoa que monta o parafuso em uma bicicleta e pelo ciclista que usa a bicicleta. O
fabricante dá prioridade ao processo de fabricação do parafuso, o montador a o processo de
montagem e o ciclista só toma conhecimento do parafuso quando alguma coisa quebra.
Assim, o efeito de uma comunicação dependerá sempre da experiência das pessoas.
Um segundo aspecto a ser considerado é que a comunicação ocorre num contexto de ação.
Uma mensagem é sempre uma forma de ação: ela ordena, proíbe, permite, declara. A
declaração é uma forma de ação, pois ela estabelece condições para futuras ações de uma
pessoa em relação ao objeto do discurso. Quando informo uma pessoa de que uma
máquina está quebrada, estou na realidade pedindo a essa pessoa que ela mude sua ação
em decorrência disso, por exemplo, deixando de programar trabalhos para a máquina.
Quando dizemos: “você precisa saber disto”, isso não quer dizer que a informação precisa
apenas ser armazenada na memória, e sim que consideramos a informação importante para
a determinação de futuras ações de nosso interlocutor.
Quando uma pessoa recebe e interpreta uma mensagem, ela geralmente completa a
mensagem antes de interpretá-la e de tomar ação em função dela. Por exemplo, o anúncio
de um novo programa de desenvolvimento organizacional pode provocar efeitos
completamente diferentes em diferentes grupos de uma empresa. Quando um gerente
anuncia um programa de qualidade, os funcionários automaticamente completam o
discurso, com elementos de sua própria experiência: “eles estão mesmo fazendo força para
acertar” ou “daqui a um ano ninguém vai sequer lembrar disso” ou “mais conversa para
enganar os trouxas”.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 20
O gerente completo
O gerente completo é o que possui as três habilidades: sintáticas, semânticas e
pragmáticas. Ele segue as regras na medida do necessário e sabe quando elas precisam
ser mudadas. Tem conhecimentos e é capaz de transmitir entusiasmo com seu discurso,
mas não se perde em divagações. Sabe dirigir-se às metas mas tem ponderação para
avaliá-las e mudá-las quando é conveniente.
dados, isto é, das mensagens e dos fatos relacionados à operação do negócio. Por
exemplo, quando é feito um pedido de um produto, o contexto deve levar à interpretação de
que esse produto precisa ser fabricado em determinado prazo, com determinado custo e
características técnicas, o que exige determinadas providências específicas por parte de
vários responsáveis. Se a empresa é um sistema aberto dotado de um propósito, então esse
propósito é determinado pelo contexto no qual os dados recebidos pelos colaboradores do
ambiente externo e dos outros colaboradores são interpretados.
Ditas assim, simplesmente, essas ações parecem muito fáceis. Acontece que sua efetivação
enfrenta dificuldades, em decorrência de hábitos arraigados nas relações sociais e em
decorrência da própria complexidade envolvida nas tecnologias e produtos modernos. Deve-
se ressaltar porém que os instrumentos da gestão da qualidade total são instrumentos para
lidar com a complexidade do conhecimento, e que é mais fácil lidar com a complexidade e o
dinamismo do mundo moderno com eles do que sem eles.
Conceito da qualidade
Existem várias definições de qualidade, entre as quais podemos destacar a da Organização
Internacional de Normalização:
Expectativa
sobre produto
Atributos do
produto
atribui significado à retribuição do cliente, procura entender o que está por trás dela,
derivando daí conhecimento sobre o cliente e suas expectativas.
Imaginemos uma situação onde a qualidade não constitui uma preocupação de clientes nem
de fornecedores, por exemplo, um mercado em que a demanda é muito maior que a oferta
ou no qual os produtos oferecidos no mercado possuem atributos uniformes. Nessa
situação, os fornecedores limitam-se a produzir da maneira tradicional, enquanto os clientes
ficam satisfeitos quando encontram o produto para comprar, sem prestar muita atenção a
seus atributos. A satisfação proporcionada pelo produto é uniforme, indiferente, não existe
discriminação quanto à qualidade.
A discriminação dos produtos de acordo com sua qualidade começa quando surgem
alternativas, como acontece nos mercados competitivos, onde há diferenciação dos
produtos. O cliente pode escolher entre tipos, marcas e procedências alternativas, que lhe
proporcionam diferentes níveis de satisfação. Os produtos que melhor atendem às
expectativas dos clientes vão conquistar maior parcela do mercado, enquanto os demais
tenderão a desaparecer. Os fornecedores, por sua vez, vão procurar entender porque os
clientes preferem determinadas marcas, visando melhorar seus próprios produtos. O
processo de melhoria da qualidade consiste portanto em intensificar ativamente as relações
que determinam a qualidade, ilustradas pelas setas pontilhadas na Figura 8.
Expectativas
Reconhecimento Desenvolvimento
Resposta
Produto
Aperfeiçoamento Satisfação
Atributos
Expectativas
do cliente
Model
o do
cliente
Atributos Intenção
do de
produto resposta
O cliente percebe os atributos do produto no contexto de sua utilização. Esses atributos são
interpretados à luz de suas expectativas em relação ao produto, que constituem a motivação
que o levou a comprar o produto. A percepção dos atributos do produto, em relação com as
expectativas, produzem uma intenção de resposta, que pode ser um desejo de continuar
usando o produto ou arrependimento por tê-lo escolhido. Algumas dessas intenções
reforçam a continuidade da relação de negócio, enquanto outras levam à ruptura dessa
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 26
relação. Dizemos então que o modelo cognitivo do cliente pode ser representado pela tríade
da Figura 9.
Diretrizes
do
negócio
Modelo do
fornecedor
Resposta Qualidade
percebida do
produto
Cada um dos agentes no processo de interação possui sua própria representação do todo,
isto é, o cliente tem uma representação do modelo do fornecedor e o fornecedor tem uma
representação do modelo do cliente. Essa situação corresponde ao processo de
comunicação que foi ilustrado anteriormente na Figura 3.
Expectativa
s do cliente
Modelo
do cliente
Atributos Intenção
do produto de
resposta
Produto Resposta
Qualidade Resposta
do produto percebida
Modelo do
fornecedor
Diretrizes
do
FIGURA 11 - Mnegócio
ODELO DO NEGÓCIO
Da mesma forma, o cliente forma uma imagem do fornecedor, representando sua percepção
das diretrizes do negócio. De acordo com essa imagem, ele pode ver a relação de negócio
como estável ou como motivo de preocupações. As empresas geralmente procuram criar
uma imagem favorável junto a seus clientes, lançando mão, por exemplo, de propaganda
institucional. Procura-se muitas vezes criar uma expectativa favorável em relação à marca,
mesmo antes que o cliente tenha oportunidade de experimentar o produto em si.
Os empregados imaginam que estão trabalhando sob o olhar do dono e, de acordo com seu
humor, podem fazer algo para agradá-lo ou cometer transgressões deliberadamente, para
vingarem-se de alguma injustiça, real ou imaginária. Isto quer dizer que o outro em relação
ao qual a identidade social da empresa é definida é o patrão.
O patrão não precisa dos frutos do trabalho, ele os usa para trocar por aquilo que lhe
interessa, tornando-se mais rico e poderoso nesse processo. Espera-se que ele tenha
interesse em levar o negócio ao sucesso uma vez que suas metas pessoais dependem
disso. O mau patrão consegue seu sucesso pessoal às custas do insucesso da empresa,
através de atos desonestos, desvios, falências fraudulentas, etc.
Para conseguir seus objetivos, os altos executivos procuram tirar o máximo de desempenho
das equipes ao menor custo possível, o que pode gerar sentimentos de injustiça e
exploração, que ficam geralmente reprimidos sob um verniz de submissão e admiração mas
às vezes explodem em comportamentos destrutivos.
A relação patrão empregado como dominante em uma empresa representa uma condição
muito pouco favorável a um envolvimento mais profundo e criativo do trabalhador com seu
trabalho, não permite que ele desfrute a alegria de trabalhar e de fazer uma tarefa bem feita.
Não se pode esperar que as pessoas tenham a coragem e a perseverança para inovar,
transformando-se em empreendedoras, nessas condições. Os aspectos que prevalecem
nesse relacionamento são os de troca, interesses comerciais, contratuais, visando
maximizar o ganho pessoal. A responsabilidade é limitada ao mínimo necessário para não
incorrer em sanções legais ou contratuais.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 29
Para que uma empresa possa trilhar o caminho da GQT é essencial que inicialmente o
patrão, o detentor de poder, esteja disposto a ceder seu lugar, a colocar-se a serviço, a
deixar de ser o centro de atenções, a deixar de ser visto como o responsável pelo sucesso
da empresa. Ele precisa abandonar o controle do tipo egocêntrico pelo serviço ao propósito
do negócio, que é atender a um cliente.
O primeiro passo para a implantação da gestão da qualidade total é criar nas pessoas a
representação do cliente como um outro significativo, isto é, o outro em relação ao qual a
identidade do grupo é definida. As pessoas definem sua identidade sempre em relação ao
outro, o outro é como um espelho, através do qual conhecemos nosso rosto. Na gestão da
qualidade total, as pessoas trabalham para o cliente e não para o patrão.
O patrão é uma figura muito presente dentro da empresa, enquanto o cliente geralmente é
uma figura mais distante. Para que o cliente tome seu lugar como a figura mais importante é
necessário que o antigo senhor ceda seu lugar. Se o patrão não aderir de início à idéia de
servir o cliente, se não fizer disso sua missão, a transformação não poderá ser feita.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 30
Enquanto o patrão reivindicar a si o poder e o papel central, ele impedirá que o cliente ocupe
essa posição. Na verdade cabe ao patrão colocar a figura do cliente no posto central. Como
aquele que detém o poder central da empresa, cabe a ele cuidar para que o cliente seja o
centro virtual da empresa.
O fruto do trabalho para o cliente é um fim em si. Ele deseja usar o fruto do trabalho para si,
para sua pessoa, sua família, seu negócio. O cliente não quer apenas trocar o produto para
obter vantagens. Para o cliente, a qualidade do produto faz muita diferença, uma vez que o
produto vai fazer parte de sua vida.
O cliente é visto como alguém que dá valor ao fruto do trabalho e precisa dele. A relação do
trabalhador com o cliente tem um caráter comunitário, de contribuir para a vida do outro, que
precisa de ajuda. O trabalho, em relação ao cliente, deve ser encarado como um serviço. A
idéia de servir ao próximo tem uma conotação ética completamente diferente daquela de
servir um patrão. O trabalhador sente-se valorizado e não explorado, pode ter uma relação
harmoniosa com a imagem do cliente, e não de conflito.
A principal mensagem que o fornecedor envia ao cliente é o próprio produto. É claro que a
mensagem inclui os complementos necessários, físicos e simbólicos, do produto:
publicidade, promoção, distribuição, serviços, etc. O cliente interpreta essa mensagem como
um todo e reage a ela como um todo. Todos os colaboradores da empresa contribuem para
essa mensagem, e para isso são necessárias algumas condições:
que eles disponham de meios para exprimir sua visão pessoal da situação;
Por isso, uma das funções do sistema de comunicação administrativa dentro da gestão da
qualidade total consiste em transformar o cliente numa presença importante dentro da
empresa, mesmo que, fisicamente, ele esteja do outro lado do planeta.
Nas empresas tradicionais, as mensagens que vêm do cliente não são conhecidas pela
maior parte dos funcionários da empresa. Conseqüentemente, o cliente é visto como uma
figura distante. A figura de referência mais próxima, mais visível, mais poderosa, é o chefe
mesmo. A proposta de servir o cliente pode ser encarada como uma maneira de enganar,
de conseguir tirar mais das pessoas. Simplesmente enaltecer o cliente não é suficiente para
consolidar a gestão da qualidade total. A consolidação da gestão da qualidade total vem
com a implantação de um sistema de comunicação que, por assim dizer, traga o cliente para
dentro da empresa, para perto de cada colaborador.
esse ponto de vista ao discurso gerado a partir de outros outros pontos de vista. Cada ponto
de vista procura enriquecer o discurso e contribuir com seus conhecimentos e esforços para
a realização da ação. O processo geral para fazer isso consiste no desdobramento e no
cruzamento de informações. Os instrumentos formais para fazer isso são simples: o
diagrama sistemático e o diagrama de matriz.
A seguir são examinados os meios usados para conseguir isso, a saber, os processos de
interpretar e relacionar implementados pelas ferramentas gerenciais da GQT (descritas
detalhadamente em Mizuno, 1988) e a maneira como esses processos são coordenados
nos instrumentos estruturais da gestão da qualidade total: o gerenciamento por diretrizes, o
gerenciamento interfuncional, o gerenciamento diário e o diagnóstico da diretoria (descritos
detalhadamente em Campos, 1992).
Quando recebemos uma informação, por exemplo, uma notícia, passamos a interpretá-la,
isto é a associar significados. Essa associação de significados não é desordenada mas
forma uma estrutura hierárquica. Uma maneira de interpretar uma informação
ordenadamente é o diagrama sistemático apresentado na Figura 9. A informação a ser
interpretada pode ser um objetivo a ser atingido (por exemplo, aumentar as vendas em 10%)
ou uma característica da qualidade de um produto (por exemplo, a cabina de um caminhão
deve ser confortável).
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 33
Não muito
frio
Silenciosa
Não muito
quente
Bom ar
condicionado
Cabina Renovação
confortável de ar
Espaçosa
Sem
vazamentos
boa
visibilidade
Relação forte
Relação média
Relação fraca Desdobramento das
características da
qualidade do produto
Desdobra-
mento da
qualidade
demandada
do produto
Gerencia-
mento por
diretrizes
GQT
Diagnós- Gestão da Gerencia-
tico da mento inter-
diretoria Qualidade funcional
Total
Gerencia-
mento
diário
Não é nosso objetivo detalhar aqui os processos da gestão da qualidade total mas apenas
mostrar que eles implementam uma rede de comunicação. Os papéis dos subprocessos
consistem em criar os contextos nos quais a comunicação relativa ao negócio torna-se
significativa para todos os colaboradores da empresa. O significado dessa informação, na
gestão da qualidade total, deve obrigatoriamente incluir a resposta do cliente às alternativas
de ação disponíveis aos colaboradores. Isso é o que quer dizer trazer o cliente para dentro
da empresa. Mesmo no caso das funções relativamente afastadas do cliente externo, devem
ser buscadas relações entre o desempenho da função e a resposta do cliente. Nos casos
em que isso não é possível, ou quando isso é insuficiente, então deve-se recorrer ao cliente
interno, isto é, um outro colaborador que precisa do resultado da função.
O processo de gestão da qualidade total envolve quatro subprocessos, cada um dos quais
gera um contexto específico e relacionado aos demais, de modo a recobrir toda a
organização por uma rede de significados. As características específicas desses
subprocessos são caracterizadas a seguir.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 36
Meios são as ações através das quais pretende-se progredir em direção às metas.
O desdobramento de diretrizes deve relacionar esses elementos aos valores adotados pela
empresa e aos dados relativos ao ambiente.
Administração interfuncional
As empresas modernas são organizadas por função (isto é, marketing, recursos humanos,
engenharia, produção, finanças, etc) e por linha de negócio (isto é, vídeo, áudio, eletrônica
automotiva, ferramentas elétricas, etc.). O desempenho dos negócios depende da
integração entre os setores funcionais. Esse problema costuma ser atacado através da
organização matricial, cuja versão no âmbito da qualidade total é a administração
interfuncional.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 37
Plano de
longo prazo
Plano das
atividades
inter-
funcionais
Plano Plano
Correlação forte
Depto 1 Depto 3
Gerenciamento diário
A função específica do gerenciamento diário é estabelecer o propósito das ações dos
colaboradores da empresa a nível operacional. Para isso é necessário que todas as
informações necessárias a cada posto de trabalho da empresa estejam disponíveis às
pessoas responsáveis por eles. Quando isso acontece, o desempenho da empresa torna-se
regular e previsível, dentro das tolerâncias naturais ao processo. Dizemos então que o
processo está sob controle.
Diagnóstico da diretoria
O diagnóstico da diretoria é feito através de visita às unidades operacionais e em contato
direto com os colaboradores de diferentes níveis hierárquicos, compreendendo uma
preparação, a visita com coleta de informações e seguido de análise, avaliação e
acompanhamento posterior. Dessa forma, o diagnóstico da diretoria permite encurtar os
canais de comunicação através dos níveis hierárquicos, proporcionando caminhos
alternativos através do quais o fechamento dos ciclos de controle é assegurada. É
importante destacar que o sentido do diagnóstico da diretoria não é exercer um policiamento
sobre a fidelidade da média gerência e sim melhorar o desempenho da comunicação na
empresa como um todo.
Os gerentes precisam aprender a aprender. Acontece que para aprender é preciso primeiro
desaprender. Para nos tornarmos aprendizes, precisamos desaprender, precisamos abrir
mão das manipulações que habitualmente fazemos para controlar a situação, precisamos
entrar numa relação diferente com as outras pessoas e com as próprias coisas. Precisamos
recuperar a capacidade, que as crianças naturalmente possuem, de nos surpreendermos
com as coisas, a admiração na qual Aristóteles identificou a origem da filosofia.
Referências Bibliográficas
1. Akao, Y., 1990, Quality Function Deployment, Productivity Press, Cambridge,
Massachussets.
2. Barnard, C. I., 1971, As Funções do Executivo, Editora Atlas S. A., São Paulo.
6. Mead, G. H., 1967, Mind, Self and Society, The University of Chicago Press,
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12. Searle, J., 1984, Mente, Cérebro e Ciência, Edições 70, Lisboa.
COMUNICAÇÃO NA QUALIDADE TOTAL 40