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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS SOCIAIS


MESTRADO EM EDUCAÇÃO
CAMPO DE CONFLUÊNCIA:
LINGUAGEM, SUBJETIVIDADE E COMUNICAÇÃO
Orientadoras: Helena Amaral da Fontoura
Iduína Mont’Alverne B. Chaves

Sexualidade: Professor que


cala...nem sempre consente.

Tese de Mestrado apresentada à


Universidade Federal Fluminense. Campo
de Confluência: Linguagem, Subjetividade e
Cultura, como requisito para a conclusão do
Curso de Mestrado em Educação.

KATIA KREPSKY VALLADARES


Setembro de 2002
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KATIA KREPSKY VALLADARES

Sexualidade: Professor que


cala...nem sempre consente.

Tese de Mestrado apresentada à


Universidade Federal Fluminense. Campo
de Confluência: Linguagem, Subjetividade e
Cultura, como requisito para a conclusão do
Curso de Mestrado em Educação.

Orientadoras: Helena Amaral da Fontoura


Iduína Mont’Alverne B. Chaves

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

Niterói/ RJ
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Dedico este trabalho a todos os adolescentes,


razão de ser desta pesquisa e em especial ao
meu filho Dimytrius, também adolescente,
inquieto e questionador com quem aprendo
todos os dias...
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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles que contribuíram para a realização


deste trabalho, em especial...
À Professora Helena Amaral da Fontoura, mestra e amiga, pela
competente dedicação e apoio.
À Professora Iduína M. B. Chaves com quem aprendi o caminho
do imaginário.
Aos professores das escolas pesquisadas que não se importaram
em abrir espaço em sua agenda lotada de trabalho para participar das
entrevistas.
Aos adolescentes, estudantes curiosos das escolas envolvidas.
À minha família pelo tempo roubado do convívio, especialmente
meu marido Jerônimo que muito me apoiou.
À minha irmã Simone pela preciosa ajuda no Diário de Bordo.
Aos meus pais que possibilitaram minha caminhada até aqui...
As amigas e amigos que ouviram, estimularam e criticaram.
Ao amigo Júnior, em especial, pelo apoio técnico.
À Suzana, minha secretária, pelas idas e vindas necessárias
Ao CNPQ, entidade financiadora desta pesquisa
Aos demais que, de alguma forma, contribuíram na elaboração desta
dissertação.
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“É fundamental que o educador tenha sua


adolescência perto de si, qualquer que seja
sua idade cronológica, e que conserve sua
capacidade de amar. Deve ainda estar bem
adequado com sua sexualidade, tendo a
coragem de desafiar seus próprios tabus e
preconceitos, reconhecendo suas próprias
falhas.” Nelson Vitiello
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RESUMO

Esta pesquisa intitulada “Sexualidade....Professor que cala, nem sempre


consente”, foi desenvolvida por Katia Krepsky Valladares, durante o Mestrado em
Educação, da Universidade Federal Fluminense. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja
proposta é investigar o cumprimento (ou não) do que prescrevem os Parâmetros
Curriculares Nacionais quanto à Orientação Sexual nas Escolas e seu tratamento de forma
transversal. Nosso objetivo principal foi avaliar “se” e como a sexualidade está sendo
abordada em escolas da rede pública de ensino na região Oceânica de Niterói/RJ. Interessa-
nos compreender a percepção que alunos e professores, sujeitos desta pesquisa, têm da
atual situação da Orientação Sexual nas escolas pesquisadas. Interessa-nos conhecer as
formas como a escola, na pessoa de seus professores, tem lidado com a sexualidade
humana, e como a camada adolescente da população escolar tem assimilado tais
informações. A sexualidade é um aspecto extremamente importante na formação global
das pessoas, não pode ser negada ou ignorada. Daí a relevância de conhecermos um pouco
mais sobre os mecanismos criados pela escola para lidar com a sexualidade dos
adolescentes. Esperamos, aqui, contribuir para este entendimento...
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ABSTRACT

This research named “Sexuality...Teacher that silences not always


consents”, was developed by Katia Krepsky Valladares, during her Master Science in
Education, at Universidade Federal Fluminense, inserted in the sphere of the Language,
Subjectivity and Culture Field. It’s a qualitative research, which purpose is to investigate
the achievement (or not) of what establish the National Curricular Parameters as for Sexual
Orientation and the transversal approach in the schools. Our main goal was to evaluate “if”
and how the sexuality is being approached in public schools at Região Oceânica in Niterói
(RJ). It’s important to understand what perception the students and teachers have in the
current situation of Sexual Orientation in the investigated schools. We intend to know how
the school, represented by the teachers, have dealed with the human sexuality, and how the
adolescents of the scholar population have assimilated those informations. Sexuality is an
extremely important aspect in the global formation of the people, it can’t be ignored or
denied. In the case of the adolescents, the sexual experiences are hardly planned. Usually
they happen without some basic cares. So we need a little more acknowledge about the
mechanisms created by the school to deal with the adolescent’s sexuality. We hope, here,
to contribute to this achievement...
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................................11

1. SOBRE SEXUALIDADE..........................................................................................16
1.1 Sexualidade na Pré-História.............................................................. 17
1.2. Sexo e Moralidade............................................................................19

2. A CONTRIBUIÇÃO DE SIGMUND FREUD..........................................................21


3. A CONTRIBUIÇÃO DE MICHEL FOUCAULT......................................................26
4. A CONTRIBUIÇÃO DE PIERRE BOURDIEU........................................................31

5. SOBRE ADOLESCÊNCIA....................................................................................... 37
6. SATANIZAÇÃO DA SEXUALIDADE: HISTÓRICO DA CULPA......................40
6.1. Amor, Erotismo e Procriação......................................................... 42

7. UM POUCO DE HISTÓRIA.................................................................................. 43
8. SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UM POSSÍVEL DIÁLOGO?.............................50
8.1. A Sexualidade do Professor.............................................................. 52
8.2. Orientação Sexual: O Que Significa?............................................... 53
8.3. Inserção da Orientação Sexual no Currículo - os PCNs..................58

9. METODOLOGIA.......................................................................................................61

10. A PESQUISA DESENVOLVIDA............................................................... ..............64


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11. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS..........................................................................81


12. TRABALHO FEITO COM OS ALUNOS.............................................................85
13. CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................97
14. ANEXOS..............................................................................................................101
ANEXO I. Roteiro da entrevista com os professores...............................................102
ANEXO II . Questionário aplicado aos alunos.........................................................103
ANEXO III . Consentimento informado.................................................................. 104

15 REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................105
1

LISTA DE TABELAS

TABELA 1 - Faixa etária dos alunos...................................................................................90


TABELA 2 - Informação sobre Sexualidade.......................................................................91
TABELA 3 - Conversa sobre Sexo com Professores..........................................................91
TABELA 4 - Importância de conversar sobre Sexualidade na escola..................................92
TABELA 5 - Orientação Sexual na Escola ..........................................................................92
TABELA 6 - Havendo Orientação Sexual na Escola como é feito este trabalho ................93
TABELA 7 - Sugestões quanto a este trabalho....................................................................94
TABELA 8 - Críticas quanto a este trabalho........................................................................96
TABELA 9 - Tentou conversar sobre Sexo com o Professor e não o Fez?..........................98
TABELA 10 – Por quê não o fez?........................................................................................98
TABELA 11 - Temas mais importantes no trabalho de Orientação Sexual ...................... 100
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LISTA DE GRÁFICOS

GRÁFICO 1 - Faixa etária dos alunos.................................................................................90


GRÁFICO 2 - Informação sobre Sexualidade......................................................................91
GRÁFICO 3 - Conversa sobre Sexo com professores..........................................................92
GRÁFICO 4 - Importância de conversar sobre Sexualidade na escola................................ 92
GRÁFICO 5 - Orientação Sexual na escola ........................................................................ 93
GRÁFICO 6 - Como é feito o trabalho de Orientação Sexual na escola?............................93
GRÁFICO 7 – Sugestões......................................................................................................95
GRÁFICO 8 - Críticas..........................................................................................................97
GRÁFICO 9 - Tentou conversar sobre sexo com o professor e não o fez?..........................98
GRÁFICO 10 – Se tentou conversar por quê não o fez?......................................................99
GRÁFICO 11 - Temas mais importantes no trabalho de Orientação Sexual na escola.....100
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INTRODUÇÃO

Partindo da análise crítica da situação escolar como um todo, o presente


trabalho se inscreve no quadro de uma observação mais ampla e ao mesmo tempo
criteriosa, da orientação sexual no meio escolar. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, cuja
proposta é investigar o cumprimento (ou não) do que prescrevem os Parâmetros
Curriculares Nacionais quanto à Orientação Sexual nas Escolas e seu tratamento de forma
transversal. Nosso objetivo principal foi indagar “se” e como a sexualidade está sendo
abordada em escolas da rede pública de ensino na região Oceânica de Niterói/RJ. Interessa-
nos compreender a percepção que alunos e professores, sujeitos desta pesquisa, têm da
atual situação da Orientação Sexual nas escolas pesquisadas.

Pelo interesse pessoal e profissional pela pesquisa e pelo magistério,


percebemos a importância de compreender as razões que direcionam e dimensionam o
campo da sexualidade no âmbito escolar. Interessa-nos conhecer as formas como a escola,
na pessoa de seus professores, tem lidado com a sexualidade humana, e como a camada
adolescente da população escolar tem assimilado tais informações.

Não se pode negar ou simplesmente ignorar a sexualidade. Ela existe e faz parte
do nosso dia-a-dia. Está inserida nas sociedades do mundo inteiro e apresenta-se sob as
mais diversificadas formas e para cada uma delas existe um conjunto de variáveis físicas,
mentais e psicossociais que contribuem para a formação integral das pessoas.

Interessa-nos aqui avaliar a questão relativa à sexualidade dentro do campo


escolar, pois durante bastante tempo na história da humanidade, a sexualidade foi
considerada tabu e o termo associado a algo inconveniente de ser abordado. Atualmente,
em razão da demanda social cada vez maior de informação e formação coletiva, estudos
acerca da sexualidade já começam a ser encarados com mais naturalidade e seriedade.
Almeja-se, com isso, o crescimento global do indivíduo como cidadão, em todos os planos:
físico, intelectual, afetivo-emocional e sexual. Tal crescimento, quando realizado de forma
responsável, torna o indivíduo mais completo e mais satisfeito com a sua própria condição
humana.
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O presente trabalho justifica-se pela necessidade de subsidiar ações efetivas de


implantação de políticas públicas no campo da Educação Sexual a partir da inserção da
Orientação Sexual na Escola enquanto tema transversal, de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais, no sentido de possibilitar a real inserção da sexualidade como
tema transversal.

De acordo com a Lei de nº 9.394/96 de Diretrizes e Bases, que regulamenta


todo o processo educacional no país, e seguindo as orientações estabelecidas nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997)1 traçados pelo MEC, o tema Orientação Sexual
deverá estar inserido na escola como tema transversal. Isso significa que terá de perpassar
todas as disciplinas da grade curricular: da educação artística à matemática.

Nosso objetivo geral foi detectar se e como as propostas dos PCN’s


(Parâmetros Curriculares Nacionais) quanto à Orientação Sexual estão sendo colocadas em
prática (ou não) nas escolas da rede pública de ensino na região oceânica da cidade de
Niterói/ RJ. Como campo observacional selecionamos três escolas da rede estadual e uma
escola da rede municipal de ensino: a) Colégio Estadual Professora Alcina Rodrigues Lima
(localizado em Itaipu); b) Colégio Estadual Fagundes Varela (localizado no Engenho do
Mato); c) Colégio Estadual Leopoldo Fróes (localizado em Pendotiba); e Colégio
Municipal Francisco Portugal Neves ( localizado em Piratininga).

Para atingirmos nossos objetivos, tomamos como sujeitos desta pesquisa dois
grupos distintos: o primeiro grupo formado por adolescentes, estudantes, de ambos os
sexos, freqüentando regularmente a sétima série do ensino fundamental das escolas
selecionadas; o segundo grupo de sujeitos formado por professores também do ensino
fundamental, lecionando nestas escolas. Nossa escolha pela sétima série não foi aleatória.
Ao contrário. De acordo com o conteúdo programático da disciplina de Ciências, é
justamente na sétima série que o aluno estuda o corpo humano, todos os órgãos e sistemas
inclusive o sistema reprodutor. Em nossa pesquisa de campo, utilizamos dois tipos
diferentes de instrumento: o questionário composto por dez perguntas (anexo1), aplicado
aos estudantes de ambos os sexos que estivessem cursando a sétima série do ensino
fundamental das escolas selecionadas, e a entrevista, feita com os professores (roteiro em
anexo 2), gravada com o prévio consentimento dos entrevistados. É interessante observar
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as diferenças de posicionamento entre alunos(as) e professores (as) de uma mesma escola


quanto à prática da Orientação Sexual na Escola. Após a realização da coleta de dados no
campo, foi feito o levantamento das respostas dos sujeitos e análise dos resultados, em
diálogo com os aportes teóricos.

Compreendemos a educação como fenômeno social, cultural e político.


Conseqüentemente, entendemos Orientação Sexual, tema desta pesquisa, sob a mesma
ótica. O desafio principal desta pesquisa foi apreender o sentido do fenômeno Orientação
Sexual na Escola, sob o olhar daqueles que participam deste processo: professores e
alunos adolescentes.

Nossa pesquisa teve uma abordagem qualitativa, que não pretende impor um
quadro pré-determinado de raciocínio sobre a realidade existente nas escolas da rede
pública (estadual e municipal) que foram observadas. Optamos pelo relativo abandono da
explicação do fenômeno Orientação Sexual em termos de causa e efeito. Ao contrário,
procuramos compreendê-lo de forma contextualizada, dentro do enfoque social, cultural,
político e efetivo ao qual pertence.

Quanto à relevância do tema “Sexualidade....Professor que cala, nem sempre


consente”, a sexualidade é um aspecto extremamente importante na formação global das
pessoas. No caso dos adolescentes, as experiências sexuais quase nunca acontecem de
forma planejada. Normalmente elas acabam acontecendo de forma não programada e sem
que alguns cuidados básicos sejam tomados.

Desde a década de 70, tem se discutido a inclusão da Orientação Sexual no


currículo das escolas de 1o e 2o graus. Isso aconteceu paralelamente aos movimentos
sociais que propunham a reabertura política. A partir dos anos 80, esta demanda se
intensificou, especialmente após o crescimento alarmante da AIDS (transmitida pelo vírus
HIV), acentuadamente entre as populações mais jovens. Além disso, o aumento do número
de adolescentes, ainda em idade escolar, grávidas, causa enormes preocupações e
transtornos, especialmente para a própria adolescente que, não raro, é obrigada a abrir mão
de seus estudos para poder tomar conta do seu bebê.

1
Aqui nos referimos ao volume 10 dos Parâmetros Curriculares Nacionais (MEC) denominado Pluralidade
Cultural e Orientação Sexual, que é específico para as séries iniciais ( 1ª à 4ª ) do ensino fundamental.
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Diante de um quadro tão sério de gravidez na adolescência e alastramento de


doenças sexualmente transmissíveis (incluindo a AIDS), cabe-nos refletir acerca da
importância do tema Orientação Sexual na vida dos estudantes.

Foram utilizadas nesta pesquisa, contribuições de: Sigmund Freud, Michel


Foucault e Pierre Bourdieu.

Em Freud, fomos buscar entendimento para a própria sexualidade.


Principalmente em se tratando de sexualidade na adolescência, não poderíamos deixar de
fora aquele que, com certeza, contribuiu muito para a ampliação da visão da sexualidade
no século XX.

Em Foucault, buscamos reflexões sobre o discurso. Não só o discurso daquilo


que é dito, mas também e principalmente o não-discurso, o não-dito, o excluído do
discurso. Foucault questiona a onipotência do discurso e ao mesmo tempo sua fragilidade.

A onipotência do discurso é a dimensão essencial da modernidade. Todos os


críticos de nossa época vêem na onipresença das estruturas discursivas a característica
central do mundo contemporâneo. Presença audiovisual do discurso na imprensa falada e
escrita, presença do discurso na propaganda política, nos textos, imagens publicitárias e na
ideologia. No discurso ideológico, a ideologia pode dar-se ao luxo de aparecer como
verdade. Nesse universo, o discurso funciona como um sistema abrangente.

Em sua metodologia de trabalho, Foucault (1996) não inventa um mundo sem


sujeitos, ele descreve realisticamente um mundo no qual o sujeito já foi ou está sendo
submergido pelo discurso. É através do discurso que as ideologias do poder e do saber se
manifestam e especialmente no campo da Sexualidade.

Foucault (1988) demonstrou como funcionaram e funcionam as práticas


discursivas: ora estimulando ora reprimindo as práticas sexuais. O sexo e seus efeitos não
são fáceis de decifrar; em compensação, sua repressão pode ser mais facilmente analisada.
E a causa do sexo, sua liberdade e o direito de falar dele, encontram-se ligados à causa
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política. Não poderíamos deixar de abordar também nesta pesquisa, a “hipótese


repressiva” 2 tão bem trabalhada por Foucault em sua obra.

Em nome da busca por uma “verdade”, muitas práticas foram inventadas e


reinventadas, e muitos discursos foram elaborados no intuito de reforçá-las ou eliminá-las.
No dizer de Foucault, só a nossa sociedade desenvolveu no decorrer dos séculos, para
saber e dizer a verdade do sexo, procedimentos capazes de classificar e controlar o sexo.

A produção da verdade sobre o sexo, assim como a produção da verdade sobre


tantas outras coisas, passa pela ordem do discurso.

Em Pierre Bourdieu fomos buscar respaldo na noção de habitus que, de certa


forma, explica as dificuldades encontradas por professores para mudar uma prática que
vem sendo construída há muito, sobre o trabalho com sexualidade na escola. Também
buscamos estabelecer uma ponte entre os conceitos de campo como locus de uma luta
simbólica, estabelecida entre dominadores (professores) e dominados (alunos). Nesta luta,
pelo que pudemos observar em nossa pesquisa, os dominadores têm conseguido impor
suas verdades acerca da sexualidade aos dominados (alunos). Isso gera um certo conflito
no campo escolar pois confronta as necessidades do alunado em ter um espaço aberto para
conversar sobre sexualidade, e as dificuldades dos professores em desenvolver esta
proposta.

2
Foucault chama de hipótese repressiva as perspectivas de análise em geral feitas ao sexo, a que ele se opõe.
Ele é contra a idéia da hipótese repressiva e afirma que a repressão ao sexo só estimulou ainda mais suas
manifestações.
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1. SOBRE SEXUALIDADE

Durante bastante tempo na história da humanidade, a sexualidade foi


considerada um tabu. O termo era associado às coisas feias, impuras, pecaminosas. Falar
sobre sexo também era proibido, especialmente com crianças e adolescentes. Procurava-se
evitar o inevitável, de maneira tão dramática que muita gente acabava por manter
ignorância absoluta sobre os fatos. Isso acabava por aguçar ainda mais a curiosidade
infantil em torno da sexualidade (que acabava se tornando um mistério). Muitas restrições
eram feitas de forma violenta e ameaçadora. O mesmo acontecia quando surgiam
perguntas a respeito da concepção e nascimento dos bebês. As perguntas eram respondidas
com evasivas do tipo: “a cegonha traz os bebês”; “eles nascem dos repolhos”. Alguns pais
aplicavam a comprometedora mentira: - Mamãe irá para a maternidade e lá o médico lhe
dará um bebê de presente. Nesta explicação, o médico passava por produtor de crianças e
ao mesmo tempo, pai de todas elas.

Na primeira metade do século XX, os estudos de Freud sobre a sexualidade


humana levaram-no a fazer uma série de afirmações que escandalizaram a conservadora
sociedade de sua época. Se falar em sexualidade era complicado, em sexualidade infantil
então, nem pensar.

As idéias novas quase sempre são questionadas quando surgem, principalmente


quando se chocam com velhos preconceitos ou privilégios arraigados, cultural e
psicologicamente, nas pessoas.

A idéia de que havia um período intermediário entre a infância e a idade adulta


é bastante recente em termos de história da humanidade. O termo adolescência também
passou a ser incorporado ao nosso vocabulário recentemente e da mesma forma que
mudam as terminologias usadas no vocabulário, ocorrem mudanças no comportamento
social e sexual das pessoas. Isso porque a evolução humana é feita pela própria práxis do
homem, pelo seu modo de pensar, agir e se comunicar. As pessoas produzem idéias que
representam sua vida individual e coletiva assim como suas inter-relações. Contudo, tais
idéias podem esconder das próprias pessoas o modo real como suas relações sociais foram
produzidas e a origem das formas de exploração e dominação política. Em razão da
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demanda social cada vez maior de informação e formação coletiva, estudos acerca da
sexualidade já começam a ser encarados com mais naturalidade e seriedade. Almeja-se o
crescimento global do indivíduo como cidadão, em todos os planos: físicos, intelectual,
afetivo-emocional e sexual.

Tal crescimento, quando realizado de forma equilibrada, torna o indivíduo mais


completo e mais satisfeito com a sua própria condição humana.

No mundo cada vez mais globalizado, as normas de comportamento estão em


constante modificação e neste processo os problemas ligados às questões sexuais quase
sempre geram profundos conflitos. No Brasil, a cada ano, duas de cada dez mulheres que
dão à luz, têm entre 14 e 18 anos. Isso significa que um milhão de parturientes brasileiras
3
são adolescentes .

O mais complicado nestes casos é que a grande maioria das meninas que
engravidam na adolescência pertencem às classes menos favorecidas economicamente,
pois nas classes média e alta, um número considerável de adolescentes que engravidam não
vão fazer parte dessas estatísticas por terem acesso ao aborto. Um milhão de adolescentes
teve de se deparar com a gravidez não planejada. Por esta razão, é importante pesquisar
esta faixa etária (adolescência) e desenvolver propostas pedagógicas voltadas para uma
demanda de atendimento específico à questão da sexualidade.

1.1 Sexualidade na Pré-história

O surgimento do ser humano no planeta Terra não é algo muito preciso, mas
sabemos que sua evolução, de simples primata para o ser complexo que é hoje, passou por
um longo processo de mutações e adaptações.

Para sobreviver num habitat absolutamente hostil, os primeiros hominídeos


contavam apenas com seus sentidos, habilidades, e também com a união do grupo, uma
vez que sozinho era quase impossível sobreviver. As disputas entre os indivíduos do
mesmo grupo e também entre grupos distintos eram constantes.

3
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) – 1996.
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A vida nas florestas, dentro das árvores, chegou ao fim com a seca enfrentada
pelo planeta. Com a falta de água, a extensão das florestas ficou reduzida, obrigando os
seres vivos a abandoná-las em busca de comida. As transformações do homem
aconteceram em decorrência das interferências ecológicas (num primeiro momento),
genéticas, cerebrais, sociais e culturais. O meio natural se modificou lentamente,
provocando a mudança nos indivíduos e nos grupos sociais. O surgimento das savanas e a
saída dos indivíduos das florestas, cada vez mais escassas, foi o primeiro passo no sentido
da hominização.

Para adaptar-se ao terreno plano das savanas, o homem primitivo teve que
adquirir um andar bípede, libertando as mãos da função locomotora e passando a utilizá-
la para outros fins. A posição de pé, liberta as mãos que, se modificam (surge a oposição
do polegar em relação à palma da mão). Com as mãos livres o homem passa a
confeccionar objetos, adquire novas habilidades para caçar e modifica seu padrão
alimentar, especialmente após o domínio do fogo.

Com a descoberta do fogo, o homem passa a cozinhar seus alimentos,


tornando-os mais macios e de fácil digestão, provocando com isso, mudanças físicas e
comportamentais. No campo físico, o maxilar se reduz e as mandíbulas diminuem.
Conseqüentemente sobra espaço na caixa craniana para o crescimento do cérebro, que
ganha volume e complexidade. Além disso, o fogo agrega os indivíduos. Em torno dele
há calor e segurança para o grupo, antes desconhecida. O fogo torna o sono mais tranqüilo
profundo, diferenciado dos demais animais que têm um sono marcado pelo alerta. É bem
possível que o fogo tenha favorecido a liberdade do sonho. Com os grupos permanecendo
mais tempo num mesmo lugar, surgiram as primeiras sociedades sedentárias e com isso o
desenvolvimento da linguagem e a diferenciação nos papéis sociais e sexuais. Apareceram
as relações de dominação do mais fraco pelo mais forte.

Havia nítidas diferenças culturais entre os grupos: algumas tribos cobriam o


corpo utilizando peles de animais, outras pintavam o corpo com pigmentos colhidos da
natureza, conheciam o riso, a comunicação entre as pessoas era mais elaborada e a
atividade sexual feita de forma diferenciada. Nestas tribos, as habilidades eram
aprimoradas: construíam casas e alguns objetos, tais como reservatório de água, recipiente
para comida. Também conheciam a técnica da produção do fogo e com isso, levavam
vantagem sobre seus semelhantes.
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As práticas sexuais também variavam de tribo para tribo. Nas tribos menos
evoluídas, o ato sexual era feito com a fêmea de “quatro”, posição semelhante àquela usada
pelos animais. Podemos notar que tratava-se de algo puramente instintivo, voltado para a
procriação da espécie. Nas tribos mais adiantadas, a mulher passa a adotar a posição de
frente para o parceiro, buscando sensações mais prazerosas.

Podemos então concluir que a busca do sexo por puro prazer exigia uma
complexidade maior por parte dos indivíduos e até mesmo das sociedades. E como todas
as outras práticas, a sexualidade também apresentava variações individuais e culturais,
observáveis nas mais diversas esferas.

1.2 Sexo e Moralidade

De acordo com a obra de Tannahil (1983), a família pré-histórica se


centralizava na mulher pois o relacionamento maternal era o único distintamente
demarcado. O papel do homem na procriação só foi descoberto posteriormente, no estágio
em que as civilizações passam a viver de forma sedentária. O que hoje nos parece óbvio - a
relação entre coito e concepção - só foi descoberto por volta de 9000 a .C. No decorrer dos
últimos cem anos, os antropólogos têm ficado surpresos ante a descoberta de tribos
primitivas que ainda ignoram esta relação.

Durante muito tempo da era paleolítica, o homem percebeu como “natural” para
a fêmea humana, como para a égua selvagem ou qualquer outra fêmea, ficarem grávidas ou
amamentando durante boa parte de sua vida adulta, como era “natural” para o homem e
todos os demais animais entregarem-se ao ato sexual sem verem nisso nada mais do que a
realização física. Somente em um estágio realmente tardio da civilização é que sexo e
moralidade convergiram.

A mudança do estilo de vida - de nômade a sedentária- e a vida nas cavernas


influenciaram a estrutura interna das tribos. A estabilidade oferecida pelas cavernas
propiciou o desenvolvimento de instituições mais amplas - espécies de cooperativas de
caça- entre os indivíduos do mesmo grupo e entre grupos diferentes. Com isso as tribos
passaram a se aproximar uma das outras e o resultado foi o alargamento dos horizontes
amorosos entre os indivíduos. O intercasamento tribal era encorajado como um meio de
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estabelecer alianças políticas e de ajuda recíproca. Casamento entre indivíduos de


diferentes tribos eram encorajados, ao passo que relacionamentos consanguíneos
(incestuosos) foram desaparecendo. Nesse tipo de “casamento”, não ocorre uma seleção
natural e as modificações são quase inexistentes.

Sem dúvida, deve ter existido alguma proibição de extrema consangüinidade -


ou incesto - pois do contrário não existiria capacidade para variar.

A universalidade do tabu do incesto sugere que este tenha sido fabricado no


mecanismo humano desde o próprio início, sendo um tabu amplamente identificado como
“natural” à humanidade, e na visão de Tannahill (1983), o incesto e não o canibalismo, foi
o primeiro tabu do mundo.

Ninguém sabe quando ou como o homem descobriu que as mulheres eram


incapazes de produzir filhos sem o auxílio dos machos, mas parece provável que isto tenha
acontecido na parte inicial da era neolítica. Ao fazer tal descoberta, percebeu que o sangue
menstrual demonstrava o fracasso da mulher em conceber e com isso, a atitude em relação
ao sangue menstrual se tornou mais severa. A partir do momento em que consegue
estabelecer a relação entre coito e gravidez, o homem passa a preocupar-se com a posse:
“meu filho”, “minha mulher”, “minha terra”. Começam a surgir normas para regulamentar
a atividade sexual de homens e mulheres – caso contrário não seria possível garantir a
paternidade da prole.

Apesar das mudanças sociais e sexuais, a atividade sexual era valorizada e só


passou a ser transformada em pecado muito tempo depois. Todas estas concepções e
entendimentos sobre a questão da sexualidade influenciam algumas práticas correntes em
nossos dias sem que muitas vezes saibamos as razões. Muitos adolescentes ainda hoje
podem desconhecer a fisiologia da reprodução, mesmo tendo vida sexualmente ativa, e
atitudes sociais de machismo podem ser valorizadas em determinados grupos sociais, sem
que seja questionada a origem destes procedimentos ou de determinadas crenças.
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2. A CONTRIBUIÇÃO DE SIGMUND FREUD

Na primeira metade do século XX, os estudos de Sigmund Freud sobre a


sexualidade levaram-no a fazer uma série de afirmações que escandalizaram a sociedade
de sua época. Da mesma forma que os homens dos séculos passados não poderiam sequer
imaginar que o mundo atual teria tantas descobertas científicas como o rádio, a televisão e
os telefones celulares, os contemporâneos de Freud não podiam aceitar novas idéias sobre
a importância do sexo na vida humana. As novas idéias são sempre combatidas ou no
mínimo bastante questionadas quando surgem pela primeira vez. Isso acontece com mais
força quando as idéias novas vão se chocar com os velhos preconceitos ou privilégios
arraigados há muito tempo.

Quando Freud tentou ajudar aos vienenses adultos a vencer suas neuroses,
formulou para isso uma filosofia geral capaz de explicar como as patologias se
desenvolviam e como as crianças se desenvolviam psicossexualmente. Ele percebeu que as
crianças desde a mais tenra idade, exerciam atividades sexuais e estabeleceu cinco fases
dentro das quais aconteceria o desenvolvimento emocional e psicossexual da criança.

A primeira fase foi denominada de fase oral, e inicia-se no momento do


nascimento da criança. Nesta fase, a fonte de prazer está na área oral do corpo, mais
precisamente na boca.

A segunda fase foi denominada de fase anal e nesta, a fonte de prazer está
localizada na região anal. A criança sente prazer em controlar os esfíncteres.

A terceira é a fase fálica, na qual a fonte de prazer é a região genital. Nesta


época surge a curiosidade sexual e o interesse pela masturbação.

A quarta fase é a de latência e nesta época ocorre o recalque dos impulsos


sexuais para dar espaço ao desenvolvimento de outras habilidades sociais. Corresponde
ao período de melhor desempenho escolar e desportivo da criança.

A quinta e última fase denomina-se genital e ocorre na adolescência, onde


reaviva-se o impulso sexual e o objeto de satisfação passa a ser a outra pessoa (e não
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apenas o próprio corpo, como ocorre na fase fálica). Esta fase prenuncia o
desenvolvimento dos relacionamentos sexuais adultos.

Os pressupostos freudianos, apesar de terem causado enorme impacto, depois


de determinado tempo foram incorporadas pela sociedade ocidental, sendo suas idéias
assimiladas como verdades inquestionáveis por muitos profissionais em diversos países.

Freud foi o primeiro a constatar que a sexualidade infantil e juvenil apresenta


um quadro distinto da sexualidade do adulto, e que o desenvolvimento psicossexual do
indivíduo passa por fases desde o nascimento até a maturidade. A emocionalidade do
adolescente é vivida com lutas e perdas, ansiedade, alegria e tristeza. Importantes
remanejamentos psíquicos trazem como conseqüência uma fragilidade relativa ao
equilíbrio psico-afetivo. Este processo ocorre dinamicamente na busca pela identidade e as
falhas na elaboração dos conflitos internos podem acarretar transtornos na vida individual
ou mesmo coletiva. É a fragilidade do adolescente que torna-o mais vulnerável aos
estímulos vindos do meio ambiente.

Em sua obra “História do movimento psicanalítico” (1914), Freud declarou


que a teoria da repressão era a pedra angular sobre a qual repousava toda a estrutura da
psicanálise. A condição para a repressão é que a força motora do desprazer adquire mais
vigor , e por isso a essência da repressão consiste simplesmente em afastar determinada
coisa que cause desprazer, mantendo-a à distância. O processo de repressão é
extremamente flexível, tem muita mobilidade. O conteúdo reprimido exerce uma pressão
contínua sobre o indivíduo, e esta pressão tem que ser equilibrada com uma força contrária
incessante. Assim, a manutenção de uma repressão acarreta ininterrupto dispêndio de
força, ao passo que sua eliminação, encarada sob o ponto de vista econômico, resulta
numa poupança de energia.

Com o avanço da ciência e da tecnologia, o homem adquiriu maior controle


sobre a natureza, mas isso não o tornou mais feliz. Ao contrário, só aumentou a sua
angústia. Conseguimos falar com uma pessoa que está a milhares de quilômetros distantes
de nós, através do telefone, conseguimos reduzir o índice de mortalidade infantil e
alcançamos a cura para muitas doenças. Contudo, criamos condições difíceis para nossa
vida sexual nos relacionamentos e as novas doenças não param de surgir.
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Para Freud (1929)4, a felicidade é algo essencialmente subjetivo e cada pessoa


tem uma maneira singular de alcançá-la. Assim também cada sociedade busca encontrar
essa felicidade de forma específica e cria para isso, exigências quanto à civilização.

Vejamos aqui, algumas dessas exigências segundo a perspectiva freudiana:

a) Beleza: exigimos que o homem civilizado reverencie a beleza, sempre que a


perceba na natureza ou sempre que a crie nos objetos do seu trabalho.

b) Asseio e ordem: a sujeira de qualquer espécie nos parece incompatível com


a civilização. Desta forma entendemos as exigências de limpeza ao corpo humano. Ao
passo que não se espera encontrar asseio na natureza, a ordem, pelo contrário, foi imitada a
partir dela. Os benefícios da ordem são incontestáveis. Ela capacita os homens a utilizarem
o espaço e o tempo para seu melhor proveito, conservando ao mesmo tempo as forças
psíquicas deles.

c) Estima e incentivo em relação às mais elevadas atividades mentais do


homem: suas realizações intelectuais, científicas e artísticas – e o papel fundamental que
atribui às idéias na vida humana. Entre essas idéias se encontram os sistemas religiosos, as
especulações filosóficas e os “ideais do homem”.

d) A maneira pela qual os relacionamentos mútuos dos homens, seus


relacionamentos sociais são regulados: se essa tentativa de regular os relacionamentos não
fosse feita, os mesmos ficariam sujeitos à vontade arbitrária do indivíduo. Por essa razão, o
poder do indivíduo é substituído pelo poder de uma comunidade em forma de “direito”.
Sua essência reside no fato de os membros da comunidade se restringirem em suas
possibilidades de satisfação, ao passo que o indivíduo desconhece tais restrições. O
resultado final seria o surgimento de um estatuto legal para o qual todos – exceto os
incapazes de ingressar numa comunidade – contribuíram com um sacrifício de seus
instintos e que não deixa ninguém à mercê da força bruta. O desenvolvimento da
civilização impõe restrições à liberdade individual e a justiça exige que ninguém fuja a
essas restrições. Grande parte das lutas da humanidade giram em torno da tarefa de
encontrar uma acomodação que traga felicidade, entre a reivindicação do indivíduo e as
reivindicações culturais do grupo. Um dos problemas que incide sobre o destino da

4
Texto de Sigmund Freud denominado O mal estar na civilização de 1929-1930.
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humanidade é o de saber se tal acomodação pode ser alcançada (por meio de alguma forma
específica de civilização) ou se esse conflito é irreconciliável.

Uma das características principais dos processos civilizatórios, na visão


freudiana, é a renúncia aos instintos. Nas sociedades civilizadas, os instintos são induzidos
a deslocar as condições de sua satisfação, a conduzi-las para outros caminhos. A esse
processo Freud denomina sublimação5.

Conclui-se portanto que, a vida em comunidade pressupõe abrir mão dos


desejos (instintos) individuais e aceitar alguns preceitos instituídos socialmente, como as
normas de direito e as leis. Os preceitos do tabu constituíram o primeiro “direito” ou “lei”.
A vida comunitária dos seres humanos teve, portanto, um fundamento duplo: a compulsão
para o trabalho, criada pela necessidade externa, e o poder do amor, que fez o homem
relutar em privar-se de seu objeto sexual – a mulher – e a mulher em privar-se de uma
parte de si própria – seus filhos. O homem descobriu que o amor sexual (genital) lhe
proporcionava muita satisfação, fornecendo-lhe na realidade, o protótipo de toda
felicidade. Essa descoberta deve ter-lhe sugerido que continuasse a buscar a satisfação da
felicidade em sua vida seguindo o caminho das relações sexuais e que tornasse o erotismo
genital o ponto central de sua vida. Contudo, esperar alcançar a felicidade através do amor
genital pode ser bastante frustrante para as pessoas pois há o risco constante da perda do
objeto amado. Diante deste risco, as pessoas se protegem, voltando seu amor não para
objetos isolados, mas para toda a humanidade. Desta forma, evitam as incertezas e
decepções do amor genital e transformam seus instintos em impulsos com uma finalidade
inibida. Provocam nelas mesmas um estado de sentimento suspenso, constante e afetuoso,
que tem pouca semelhança externa com as tempestuosas agitações do amor genital do qual
se deriva. Além disso, aquilo que identificamos como sendo uma das técnicas para realizar
o princípio do prazer foi amiúde vinculado à religião.

O amor que fundou a família continua a operar na civilização, tanto em sua


forma original (que não renuncia à satisfação sexual direta) quanto em sua forma
modificada (como afeição inibida em sua finalidade). E cada uma delas continua a realizar

5
A sublimação do instinto constitui um aspecto particularmente evidente do desenvolvimento cultural; é ela
que torna possível às atividades psíquicas superiores, científicas, artísticas ou ideológicas, o desempenho de
um papel tão importante na vida moderna.
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sua função de reunir consideráveis quantidades de pessoas, de um modo mais intensivo do


que o que pode ser efetuado através do interesse pelo trabalho comum.

O amor com uma finalidade inibida foi, originalmente, amor plenamente


sensual e ainda o é no inconsciente do ser humano. Ambos – o amor plenamente sensual e
o amor inibido em sua finalidade – estendem-se exteriormente à família e criam novos
vínculos com pessoas anteriormente estranhas. Assim, os vínculos se alargam e as
sociedades vão se formando. No decurso do desenvolvimento contudo, vai surgindo uma
incompatibilidade entre amor e civilização. Expressa-se um conflito entre a família e a
comunidade maior a qual pertencem os indivíduos.

A tendência por parte da civilização em restringir a vida sexual não é menos


clara que sua outra tendência em ampliar a unidade cultural. Sua primeira fase,
denominada por Freud de totêmica, já traz com ela a proibição de uma escolha incestuosa
de objeto, o que constitui a mutilação mais drástica que a vida erótica do homem já
experimentou. Os tabus, as leis e os costumes impõem novas restrições que influenciam a
todos.

É importante ressaltar que nem todas as civilizações vão igualmente longe disso
e a estrutura econômica da sociedade também influencia a quantidade de liberdade sexual
remanescente. Isso porque a civilização obedece às leis da necessidade econômica, visto
que uma grande quantidade de energia psíquica que ela utiliza para seus próprios fins tem
de ser retirada da sexualidade. Para que esse sistema funcione é preciso haver mecanismos
de controle da sexualidade, postos em prática na vida dos sujeitos, desde a infância. A
civilização moderna cria regras para o exercício da sexualidade: relacionamentos sexuais
na base do vínculo único e indissolúvel entre um só homem e uma só mulher. Além disso,
a finalidade da sexualidade não é o prazer por si só, mas sim a propagação da raça
humana.6 Desta forma, a vida sexual do ser humano civilizado encontra-se bastante
prejudicada. Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes, não apenas à sexualidade do
homem, mas também à sua agressividade, podemos compreender melhor porque é tão
difícil ser feliz nessa civilização. O homem civilizado trocou uma parcela de suas
possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança e para viver em sociedade e em

6
É importante acrescentar que na época em que Freud desenvolveu sua teoria, não havia métodos científicos
capazes de auxiliar a reprodução humana, tais como inseminação artificial. Assim sendo o único caminho
para que um casal tivesse filhos era a atividade sexual. Por essa razão, a mesma era “tolerada”.
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segurança, abre mão de seus desejos e instintos, inclusive e principalmente, os sexuais.


Podemos dizer que Freud é um autor importante pelo pioneirismo de seus constructos para
se discutir e entender a sexualidade.

3. A CONTRIBUIÇÃO DE MICHEL FOUCAULT

O século XVII vai assinalar o início de uma época de repressão própria das
sociedades chamadas burguesas e da qual talvez ainda não estejamos liberados
completamente. Dominar o sexo seria, a partir desse momento, mais difícil. É como se,
para dominá-lo no plano real, tivesse sido necessário primeiro, reduzi-lo ao nível da
linguagem.

Esses três últimos séculos, com suas contínuas transformações, permitem-nos


observar que, em torno do objetivo do sexo, há uma verdadeira explosão discursiva.
Definiu-se de maneira mais restrita, onde e quando não era possível falar de sexo, em quais
relações sociais. Ficou estabelecido um silêncio absoluto, pelo menos de tato e discrição,
entre pais e filhos. Em compensação, a nível dos discursos e de seus domínios, o fenômeno
é quase inverso. Sobre o sexo, os discursos proliferam e uma fermentação discursiva se
intensificou a partir do século XVIII.

A contra-reforma se dedicou, em todos os países católicos, a impor a cada


cristão regras meticulosas de exame de si mesmo. Atribuiu a cada um dos desejos da carne
outras regras no jogo das confissões e na direção espiritual. O sexo, segundo a nova
pastoral, não deveria ser dimensionado sem prudência. A moralidade cristã inscreveu como
dever fundamental a tarefa de fazer com que tudo que se relacionasse ao sexo, passasse
pelo crivo da palavra. O fato é que todas as regras e censuras não conseguiram controlar a
sexualidade e esta continua imperando.

Na verdade, de tanto falar em sexo, descobri-lo, classificá-lo e especificá-lo,


procurar-se-ia mascará-lo. Pelo menos até Freud, o discurso sobre sexo não teria feito
mais do que ocultar continuamente o que dele se falava. O simples fato de falar nele, sob o
ponto de vista purificado, neutro, da ciência, já é em si, bastante significativo. Uma ciência
feita de esquivanças.
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O discurso científico sobre sexo, no século XIX, era transpassado de


credulidades imemoráveis e também de ofuscações sistemáticas.

Historicamente, existiram dois tipos de procedimento para se produzir a


verdade sobre o sexo. Por um lado, as sociedades que se dotaram de erotismo, e foram
numerosas as que seguiram tal caminho. Na arte erótica, a verdade é extraída do próprio
prazer, encarado como prática e recolhido como experiência, e não por referência a uma lei
absoluta do permitido e do proibido. Por outro lado, estão as sociedades nas quais existe a
ciência sexual, para dizer a verdade sobre o sexo. Nossa sociedade carrega o emblema do
sexo que fala, que pode ser, afinal, interrogado e surpreendido, contraído e volúvel ao
mesmo tempo. Mas nem por isso a curiosidade sobre o tema diminuiu, ao contrário,
parece-nos que os questionamentos foram aguçados.

Terá a sexualidade sido bruscamente censurada e reprimida com o advento do


capitalismo, depois de ter vivido em liberdade de palavras e atos? Segundo Foucault
(1995), a sociedade capitalista não obrigou o sexo a calar-se ou a esconder-se. Ao
contrário, desde meados do século XVI – processo que se intensifica a partir do século
XIX com o nascimento das ciências humanas – o sexo foi incitado a se manifestar,
especialmente através dos discursos. Discursos que se inserem de diferentes maneiras nas
diversas instituições como, a Igreja, a escola, a família, o consultório médico, e nos saberes
como, a demografia, a psicologia, a psiquiatria. Contudo, a produção discursiva nem
reduziu, nem proibiu as práticas sexuais, ao contrário, acabou por incitá-las.

Na visão de Ariès (1981), por muito tempo temos suportado um regime


vitoriano do controle da sexualidade. No início do século XVII ainda vigorava uma certa
franqueza. As práticas sociais e sexuais, não procuravam o segredo, as palavras eram ditas
sem reticência excessiva e as coisas sem demasiado disfarce, tinha-se com o ilícito, uma
tolerante familiaridade. Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da
decência, se comparados aos do século XIX.

Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas


da burguesia vitoriana. A sexualidade teria sido então, cuidadosamente encerrada.
Mudando-se para dentro de casa. A família conjugal a confiscou e absorveu-a inteiramente,
na seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e
procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda
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o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço social ou em cada


moradia, a sexualidade passa a ser reconhecida de forma mais utilitária e fecunda: o quarto
dos pais. Ao que sobra só resta esconder, o decoro das atitudes esconde os corpos, a
decência das palavras limpa os discursos.

A sexualidade é reduzida ao silêncio. Isso é a repressão e ela funciona decerto,


condenando atos, palavras e ações ao desaparecimento, mas também pode ser a afirmação
da inexistência, a injunção ao silêncio e, conseqüentemente, a constatação de que não há
nada para dizer, nem para ver, nem para saber. Assim marcharia com sua lógica capenga, a
hipocrisia de nossas sociedades burguesas, porém forçada a algumas concessões. Se for
mesmo preciso dar lugar às sexualidades ilegítimas, que o façam noutro lugar, no qual não
incomodem tanto, e possam ser reinscritas nos circuitos da produção e do lucro: os rendez-
vous e as casas de saúde são esses lugares. Fora desses lugares, o puritanismo moderno
teria imposto seu tríplice decreto de interdição, inexistência e mutismo.

Hoje, estaríamos liberados desses dois longos séculos onde a história da


sexualidade devia ser lida, inicialmente, como a crônica de uma crescente repressão?
Talvez um pouco por Freud. Porém com que circunspecção, com que prudência médica,
com que garantias científicas de inocuidade e com quanta precaução, para tudo manter sem
receio de “transbordamento”, no mais seguro e mais discreto espaço entre divã e discurso.

Explicam-nos que, se a repressão foi, desde a época clássica, o modo


fundamental de ligação entre poder, saber e sexualidade, para superá-la seria necessário
uma transgressão das leis, uma suspensão das interdições, uma restituição do prazer ao real
e toda uma nova economia dos mecanismos do poder, pois a menor eclosão de verdade é
condicionada politicamente. Portanto, não se pode esperar tais efeitos de uma simples
prática médica, nem de um discurso teórico, pôr mais rigoroso e científico que ele seja.
Dessa forma, denuncia-se o conformismo de Freud, as funções de normalização da
psicanálise, e todos os efeitos de integração assegurados pela “ciência” do sexo, ou as
práticas, pouco mais do que suspeitas da sexologia.

Esse discurso sobre a repressão moderna do sexo se sustenta, sem dúvida,


porque é fácil de ser dominado. A repressão sexual coincide com o desenvolvimento do
capitalismo, ela faria parte da ordem burguesa. A explicação é simples: se o sexo é
reprimido com tanto rigor, é por ser incompatível com uma colocação no trabalho, geral e
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intensa. Na época em que se explora sistematicamente a força de trabalho, poder-se-ia


tolerar que ela fosse dissipar-se nos prazeres, salvo naqueles, reduzidos ao mínimo, que
lhe permitem reproduzir-se?

O sexo e seus efeitos não são fáceis de decifrar, em compensação, sua repressão
pode ser facilmente analisada. E a causa do sexo, de sua liberdade, do seu conhecimento e
do direito de falar dele, encontra-se com toda legitimidade, ligada à causa política.

Se o sexo é reprimido, isto é, fadado à proibição, a inexistência e ao mutismo,


o simples fato de falar dele e de sua repressão possui um ar de transgressão deliberada.
Quem emprega essa linguagem coloca-se até certo ponto, fora do alcance do poder,
desordena a lei. Os primeiros demógrafos e psiquiatras do século XIX, quando tinham que
evocá-lo, acreditavam que deveriam pedir desculpas por reter a atenção de seus leitores
com assuntos tão baixos e fúteis. Há dezenas de anos que nós falamos de sexo fazendo
pose: consciência de desafiar a ordem estabelecida, tom de voz que demonstra saber que se
é subversivo. Entre o sexo e o poder, a relação é de repressão.

Na obra “História da Sexualidade I”, Foucault (1988) faz uma análise histórica
e estabelece alguns questionamentos sobre os porquês que levam uma sociedade a se
fustigar ruidosamente por sua hipocrisia, a falar prolixamente de seu próprio silêncio, a
obstinar-se em detalhar o que não diz, a denunciar os poderes que exerce e prometer
liberar-se das leis que a fazem funcionar. Ele passa em revista não somente os discursos,
mas principalmente a vontade que os conduz e a intenção estratégica que os sustenta.

A questão que Foucault (1988) coloca não é o fato de sermos reprimidos, mas
porque dizemos com tanta paixão e rancor que somos reprimidos. Não se trata de toda e
qualquer repressão, mas daquela que condena o gasto de energia inútil, a intensidade dos
prazeres e as condutas irregulares.

Foucault (1988) chama aos mecanismos de repressão de “hipótese repressiva”7


e levanta algumas objeções quanto a ela.

Tais objeções que Foucault opõe à hipótese repressiva têm por objetivo muito
menos mostrar que a hipótese repressiva é falsa do que recolocá-la numa economia geral
dos discursos sobre o sexo no seio das sociedades modernas a partir do século XVII.

7
Já referida anteriormente.
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Em suma, trata-se de determinar, em seu funcionamento e em suas razões de


ser, o regime de poder – saber – prazer que sustenta entre nós, o discurso sobre sexualidade
humana. Daí o fato de que o ponto essencial da questão é levar em consideração o fato de
se falar de sexo, quem fala, os lugares e os pontos de vista falados, as instituições que
incitam a fazê-lo, que armazenam e difundem o que dele se diz, em suma, o “fato
discursivo” global, a “colocação do sexo em discurso”. Daí decorre a importância de saber
sob quais formas, através de quais canais, fluindo através de quais discursos o poder
consegue chegar às mais tênues e mais individuais das condutas. Que caminhos lhe
permitem atingir as formas quase imperceptíveis do desejo, de que maneira o poder penetra
e controla o prazer cotidiano provocando efeitos que podem ser de recusa ou de
intensificação.

O ponto essencial não é determinar se essas produções discursivas (os


discursos) e esses efeitos de poder levam a formular a verdade do sexo, ou ao contrário,
mentiras destinadas a ocultá-lo. O mais importante é revelar a “vontade de saber” que lhe
serve ao mesmo tempo de suporte e instrumento.

Foucault (1988) não diz que a interdição do sexo é uma ilusão, mas sim que a
ilusão está em fazer dessa interdição o elemento fundamental e constituinte a partir do qual
se poderia escrever a história do que foi dito do sexo a partir da Idade Moderna. Todos
esses elementos negativos (proibições, recusas, censuras, negações) que a hipótese
repressiva agrupa num grande mecanismo central destinado a dizer não, são peças que têm
uma função local e tática numa colocação discursiva, numa técnica de poder, numa
vontade de saber que estão longe de se reduzirem a isso.

Os temas trazidos por Foucault, entre eles o discurso, o dito e o não-dito, a


hipótese repressiva, são importantes para analisar a implantação do tema transversal
relacionado à sexualidade nas escolas, uma vez que o falado, assim como o silêncio
escondem e evidenciam práticas adotadas nas escolas por alunos e professores em relação
ao tema da sexualidade.
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4. A CONTRIBUIÇÃO DE PIERRE BOURDIEU

Pierre Bourdieu pertence ao grupo de cientistas sociais contemporâneos que


ascenderam à condição de liderança intelectual pelos caminhos da promoção escolar
garantidos por um sistema público de ensino.

Em sua obra, Bourdieu deu impulso vigoroso à tradição de construir um objeto


próprio no domínio da sociologia da cultura, reinventando temas e modos de tratamento
manejados por tradições intelectuais vizinhas (a crítica literária ou a estética filosófica,
entre outras) e ao mesmo tempo levando a melhor sobre os resultados medíocres de
alguns de seus desafiantes entre os cientistas sociais contemporâneos. Trouxe sua
contribuição à frente renovadora da ciência social contemporânea, explorou fontes
documentais até então desconsideradas como fotos, materiais publicitários, sondagens
feitas fora das universidades. Remapeou o terreno social de emergência das práticas
culturais, a meio caminho entre afazeres cotidianos, reclamos éticos, exigências estéticas e
ritmação afetiva.

Os estudos de Bourdieu acentuam, sobretudo, a dimensão social em que as


relações entre os homens se constituem relações de poder, mais ainda: elas reproduzem o
sistema objetivo de dominação interiorizado enquanto subjetividade. A sociedade é desta
forma apreendida como estratificação de poder. A reprodução da ordem não se confina
apenas aos aparelhos coercitivos do Estado ou às ideologias oficiais, mas se inscreve em
níveis mais profundos para atingir inclusive as representações sociais ou as escolhas
estéticas. Ela é neste sentido, dupla e se instaura objetivamente, pois toda ideologia
compõe um conjunto de valores mas também uma forma de conhecimento. Porém, no
momento em que a análise nos desvenda os mecanismos da reprodução da ordem, surgem
perguntas inquietantes:

 Como pensar a transformação numa estrutura como a escola?

 Como entender as dificuldades de inserção da Orientação Sexual na escola,


mesmo depois de todo o amparo legal para que isso aconteça?8

8
De acordo com a Lei de n º 9.394/96 de Diretrizes e Bases, que regulamenta todo o processo educacional
no país, e seguindo as orientações estabelecidas nos Parâmetros Curriculares Nacionais traçados pelo MEC, o
tema Orientação Sexual está inserido na escola como tema transversal. Isso significa que terá de perpassar
todas as disciplinas da grade curricular: da educação artística à matemática.
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 Dito de outro modo, se há amparo legal para que as discussões acerca da


sexualidade aconteçam no âmbito escolar, o que continua impedindo ou mesmo
dificultando que isso aconteça?

Foi neste aspecto que nos utilizamos da idéia de habitus em Pierre Bourdieu,
para tentar compreender as razões, as dificuldades encontradas por professores e alunos
em abordar as questões relacionadas à sexualidade de forma mais aberta e transversal
dentro da escola. Para Bourdieu (1975), o habitus se define pela tendência dos sujeitos à
reprodução. O habitus seria a mediação entre o agente social e a sociedade, se exprime
desta forma, necessariamente no interior de um ciclo de reprodução.

Não poderíamos falar em reprodução sem falarmos de uma das principais e


polêmicas obras de Pierre Bourdieu: “A Reprodução”. Escrita durante a juventude de seu
autor, num momento em que se falava no mundo inteiro que o sistema escolar era
libertador. Ele vai tentar combater estas idéias mostrando o inverso.

Nesta obra, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron (1975), mostraram como a


escola está organizada para reproduzir as concepções, os valores, enfim, a ideologia dos
grupos sociais dominantes, de uma tal maneira que todas as atividades pedagógicas que se
realizam no âmbito do aparelho escolar estariam condenadas a contribuir para o
fortalecimento da ordem social em vigor. Estes autores nos mostram que a escola não é
uma instituição neutra, mas sim uma estrutura a serviço das classes dominantes – o que se
pode perceber pela análise dos conteúdos que ela privilegia.

Uma das grandes preocupações que estes autores têm tido com o sistema de
ensino está relacionada à dimensão social que este sistema fornece para a formação de um
habitus. Em suas palavras:

“(habitus) são sistemas de disposições duráveis e transferíveis,


estruturadas e estruturantes do agente9. O habitus enquanto produto da
história orienta as práticas individuais e coletivas. Ele tende a assegurar
a presença ativa das experiências passadas que depositadas em cada
indivíduo sob a forma de esquema de pensamento, percepção e ação,
contribuem para garantir a conformidade das práticas e sua constância
através do tempo.”(Bourdieu e Passeron,1975)

9
Bourdieu utiliza a noção de agente ao invés de indivíduo.
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Através do habitus, o passado do agente sobrevive no momento atual,


atualizado no presente e tende a subsistir em suas ações futuras.

A cultura escolar, enquanto uma das agências formadoras de habitus (ele


destaca também a importância do habitus transmitido pela família, enquanto elemento
ordenador da experiência do real) propicia aos indivíduos a ela submetida, um corpo
comum de categorias de pensamento, de código comum, de percepção e apropriação que
tendem a funcionar como forma de classificação dos homens e das coisas. O saber escolar
separa os indivíduos que estiverem expostos à sua ação daqueles que, por razões diversas,
foram excluídos de sua influência sistemática e contínua. Isso significa dizer que o sistema
escolar proporciona aos sujeitos, muito mais do que esquemas de pensamento particulares
e distintos, mas um sistema complexo de disposições, capaz de funcionar como estruturas
classificatórias, possíveis de serem aplicadas nas mais diversas situações.

Habitus é o conjunto de disposições (ethos) estruturadas no agente, segundo a


maneira pela qual ele interiorizou as estruturas objetivas em que viveu um processo de
socialização determinado. Essas disposições estruturam as categorias de percepção que,
por sua vez, orientam a ação do agente no campo. A capacidade de determinação do
habitus sobre o comportamento do agente é ainda maior quando esse se encontra inserido
em estruturas objetivas compatíveis com que geraram o habitus interiorizado, o que reforça
a estruturação desse mesmo habitus no agente. Em contrapartida, um habitus interiorizado
durante um dado período de socialização (durante a socialização familiar, por exemplo)
pode ser reforçado ou enfraquecido por outros processos de socialização vivenciados pelo
agente (na escola ou na vida profissional). De todo modo, com a noção de habitus, estamos
diante de um indivíduo que age não em função de determinações objetivas, mas a partir de
disposições subjetivas. Dito de outra forma, trata-se de uma lógica de ação que parte do
interior do agente. Embora se reconheça que o habitus seja a história corporificada, este
habitus pode ser reinventado pelo agente pois, ele tem relativa autonomia em relação à
estrutura do campo no qual se insere e também em relação às influências oriundas do
habitus que assimilou.É lógico que a autonomia de que dispõe o agente pode variar de
nenhuma a muito grande, mas como afirmou o próprio Bourdieu, “pouca autonomia, um
pouquinho pelo menos, um pouco que seja, é muito importante”(1975)10.

10
Esta citação foi retirada da obra A Reprodução na qual Bourdieu condena severamente a repetição que o
sistema escolar acaba desenvolvendo em seus alunos.
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Cumpre ao sociólogo da educação descrever e entender os mecanismos pelos


quais a escola mantém sua herança cultural, compreendendo assim o fracasso e o sucesso
escolar, deixando de tratar como dons naturais aquilo que é assimilado cultural e
socialmentee talvez entendendo melhor as dificuldades encontradas para trabalhar a
sexualidade como tema transversal na escola.

O conceito de habitus foi utilizado por Bourdieu (1975) para articular a


mediação entre ator social (agente) e estrutura. Tal conceito constitui uma apropriação da
formulação feita pela filosofia escolástica para designar uma qualidade estável e difícil de
ser removida que tinha por finalidade facilitar as ações dos indivíduos. Com efeito, a
escolástica concebia o hábito como um modus operandi, ou seja, como disposição estável
para se operar em determinada direção. Através da repetição, criava-se uma certa
naturalidade entre sujeito e objeto. Bourdieu reinterpreta esta noção de habitus no interior
do embate objetivismo/fenomenologia, para defini-la como sistema de disposições
duráveis estruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é,
como princípio que gera e estrutura as práticas e as representações que podem ser
objetivamente ‘regulamentadas’ e ‘reguladas’ sem que por isso sejam o produto de
obediência de regras, objetivamente adaptadas a um fim, sem que se tenha necessidade da
projeção consciente deste fim ou do domínio das operações para atingi-lo.

Ele vai reter a idéia escolástica do habitus enquanto sistema de disposições


duráveis e procurará ressaltar que sua existência resulta de um longo processo de
aprendizado, produto do contato dos agentes sociais com diversas modalidades de
estruturas sociais. Assim sendo, as condições materiais características de uma determinada
classe social e a incidência destas condições de existência no contexto familiar constituem,
uma mediação fundamental na produção do habitus. As experiências primeiras dos atores
sociais, vividas no ambiente familiar, ou seja, o habitus adquirido e produzido nas
relações familiares estão no princípio da recepção e da apreciação de toda experiência
ulterior.

Desta forma, o habitus adquirido pelo ator social através da sua inserção em
diferentes espaços sociais constitui uma matriz de percepção, apreciação e ação que se
realiza em determinadas condições sociais. O habitus adquirido na família está portanto, no
princípio da estruturação das experiências escolares. O habitus é transformado e
modificado ou reforçado pela escola, estando por sua vez no princípio da estruturação de
{PAGE }

todas as experiências posteriores. Dentro desta perspectiva, a história de um indivíduo se


desvenda como uma variante estrutural do habitus de seu grupo ou de sua classe, o estilo
pessoal aparece como desvio codificado em relação ao estilo de uma época, uma classe ou
um grupo social.

O habitus tende a conformar e a orientar a ação, mas na medida em que é


produto das relações sociais, tende a assegurar a reprodução dessas mesmas relações
objetivas que o engendraram. A interiorização, pelos atores, dos valores, normas e
princípios sociais assegura, dessa forma, a adequação entre as ações do sujeito e a
realidade objetiva da sociedade como um todo. A prática pode assim, ser definida como
“produto da relação dialética entre uma situação e um habitus” (Ortiz,1980). Isso significa
dizer que o habitus enquanto sistema de disposições duráveis, é matriz de percepção,
apreciação e ação, que se realiza em determinadas condições sociais.

Bourdieu (1975) denomina “campo” o espaço onde as posições dos agentes se


encontram a priori fixadas. O campo se define como o locus onde se trava uma luta
concorrencial entre os atores sociais em torno de interesses específicos que caracterizam a
área em questão. Por exemplo, o campo da ciência se evidencia pelo embate em torno da
autoridade científica; o campo da arte, pela concorrência em torno da legitimidade dos
produtos artísticos, e assim sucessivamente. Cada campo valoriza alguns padrões em
detrimento de outros.

É importante ressaltar que, para Bourdieu, todo ator age no interior de um


campo socialmente determinado. A prática, conjunção do habitus e da situação, ocorre
desta forma no seio de um espaço que transcende as relações entre os atores. O campo não
é o resultado das ações individuais dos agentes. Abre-se assim, a possibilidade de se
estudar as relações existentes num campo determinado e por conseguinte, as estratégias
dos agentes que o compõem e o sistema de transformação ou conservação da sociedade
global. Não existe pois uma neutralidade das ações. Toda realização pressupõe
necessariamente uma série de interesses (os mais diversos) em jogo. Mesmo no campo do
conhecimento científico, onde muitas vezes se pretende fazer uma ciência pura, tais
interesses se manifestam, muito embora sejam freqüentemente encobertos por um discurso
desinteressado acerca do progresso do saber. Assim, para Bourdieu, o jovem que se inicia
no campo científico, e que se volta fervorosamente para os estudos, não está simplesmente
produzindo conhecimento, mas sobretudo investindo num capital cultural que irá
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posteriormente assegurar-lhe uma posição dominante no campo dos pesquisadores


científicos.

A divisão do campo em dominantes e dominados implica uma distinção entre


ortodoxia e heterodoxia. Ao pólo dominante correspondem as práticas de uma ortodoxia
que pretende conservar intacto o capital social acumulado; ao pólo dominado, as práticas
heterodoxas que tendem a desacreditar os detentores reais de um capital legítimo. Os
agentes que se situam junto à ortodoxia devem, para conservar sua posição, secretar uma
série de instituições e de mecanismos que assegurem seu estatuto de dominação. Os que se
encontram no pólo dominado procuram manifestar seu inconformismo através de
estratégias de “subversão”, o que implica um confronto permanente com o pólo dominante.
Por isso, o campo é considerado o espaço da luta, do conflito entre os diferentes pólos,
cujos interesses podem ser bastante antagônicos.

Ao trazermos os fundamentos teóricos de Bourdieu para o campo escolar,


podemos observar que existe uma nítida diferença entre as perspectivas de alunos e
professores quanto ao tema sexualidade. Aquilo que os alunos imaginam e desejam
receber como informação e orientação sexual, não está sendo feito pelos professores que,
de certa forma, detém o controle do processo pedagógico na escola.
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5. SOBRE ADOLESCÊNCIA

A idéia de haver um período intermediário entre a infância e a idade adulta, é


bastante recente. O período denominado adolescência, não era bem demarcado, e nem
mesmo reconhecido como uma fase de transição, com características e sintomas próprios.

A adolescência pode ser vivenciada de formas bastante variada, conforme são


as inúmeras variações culturais das sociedades humanas.

No texto denominado EVA TUPINAMBÁ, Raminelli (1997) aborda a questão


das sociedades indígenas, nas quais são feitos vários rituais de passagem, pelos quais os
jovens índios devem se submeter se quiserem fazer parte da vida adulta da tribo. Isso
acontece quando a criança atinge 12 anos no caso do menino, ou quando tem a menarca
(primeira menstruação) no caso das meninas.

Nas sociedades ditas civilizadas, não haviam rituais de passagem tão severos
quanto aqueles impostos aos jovens indígenas brasileiros, mas as mudanças na concepção
da adolescência também aconteceram. Nas sociedades pré-industriais até as crianças
viviam em família e participavam da vida da comunidade. Eram tratadas como adultos em
miniatura. Usavam roupas e sapatos de adulto e delas eram exigidos comportamentos
semelhantes aos adultos.

A revolução industrial modificou as relações familiares e a relação do homem


com o seu trabalho.

A mulher saiu para o mercado de trabalho e passou a assumir funções que até
então eram ocupadas pelos homens. As crianças ou iam para as fábricas junto com as
mães, ou ficavam entregues a própria sorte. Neste período começam a surgir instituições
que se preocupavam em tomar conta destas crianças.

Na visão de Philippe Ariès (1981), as velhas sociedades tradicionais viam mal


a criança e pior ainda o adolescente. A duração da infância era reduzida a seu período mais
frágil. Tão logo a criança adquiria algum desembaraço físico era logo misturada aos
adultos e partilhava de seus trabalhos e jogos. De criancinha pequena, ela se transformava
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imediatamente em homem jovem, sem passar pelas etapas da juventude, que talvez fossem
praticadas antes da Idade Média e que se tornaram aspectos essenciais das sociedades
evoluídas de hoje. A transmissão dos valores e dos conhecimentos, e de modo mais geral, a
socialização da criança, não eram portanto, nem asseguradas nem controladas pela família.
A criança se afastava logo de seus pais, e pode-se dizer que durante séculos a educação
dela foi garantida pela aprendizagem, graças à sua convivência com os adultos. A criança
aprendia as coisas que deveria saber, ajudando os adultos a fazê-las.

A família antiga tinha por missão, sentida por todos, a conservação dos bens, a
prática comum de um ofício, a ajuda mútua quotidiana num mundo em que um homem, e
mais ainda uma mulher isolados não podiam sobreviver, e ainda nos casos de crise, a
proteção da honra e das vidas. A família não tinha a função afetiva. Isso não quer dizer que
o amor estivesse sempre ausente: ao contrário, ele é muitas vezes reconhecível em alguns
casos desde o noivado, e geralmente depois do casamento, é criado e alimentado pela vida
em comum. Contudo o sentimento entre os cônjuges, entre pais e filhos, não era necessário
à existência nem ao equilíbrio da família, se ele existisse, tanto melhor.

As trocas afetivas e as comunicações sociais eram realizadas portanto, fora


da família, num “meio” muito denso, composto de vizinhos, amigos, amos, criados,
crianças e velhos, homens e mulheres. As famílias conjugais se diluíam nesse meio.

Com as modificações ocorridas na sociedade em função das novas formas de


produção, nas sociedades industriais, a criança e a família assumem um novo lugar. A
partir de um certo período, a escola substituiu a aprendizagem como meio de educação.
Isso quer dizer que a criança deixou de ser misturada aos adultos e de aprender a vida
diretamente, através do contato com eles.

Começou um longo processo de enclausuramento das crianças (como dos


loucos, dos pobres, das prostitutas) que se estenderia até nossos dias, e ao qual damos o
nome de escolarização.

A família, que perdeu a função educativa, tornou-se o lugar de uma afeição


necessária entre os cônjuges e entre pais e filhos, algo que ela não era antes. Essa afeição
se exprimiu sobretudo através da importância que se passou a atribuir à educação. Os pais
passavam a se interessar pelos estudos de seus filhos e os acompanhavam com uma
solicitude habitual nos séculos XIX e XX, mas outrora desconhecida.
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A família começou então a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma


tal importância que ela saiu de seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê-la ou
substituí-la sem uma enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes, que
se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela. Portanto, não surpreende
que essa revolução escolar e sentimental tenha sido seguida de uma redução voluntária da
natalidade, observável no século XVIII. A conseqüência disso tudo foi a polarização da
vida social no século XIX em torno da família e da profissão, e o desaparecimento da
antiga sociabilidade. O espaço interno das moradias também foi aos poucos sofrendo
modificações. Esses espaços ficaram melhor definidos (sala de visitas, sala de jantar,
quarto de dormir, etc.) dando maior ênfase à privacidade dos membros da família, pouco
menos extensa.

Na Idade Média, por exemplo, não era possível demarcar a fase da vida de
um jovem através da sua idade cronológica (Ariès, 1981). Especialmente porque as idades
e datas de nascimento não eram claramente registradas. Não havia normalmente,
documentos de registro nos quais constassem datas e horas de nascimentos e óbitos.
Mesmo tendo havido mudanças quanto à exatidão cronológica, não se possuía idéia do que
hoje chamamos de adolescência e esta idéia demoraria a se formar. O interesse pela
juventude surgiu na Europa, mais especificamente na França, em torno dos anos 1900.
Começou-se a desejar saber seriamente o que pensava a juventude, e surgiram várias
pesquisas sobre ela.

A juventude apareceu como depositária de valores novos, capazes de


reavivar uma sociedade velha e esclerosada. Após a guerra de 1914, a consciência da
juventude tornou-se um fenômeno geral e banal, que começou como um sentimento
comum dos ex- combatentes e esse sentimento podia ser encontrado em todos os países
beligerantes. Daí em diante, a adolescência se expandiria, empurrando a infância para trás
e a maturidade para frente.

Foi assim que, passamos de uma época sem adolescência a uma época em
que a mesma é a idade favorita. Deseja-se chegar a ela cedo e nela permanecer por muito
tempo.

Para finalizar, poderíamos dizer que a cada época corresponderia uma idade
privilegiada e uma periodização particular da vida humana: a “juventude” é a idade
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privilegiada do século XVIII; a “infância”, do século XIX; e a “adolescência”, do século


XX.

6. A Satanização da Sexualidade: breve histórico da culpa

As primeiras culturas humanas, as matricêntricas, as mais arcaicas de todas, não


produziam nenhum excedente econômico, viviam o dia-a-dia, e tinham a capacidade de
gozar o aqui e o agora. Com a mudança nas formas de viver, cresce o excedente econômico
e aumenta a competitividade entre as sociedades.

Quanto à mulher, as organizações sexuais da libido que esse novo sistema cria,
fazem dela a única responsável pelo cuidado da criança porque a reduzem ao domínio do
privado, da casa, tiram-lhe o poder público de decisão. Nessa estrutura dualista:
público/privado ocorre uma interiorização dos papéis feminino e masculino. Homens e
mulheres tratam de incorporar o mais profundamente possível, o papel que o sistema lhes
aloca, e de serem fiéis a estes lugares. Aqui, a culpa passa a ser de responsabilidade do
próprio indivíduo. E este indivíduo passa a competir com o outro, a querer matar o outro
para ter mais posses. Sua essência agora são as coisas, a propriedade e assim a partilha
havia se transformado em competição.

Na visão de Muraro (2000), o texto fundante da cultura patriarcal para a


sociedade ocidental é o segundo capítulo do Gênesis, porque nele a culpa básica do
oprimido é exportada do homem para a mulher. No paraíso não se trabalhava
sistematicamente, por isso os controles eram frouxos e se podia viver prazerosamente.
Como o homem é expulso do paraíso, passa a ter que trabalhar penosamente para seu
sustento e o controle passa a ser mais rígido, assim como a punição para os transgressores.
E essa coerção é localizada no corpo, na repressão da sexualidade e do prazer. Por isso, o
pecado original, a culpa máxima da Bíblia, é colocado no ato sexual. O sexo fica limitado
somente às funções procriativas e mesmo assim, recheado de culpa. Daí pra frente, o
homem passa a ser definido por seu trabalho e a mulher por sua sexualidade. E é
justamente por esse viés que a dominação do homem sobre a mulher se concretiza.
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Logo após a Renascença, no período que vai do século XIV até meados do
século XVIII, aconteceu um fenômeno generalizado em toda a Europa: a repressão
sistemática do feminino – foram quatro séculos de caça as bruxas.

E por que tudo isso?

Desde a mais remota Antigüidade, as mulheres eram as curadoras, as parteiras,


enfim, detinham saber próprio que era transmitido de geração em geração. As mulheres
camponesas pobres não tinham como cuidar da própria saúde, a não ser através de outras
mulheres, também camponesas e igualmente pobres. Eram elas que descobriam ervas e
dominavam a cura do corpo e da alma. Por isso se tornaram ameaça: ao poder médico que
já ganhava corpo e à organização política dos feudos. A igreja católica já organizada
estabelece os tribunais da Inquisição que varreram da Europa todos aqueles que eram
julgados heréticos ou bruxos. É interessante notar que 85% das pessoas mandadas à
fogueira eram mulheres, acusadas de bruxaria. Era essencial para o sistema capitalista que
estava sendo forjado ainda no feudalismo, um controle estrito sobre o corpo e a
sexualidade, conforme constata a obra de Michel Foucault, História da Sexualidade.

Num mundo teocrático, a transgressão da fé era também transgressão política, mais


ainda a transgressão sexual que rolava solta entre as massas populares. Assim, os
inquisidores tiveram a sabedoria de ligar a transgressão sexual à transgressão da fé e punir
as mulheres por isso. Nesta época foi criado o Malleus Maleficarum, um manual com
explicações sobre o que era condenável, ou seja, quase tudo ligado ao feminino. Durante
três séculos, o Malleus foi a Bíblia dos inquisidores e esteve na banca de todos os
julgamentos. Quando cessou a caça as bruxas, no século XVIII, houve grande
transformação na condição feminina. A sexualidade se normatiza e as mulheres se tornam
frígidas, pois orgasmo era coisa do diabo e portanto, passível de punição. Elas ficam
reduzidas ao âmbito doméstico pois a ambição também era passível de castigo. O saber
feminino cai na clandestinidade, quando não é assimilado pelo poder médico masculino.
As mulheres não têm mais acesso ao estudo e passam a transmitir voluntariamente a seus
filhos os valores patriarcais já introjetados por elas.

São justamente estes valores que serão transmitidos de geração em geração,


impregnando tanto o conhecimento informal quanto o conteúdo formal trabalhado na
escola.
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6.1. Amor, Erotismo e Procriação

Parece-nos interessante contextualizar as relações entre amor, erotismo e


procriação, estabelecendo um paralelo com a sexualidade.

A questão da procriação foi inteiramente renovada há pouco tempo.


Certamente, pode-se ter relações sexuais sem visar a procriação e isto muito tempo antes
da era moderna dos contraceptivos. O acesso maciço aos métodos anticoncepcionais torna
possível a livre escolha quanto ao nascimento e ao número de filhos. Além disso, e
inversamente, a tecnologia moderna permite procriar sem ato sexual, através da
“procriação médica assistida”.

O erotismo designa uma arte de amar e caracteriza-se por ausência de


preocupação procriativa. Na verdade, o erotismo está muito mais vinculado ao exercício da
sexualidade como um todo, do que à função reprodutiva propriamente dita.

O amor seria o princípio unificador do Todo Cósmico e os humanos por


fazerem parte deste Cosmos, sentem seus efeitos. O amor pode estar separado das relações
sexuais, não fazer parte destas. Ele pode até mesmo estar desvinculado da sexualidade.
Muitos poetas românticos idolatravam a mulher amada sem sequer cogitar a possibilidade
de ter com ela uma relação carnal. A sexualidade pode ser a forma de expressão do amor,
mas por certo, não é a única.

No pensamento freudiano, a sexualidade é desembaraçada de sua relação


estreita com os órgãos genitais, sendo colocada como uma função corporal mais
englobante e visando o prazer que, entra secundariamente a serviço da reprodução.

As idéias novas quase sempre são questionadas quando surgem, principalmente


quando se chocam com velhos preconceitos ou privilégios arraigados cultural e
psicologicamente nas pessoas.

A idéia de que havia um período intermediário entre a infância e a idade adulta


é bastante recente em termos de história da humanidade. O termo adolescência, conforme
já visto, também passou a ser incorporado ao nosso vocabulário recentemente e da mesma
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forma que mudam as terminologias usadas no vocabulário, ocorrem mudanças no


comportamento social e sexual das pessoas.

7. Um pouco de História

A reflexão antropológica mostra-nos a relatividade dos usos e costumes. O que


é valorizado aqui é crime sexual em outra parte. Na Antigüidade Clássica, a sexualidade
não era vista como um mal. Ao contrário, a sexualidade era vista como uma arte do bem
viver. Excluir certos prazeres era uma escolha pessoal, apenas para se modelar uma bela
vida.

O Cristianismo desde os seus primórdios rejeitou o erótico. Desde então, a


sexualidade tomou o lugar do pecado, do delito e o símbolo da desonra. Somente a
sociedade cristã pôde empregar tanta energia para falar do delito sexual.

Foi principalmente a Igreja, na qualidade de instituição, que criou a fobia de


desprezo do corpo e a obsessão persecutória da carne. Desde sua origem, as práticas
monásticas usaram de toda imaginação para inventar coações e proibições dentre as quais a
continência sexual ocupa um lugar considerável. Tais práticas serviram de matriz para a
doutrina cristã da contenção. As proibições são objeto de rituais, ritmados pelo calendário;
além disso, os sacerdotes geram processos de confissão. No decorrer da Idade Média, os
manuais do confessor multiplicaram os delitos sexuais com riqueza de detalhes.

Nos Tempos Modernos, os tribunais eclesiásticos queimaram uma multidão de


supostas feiticeiras (hereges). Como surpreender-se então, com o fato de que a Igreja
Moderna tenha se oposto constantemente a toda forma de liberdade sexual? A atual
posição da Igreja Católica é a condenação dos métodos contraceptivos artificiais e até
mesmo o uso do preservativo para prevenir a AIDS. Um dia talvez, este posicionamento
seja qualificado como crime contra a humanidade.

Resumindo: O Cristianismo enxerta o pecado no sexo e insere a culpa naquilo


que qualifica como carne. A preocupação é obsessiva: o pecado está no corpo. Há um
símbolo desta obsessão: ao longo dos séculos, o Cristianismo deu crédito à idéia de um
pecado original que seria sexual. Isso merece nossa reflexão.
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Os séculos XII e XII representam uma virada no estabelecimento da moral


sexual, no momento em que a norma se fixa em três direções: o pecado, a separação dos
clérigos e dos leigos e por fim, o casamento.

A partir do século IV, os clérigos passam a viver num celibato regido pela
virgindade e pela continência. Eles não devem derramar nem sangue nem esperma.
Opõem-se aos leigos, isto é, ao resto da sociedade, presos num casamento dedicado à
procriação.

A partir do século XII, o casamento torna-se um dos sete sacramentos da Igreja.


O casamento cristão é uma invenção medieval e unir-se por intermédio de um padre, só se
tornou prática corrente no século XIII. A sexualidade continua marcada pela obsessão da
sujeira. A partir do século VI, procede-se a rituais de purificação na benção marital.

No século XI, o sacerdote torna-se ainda mais audacioso: penetra no quarto


nupcial para benzê-lo, preconizando a castidade conjugal e a abstenção do prazer no ato da
geração. O casamento era voltado para a procriação e não para o prazer sexual. A função
do sacramento é portanto, erradicar o que poderia restar da sexualidade.

O casamento passa a ser visto como local exclusivo para a atividade sexual,
sendo voltado unicamente para a procriação de novos adeptos para a Igreja. Ele tem por
finalidade lutar contra um desejo culpado. Na Alta Idade Média, o calendário era
ferozmente restritivo: não menos do que 273 dias nos quais os contatos sexuais são
condenados. Se admitirmos que o ano comportava, já nessa época, 365 dias, um rápido
cálculo nos informa que restavam apenas 92 dias passíveis de relações sexuais entre os
cônjuges.

O comportamento do casal era muito vigiado e as desobediências punidas.


Durante séculos foram utilizadas “penitenciais”11 que operavam uma meticulosa
penalização dos delitos, além de exercer controle sobre os dias nos quais, o casal poderia
ter relações sexuais. Também havia o controle das posições assumidas durante o ato em si.
A posição na qual a mulher “cavalga” é “contrária à natureza”, isso é, sua natureza
passiva. Da mesma forma era considerada a posição retro, `a maneira de alguns animais;
ela podia valer de 10 a 40 dias de penitências.
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A mulher medieval é um ser rejeitado e desprezado. Face a tamanho mal, um


dos remédios apropriados é o casamento, com a condição de abençoá-la através do destino
único da maternidade. A mulher medieval ocupa um lugar no imaginário representado pela
sombra, pelo desconhecido e assustador. É de acordo com esta lógica que, ao sair da Idade
Média, ela será identificada como feiticeira. A mulher medieval é considerada lúbrica12 e
os inquisidores procuram fervorosamente suas marcas diabólicas. Por causa disso, mais de
um milhão de mulheres foram queimadas na Europa por bruxaria13. Definitivamente, a
mulher era uma criatura que causava medo, na medida em que sua aliança original com a
serpente, fez dela, a depositária do mal, para todo o sempre. Iremos reencontrar este medo
no século XIX, quando o modo de regulação do mal passará das mãos da Igreja para as da
Medicina e da Educação.

Outorga-se ao macho do século XIX uma excessiva responsabilidade sexual.


Ele enfrenta uma mulher que é sentida como perigo. Sua missão social é a de apagar este
temível vulcão e transformar o furor uterino potencial em honesta frigidez.

Até mesmo a criança tem sua sexualidade rigidamente controlada, evitando-se


assim um despertar precoce. Um perigo tal faz nascer um programa de árdua luta contra a
masturbação. Devido a tanta repressão, Foucault (1988) em sua História da Sexualidade,
havia pensado em dedicar um volume a cada um dos componentes do trio familiar: “A
pedagogização do sexo da criança” tem papel de controlar a sexualidade infantil; “A
histerização do corpo da mulher” tem como forma mais visível a da mulher nervosa; e para
o homem, Foucault considera a “Psiquiatrização do prazer perverso” como fonte de
inquietação.

A missão social do marido com relação à gerência sexual do casal era


igualmente preocupante. A idéia de que uma mulher pudesse viver sem o homem era
intolerável. A solteirona era desprezível e a lésbica insuportável.

O homem deveria dar conta de controlar os desejos femininos e estabelecer com


sua mulher uma relação pautada no objetivo maior da procriação. Para esta finalidade
foram estabelecidas severas normas, defendidas pelo respaldo médico. O esperma era

11
Na Idade Média, este nome designava os livros nos quais estavam registradas as expiações devidas pelos
diversos delitos, qualificados como pecado.
12
Que manifesta uma inclinação desenfreada ou irresistível pela busca e prática dos prazeres sexuais.
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considerado um licor precioso e os médicos do século XIX aconselhavam poupar uma


substância tão rara, reservando-a somente à procriação.

Neste ponto, a medicina acompanha a Igreja e as finalidades do casamento


cristão. Na realidade, a passagem de uma instituição à outra, é visível a partir da segunda
metade do século XVIII.

No Brasil colônia, das leis do Estado e da Igreja, com freqüência bastante duras,
à vigilância inquieta de pais, irmãos, tios e tutores, tudo contribuía para a concretização de
um único objetivo: abafar a sexualidade feminina que ao ficar fora de controle, ameaçava o
equilíbrio doméstico, a segurança do grupo social e a própria ordem das instituições civis e
eclesiásticas. A Igreja Católica exercia forte pressão sobre o adestramento da sexualidade.
O fundamento, escolhido para justificar a repressão da mulher era simples: o homem era
considerado superior e, portanto, cabia a ele exercer a autoridade. A mulher estava
condenada por definição, a pagar eternamente pelo “pecado” de Eva, primeira fêmea que
levou Adão ao pecado e tirou da humanidade a possibilidade de gozar da inocência
paradisíaca. Já que a mulher partilhava da essência de Eva, tinha de ser permanentemente
controlada. O poeta Gregório de Matos, que viveu em Salvador no século XVII fala de
uma mulher após o casamento, da seguinte maneira:
“Irá mui poucas vezes à janela,
mas as mais que puder irá à panela;
ponha-se na almofada até o jantar,
e tanto há de coser como há de assar”.

Fica claro, portanto, que a mulher recebia uma educação dirigida


exclusivamente para os afazeres domésticos. Ora, ler e escrever pressupunham um mínimo
de educação formal, o que podia realizar-se em casa ou em recolhimentos, este último caso
indicando um estilo de vida conventual, em ambiente de clausura.

O programa de estudos destinado às meninas era bem diferente do dirigido aos


meninos, e mesmo nas matérias comuns, ministradas separadamente, o aprendizado delas
se limitava ao mínimo, de forma ligeira, leve. Só as que mais tarde seriam destinadas ao
convento aprendiam latim e música; as demais restringiam-se ao que interessava ao
funcionamento do futuro lar. No conjunto, o projeto educacional destacava a realização das

13
Sobre esta longa perseguição, La Sorcière (1862) de Michelet constitui ainda hoje, uma obra de referência.
Michelet insiste justamente sobre a obsessão sexual dos juízes e teóricos da bruxaria.
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mulheres pelo casamento, tornando-as hábeis na arte de prender a seus maridos e filhos
como por encanto, sem que eles percebam a mão que os dirige. Em outras palavras, devia-
se aguçar seu instinto feminino na velha prática da sedução, do encanto.

As mães, naturalmente, preocupavam-se com o despertar da sexualidade das


meninas e tinham lá seus motivos, porquanto, meninas com idade de 12 anos completos
podiam contrair matrimônio e até mais cedo, se fosse constatado que tinham “disposição”
bastante, que suprisse a falta de idade. Era compreensível a inquietação de alguns pais
quando a menina de 14 ou 15 anos ainda não se casara, ou melhor, quando não haviam
conseguido um marido para ela, pois o matrimônio era decidido pelo pai. Assim, desde
muito cedo, a mulher devia ter seus sentimentos devidamente domesticados e abafados. A
própria Igreja, que permitia que casamentos tão precoces acontecessem, cuidava disso no
confessionário, vigiando de perto gestos, atos, sentimentos e até sonhos.

No século XIII, na Europa, os colégios eram asilos para estudantes pobres,


fundados por doadores. Tinham na verdade, objetivos filantrópicos: não deixar crianças e
jovens pobres, desamparados. Não havia objetivos educacionais nos colégios (Ariès,
1981). A partir do século XV, essas pequenas comunidades se tornaram institutos de
ensino, nos quais uma população já bem mais numerosa passou a ser submetida a uma
hierarquia autoritária que passou a existir nestes locais.

Houve o estabelecimento definitivo de uma regra de disciplina que completou a


evolução que conduziu da escola medieval, simples sala de aula, ao colégio moderno,
instituição complexa, não apenas de ensino, mas de vigilância e enquadramento da
juventude, convinha impor às crianças, uma disciplina rígida. O colégio tornou-se então
um instrumento para a educação da infância e da juventude em geral. Aos poucos o colégio
foi se abrindo a um número cada vez maior de leigos, nobres e burgueses, mas também a
famílias mais populares. O colégio se tornou uma instituição essencial da sociedade,
composta por um corpo docente distinto, com uma disciplina rigorosa. Nem todo mundo
porém, passava pelo colégio. Havia meninos que jamais tinham ido ao colégio, ou que nele
haviam permanecido muito pouco tempo (um ou dois anos).

Contudo, se a escolarização no século XVII ainda não era o monopólio de uma


classe, era sem dúvida, o monopólio de um sexo. As mulheres eram excluídas.
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As pessoas se preocupavam muito apenas com a educação dos meninos. As


mulheres mal sabiam ler e escrever, eram semi-analfabetas e isso só começou a mudar no
final do século XVII. É importante ressaltar que a escolarização feminina se iniciou com
um atraso de cerca de dois séculos (com relação à escolarização masculina).

A forma como foi feita a colonização das terras brasileiras, a evolução da


distribuição do solo, da estratificação social, do controle do poder político, aliadas ao uso
de modelos importados de cultura letrada, condicionaram a evolução da educação escolar
brasileira. A necessidade de manter os desníveis sociais teve na educação escolar, um
instrumento de reforço das desigualdades. Neste contexto, a função da escola foi a de
ajudar a manter os privilégios de classe, apresentando-se ela mesma como privilégio. Além
disso, ao mesmo tempo que ela deu à camada dominante a oportunidade de se ilustrar, ela
se manteve incapaz de dar às demais camadas da população, uma preparação eficaz para o
trabalho. Por mais contraditório que pareça, nos países subdesenvolvidos, a escola tem
servido mais à conservação e à transmissão de valores culturais arcaicos e à ilustração das
camadas dominantes (Freire,1988).

A identificação da mulher com a atividade docente, que hoje parece a muitos


tão natural, era alvo de discussões, disputas e polêmicas. Para alguns parecia uma
insensatez entregar às mulheres usualmente despreparadas, portadoras de cérebros “pouco
desenvolvidos” pelo desuso, a educação das crianças14

Outras argumentações surgiam na direção oposta: diziam que as mulheres


tinham por natureza, uma inclinação para o trato com as crianças e que elas eram na
verdade, as primeiras educadoras, portanto, nada mais adequado do que lhes confiar a
educação escolar dos pequenos.

Se o destino primordial das mulheres era a maternidade, bastaria pensar que o


magistério era uma extensão da maternidade. Cada aluno ou aluna era representado como
um filho ou filha espiritual e a docência como uma atividade de amor e doação à qual
acorreriam aquelas jovens que tivessem vocação.

Esse discurso justificava a saída dos homens das salas de aula, dava a eles a
oportunidade de se dedicarem a profissões mais rendosas e a elas, mulheres, a ampliação

14
Para discussão do tema ver Cunha,1989/1991.
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de seu universo, antes restrito à casa e à Igreja. Desta forma, as mulheres entraram
definitivamente nas escolas e a partir de então passam a ser associadas ao magistério
características tidas como tipicamente femininas: paciência, minuciosidade, afetividade,
doação. Características que, por sua vez articuladas à religiosidade, deram ao magistério a
idéia de “sacerdócio", e não profissão.

Tudo foi muito conveniente para que se construísse a imagem das professoras
como “trabalhadoras dóceis, dedicadas e pouco reivindicadoras” ( Louro, 1995), o que
serviria futuramente para lhes dificultar a discussão de questões ligadas a salário, carreira,
condições de trabalho e tantas outras coisas importantes.

Diante da crescente freqüência das mulheres e decrescente freqüência dos


homens no magistério, era fácil se imaginar que não tardaria muito, as escolas de meninos
estariam sem mestres. A solução seria permitir que as mulheres lhes dessem aulas, mas
isso exigia algumas precauções para cercar de salvaguardas a sexualidade dos meninos e
das professoras.

Percebida como ser frágil, a mulher precisava ser protegida e controlada. Toda
e qualquer atividade fora do espaço doméstico não deveria se chocar com a feminilidade,
não poderia atrapalhar os deveres domésticos, da maternidade especialmente.

Foi neste quadro que se construiu para a mulher uma concepção do trabalho
fora do lar como ocupação transitória, a qual deveria ser abandonada sempre que houvesse
necessidade por parte da verdadeira missão feminina: de mãe e esposa. O trabalho fora
seria aceitável para as moças solteiras, até o momento do casamento, ou para as mulheres
que ficassem sós: viúvas e solteironas. Não há dúvida que esse caráter provisório ou
transitório do trabalho feminino também acabaria contribuindo para que seus salários se
mantivessem baixos. Afinal, o sustento da família cabia ao homem. Ele é quem deveria
prover a esposa e filhos de suas necessidades. Havia outras razões que atraíam as mulheres
para o magistério, uma dela, era a jornada de um só turno, que permitia que elas
atendessem suas obrigações domésticas no outro período. Tal característica justificava
ainda mais o salário reduzido, supostamente um salário complementar. Com certeza não se
considerava as situações nas quais o salário das mulheres era fonte de renda indispensável
à manutenção das despesas domésticas.
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Todas estas situações vividas historicamente e aqui relatadas estão presentes


no imaginário docente e influenciam diretamente a produção de professores e professores
com relação à questão da sexualidade, transversalizando suas práticas e suas crenças.

Para uma bem sucedida implantação da discussão da sexualidade nas escolas,


estes fatores devem ser refletidos e considerados.

8. SEXUALIDADE E EDUCAÇÃO: UM POSSÍVEL DIÁLOGO?

Buscando estabelecer um possível diálogo entre sexualidade e educação, temos


a contribuição de Kuperman (1999), que analisa a função do professor no aproveitamento
cultural da sexualidade dos estudantes através da aquisição de habilidades e do
desenvolvimento de seus talentos. Para isso, ele se utiliza da irreverente figura do
Juquinha, transformando-o numa espécie de paradigma nacional da sexualidade infantil e
de suas manifestações na escola. O autor destaca a sexualidade infantil como fonte
inesgotável de curiosidade sexual, responsável por abrir caminhos prazerosos para todo
interesse e investimento relativos ao saber. Ele denuncia um ensino em que não ocorre
transmissão de desejo de saber por parte do professor, simplesmente porque o próprio
professor perdeu seu desejo de aprender permanentemente e transmite isso aos alunos. O
desejo de ensinar está relacionado ao desejo de aprender.

Para ele, a sexualidade infantil é a fonte original de toda curiosidade e


investimento sapiente, mas como seu objetivo privilegiado é a obtenção de prazer, é
preciso que o sistema educacional, e o professor em particular, tenha a exata noção disso e
possa fazer da atividade pedagógica uma atividade prazerosa, onde o saber tenha sabor. Só
assim, através de um saber que possa afetar os jovens estudantes, se alcança o sucesso no
processo de aprendizagem.

“Juquinha” é aquele famoso personagem do nosso folclore popular


humorístico, como caricatura do aluno mais bagunceiro e provocador da turma mas que, se
bem conduzido pode se transformar no melhor aluno da classe. Isso se o professor e a
escola permitirem.
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Essa situação corriqueira da vida do magistério torna-se assim, adequada para


ilustrar uma discussão sobre a importância e a especificidade da “Orientação Sexual” como
tema transversal ao ensino fundamental, especialmente no que se refere ao papel do
professor no encontro com a criativa e perturbadora sexualidade de seus alunos: O
“Juquinha” que habita nossos alunos.

Juquinha é malcriado, malicioso, fala palavrão e tem sempre uma resposta


maliciosa para as perguntas burocráticas da professora. A questão do Juquinha com o
ensino não é de má compreensão ou de déficit cognitivo, mas de um ato de denúncia. Ele
se rebela contra um ensino para ele entediante e sem interesse. Ao mesmo tempo em que a
denúncia é feita, descobrimos para onde está voltado o seu interesse: para a sexualidade.

Juquinha odeia o ensino, mas “ama” a professora. No comportamento dele, em


suas atitudes, percebemos que, em sua falta de respeito com relação à moral e aos bons
costumes, aparece uma oposição a uma das principais características da nossa sociedade: a
hipocrisia. Juquinha é debochado mas não é hipócrita quanto às questões sexuais. Essa
hipocrisia se manifesta especialmente no silêncio que a escola faz quanto à sexualidade de
alunos e professores.

Kupermann (1999) faz uma rápida abordagem do que seria sexualidade, usando
para isso conceitos freudianos, como pulsão, pulsão sexual, fonte e obtenção de prazer.
Dentro desta visão, a pulsão sexual é o motor da atividade humana. A partir dela é que se
constitui a pulsão de saber, responsável por todo o movimento de curiosidade “intelectual”
da criança. O autor usa o termo entre aspas porque os primeiros interesses da criança estão
intimamente vinculados ao que é de ordem sexual – fonte maior de suas satisfações e
merecedora de sua atenção – ou seja, o que a afeta. Desta forma, a curiosidade infantil está
dirigida em primeiro lugar ao enigma das origens: De onde venho? Como nasci? Por que o
menino “tem” e a menina não “tem” ?

A jornada de aquisição de conhecimento é regida por aquilo que afeta o corpo


erógeno da criança. O que a excita desperta sua curiosidade, em contrapartida, a atividade
intelectual a estimula sensualmente. Portanto, somente o que a afeta poderá fazer sentido e
ser capaz de despertar o seu interesse e de merecer a sua atenção. Só se aprende com
paixão!
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As questões mais facilmente aprendidas serão aquelas com maior significado


para a criança, ou seja, as questões encarnadas em um registro regido pela sexualidade.
Parece-nos, contudo, que a escola tem adotado uma postura exatamente contrária a isso, ou
seja, silenciando as inquietações dos alunos quanto à sexualidade. Assim, a criança vai
cada vez mais inibindo tanto a expressão da sua sexualidade emergente como também seu
ímpeto de saber.

O que vai caracterizar a vida sexual na adolescência não é o ressurgimento da


sexualidade, mas a intensidade com que são vividas determinadas questões. Uma criança
inibida em sua relação afetiva com a sexualidade e com a busca de saber, poderá tornar-se
um adolescente desinteressado ou revoltado, o que, na visão de Kuppermam, indicaria uma
tentativa saudável de reverter este quadro. Cada aluno adolescente acaba trazendo para a
sala de aula, a maneira como vivenciou a sua sexualidade infantil. Além destas,
logicamente surgirão outras questões, descobertas com a própria adolescência.

Ao trabalhar com essas questões, o(a) educador(a) deverá ter o cuidado de


respeitar as diferenças de cada aluno, além de levantar temas que sejam realmente de
interesse dos estudantes.

8.1 A Sexualidade do Professor

A importância da figura do professor no processo de Orientação Sexual é


privilegiada pois seu papel não se restringe apenas ao domínio de uma área, ou campo de
conhecimento até porque a sexualidade é um campo de conhecimento que não admite
“especialismos”. E quanto à formação do professor? Quais seriam os atributos necessários
ao professor para trabalhar com a sexualidade na escola?

Na visão do autor, o professor precisa dispor do acolhimento suficiente de


modo a permitir, por parte de seus alunos, a emergência da confiança necessária à
abordagem franca das questões e dificuldades que eles vivem em relação à sexualidade. A
prática do professor deve ser semelhante à do psicanalista perante seus clientes:
acolhimento e tato no que tange às questões pessoais. Não fazer dos outros aquilo que não
gostaríamos que os outros nos fizessem e acima de tudo, o professor não pode e não deve
se esquecer que também já foi adolescente e que viveu experiência que seus alunos e
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alunas vivenciam. Talvez essa seja a parte mais rica deste processo, afinal, a sexualidade é
uma experiência inacabada que coloca-nos frente ao desconhecido por toda a vida. Desta
forma, o professor que aborda o tema sexualidade, estará sofrendo exigências psíquicas
diferentes daquelas que lhe são exigidas por outras disciplinas e precisará de uma certa
elasticidade psicológica para lidar com elas. Um trabalho planejado e articulado,
respeitando e considerando a transversalidade do tema sexualidade, poderá servir de
suporte a professores e alunos e manter acesa a chama da curiosidade dos “juquinhas” em
todos nós.

8.2. ORIENTAÇÃO SEXUAL: O QUE SIGNIFICA?

Na visão de Valladares (2000) o termo Orientação Sexual se diferencia de


Educação Sexual, uma vez que esta última diz respeito à experiência pessoal, ao conjunto
de valores assimilados pela pessoa, através da família, do ambiente social, dos meios de
comunicação e de tantos outros canais de informação. Quando nos referimos à Orientação
Sexual estamos nos referindo ao processo formal e sistematizado que pode e deve ocorrer
dentro da instituição escolar. Constitui-se de uma proposta objetiva de intervenção por
parte dos educadores.

É importante ressaltar que a Orientação Sexual realizada através da escola, não


substitui nem concorre com a função da família, mas sim a complementa. A família,
responsável pela educação sexual das crianças e adolescentes, tem valores que, de uma
forma ou de outra, são passados para elas (crianças e adolescentes), como valores que
devem ser aceitos e adotados – o que nem sempre ocorre.

A escola possui uma condição diferente da familiar, contudo cabe a ela, escola,
discutir as questões ligadas à sexualidade, abordando diferentes pontos de vista, valores e
crenças. Podemos dizer que são diferenciados os tratamentos dados à sexualidade, no
espaço familiar e no espaço escolar.

Diante de tais argumentos, nunca é demais dizer que a Orientação Sexual na


escola se faz urgentemente necessária. Compete à escola fazer parte desse processo de
crescimento do adolescente. Aliada à família, a escola pode proporcionar ao educando,
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momentos de reflexão e desenvolvimento que, certamente, contribuirão bastante para sua


formação.

A caminhada da Educação Sexual em nossa sociedade não foi algo muito fácil, ao
contrário teve avanços e retrocessos.
O início da Orientação Sexual se deu na década de 1920 no Brasil vinculada
à vigilância sanitária, ao controle e cura das DSTs, especialmente nas populações
consideradas de risco. Algumas doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis, se
espalhavam por todas as camadas sociais, daí a necessidade de combater o mal. Já naquela
época, surgiram propostas de inserção da educação sexual no âmbito escolar. Infelizmente
tais perspectivas não se concretizaram, devido às posições mais conservadoras da
sociedade, especialmente da Igreja. Poderíamos dizer que esta visão médica, relacionada ao
combate das doenças e controle das praticas sexuais, perdura até os dias atuais, gerando
entraves no desenvolvimento de projetos voltados para essa finalidade.
Na década de 1960, o Brasil e o mundo, passam por um processo de
questionamento de sues valores, socais, sexuais e morais. Nesta época surgem no mercado
os anticoncepcionais femininos, dando assim à mulher a possibilidade de Ter relações
sexuais sem engravidar. Foi a partir deste período que surgiram os primeiros registros de
uma preocupação com a educação dos jovens e adolescentes da rede pública de ensino,
especialmente nas grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro.
Com o golpe militar de 1964 houve uma censura muito intensa aos
movimentos sociais e os comportamentos sexuais também receberam essa carga de
censura. A imprensa passa a ser vigiada, controlada intensamente pelo poder público. A
liberdade de expressão tão duramente alcançada foi castrada e mais do que nunca, os
valores morais burgueses passaram a tomar conta das pessoas. Poderíamos acrescentar que,
a sexualidade está de certa forma, vinculada ao poder e à vigilância. Isso passa, portanto
pela questão ideológica. Aqueles ou aquelas que ousassem questionar eram vistos como
subversivos e punidos severamente. Ainda hoje há quem se lembre com amargura daqueles
dias de repressão, medo e insegurança. Famílias inteiras ficavam a mercê de uma denúncia
anônima, que podia ser considerada uma confissão. De certo modo, ainda hoje, vivemos as
conseqüências daquela ditadura. Pessoas nascidas na década de 60 aprenderam que era
melhor não se envolver em confusão, em transtornos políticos. A “melhor” postura era a de
expectador. Deixar que as coisas acontecessem e se resolvessem por si só. Claro que isso
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não acontece! Se dermos a outrem o direito de agir por nós, o que o outro decidir estará
decidido, gostemos ou não do resultado.
Na década de 70, o tema Educação sexual volta ao cenário e passa a fazer
parte do currículo das escolas de 1º e 2º graus, na disciplina “Programa de Saúde”. Se isso
representou um avanço não podemos afirmar, pois enquanto disciplina, a sexualidade
passou a ter ares de coisa séria demais, para fazer prova e passar de ano. Muitas escolas
trabalharam o tema de forma anatomicista, dando ao aluno, noções geográficas da
distribuição dos órgãos de seu corpo e do corpo dos outro. A preocupação com as DSTS
era grande, pois com a pílula anticoncepcional, mais liberdade para o sexo, as DSTS se
implantaram no cenário social, atingindo pessoas de todos os níveis.
No começo da década de 80 surge o grande e pior fantasma da
humanidade(nos dias atuais ainda está assim): AIDS. SIDA em português. Naquela época
se tornou imprescindível à orientação da população quanto às formas de contágio,
prevenção e tratamento. A demanda pela Orientação Sexual nas escolas se intensifica e
mais uma vez a preocupação com a doença foi o carro chefe dos trabalhos de sexualidade
nas escolas. Além disso, o número de adolescentes que engravidavam antes do casamento
começava a crescer muito. Nos anos 90 o fenômeno “gravidez indesejada” teve seu
grande boom. Em 1996 a revista Veja, publicou como matéria de capa, a assustadora
informação: “Um milhão de adolescentes engravidam por ano no Brasil”. Se era para
assustar, assustou mesmo, pois ao final de dezembro daquele mesmo ano saía publicada a
nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases) que prevê a inserção do tema Orientação Sexual
como tema transversal, na grade curricular das escolas. Se podemos considerar essa nova
lei um avanço, não sabemos ainda, mas pelo que temos observado em nossa prática, os
professores de modo geral e a escola como um todo, não estão mais abertos à sexualidade
dos alunos por conta desta normalização legal. Se o argumento de não ter o amparo legal,
por muito tempo serviu de escudo para que quase nada fosse feito na escola quanto à
sexualidade, atualmente nada ou quase nada ainda se faz, e não pela falta de uma lei, mas
pela falta de disponibilidade do próprio professorado.

A princípio acreditava-se que as famílias não desejavam a abordagem dos


temas relacionados à sexualidade no âmbito escolar; mas hoje, sabemos que a situação se
inverteu. É cada vez maior o número de famílias que desejam que a escola aborde temas
como os que acabamos de citar e muitos outros. Percebemos que os pais e responsáveis
reivindicam a Orientação Sexual nas escolas, pois reconhecem, não só a sua importância
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para as crianças e os adolescentes, como também a sua própria dificuldade em falar


abertamente sobre esses assuntos em casa.

Em todas as faixas etárias surgem manifestações da sexualidade infanto-juvenil


e a escola é um dos principais espaços onde elas acontecem. Mas o que será que a escola
tem feito diante da curiosidade sexual natural de seus alunos?

A omissão ou a repressão são as respostas mais habitualmente dadas pelos


profissionais da escola. Parece-nos que este procedimento não tem sido eficiente no
sentido de educar e formar os futuros cidadãos brasileiros. Os “acidentes sexuais”
continuam acontecendo, o índice de pessoas contaminadas pelo vírus da AIDS cresce,
assim como tantas outras doenças sexualmente transmissíveis, como a sífilis e a gonorréia,
entre outras.

Está na hora de a escola mudar a sua visão a respeito da sexualidade, encarando


o tema com a importância e a seriedade que merece. Isso significa dizer que não se pode
mais limitar o conteúdo da sexualidade às aulas de anatomia do corpo humano feminino e
masculino.

Temos observado, também, que informar apenas não basta. É preciso


desenvolver uma atitude mais positiva em relação ao sexo, pois vivemos em uma época de
transição. A visão da sexualidade mudou muito nas últimas décadas, mas nem por isso
existem menos dúvidas e anseios a respeito do assunto, que sempre desperta tanto
interesse.

A educação sexual tem sido freqüentemente acusada de influenciar os jovens a


se iniciarem sexualmente mais cedo; contudo, os adolescentes de hoje estão quase sempre
adiantados em relação à idade, e convém não esquecer que os acidentes sexuais não
costumam acontecer porque os jovens sabem muito sobre sexo, mas sim porque não estão
suficientemente informados e orientados por falta franqueza dos adultos ou por
informações distorcidas, recebidas em proporções exageradas.

A sexualidade humana tem se tornado, nos últimos anos, assunto de amplos


estudos, pesquisas, reflexões e debates. Profundas mudanças nos padrões das atitudes e
comportamentos sexuais na América e em outros continentes, suscitaram graves questões
referente a um ajustamento das tradicionais formulações e respostas à sexualidade.
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Ressalta-se a importância de se abordar a sexualidade da criança e do


adolescente, não somente no que tange aos aspectos biológicos, mas também, e,
principalmente, aos aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e psíquicos dessa
sexualidade.

Assim, propomos que a Orientação Sexual oferecida pela escola aborde as


repercussões de todas as mensagens transmitidas pela mídia, família e pela sociedade, com
as próprias crianças e jovens. Trata-se de preencher lacunas nas informações que a criança
já possui e, sobretudo, criar a possibilidade de formar opinião a respeito do que lhe é
apresentado. A escola, ao propiciar informações atualizadas do ponto de vista científico e
explicitar os diversos valores associados à sexualidade e aos comportamentos sexuais
existentes na sociedade, possibilita ao aluno ter sua própria opinião e desenvolver atitudes
coerentes com os valores que elegeu como seus.

8.3. A Inserção da Orientação Sexual no Currículo - Os PCN’s

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, no volume que trata a


questão da sexualidade no terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental15 o trabalho de
Orientação Sexual na escola deve se dar no âmbito pedagógico e coletivo, não tendo,
portanto, um caráter de aconselhamento individual do tipo psicoterapêutico. Isso quer
dizer que as diferentes temáticas da sexualidade devem ser trabalhadas dentro do limite da
ação pedagógica, sem serem invasivas da intimidade e do comportamento de cada aluno.

Tal postura deve inclusive auxiliar aos alunos a discriminar o que pode e deve
ser compartilhado no grupo e o que deve ser mantido como uma vivência pessoal. Apenas
os casos individuais de alunos que demandem atenção e intervenção diferenciadas da
possibilitada pelo trabalho de Orientação Sexual devem ser tratados separadamente do
grupo pelo professor ou orientador da escola e decidido um possível encaminhamento para
atendimento específico, médico, psicológico ou ambos.

A proposta dos Parâmetros é de que a Orientação Sexual oferecida pela escola


aborde as repercussões de todas as mensagens transmitidas pela mídia, pela família e pela
sociedade. Trata-se de preencher lacunas nas informações que os alunos já possuem e
principalmente, criar a possibilidade de formar opinião a respeito daquilo que lhe foi

15
Volume editado em 1998, pelo Ministério da Educação e do Desporto
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apresentado. A escola ao oferecer tais informações, possibilita ao aluno desenvolver


atitudes coerentes com os valores que ele próprio elegeu como seus. Quanto às crianças
menores, os professores relatam que informações corretas acerca da sexualidade ajudam a
diminuir a angústia e a agitação em sala de aula.

Transversalidade significa que tanto a concepção quanto os objetivos e


conteúdos propostos por Orientação Sexual encontram-se contemplados por diversas áreas
do conhecimento. Dessa forma, estará impregnando toda a prática educativa. Cada uma das
áreas tratará da temática da sexualidade por meio de sua própria proposta de trabalho. Ao
se apresentarem os conteúdos de Orientação Sexual, serão explicitadas as articulações mais
evidentes de cada bloco de conteúdo com as diversas áreas.

Além disso, o trabalho de Orientação Sexual implica o tratamento de questões


que nem sempre estarão articuladas com as diversas áreas do currículo - seja porque trata
de questões singulares que necessitam de um tratamento específico, seja porque permeiam
o dia-a-dia na escola das mais diferentes formas, surgindo de maneira emergente e
exigindo do professor, flexibilidade, disponibilidade e abertura para trabalhar tais questões.

Há diferentes formas de trabalhar Orientação Sexual de modo transversal:

_ dentro da programação, por meio de conteúdos já tranversalizados nas diferentes


áreas do currículo e;

_ extraprogramação, sempre que surgirem questões relacionadas ao tema.

A partir da quinta série, além da tranversalização já apontada, a Orientação Sexual


comporta também uma sistematização e um espaço específico. Isso porque, a partir da
puberdade, os alunos já trazem questões mais polêmicas envolvendo a sexualidade.
Apresentam necessidade e melhores condições de reflexão sobre temas como aborto,
virgindade, homossexualidade, pornografia, prostituição dentre tantos outros temas. Se
antes os alunos recebiam mensagens sobre os valores associados à sexualidade, agora vão
discutir, questionar e configurar mais claramente seus próprios valores. È importante que
a escola possa oferecer um espaço específico dentro da rotina diária para essa finalidade.
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Na visão de Araújo16 (1999), há três formas diferentes de se entender a relação


entre os conteúdos tradicionais e os transversais.

Uma primeira forma seria entendendo que essa relação deve ser intrínseca, ou
seja, não tem sentido existir distinções claras entre conteúdos tradicionais e transversais.
Um professor de matemática por exemplo, jamais poderia trabalhar o seu conteúdo de
matemática desvinculado da construção da democracia e da cidadania.

Uma segunda maneira seria entendendo que a relação entre disciplinas


tradicionais e transversais pode ser feita pontualmente, através de módulos ou projetos
específicos, com os quais os professores de diferentes áreas abririam espaço para algum
tema transversal em suas aulas.

Uma terceira maneira seria integrando interdisciplinarmente os conteúdos


tradicionais e os temas transversais, ou seja, entendendo que a transversalidade só faz
sentido dentro de uma concepção interdisciplinar de conhecimento.

O que essas três formas de conceber o trabalho transversal na educação têm em


comum é que todas elas defendem a concepção de manutenção das disciplinas curriculares
tradicionais como eixo logitudinal do sistema educacional, cabendo aos temas transversais,
girar em torno deste eixo ou impregná-lo.

Diante da dificuldade encontrada pela maioria dos professores entrevistados


nesta pesquisa, entendemos que o melhor caminho para um trabalho de qualidade no
campo da Orientação Sexual, seria através da delimitação de um tempo e um espaço dentro
da escola, o que poderia ser viabilizado pelo desenvolvimento do projeto pedagógico,
envolvendo todo o corpo docente e discente. Em torno de um tema único, cada professor
dentro da sua área de conhecimento, poderia trabalhar um aspecto da questão. Desta forma
o aluno teria uma visão mais ampla do tema e poderia estabelecer seu próprio critério de
valores.

É importante que o educador envolvido no trabalho de Orientação sexual


aborde as questões dentro de interesse e das possibilidade de compreensão próprias da
idade de seus alunos, respeitando os medos e as angústias típicos daquele momento. É

16
Professor do Departamento de Psicologia Educacional da Faculdade de Educação da UNICAMP.
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bastante comum que o tema sexualidade surja como fonte de interesse em diferentes
momentos para cada aluno ou grupo. A cada etapa, as questões relativas a esse tema se
ampliam e se conectam com outras dúvidas e preocupações, demandando portanto sua
retomada. O professor deve também estar atento às diferentes formas de expressão dos
alunos.Muitas vezes, a repetição de brincadeiras, apelidos ou paródias alusivas à
sexualidade podem significar uma necessidade não verbalizada de discussão e de
compreensão de algum tema. Deve-se atender a este pedido.

É necessário que o professor possa reconhecer os valores que regem seus


próprios comportamentos e orientam sua visão de mundo, assim como reconhecer a
legitimidade de valores e comportamentos diversos dos seus. Sua postura deve ser
pluralista e democrática, para criar condições mais favoráveis para o esclarecimento e a
informação sem a imposição de valores particulares.

Os conteúdos trabalhados devem também favorecer a compreensão de que o ato


sexual e intimidade similares são manifestações pertinentes à sexualidade de jovens e de
adultos, não de crianças. Para a prevenção do abuso sexual é importante e esclarecimento
de que as brincadeiras sexuais em grupo são prejudiciais quando envolvem
crianças/jovens de idades diferentes ou quando são feitas entre crianças e adultos.

Ao mesmo tempo que oferece referências e limites, o professor deve


compreender que as manifestações da sexualidade são prazerosas e fazem parte do
desenvolvimento saudável de todo ser humano. Tais manifestações não devem ser
condenadas segundo doutrinas morais. Dessa forma o professor estará contribuindo para
que o aluno reconheça como lícitas e legítimas suas necessidades e desejos de prazer, ao
mesmo tempo que processa as normas de comportamento próprias do convívio social.
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9. METODOLOGIA

De acordo com Minayo (1994), metodologia é o caminho do pensamento e a


prática exercida na abordagem da realidade. Neste sentido, a metodologia ocupa um lugar
central no interior das teorias e está sempre deverá estar referidas a elas. As teorias são
construídas para explicar ou compreender um fenômeno, um processo, ou um conjunto de
fenômenos e processos.

Contudo, nenhuma teoria, por mais bem elaborada que seja, dá conta de
explicar todos os fenômenos e processos. Cabe ao investigador separar e recortar
determinados aspectos significativos da realidade para sua pesquisa, buscando
interconexão sistemática entre eles. Na visão de Lüdke (1986), “para se realizar uma
pesquisa é preciso promover o confronto entre dados, as evidências as informações
coletadas sobre determinado assunto e conhecimento teórico acumulado a respeito dele”.

Para Minayo e Sanches (1993) as abordagens metodológicas tanto quantitativa


quanto qualitativa são completas no sentido de ser suficiente para a compreensão completa
da realidade. Um bom método será aquele que, permitindo uma construção correta dos
dados, ajude a refletir sobre a dinâmica da teoria. Portanto, além de apropriado ao objeto
da investigação e de oferecer elementos teóricos para a análise, o método tem que ser
operacionalmente exeqüível. Tanto o método quantitativo quanto o qualitativo têm sua
importância dentro do contexto que se quer pesquisar.

Por esta razão, construímos nossos instrumentos de investigação desta pesquisa,


utilizando aquilo que cada método tem para oferecer.

Tomamos como sujeito desta pesquisa, dois grupos distintos: um formado por
alunos, adolescentes, de ambos os sexos, frequentando a sétima série das escolas
selecionadas; outro grupo formado por professores de ambos os sexos, de diferentes
disciplinas que lecionem para turmas de sétima série que foram pesquisadas.
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Com os diferentes grupos de sujeito, utilizamos dois instrumentos de


investigação. Com os alunos utilizamos o questionário estruturado com abordagem
quantitativa (nas respostas objetivas) e qualitativas (nas respostas livres).

Com os professores utilizamos a entrevista qualitativa, gravada com o


consentimento expresso dos entrevistados. Sabemos que o método qualitativo oferece
potencialidade e limites à investigação. Talvez a principal limitação seja a cientificidade de
um método no qual investigadores e investigados são agentes de mudança, o que
justamente ocorre na pesquisa social. Para responder a esta questão, uma corrente de
estudiosos das áreas humano-sociais, como Durkheim (1978), têm se munido de dois
argumentos metodológicos: a) é possível traçar uniformidades e encontrar regularidades no
comportamento humano; e b) regularidadse predizíveis existem em qualquer fenômeno
humano cultural e podem ser estudadas sem levar em conta apenas motivações individuais.

O material primordial da investigação qualitativa é a palavra que expressa a fala


cotidiana, seja nas relações afetivas ou técnicas.

Segundo Bakhtin (1986), as palavras são tecidas pelos fios de material


ideológico, servem de trama a todas as relações sociais, são o indicador mais sensível das
transformações sociais, mesmo daquelas que ainda não tomaram formas, atuam como meio
no qual se produzem lentas acumulações quantitativas, são capazes de registrar as fases
transitórias mais íntimas e efêmeras das mudanças sociais.

Pelas razões aqui apresentadas, escolhemos como instrumentos de investigação


com os professores, a entrevista falada. Com os alunos, devido à necessidade de se captar o
maior número possível de informações a respeito da Orientação Sexual na Escola, optamos
pelo questionário escrito, com questões fechadas e abertas, o que possibilitou um
tratamento qualitativo-quantitativo. Não consideramos ser este um entrave metodológico.
Ao contrário, entendemos que, em se tratando de um tema tão complexo como sexualidade
na escola, o estudo quantitativo pode gerar questões para serem aprofundadas
qualitativamente e vice-versa.

As pesquisas qualitativas, voltadas ao cotidiano escolar, vêm oferecendo


subsídios para repensar e reconstruir o saber didático. Contudo, alguns desafios têm se
tornado muito presentes na prática dos pesquisadores.
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“O desafio para aqueles que estudam fenômenos sociais é o de apreender o sentido de


eventos, sob a ótica dos que deles participam, sem imporem um quadro pré-determinado
de raciocínio sobre a realidade social observada”. (MONTEIRO, 1998, p. 29)

O atendimento ao preceito aqui citado e a necessidade de compreender


integralmente o fenômeno educacional com suas diferenciadas facetas, envolve a
compreensão e a utilização de modos característicos de fazer pesquisa. É importante
refletir sobre os desafios encontrados por aqueles que se propõem a fazer pesquisa
qualitativa.. No caso da educação, a investigação qualitativa visa compreendê-la em termos
do seu processo e da experiência humana vivida que este envolve. Investigar a educação
na perspectiva qualitativa é uma empreitada que envolve alguns desafios que abordaremos
a seguir. Há os desafios teóricos, metodológicos e éticos.

Um dos desafios é o relativo abandono da explicação do fenômeno educacional


em termos de causa e efeito. Para isso, é preciso se distanciar da prática positivista que
durante tanto tempo norteou a pesquisa na área educacional.

Na visão de Monteiro (1998), a busca do discernimento do fenômeno social


passa pela compreensão do seu sentido, através de sua observação atenta e de sua
descrição, não de sua explicação causal. Esta ótica confere importância capital aos agentes
humanos que protagonizam as práticas. O próprio pesquisador que influencia é também
influenciado pelo que investiga.

Outro desafio que a pesquisa em educação com abordagem qualitativa


apresenta é o da compreensão do fenômeno educacional enquanto fenômeno cultural. O
investigador é também fonte de dados, na medida que os observa e interpreta. Desta forma,
suas crenças e conhecimentos anteriores, enfim toda a sua bagagem cultural estará sendo
posta em evidência ao investigar um fenômeno no campo educacional.

Um dos desafios mais sérios que os pesquisadores em educação enfrentam, é o


de conciliar o imediatismo, com que a base de pesquisa é requerida para alimentar a prática
pedagógica, e o tempo prolongado de investigação, nas pesquisas com abordagens
qualitativas. Isso porque a pesquisa em educação, muitas vezes, tem sido compreendida
como um meio de suprir respostas rápidas aos problemas que requerem ação imediata.
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Com isso, muito da riqueza de detalhes obtidos com a observação minuciosa e


profunda da pesquisa qualitativa, pode se perder. No caso da presente pesquisa, os dados
obtidos nos questionários foram tabulados e analisados nos gráficos produzidos. Já as
entrevistas com os professores foram tematizadas em uma adaptação da proposta de
Bardin ( 1979).

10. A PESQUISA DESENVOLVIDA

Nossa pesquisa foi realizada em quatro escolas públicas da região Oceânica da


cidade de Niterói/RJ. Três destas eram estaduais e uma, municipal. São estas: Colégio
Estadual Professora Alcina Rodrigues Lima (em Itaipu); Colégio Estadual Fagundes
Varela (no Engenho do Mato); Colégio Estadual Leopoldo Fróes (em Pendotiba); e
Colégio Municipal Francisco Portugal Neves (em Piratininga).
Apresentaremos inicialmente os dados dos professores e em seguida os dos
alunos. Entendemos que a pesquisa é um só corpo, dividida apenas para facilitar a
compreensão.
Foram entrevistados 10 professores das diferentes áreas de conhecimento, aos quais
denominaremos P1; P2; P3; P4; P5; P6; P7; P8; P9 e P10.
A primeira escola trabalhada nesta pesquisa foi a escola Estadual Professora
Alcina Rodrigues Lima, conhecida por esta pesquisadora desde 1988, ano em que
passou a fazer parte do quadro docente do Estado do Rio de Janeiro. Esta é uma das
maiores escolas da região e possui cerca de 3.000 alunos, divididos em três turnos: manhã,
tarde e noite. Estruturalmente falando, a escola é privilegiada em relação às outras
investigadas. Possui biblioteca, pátio coberto e duas quadras para prática desportiva. Sua
localização é favorável pois fica situada na estrada principal de Itaipu. Não foram
encontradas dificuldades de acesso para iniciar e desenvolver esta pesquisa. Os
professores aceitaram fazer parte do trabalho e alguns se ofereceram para a entrevista.
Foram entrevistados quatro professores que aqui vamos chamá-los de P1,P2,P3,P4.
Iniciamos nossa entrevista com P1, da área de Ciências, que demonstrou ter
conhecimento dos Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto nos aspectos gerais quanto à
Orientação Sexual. Considera importante ter esse conhecimento por ser da área de ciências
e imagina estar trabalhando a sexualidade de forma transversal pelo fato de dar aulas sobre
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o corpo humano nas turmas de sétima série. Alega que a chegada dos Parâmetros não
provocou nenhuma alteração em sua prática pedagógica pois já trabalhava “esses
assuntos” naturalmente. Observamos que essa naturalidade trazida em discurso por esta
professora não corresponde à sua prática pois foram detectadas algumas dificuldades para
falar abertamente de sexualidade e talvez esta mesma dificuldade esteja presente em suas
aulas. Isso nos traz à tona uma questão levantada por Foucault: o discurso. Ao mesmo
tempo que evidencia o sexo, esconde-o.
Na opinião desta professora, as maiores dificuldades no desenvolvimento do
trabalho de sexualidade são algumas religiões mais conservadoras que muito alunos têm e
as famílias dos estudantes. Contudo, quando perguntei se P1 tinha tido algum problema
com as famílias por trabalhar sexualidade, P1 afirmou que em dezoito anos de vida
docente, nunca havia tido problema algum nesse sentido. Notamos que tais argumentos
foram utilizados por P1 para, de certa forma, justificar a não realização de um trabalho de
sexualidade com seus alunos. O que corroborou esta posição foi a colocação de que seria
melhor se o tema Orientação Sexual fosse trabalhado por uma pessoa de fora da escola
pois o professor que lida com a turma todos os dias vira amigo e não é levado a sério pelos
alunos. É interessante notar que esta sugestão de ter alguém de fora da escola para fazer
este trabalho também aparece nos dados colhidos junto ao alunado.

A próxima entrevista foi com P2, da área de Língua Estrangeira. A princípio


demonstrou preocupação em não ser reconhecida através de suas respostas pois era uma
das poucas professoras de língua estrangeira do turno da tarde. Acredita na importância
dos Parâmetros e no trabalho de Orientação Sexual, mas não vê como poderia fazer tal
articulação dentro da área que leciona. Em diversos momento de sua fala aparece uma
postura conservadora, com dificuldades em lidar com o tema com os alunos.

“...há uma lição de moral nesse texto17, que diz que tudo que é gostoso de fazer, mais tarde
traz problemas e eles vêem esse lado e fazem perguntas sobre isso. Que realmente são
jovens demais para determinadas coisas e eles consentem que é uma parte deles, dessa
sexualidade...” .

17
Texto que P2 disse levar para a sala de aula para tratar de sexualidade.
{PAGE }

“ Eles consentem o erro deles, eles assumem algumas coisas, algumas falhas deles”. “...
eles acham errado esse despertar. Porque tudo que você fala, tudo que você coloca eles já
levam para o lado... “eu gosto disso” , gosto de apertar, gosto de abraçar, gosto de
beijar. Não me interessa o estudo, me interessa mais isso. E a gente mostra que o estudo
é importante...”.

Apesar de toda a dificuldade em trabalhar a sexualidade em suas aulas, esta


professora considera extremamente importante que os alunos recebam essas informações,
desde que ela não tenha que fazê-lo. Isso denota uma dificuldade por parte da
professora em se envolver com o tema.

“ Eu acho que esses jovens estão precisando de mais palestras, estão precisando de serem
orientados por uma pessoa mesmo experiente, uma pessoa especialista nisso. Não só os
professores ajudando nisso, mas uma orientadora sexual dentro da própria escola, cada
escola com uma, para poder orientar os jovens com mais dificuldade. Isso seria
importante e poderia até ajudar ao professor a ter uma visão mas ampla a respeito do
assunto. As vezes o professor tem uma vivência de outra geração e está vivenciando com
os alunos adolescentes uma outra geração agora, se torna mais difícil de entender como
está a cabeça dos jovens neste exato momento”. ( P2 )

Essa fala denota dificuldade e constrangimento por parte desta professora


em trabalhar a sexualidade e por isso prefere que outros professores o façam. Tem medo
de ser mal interpretada por seus alunos por falar em sexo e gostaria que outro professor o
fizesse.

“Acho que os alunos podem pensar: Ah! Aquela professora só pensa em sexo! Imagino
que esse tipo de situação não aconteceria se o trabalho de orientação sexual fosse feito
com uma pessoa especializada no assunto. De preferência algum professor de outro turno
ou outra escola.” (P2)

Em entrevista com P3 , da área de História, já na primeira questão da entrevista,


pudemos observar o posicionamento bastante consciente quanto aos Parâmetros
Curriculares Nacionais, sua importância e seus entraves.
{PAGE }

“...os Parâmetros Curriculares falam que o tema de Orientação Sexual seria um tema
transversal que deveria ser inserido dentro da escola por professores de várias
disciplinas,. Só que eu estou achando que isso não está ocorrendo, quer dizer, a gente na
realidade não está trabalhando esse tema transversal. Mesmo porque as pessoas têm
dificuldades em colocar esse tema dentro da sua própria disciplina, que a grade também é
muito extensa, então as pessoas acabam deixando essa disciplina auxiliar pra lá” .

Para esta professora, a chegada dos parâmetros não provocou nenhuma


alteração em sua prática pedagógica, além do mais esta professora não consegue
estabelecer a correlação entre a disciplina que leciona (História) e os Parâmetros. Ela não
percebe espaço dentro de sua área de conhecimento, para trabalhar a sexualidade de forma
transversal, conforma definem os Parâmetros Curriculares Nacionais. Além disso, ela
considera o tema relacionado à sexualidade como disciplina auxiliar.

“ Não consigo porque eu não vejo nada afim entre história e sexualidade, que eu possa
pegar e entrar naquele tema sem ser uma ruptura muito brusca. Por exemplo, hoje eu vou
parar de falar de História e falar de Orientação Sexual, entendeu? Eu acho que deveria
ser alguma coisa que me desse entrada dentro da disciplina para que eu chegasse a esse
tema e isso eu não estou conseguindo. Na minha área, eu ainda não consegui colocar
sexualidade como tema transversal”.

Esta professora imagina que na área de Ciências tal articulação ocorra de forma
mais natural pois os assuntos têm mais afinidade com a sexualidade. É bastante
interessante notar que vários professores entrevistados imaginam ser mais fácil estabelecer
a relação entre sexualidade e seu conteúdo programático, para o professor de ciências,
devido ao fato de na sétima série o enfoque ser o corpo humano. Acontece que nas
demais séries como a quinta série por exemplo, o conteúdo de ciências é Planeta Terra.
Poderíamos nos perguntar também qual a relação entre planeta Terra e sexualidade.
Alguns poderiam facilmente estabelecer esta relação e articular os conteúdos. Contudo,
muitos docentes ainda preferem assumir um distanciamento estratégico das questões
acerca da sexualidade, alegando que sua disciplina não apresenta nenhuma brecha na qual
pudesse ser inserido este tema transversal. Não percebem que trabalhar transversalmente
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também pode significar, aproveitar as oportunidades surgidas em aula, no dia-a-dia com as


turmas, conforme relato a segui:
“Uma vez os meus alunos trouxeram uma revista com 1000 perguntas e respostas sobre
sexo. Aí, eu aproveitei a curiosidade deles e o movimento daquela revista que estava sendo
feito de forma escondida. Eu peguei a revista e perguntei se eles queriam conversar sobre
aquilo. Eles me deram entrada para que eu fizesse isso. Falei sobre sexualidade com eles
durante aquela aula todinha. Nas outras aulas de História, às vezes eles me faziam
algumas perguntas. Aí eu dava uma parada e respondia às perguntas. Mas dava a minha
matéria também. Então era uma coisa que dava pra articular, eu parava um pouco o que
eu estava falando, explicava a eles e depois retomava o assunto de novo. Toda vez que eles
falam de sexualidade comigo eu respondo e tento ser o mais clara possível, o mais simples
possível, usando a linguagem deles. Eu não me sinto embaraçada de falar em sexualidade
com eles não. Eu já tive sim, dificuldades de encaixar isso na minha disciplina”.

Ao explicar o que faltava para que essa articulação fosse feita, alegou a falta de uma
Orientação Pedagógica, de pessoas que pudessem orientar este trabalho de forma mais
sistematizada. Concluiu sua fala defendendo que o tema Orientação Sexual deveria ser
uma disciplina, pois assim aconteceria mesmo na escola. Esta observação demonstra uma
desinformação com relação à tranversalidade proposta nos PCN’s.

Em entrevista com P4, da área de Ciências, foi observado que esta conhece
teoricamente o conteúdo dos Parâmetros. No entanto, apesar de ter lido vários documentos
sobre isso, inclusive os volumes que foram enviados pelo MEC, não se sente preparada
para trabalhar com estes, ou seja, a interdisciplinariedade ainda está só no discurso, não
faz parte da prática. Quanto à Orientação Sexual, sabe que deve aproveitar as
oportunidades em sala de aula e trabalhar com os alunos na medida em que vão surgindo as
questões. Faz isso tambémcom as turmas de 6ª série, nas quais trabalha o tema seres vivos.
Reconhece que isso não tem sido fácil, pois os alunos da 6ª série são ainda imaturos e
levam para o lado da brincadeira. Por essa razão, prefere responder as perguntas dos alunos
e alunas de forma individualizada, até mesmo fora das aulas, no recreio, nos intervalos ou
em outro momento, sem a presença maciça de toda a turma.
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“ Eles têm muitas dúvidas e perguntam várias coisas. As meninas às vezes me perguntam
até fora da matéria. Elas têm muito interesse, buscam mais informações. Querem saber
sobre período fértil, gravidez, o que acontece, usar a camisinha, se não usar, elas me
perguntam isso. Até por eu ser professora de ciências. Agora em geral trabalhar com a
turma já é mais complicado”.

Para esta professora, a chegada dos Parâmetros provocou mudança em sua


prática de sala de aula na medida que surgiram novas formas de trabalhar, apesar de não se
sentir totalmente capacitada para desenvolver este trabalho. Suas maiores dificuldades
giram em torno de conhecimento e tempo para estudar e se aperfeiçoar. Considera
extremamente importante o trabalho de orientação sexual na escola, mas entende que essa
responsabilidade deveria ficar a cargo de uma pessoa melhor preparada.

“A gente pode conversar com eles mas eu acho que teria que ser alguém melhor
preparada, exatamente para dar essas noções de Orientação Sexual a eles. Alguém que
buscasse só isso e que pudesse conversar com eles e se aprofundar mais no assunto. Não
só em sala de aula porque é muito pouco. Precisaria de um tempo maior. Sair de sala de
aula, que eles tivessem palestras para orientar. Eu sou professora de Ciências, dou as
noções básicas mas tem coisas que eu acho que poderia haver alguém que poderia estar
melhor preparado do que eu. Eu acho difícil também a gente lidar com esse tema. Pra mim
é difícil porque eu não me sinto completamente preparada porque eu posso ensinar a
teoria, mas ter um contato maior com o aluno, levar um papo mais profundo, conversar
mais com eles, eu não tenho esse tempo e nem esse preparo. São muitos problemas né?
Acho que um psicólogo seria a pessoa mais indicada para conversar com os alunos.”

A segunda escola trabalhada nesta pesquisa foi a Escola Municipal F. Portugal


Neves, na qual foram encontradas algumas dificuldades diferentes daquelas encontradas
nas escolas estaduais. A primeira delas foi em contactar a direção da escola. Após várias
tentativas sem sucesso, quando finalmente foi possível o encontro, observamos que a
preocupação por parte da direção em saber se a Fundação Municipal de Educação18, havia
sido informada e se tinha autorizado aquele trabalho. Ela havia sido informada por outras

18
A Fundação Municipal de Educação é o órgão maior do município, e regulamenta e controla as ações
desenvolvidas nas escolas municipais de Niterói.
{PAGE }

pessoas da escola sobre alguém da UFF, que estava em busca de estágio na escola. Foi
explicado à diretora que o objetivo não era estagiar, mas sim desenvolver uma pesquisa
sobre Orientação Sexual. Todos os objetivos e procedimentos da pesquisa foram
explicados e assim, iniciamos nossos trabalhos. Ao entrar em contato com os professores
da casa e expor nossas intenções de pesquisa, dois professores se ofereceram para a
entrevista e preferiram fazê-lo em conjunto, ou seja, os dois ao mesmo tempo. Vamos
chamá-los de P5 e P6.
Um fato bastante interessante aconteceu nesta escola, durante nossa pesquisa, por
isso vamos mencioná-lo. Certo dia na escola, esta pesquisadora entrou no banheiro
feminino que é utilizado pelas alunas e viu que o mesmo não possuía portas internas,
somente a externa que ficava no corredor. Ao sair deste banheiro, esta pesquisadora se
deparou com um funcionário da escola que passava pelo corredor e com muito espanto
este a perguntou o que esta fazia naquele banheiro, ao que foi respondido que usara o
banheiro. O funcionário então disse que aquele banheiro não deveria ser utilizado pelos
professores, somente pelas alunas e imediatamente mostrou a localização do outro
banheiro. Foi então observado que o banheiro das professoras tinha um aspecto
completamente diferente do das alunas: tinha portas internas, além de espelho na parede,
sabonete nas pias e flores para enfeitar. O ambiente estava limpo e arrumado,
completamente diferente do das alunas: sujo e completamente devassado. Aqui
pontuamos a importância do ambiente escolar acolhedor para qualquer iniciativa,
especialmente para as de educação e saúde, fato que não parece preocupar a maior parte
dos gestores.
Também nas questões relacionada ao pedagógico, observamos um enorme embaraço
por parte dos entrevistados ao afirmar que desconheciam os Parâmetros Curriculares
Nacionais. Já haviam ouvido falar alguma coisa, mas sem precisar o que era exatamente.
Ambos tentaram se justificar, dizendo que aquela era uma questão que a Fundação
Municipal cuidava, mandando pessoas para fazer palestras de vez em quando e mesmo
assim não era para todas as turmas. Tiveram dúvidas em dizer quais turmas recebiam este
tipo de orientação. Achavam que era nas turmas de 7ª e 8ª série, mas reconheciam que os
alunos das turmas menos adiantadas (5ª e 6ª) também necessitavam desta orientação.
Uma professora alegou que não conhecia os Parâmetros porque nunca tinha tido
curiosidade e também tempo. Justificou a falta de tempo, alegando que dava aulas em três
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escolas, que o dia todo ficava envolvida em dar duas aulas e se deslocar de uma escola
para outra. Outro demonstrou conhecer um pouco melhor os Parâmetros:

“Pelo que eu entendi dos temas transversais você não separa, porque Educação Sexual
está ligada a ética, que está ligada a história, a sociologia. No parâmetro diz isso, que
você tem que trabalhar isso dentro do seu conteúdo, pegando outros conteúdos, a questão
da interdisciplinariedade, independendo do tema que você trate tem que falar de algo que
inclua sexualidade.”( P6 )
Ao serem perguntados se a chegada dos Parâmetros provocou alguma mudança na
prática docente, P5 foi categórica:

“Nenhuma, não houve nenhuma mudança!”

Logo depois tentou relativizar sua resposta alegando que já trabalhava de forma
integrada em sua disciplina (História) mesmo antes da chegada dos Parâmetros. Segundo
ela, não se cria a preocupação com temas humanísticos através de decreto. Afirmou ainda:

“Eu não sou contra os Parâmetros, mas acho que as propostas se perdem um pouco.”

Na questão três da entrevista foi perguntado se na disciplina que


lecionavam, conseguiam aplicar as diretrizes propostas pelos parâmetros. Mais uma vez P5
afirmou que não conhecia os parâmetros.

“Eu não conheço os Parâmetros. Pode ser até que eu esteja trabalhando e me encaixando
dentro dos parâmetros de forma intuitiva, sei lá.”

Ao serem questionados sobre como lidavam com a Orientação Sexual na


sala de aula, deram respostas diferenciadas. P6 alegou que buscava textos que trouxessem
informações sobre AIDS, gravidez, e outras, e depois tentava trabalhar tais informações
junto ao dia-a-dia dos alunos. P5 demonstrou uma enorme distância do alunado, alegando
que não era de Niterói, mas sim de São Gonçalo, e que não participava do cotidiano
daquela comunidade escolar.
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Quanto às maiores dificuldades encontradas na implantação da Orientação Sexual


na escola, os entrevistados alegaram : preocupação com o currículo, a grade curricular
estar em primeiro plano; dificuldades em lidar com os mitos e diferenças culturais trazidos
pelo alunado; a difícil realidade do professor que tem que trabalhar em várias escolas.

“Isso exige do professor! Isso é complicado para o professor que tem várias turmas,
várias escolas. Tem o compromisso em cumprir a grade curricular, tem o dia-a-dia, o
corre-corre, a nossa vida é muito louca. A questão do planejamento de aula, não é uma
coisa de fazer fichinhas como eu tinha que fazer na minha época. É pensar uma aula,
pensar questões, estar atento ao que está à sua volta é importantíssimo para você dar uma
boa aula. Às vezes o dia-a-dia do professor faz com que ele passe o tempo inteiro no
próprio ato de tentar sobreviver.” (P5)

Ao perguntar se os entrevistados desejavam acrescentar algo, ambos fizeram relatos


de fatos correlacionados à AIDS. P6 disse que havia perdido amigos por causa da AIDS,
que aquilo lhe trouxera grande sofrimento. P5 também mencionou um conhecido que
estava no estágio terminal da doença, o que a preocupava. Concluiu sua fala assim:

“Quando você vê isso, a sua preocupação dobra. Mas também quando você está
preocupada, você não consegue fazer uma coisa direito. Você não pode transformar a
sexualidade numa proibição, num tabu. Falar de sexualidade como uma coisa excelente
na vida do ser humano, mas que precisa ter cuidado, com ele e com o outro.” (P5)

A terceira escola pesquisada foi o Colégio Estadual Leopoldo Fróes, localizada no


Largo da Batalha, região mais próxima do centro da cidade de Niterói do que todas as
demais escolas trabalhadas. Ao entrar em contato com a mesma e expor os objetivos
daquela visita, fomos informados de que já havia na escola do turno da noite um projeto de
sexualidade. Perguntamos a vários professores se sabiam de algo e eles foram bastante
vagos em suas respostas. Disseram que já tinham ouvido falar mas não sabiam exatamente
do que se tratava. Alguns alunos da primeira turma entrevistada nesta escola,
demonstraram visível interesse em participar de uma palestra sobre sexualidade e
perguntaram à vice-diretora se poderíamos fazê-la. Nesta escola foram entrevistados três
professoras, duas da área de Ciências e uma de Geografia. Vamos chamá-las de P7, P8, P9.
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Ao entrevistar P7, da área de Geografia, observamos que esta professora conhece


em profundidade o conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais, tanto em sua área
específica, quanto em relação à Orientação Sexual.

“...os Parâmetros Curriculares foram criados para auxiliar o professor a trabalhar em


sala de aula, dentro da sua matéria e nas matérias transversais e nisso está incluída, além
da minha matéria, Orientação Sexual, ensinar o aluno a ser cidadão, aprender a respeitar
os seus direitos e o direito dos outros...”.
P7 alegou que todo o trabalho que faz em sala de aula não segue rigidamente o
currículo. Sentiu necessidade de fazê-lo e segue sua intuição. Segundo ela, a chegada dos
Parâmetros não provocou mudança em sua prática pedagógica, pois prepara suas aulas de
acordo com cada turma, segue mais ou menos o conteúdo mas não o livro.
Diferentemente dos demais entrevistados, P7 está conseguindo colocar em
prática a proposta dos Parâmetros e trabalhar a sexualidade de seus alunos de forma
transversal.

“...a minha matéria é Geografia... só que eu, paralelamente já desenvolvi um curso sobre
AIDS, e fiz isso aqui na escola. Na minha matéria, quando eu vou tratar de assuntos
relacionados com a população, índices de natalidade e mortalidade, o controle da
natalidade. E o controle da natalidade é feito como? Através da pílula ou da camisinha. E
se você não usar a camisinha, além de não controlar a natalidade você pode adquirir
várias doenças sexualmente transmissíveis. Então eu me propus a trazer aqui e todo ano
eu trago, um médico, uma pessoa da Secretaria de Saúde para desenvolver esse trabalho.
Eu cheguei até a fazer no ano passado e no ano retrasado um trabalho de um mês com
eles, toda semana passava filme, fazia oficina sobre AIDS principalmente. E eles adoram,
gostam muito desse tipo de trabalho que eu faço aqui. Esse ano eu ainda não fiz, mas até o
final do ano vou fazer”.
Esta professora sente falta da colaboração de outros professores para
desenvolver o trabalho de orientação sexual na escola, sente-se só...

“...sempre eu trabalho só. Em 98, nós fizemos o PDBG, Programa de Despoluição da Baía
de Guanabara, eu trabalhei com mais de dois professores e a gente acabou juntando,
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fazendo esse de meio ambiente e o da AIDS, mas depois de 98 pra cá, eu passei a fazer
sozinha.”19
Ela considera este trabalho muito importante especialmente pela quantidade alta de
alunas ainda meninas, que engravidam todos os anos na escola. E terminou sua fala
questionando se havia algum programa de Orientação Sexual que pudéssemos levar para
aquela escola.

“...Agora mesmo nós temos o caso de duas alunas grávidas e eu venho conversando com
elas há um tempão. Falei:”Vai namorar? Usa camisinha! Enrola o menino” . Elas
morrem de rir comigo. Eu falo: “Vai namorar? Acende a luz. Não fica no escurinho
porque na hora que botar é bom e você não vai querer tirar”. Eu procuro usar uma
linguagem mais brincalhona mas mesmo assim, virou, mexeu, aparece uma grávida.”

Em nossa entrevista com P8, da área de Ciências, foi observado que esta possui
pouco conhecimento acerca dos Parâmetros Curriculares Nacionais, mas entende que sua
proposta é a interdisciplinariedade.

“.. eu acho que é legal porque uma matéria não pode ficar restrita a só uma cadeira. Todo
esse intercâmbio entre as matérias, acho legal pra caramba, acho que faz falta. Ninguém
precisa ser responsável por uma única matéria. Você tem que ter um conhecimento maior,
estar preparada para uma coisa, mas não significa que você não possa levar o que você
sabe para outras disciplinas e vice-versa. Eu não sei se todo mundo vai topar fazer isso
não! Aí já é outro esquema. A idéia é legal, agora se as pessoas vão aceitar e fazer essa
ligação são outros 500.”

P8 reconhece que não leu os Parâmetros de 5ª a 8ª, mas sente que alguma coisa
precisa ser feita na escola...

“ Eu já tive até olhando mas não parei para me fixar, para saber direitinho tudo o que tem
dentro do Parâmetro. Agora que eu acho que há uma necessidade muito grande de
esclarecer, de trazer para esses adolescentes toda essa parte de Orientação Sexual. Aqui
na escola está havendo problemas de gravidez com meninas novas, com 14 ou 15 anos e

19
P7 está se referindo ao trabalho de orientação sexual que faz na escola
{PAGE }

isso gera evasão. Porque a partir do momento que elas ficam grávidas, elas ficam com
vergonha. Às vezes não está nem aparecendo ainda, a gente nem sabe, mas elas morrem
de vergonha e não vem mais. Principalmente no turno da tarde. Elas engravidam e largam
a escola.”

Para P8 a chegada dos Parâmetros não provocou mudanças em sua prática


pedagógica , e quanto à Orientação Sexual , P8 tenta articular seu conteúdo programático
com temas relacionados à sexualidade.

“...como eu sou professora de ciências da 7ª série, uma das partes da matéria é o aparelho
reprodutor masculino e feminino. Primeiro eu falei pra eles tecnicamente o que era um e
outro. Eles ficaram com vergonha de fazer perguntas, como sempre. Aí eu passei uma
sacolinha com as perguntas, sem nome de ninguém. Peguei a sacola fui lá pra frente, li e
respondi pergunta por pergunta, sem identificar ninguém. Outra coisa que eu achei válido
também : falei sobre as DSTs e AIDS. O risco que eles correm, o uso da camisinha, os
anticoncepcionais, a pílula , o DIU, diafragma. Conversamos sobre isso tudo. Não sei o
que ficou e o que não ficou. Fizemos um grande debate, enfim. Mas não sei o que ficou,
porque eles vem com tanta coisa errada, que as vezes eles não acreditam naquilo que a
gente está falando. Eles ficam com muita dúvida. A gente tenta, né? Eu estou sempre
aberta. De vez em quando um me cerca aí fora, até por causa da área.”

Foi sugerido que P8 falasse um pouco sobre o Projeto de Sexualidade desenvolvido


na escola :

“ O projeto foi em cima de gravidez, adolescência e evasão. Porque temos observado que
as meninas estão engravidado cada vez mais cedo, 5ª e 6ª série são os maiores índices.
Isso atrapalha a adolescente porque ela sai da escola, fica com vergonha, atrapalha o
pai20 pela mesma razão, ele sai da escola. Ele acha que já é muito adulto e quer estudar à
noite. À noite, a gente sabe que não é igual ao ensino regular durante o dia. Ele tem que
parar pra trabalhar, tem que parar para uma série de coisas. Atrapalha a vida de duas
crianças, o que dificulta muito o futuro. Normalmente, o pai ainda retorna, às vezes, para

20
Aqui P8 está se referindo ao adolescente do sexo masculino que se depara com uma situação inesperada de
gravidez da namorada.
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estudar à noite, mas a menina, é muito difícil. Então ela pára de estudar na 5ª ou 6ª série e
se dá por satisfeita. Isso vai acontecer com o filho dela, quando estiver nessa idade. O que
a gente está notando, pelo menos aqui na escola, há uns dois ou três anos atrás, a
incidência de gravidez maior era na 6ª ,7ª e 8ª série. Esse ano não, a incidência maior foi
na 5ª e 6ª série, ou seja, está acontecendo mais cedo, mais na 5ª do que na 6ª série. Eu
tenho uma turma, de 6 ª série, eu até te mostro, tem umas 4 meninas grávidas, à tarde. Não
sei porque. Isso é uma observação minha. As turmas da manhã, até tem alunas grávidas.
Teve uma que engravidou da 7ª série, perdeu o neném, uma professora estava com uma
trouxa de roupinhas de neném para dar pra ela, e ela disse: Ah professora, eu perdi o
neném mas a senhora guarda porque eu já estou providenciando outro. Entendeu? Aí o
que a gente bolou: Eu e os professores daqui da escola, fizemos esse projeto e estamos
querendo começar a conversar com os alunos de 4ª série. Começar a explicar as coisas na
4ª série e continuar isso na 5ª e na 6ª série, aumentando o grau de conhecimento pra ver
se quebra um pouco isso. Porque se a gente bobear, daqui a pouco vai começar a
acontecer na 4ª série ou na 3ª série. Onde a gente vai parar com isso? A mãe dessas
crianças trabalha fora, o pai também então, quer dizer, a responsabilidade de cuidar
dessas crianças fica por conta de outra criança. Você acha que a avó do neném vai poder
parar de trabalhar? Não vai! Aí é que ela vai ter que trabalhar muito mais. Fica difícil! A
gente está com o projeto aqui, vamos apresentar para a direção, o pessoal gostou e vamos
ver se a gente bota para funcionar a partir do ano que vem. Depois eu te conto o
resultado.”

Em entrevista com P9, da área de Ciências, ficou constatado que ela compreende a
proposta dos Parâmetros e mostrando-se disposta a trabalhar de forma integrada com as
demais disciplinas e quanto à Orientação Sexual, tem uma maneira própria para
desenvolver este tema:

“Eu acho que os professores fazem, mas não de uma forma programada. Isso acontece de
uma forma mais solta. Tem o conteúdo que cada um tem que dar: 5ª série é solo, 6ª série é
seres vivos e na 7ª tem mais essa parte, porque trabalha o corpo humano. Mas mesmo na
6ª eu procuro trabalhar esse lado de acordo com a realidade deles. São alunos com faixa
etária variada, entre 12 e 14 anos, então a gente está sempre trazendo a AIDS, a gravidez
{PAGE }

precoce. Sempre trazemos isso para dentro de sala, procurando orientar um pouco os
alunos em relação a isso”.

A chegada dos parâmetros provocou mudança na sua prática pedagógica de P9,


ampliando mais, modificando a sua forma de agir em sala de aula. Em sua disciplina P9
procura trabalhar a sexualidade de forma mais livre, à medida em que as demandas vão
surgindo.

“ Eu enfoco essa questão da Orientação Sexual, mas de uma forma sem programação.
Aproveito as dúvidas que surgem dos alunos, perguntas, questionamentos, a existência de
alunas grávidas dentro da própria escola. Ou na parte de prevenção, mas quando você
sente uma abertura da aluna pra isso. Mas uma coisa programada, específica pra isso
não! Na escola até tem palestras, às vezes, trazem profissionais da área da saúde, mas a
minha prática mesmo, não. Até por falta de tempo. Ou eu sou enrolada mesmo! Mas é
muita matéria a dar. O conteúdo é muito extenso. Na 5ª série eu até consegui resultados
melhores porque o conteúdo é mais enxuto mas na 6ª é quase impossível. Na 7ª, mais
quando eu começo a falar no aparelho reprodutor.”

Aqui podemos notar claramente que P9 vincula o trabalho de orientação


sexual à questão reprodutiva, especialmente na sétima série. Concluiu sua fala dizendo o
seguinte:

“ Eu acho que os próprios alunos sentem muita necessidade disso, de uma orientação
nesse sentido. Mas ainda, por incrível que pareça, existe um tabu deles. Até que com os
professores que têm mais contato, proporcionam uma abertura maior, eles se chegam
mais. Então você consegue fazer um trabalho melhor. Mas eu acho que esse trabalho que
você está fazendo é fundamental na maioria das escolas. Você vê só, logo que você surgiu
em sala eles já foram perguntar se você fazia palestras. Estão naquela sede mesmo, então,
eu acho que eles têm pouco conhecimento, acho que a gravidez e as doenças sexualmente
transmissíveis acabam acontecendo mesmo por falta de informação. A maioria dos pais
não têm nem conhecimento e às vezes não têm acesso a isso. Então fica tudo muito em
cima da escola. A escola está suprindo o papel da família. Então eu acho que esse
trabalho, eu não sei se vai haver sempre ou se vai ser uma coisa mais esporádica, é
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sensacional. Fazer um acompanhamento com eles, com palestras, vídeos. Já até teve aqui
na escola! Eu acho que veio bem a calhar porque está precisando muito.”

Interessante notar que a professora estava imaginando que esta pesquisadora iria
desenvolver na escola um trabalho mais sistematizado enfocando a sexualidade. Ao final
da entrevista foi explicado o objetivo desta pesquisa. Foi possível observar um certo ar de
decepção na professora ao perceber que alguém de fora da escola não iria desenvolver tal
trabalho.

A quarta escola pesquisada foi a Escola Estadual Fagundes Varela, localizada no


bairro do Engenho do Mato, considerada uma área rural dentro da região Oceânica. Foram
encontradas inúmeras dificuldades em desenvolver a pesquisa nesta escola. Para começar,
foi difícil encontrar alguém da direção que pudesse nos receber e autorizar nossa entrada
na escola. O prédio no qual funciona a mesma encontrava-se em situação precária e havia
sido interditado pela Defesa Civil devido ao risco de desabamento. Depois de
estabelecido o contato com a direção, várias vezes não foram encontrados nem alunos e
nem professores na escola por diversas razões como paralização de professores ou obras
no prédio. Só foi possível realizar a entrevista com professores ao final do ano letivo de
2001. Em entrevista com P10, da área de Matemática, nos deparamos com a dura
realidade daquela escola pública, o que acaba refletindo na prática pedagógica daqueles
professores e alunos. A professora alegou que não há como colocar os Parâmetros
Curriculares em prática numa realidade como a daquela escola.

“...os Parâmetros Curriculares nós temos trabalhado em cima deles, mas não há como
colocá-los em prática. Principalmente em determinadas escolas, com a nossa realidade
carência de professor, carência de material e a coisa é muito bonita no papel mas na
prática fica difícil, pelo menos até o momento, de ser implantada, na maioria das
escolas.”

Quanto à Orientação Sexual na escola, P10 considera-a extremamente


necessária, principalmente naquela escola que embora esteja situada no miolo da região
oceânica, possui uma clientela diferente. Em sua opinião, uma clientela rural com muito
pouca informação e muitos tabus acerca da sexualidade.
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“... os tabus são muito grandes e existem hábitos de prevenção e higiene muito diferentes
do que já é usado. Camisinha, muitos ainda têm preconceito de usar. Usam ainda tampão
com vinagre como contraceptivo, coisa de séculos atrás. Eles têm informações ainda muito
arcaicas. É uma clientela diferente. Os pais (dos alunos), a maioria trabalha como
caseiro, são pessoas que vieram de fora, normalmente do norte do país, são pessoas de
origem bem humilde e que não têm conhecimentos nem para elas mesmas e nem para
passar pros filhos. Isso dificulta muito! Então há necessidade de haver uma Orientação
Sexual, o movimentar disso dentro da realidade deles, para que eles possam se colocar e
serem trabalhadas essas dificuldades e até mudanças de hábitos de higiene” ( P10)

Em sua opinião, a chegada dos Parâmetros provocou mudança em sua prática


pedagógica, trazendo mais flexibilidade e abertura para seu trabalho.

“... Você não fica só na sua disciplina você pode adequar à realidade do aluno, outros
conteúdos que tenham a ver com a realidade de cada um. Então isso melhorou bastante.
Utilizar até outros colegas e fazermos um plano para que cada um possa fazer abordagens
sobre determinado texto e cada um utilizar dentro da sua disciplina. Isso ajudou bastante.
Podemos trabalhar com arte, com ciências, história, geografia, enfim. Acho que ajuda
bastante”.

Notamos aqui uma nítida evidência de transversalidade, apesar da professora


não se dar conta disso. P10 percebe que está conseguindo colocar em prática as
diretrizes propostas pelos parâmetros quanto à Orientação Sexual e justifica isso pelo fato
de ser professora de Matemática e Ciências, o que facilita o entrosamento entre as
disciplinas. Utiliza os recursos disponíveis, como vídeo .

“Utilizamos vídeos, conversamos com eles. Nos vídeos saem as perguntas que você nunca
imaginaria que eles tivessem dúvidas tipo: “Fazer sexo com cachorro, o que vai nascer?
Metade gente, metade cachorro?” As coisas mais absurdas! Eu trago vídeos de casa, a
escola também tem alguns vídeos e nós conseguimos pincelar essa parte do início da vida
sexual, a formação tanto dos órgãos sexuais masculinos e femininos, das doenças
sexualmente transmitidas, trabalhamos em relação à AIDS, entendeu, essas coisas deu pra
{PAGE }

ser feita. Esse ano foi feito isso, a maioria conseguiu entender e houve até mudanças de
comportamento. Porque a mídia faz com que, nessa fase, eles busquem revistas pornôs,
filmes pornôs, e isso estava atrapalhando muito até o rendimento na escola. Eles estavam
chegando cochilando dormindo. Aí eu comecei a fazer uma sondagem com eles e vi que
era em função desses filmes passados à noite, que eles ficavam assistindo. Isso aguçava
muito mais o sexo”.

Perguntamos a ela se esse trabalho era uma iniciativa da escola ou dela própria enquanto
professora, ao que respondeu:

“ Foi uma iniciativa minha, por eu sentir a necessidade com as minhas turmas, por conta
até do rendimento. Porque estava atrapalhando em tudo eles ficavam aguçadíssimos.
Estava atrapalhando em todas as disciplinas e o rendimento melhorou a partir dessas
informações porque aí tira aquela ansiedade e eles tem que saber que é normal essa
mudança toda, mas também não é trabalhar só em cima disso. Afinal não se vive só pra
isso né?”

As maiores dificuldades encontradas por esta professora para fazer este


trabalho são a falta de material apropriado (recurso audio-visual)21 e as famílias dos
alunos22

“ A dificuldade é que cada um tem que se virar, preparar material. O governo não manda
livros em quantidade suficiente que abordem esse tema. Então você tem que preparar. Tem
um livro de 7ª série que tem alguma coisa sobre isso, mas aí você tem que xerocar, eles
não têm dinheiro e você tem que dar um jeito, entendeu? Então existe uma dificuldade. O
vídeo seria muito mais prático e eficaz. Não ia onerar o aluno e nem o professor. O
professor não tem grana pra isso. Ficar preparando material, xerocando e dando pra todo
mundo. E também tem o seguinte, há famílias que a criança não pode chegar com aquele
material em casa.”

21
P 10 alegou que a Secretaria de Educação não manda nenhum material para esta escola e os professores
tem que se virar com o que tem.
{PAGE }

Ela considera o trabalho de Orientação Sexual importante e citou casos de


gravidez que aconteceram na escola, sem que os adolescentes tivessem tido uma relação
sexual completa.

“Então eles não têm noção de que numa brincadeira, se a menina estiver no período fértil,
pode acontecer de engravidar. Eles não têm noção do uso de pílulas, como usar.
Imaginam que se vão transar agora ou à noite, vão ali e tomam uma pílula. Eles não tem
muita noção disso. Não vão ao posto de saúde, não se tratam. Mas isso não acontece só
com os alunos. Com os adultos acontece coisa semelhante. Você vê dos homens de 40
anos, quem é que vai fazer o exame da próstata? Eles simplesmente não vão! É o
preconceito mesmo! As mulheres vão mais mas mesmo assim tem muitas que não vão. Vão
quando vão ter filho e depois não voltam mais, nem pra fazer a revisão pós parto, porque
tem vergonha. E quando vão só querem ir à médica mulher e não médico homem. Como
no posto muitas vezes não dá pra fazer essa escolha, elas acabam não indo. Fica difícil!”

11. ANÁLISE DAS ENTREVISTAS

Uma análise geral foi feita a partir dos temas propostos no roteiro, a saber:
conhecimento sobre PCN's , entendimento sobre Orientação Sexual na escola, mudanças
provocadas em sua prática pedagógica, aplicabilidade em sua disciplina em teoria e em
prática, e contribuições dadas pelos entrevistados.
Quanto a conhecimento sobre PCN's , a maior parte dos professores entrevistados
demonstra ter pouco conhecimento sobre as diretrizes propostas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais. E mesmo aqueles ligados à área de Ciências acreditam estar
trabalhando Orientação Sexual por darem na sétima série aulas sobre sistemas do corpo
humano ( sistema reprodutor masculino e feminino). Estes professores acabam repetindo
aquilo que era desenvolvido na década de 70, quando se trabalhava temas relacionados à
sexualidade em Programas de Saúde. Notemos aqui a nítida dificuldade destes

22
Apesar de alegar que nunca teve problema algum com as famílias dos estudantes ao trabalhar assuntos
relacionados à sexualidade.
{PAGE }

profissionais em alterar um habitus instituído, corroborando a perspectiva de Bourdieu


(1999), que afirma a dificuldade de se alterar práticas instituídas.
Quanto ao entendimento sobre Orientação Sexual na escola, os professores
entrevistados consideram importante e relevante para o alunado o trabalho de Orientação
Sexual, desde que não tenham que fazê-lo. A naturalidade que os professores dizem ter,
fica na maior parte das vezes apenas ao nível do discurso, não é trazida para a prática
pedagógica. Prova disso é que a grande maioria dos entrevistados alega que a chegada dos
PCNs, não provocou nenhuma mudança em sua prática, pois já faziam '"naturalmente" o
trabalho de Orientação Sexual. Quando instados a dar sugestões, recomendam que o
trabalho específico seja feito por alguém da área de Ciências ou por especialistas de fora da
escola. De certa forma isso evidencia uma dificuldade por parte do professorado em se
envolver com a questão da sexualidade, deixando o trabalho de Orientação Sexual a cargo
de outro profissional, alguém que não ele(a) mesmo(a).
Com relação a mudanças provocadas em sua prática pedagógica, aqui aparece
um interessante paradoxo: os entrevistados dizem que os PCNs não trouxeram mudanças
em sua prática pedagógica, afirmando inclusive que já aplicavam os princípios propostos,
até mesmo com relação ao tema sexualidade. Por outro lado, fica evidenciado nos
depoimentos que há uma enorme dificuldade de entendimento por parte dos professores de
princípios básicos propostos nos PCNs, tanto de interdisciplinaridade quanto da questão da
transversalidade. Se não há compreensão, dificilmente pode haver aplicação. O fato de não
haver mudança nas práticas pode ser uma evidência de que não está havendo aplicação dos
princípios propostos pelos parâmetros.
Quanto à aplicabilidade em sua disciplina, é bastante interessante notar que vários
professores entrevistados imaginam ser mais fácil estabelecer a relação entre sexualidade e
seu conteúdo programático para o professor de ciências devido ao fato de na sétima série o
assunto tratado é o corpo humano. Acontece que nas demais séries como a quinta série por
exemplo, o conteúdo de ciências é Planeta Terra. Poderíamos nos perguntar também qual a
relação entre este assunto e a sexualidade. Acreditamos que alguns docentes poderiam
estabelecer relações e articular seus conteúdos, contudo muitos ainda preferem assumir um
distanciamento estratégico das questões acerca da sexualidade, alegando que sua disciplina
não apresenta nenhuma brecha na qual pudesse ser inserido este tema transversal.
Nas contribuições/sugestões dadas pelos entrevistados, muitos alegaram variadas
dificuldades no desenvolvimento do trabalho de Orientação Sexual. Um depoimento traz
{PAGE }

claramente a menção às dificuldades encontradas em se trabalhar com as famílias, uma vez


que estas podem não entender a proposta de trabalho e ficar contra a escola alegando que
esta estaria supervalorizando o sexo, talvez até instigando práticas sexuais. Isto poderia ser
uma versão da hipótese repressiva de Foucault (1988) em ação. Ao ser perguntada sobre a
ocorrência de algum problema com as famílias dos alunos, uma das entrevistadas alegou
que efetivamente nunca havia tido problema algum. com as mesmas. Esta dificuldade
evidenciada no imaginário da professora a faz sugerir que o tema seja tratado por alguém
de fora da escola. Esta postura, de certa forma conservadora, foi detectada na quase
totalidade dos entrevistados, quando expressam claramente a vontade de que alguém de
fora da escola fizesse este trabalho.
Para concluir esta análise levantamos os seguintes pontos com relação aos
entrevistados:
1 ) A maioria dos professores entrevistados tem pouco ou nenhum conhecimento do
conteúdo dos Parâmetros Curriculares Nacionais.
2 ) Consideram importante o trabalho de Orientação Sexual na escola mas preferem
não faze-lo. Preferem que outras pessoas o façam.
3 ) A naturalidade anunciada pelos professores entrevistados, fica somente ao
nível do discurso, ou seja, não é transposta para a prática pedagógica, de sala de aula.
4 ) Alegam que a chegada dos Parâmetros não trouxe nenhuma mudança e afirmam
que já aplicavam os princípios propostos pelos mesmos com relação à sexualidade.
5 ) Não entendem verdadeiramente o sentido da transversalidade e não conseguem
realizá-la no contexto da Orientação sexual.
6 ) Não conseguem ver a aplicabilidade do tema transversal Orientação Sexual em
sua disciplina, não vêem brecha para isso.
7 ) Alegam que não têm formação para desenvolver este trabalho com seus alunos
e acabam usando o temor pelas famílias dos estudantes como justificativa – apesar de
afirmarem que nunca tiveram problemas com estas famílias em sua vida docente.
As contribuições dadas pelos professores entrevistados reforçam a visão de que é
necessário e urgente um trabalho de estudo aprofundado das propostas dos PCN’s com
relação à transversalidade, especialmente em sexualidade, tema desta pesquisa, tanto por
questões internas da instituição escola como por questões mais amplas como prevenção de
DST/AIDS, gravidez precoce e tantas outras de relevância social.
{PAGE }

Desenho feito por M. – idade: 13 anos sexo: masculino


Durante uma oficina de sexualidade feita numa escola pública
{PAGE }

12. TRABALHO FEITO COM OS ALUNOS

Como instrumento de pesquisa com os alunos, optamos pelo questionário


escrito, ao invés da entrevista aberta, como foi feito com os professores. Foram
submetidos a este duzentos alunos das quatro escolas pesquisadas, todos matriculados
e freqüentando regularmente a sétima série do ensino fundamental. Os dados obtidos
através dos questionários respondidos por estes alunos foram tabulados, servindo de
base para a confecção dos gráficos a seguir.

TABELA 1 – FAIXA ETÁRIA DOS ALUNOS


Faixa etária Quantidade
12 ANOS 03
13 ANOS 40
14 ANOS 66
15 ANOS 50
16 ANOS 28
17 ANOS 07
18 ANOS 04
19 ANOS 01
20 ANOS 00
21 ANOS 01

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }
Dos 200 alunos que responderam ao questionário, observamos que a faixa
etária predominante concentra-se em torno de 14 - 15 anos, o que pode ser visto como uma
pequena defasagem série-idade. Por outro lado, para fins desta pesquisa, uma idade mais
adiantada traria uma maturidade física também correspondente, o que poderia ser causador
de maiores probabilidades de atividade sexual por parte destes jovens.
Aproximadamente 72,5 % dos adolescentes pesquisados consideram-se
bem informados acerca da sexualidade, embora não conversem, na mesma proporção, com
seus professores, sobre sexo. Apenas 26,5% dos entrevistados admitem não serem bem
informados(as) sobre sexualidade. Cabe aqui levantarmos o seguinte questionamento: De
onde vêm estas informações recebidas por estes alunos adolescentes?

TABELA 2 – POSSUI INFORMAÇÃO SOBRE SEXUALIDADE


SIM 145
{PAGE }

NÃO 53
BRANCO 02

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

Verificou-se que 87% não conversam sobre sexo com seus professores,
enquanto que apenas 37,5 % o faz; apesar de ambos os grupos acharem importante
conversar sobre o tema “sexualidade” na escola.

TABELA 3 – CONVERSA SOBRE SEXO COM PROFESSORES


SIM 75
NÃO 174
BRANCO 01
{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

Poucos alunos deixaram em branco as questões 2 e 3, nenhum deixou de


responder a questão 4.

TABELA 4 – CONSIDERA IMPORTANTE CONVERSAR SOBRE


SEXUALIDADE NA ESCOLA
SIM 189
NÃO 11
BRANCO 0

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

A imensa maioria afirma ser importante conversar sobre sexo na escola,


embora negue haver este espaço na forma de Orientação Sexual ou outra forma qualquer
de trabalho voltado para a sexualidade.
{PAGE }

TABELA 5 – ORIENTAÇÃO SEXUAL OU OUTRA FORMA DE INFORMAÇÃO


SOBRE SEXUALIDADE NA ESCOLA

SIM 34
NÃO 166
TOTAL 200

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

TABELA 6 – HAVENDO ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA EM QUE ESTUDA


OU OUTRA FORMA DE INFORMAÇÃO SOBRE SEXUALIDADE COMO É FEITO
O TRABALHO DE ORIENTAÇÃO SEXUAL NA ESCOLA?

BRANCO 40
ATRAVÉS DE PROFESSORES OU ORIENTADORES 17
AFIRMARAM QUE NÃO HÁ 07
HOUVE UMA ÚNICA PALESTRA COM UMA SEXÓLOGA 02
ATRAVÉS DE VÍDEOS 05
NAS AULAS DE CIÊNCIAS 10
ATRAVÉS DO GRÊMIO DA ESCOLA 01
ATRAVÉS DO GAE (GRUPO DE APOIO AO ESTUDANTE) 03
ATRAVÉS DE UM TEATRO SOBRE SEXUALIDADE 01
O TRABALHO SÓ ACONTECE QUANDO OS ALUNOS SOLICITAM 01

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }
Contrariamente às questões anteriores, conforme mostra a tabela 6, muitos
entrevistados não responderam à pergunta do questionário, talvez por não haver mesmo
nenhum trabalho de sexualidade ou por não saber como gostariam que o mesmo fosse
feito, caso houvesse.
{PAGE }

O pouco trabalho feito no campo da sexualidade concentra-se nas aulas de


ciências, o que de certa forma, evidencia e confirma o posicionamento dos professores em
suas respostas na entrevista. Ficou evidente nas outras respostas que a sexualidade
continua sendo trabalhada de forma desarticulada do restante do conteúdo da grade
curricular e mesmo assim de modo pouco significativo para os alunos. Foi interessante
notar que, assim como os professores, também os alunos imaginam que seria bom se o
tema da sexualidade fosse inserido nas aulas de ciências. Talvez devido à dificuldade de
ambos os grupos em compreender a transversalidade do tema em questão.

TABELA 7 – SUGESTÕES QUANTO A ESTE TRABALHO


CONSIDERAM O TRABALHO DE SEXUALIDADE IMPORTANTE E SOLICITAM 74
QUE O MESMO SEJA FEITO NAS ESCOLAS
FALAR SOBRE PREVENÇÃO E DST 06
TER MAIS PALESTRAS 04
CAMISINHA 01
GRAVIDEZ 01
O ASSUNTO DEVERIA SER ABORDADO DE FORMA INTERESSANTE 02
CONTINUAR O TRABALHO DO GAE 02
SOLICITA QUE O TRABALHO DE SEXUALIDADE SEJA EXTENSIVO AOS PAIS 02
QUE TAMBÉM SÃO POUCO INFORMADOS
ACHA QUE DEVERIA HAVER UM PROFESSOR ESPECÍFICO PARA TRABALHAR 02
SEXUALIDADE NA ESCOLA
{PAGE }

80
60
40
20
0
SUGESTÕES QUANTO À ESTE
TRABALHO
CONSIDERAM O TRABALHO DE SEXUALIDADE IMPORTANTE E SOLICITAM QUE O MESMO SEJA
FEITO NAS ESCOLAS
FALAR SOBRE PREVENÇÃO E DST

TER MAIS PALESTRAS

CAMISINHA

GRAVIDEZ

ABORDAR O ASSUNTO DE FORMA INTERESSANTE

CONTINUAR O TRABALHO DO GAE

QUE O TRABALHO DE SEXUALIDADE SEJA EXTENSIVO AOS PAIS

UM PROFESSOR ESPECÍFICO PARA TRABALHAR SEXUALIDADE NA ESCOLA

Cerca de 37% dos alunos consideram o trabalho de sexualidade importante e


solicitam que o mesmo seja feito nas escolas. Como temas mais pedidos estão: prevenção
de DSTs/AIDS; prevenção de gravidez; (incluindo uso de camisinha) e solicitação de
mais palestras sobre o assunto, de preferência de forma interessante. Alguns alunos
consideram importante ter na escola um ou alguns professores específicos que pudessem
trabalhar sexualidade na escola. Este posicionamento reforça a idéia dos professores que
imaginam que seria melhor se algum profissional específico tratasse o assunto na escola.

TABELA 8 – CRÍTICAS QUANTO A ESTE TRABALHO


{PAGE }

As respostas aqui apresentadas são de número reduzido ou foram deixadas


em branco, o que reflete a situação da própria Orientação Sexual na escola, ou seja, como
fazer críticas sobre algo que na verdade não está efetivamente acontecendo. Muitos
alunos não tiveram nada a dizer mas o seu próprio silêncio já é em si uma forma de
expressar a insatisfação com a ausência de trabalho com a sexualidade no campo escolar.

ACHA O TRABALHO FEITO RUIM 01


NÃO GOSTA DO ASSUNTO 01
ACHA QUE JÁ SABE O SUFICIENTE 03
NÃO RESPONDEU 09
NÃO TEM NENHUMA CRÍTICA NEM SUGESTÃO 25
ACHA SUAS DÚVIDAS SEM GRAÇA 01
ACHA QUE A DIREÇÃO DA ESCOLA NÃO SE IMPORTA COM O ASSUNTO 01
CONSIDERA IMPORTANTE O DESENVOLVIMENTO DESTE TRABALHO POIS 05
NÃO TEM ESPAÇO PARA TAL EM CASA
FALA DA DIFICULDADE DOS PROFESSORES EM CONVERSAR SOBRE 02
SEXUALIDADE

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

TABELA 9 – TENTOU CONVERSAR SOBRE SEXO COM O PROFESSOR E


NÃO O FEZ?
SIM 82
NÃO 118
{PAGE }

{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

Observamos aqui um maior equilíbrio nas respostas, contudo notamos ser


significativa a dificuldade dos alunos em dialogar com seus professores. Apesar da
dificuldade em estabelecer tal diálogo, um número expressivo de alunos pensa em fazê-lo,
o que já é um bom indício. Caso encontre receptividade no professorado, esse diálogo
poderá vir a acontecer.

TABELA 10 – RAZÕES PARA NÃO CONVERSAR COM OS PROFESSORES


TIRA AS DÚVIDAS COM OS PAIS 20
FALA COM OS PROFESSORES 01
NÃO TEVE INTERESSE 16
VERGONHA 57
BRANCO 15
NÃO RESPONDEU A PERGUNTA ADEQUADAMENTE 01
PARA TIRAR DÚVIDAS 05
ACHA QUE SABE O SUFICIENTE 05
ACHA QUE NÃO É NECESSÁRIO 15
OS PROFESSORES NÃO DÃO COBERTURA 06
SE ACHA MAL INFORMADO 01
NÃO FALA SOBRE ESSE ASSUNTO 06
CONSIDERA ESSE ASSUNTO MUITO ÍNTIMO PARA SER FALADO EM SALA DE AULA 03
TEM MEDO DA REAÇÃO DO PROFESSOR 01
INSEGURANÇA 01
TEM MEDO QUE O PROFESSOR CONTE PARA OUTRAS PESSOAS O QUE FOI CONVERSAADO EM 01
AULA
CONVERSA COM OUTRAS PESSOAS SOBRE ISSO 01
ACHA QUE DEVERIA HAVER UM(A) PROFESSOR(A) ESPECÍFICO PARA TRATAR DESTE ASSUNTO 02
NÃO SENTE VONTADE DE FAZER ISSO 03
NÃO SE SENTE À VONTADE DE PERGUNTAR 03
{PAGE }

NÃO CONSIDERA OS PROFESSORES CAPAZES DE CONVERSAR SOBRE O ASSUNTO 01


{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }
Das razões que dificultam ou impedem que os estudantes falem sobre
sexualidade com seus professores, a vergonha do aluno, muito natural e freqüente nesta
faixa etária, surge em primeiro lugar. A segunda justificativa mais citada, foi a falta de
interesse ou vontade do aluno. Alguns estudantes alegaram que tiram suas dúvidas com os
pais ou responsáveis, enquanto outros disseram não se sentir à vontade para estabelecer
este diálogo.

TABELA 11 –TEMAS CONSIDERADOS MAIS IMPORTANTES NO TRABALHO


DE ORIENTAÇÃO SEXUAL
DST/AIDS 110
ABORTO 05
CAMISINHA 70
SEXO SEGURO 07
BRANCO 13
GRAVIDEZ 27
ANTICONCEPCIONAIS 14
PRIMEIRA VEZ 02
DOAÇÃO DE REMÉDIOS E CAMISINHAS 01
VIRGINDADE 01
TODOS OS TEMAS 08
MATURIDADE PARA O SEXO 02
HOMOSSEXUALISMO 04
PRECONCEITOS 01
A PRIMEIRA VEZ 03
DIFICULDADES SEXUAIS 01
CUIDADOS NECESSÁRIOS 01
COMO TER SUCESSO NO ATO SEXUAL 0
{ EMBED MSGraph.Chart.8 \s }

Na opinião de 55% dos alunos, o tema DST/AIDS é o mais importante,


seguido pelo tema CAMISINHA, com 35%, que pode estar relacionado à prevenção das
DSTs ou da gravidez. Aliás este último tema GRAVIDEZ também foi bastante
mencionado pelos alunos, ficando com 13,5 %. Verificamos que a maioria dos jovens tem
pouca ou nenhuma informação ou orientação sexual nas escolas, apesar de acharem
extremamente importante que este trabalho seja realizado. Apesar de terem vontade de
{PAGE }

conversar sobre sexualidade com os professores, a grande maioria não o faz ainda. A
grande maioria dos jovens tira suas dúvidas entre si, e o nível de informação e orientação
sobre o assunto é considerado baixo mediante a importância do tema. Por isso, reforçamos
nossa preocupação quanto à necessidade de atender esse jovem que está nas escolas,
muitas vezes sem respostas para as questões que realmente o preocupam.

13. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nosso objetivo ao desenvolver esta pesquisa não foi e não será o de trazer
respostas definitivas às questões levantadas, mas sim traçar uma reflexão sobre estas. A
vida não é uma equação e por isso não pode ter um solução única. Nosso esforço em trazer
algumas questões formuladas por nossa sociedade contemporânea e nosso interesse em
compreender como a escola tem se encarregado de administrar a sexualidade de seus
alunos, deve-se ao fato de que estas percepções têm norteado as práticas relacionadas à
sexualidade seja no âmbito escolar ou fora dele.

A sociedade é um processo em constante mudança. Se as instituições sociais,


dentre elas a escola, produziram ou ajudaram a produzir representações e discursos, é
importante destacar que os sujeitos concretos não cumprem literalmente aquilo que é
prescrito através dos discursos. Foi isso que observamos nas entrevistas, no discurso dos
professores. Por esta razão buscamos respaldo em Foucault, para compreender mais
profundamente o discurso. Não só o discurso daquilo que é dito, mas também e
principalmente o não-dito, o excluído do discurso. Foucault questiona a onipotência do
discurso e ao mesmo tempo sua fragilidade e chama de hipótese repressiva as perspectivas
de análise em geral feitas ao sexo, a que ele se opõe. Ele é contra a idéia da hipótese
repressiva e afirma que a repressão ao sexo só estimulou ainda mais suas manifestações. E
já que reprimir não resolve definitivamente as questões de sexualidade que a todo
momento pipocam na escola, deve-se abrir espaço de diálogo.

Mas como pensar a transformação numa estrutura como a escola? Por que
parece ser tão difícil fazer a inserção da Orientação Sexual na escola, mesmo depois de
{PAGE }

todo o amparo legal para que isso aconteça?23 O que continua dificultando ou mesmo
impedindo que isso aconteça?

Fomos buscar algumas dessas respostas em Bourdieu. Utilizamos sua noção


de habitus que, de certa forma, explica as dificuldades encontradas por professores para
mudar uma prática que vem sendo construída há muito, sobre o trabalho com sexualidade
na escola. Também buscamos estabelecer uma ponte entre os conceitos de campo, no caso
a escola, como locus de uma luta simbólica, estabelecida entre dominadores (professores)
e dominados (alunos). Nesta luta, pelo que já pudemos observar em nossa pesquisa de
campo, os dominadores (professores) têm conseguido impor suas verdades acerca da
sexualidade aos alunos.

Buscamos com este trabalho dar algumas idéias que possam subsidiar ações
efetivas de políticas públicas no campo da Educação Sexual a partir da inserção da
Orientação Sexual na Escola enquanto tema transversal, de acordo com os Parâmetros
Curriculares Nacionais, no sentido de possibilitar a real inserção da sexualidade como
tema transversal.

Diante de um quadro tão sério de gravidez na adolescência e alastramento das


doenças sexualmente transmissíveis ( incluindo a AIDS) cabe-nos refletir sobre a
importância do tema Orientação Sexual na vida dos estudantes adolescentes. No Brasil, a
cada ano, duas de cada dez mulheres que dão à luz, têm entre 14 e 18 anos. Isso significa
que um milhão de parturientes brasileiras são adolescentes24. Contudo, não é só para tratar
dos “ desastres sexuais” que serve a Orientação Sexual na escola. A sexualidade é um dos
aspectos mais bonitos do ser humano. Sua descoberta significa a entrada num mundo de
fantasia e de prazer. Por isso a sexualidade é tão fascinante! É importante que a escola se
dê conta desses aspectos e abra definitivamente espaço dentro de seus muros para tratar a
sexualidade de forma inclusiva, completa e integrada à própria vida das pessoas, alunos e
professores.

23
Conforme já visto anteriormente, de acordo com a Lei de n º 9.394/96 de Diretrizes e Bases, que
regulamenta todo o processo educacional no país, e seguindo as orientações estabelecidas nos Parâmetros
Curriculares Nacionais traçados pelo MEC, o tema Orientação Sexual está inserido na escola como tema
transversal. Isso significa que terá de perpassar todas as disciplinas da grade curricular: da educação artística
à matemática.
24
Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
{PAGE }

A partir da pesquisa desenvolvida, encaminhamos algumas reflexões para uma


proposta de trabalho em Orientação Sexual na escola . Este trabalho implica planejamento
e ação pedagógica sistemática, o que envolve espaço no currículo escolar. Temos
observado que muito pouco adiantam palestras feitas de forma isolada ou semanas
especiais de atividade voltadas para essa finalidade. Valladares (2000) propõe que o
trabalho de Orientação Sexual aconteça de forma permanente com crianças e adolescentes
e que o canal de debates e questionamentos acerca da sexualidade esteja sempre aberto no
meio escolar. A contrapartida desta proposta envolve estudo e preparação contínua dos
educadores implicados na tarefa, com participação de todos os profissionais do ensino.
Todos podem contribuir de algum modo. Não é preciso ser especialista em sexualidade
para desenvolver este trabalho. Os pais devem ser informados sobre os pressupostos e
objetivos do trabalho de orientação sexual, o que pode ser feito através de reuniões,
entrevistas ou comunicados por escrito. A compreensão dos pais e responsáveis sobre a
importância do trabalho com a sexualidade fortalece este trabalho e pode abrir novas
perspectivas de diálogo na própria família.

Cada escola poderá encontrar o seu caminho, caberá à equipe pedagógica


determinar onde, como e quando. O que não deve acontecer é a negação por completo de
qualquer trabalho nesta esfera do conhecimento humano, pois o silêncio da escola sobre a
sexualidade de seus alunos e professores não tem trazido bons frutos, conforme nos
mostram as estatísticas nacionais, e nem pode mais ser considerada a hipótese de não se
trabalhar o tema, uma vez que a orientação dos PCNs é clara quanto à transversalidade
proposta, transversalidade esta que implica numa contextualização da cultura escolar.

Apesar de defendermos a todo custo que a orientação sexual seja feita na


escola, nossa experiência tem mostrado que isso só ocorrerá: a) se o(a) professor(a) se
sentir tranqüilo(a) para abordar a sexualidade: b) se o(a) professor(a) estiver em contato
permanente com a questão da sexualidade, lendo, estudando, debatendo: c) se houver
respaldo da escola para esse tipo de trabalho, apoio da direção equipe pedagógica, colegas
e responsáveis. Assim, para que o trabalho aconteça com os estudantes é necessário
completo e constante envolvimento dos educadores e apoio e conhecimento das famílias.
Ainda segundo Valladares (2000), o rumo das discussões poderá estar
pautado muito mais no interesse dos educandos do que dos professores. Os aspectos
{PAGE }

biológicos da sexualidade, tais como reprodução, anatomia feminina e masculina e


contracepção poderão e deverão fazer parte das discussões mas não devem ser limitadores.

É importante ressaltar que, independentemente dos assuntos tratados, a ética


deverá fazer parte do trabalho de orientação sexual. O compromisso de professores e
alunos deverá ser o de manter o sigilo e o respeito por todas as manifestações, não
utilizando as informações de forma debochada ou punitiva. O clima deverá ser de
coleguismo e abertura. Todos deverão se sentir à vontade para manifestar suas idéias e
opiniões, sabendo que serão ouvidos pelo grupo. Assuntos polêmicos devem ser tratados
com cuidado pois nesses momentos as pessoas podem fazer revelações e confidências e
ninguém detém a verdade absoluta acerca de um tema. Tais temas deverão servir de ponto
de partida e não de chegada. Cabe ao educador estimular a participação de todos mas
nunca impor um quadro de obrigatoriedade ou reprovação. A orientação sexual é um
assunto que não envolve notas, boletim ou reprovação. Conforme definem os Parâmetros
Curriculares Nacionais, este é um tema transversal e deverá perpassar todas as disciplinas,
buscando o desenvolvimento integral e integrado do jovem.

Pelo que observamos em nossa pesquisa, o silêncio da grande maioria dos


professores quanto à sexualidade não tem conseguido evitar os acidentes sexuais, muito
menos tem feito com que os estudantes tenham uma vida sexualmente feliz. O que vemos
com freqüência é o conflito no campo escolar em torno desta questão pois há um confronto
entre as necessidades do alunado em ter um espaço aberto para conversar sobre
sexualidade e as dificuldades dos professores em realizar este desejo. Com isso, o que
acaba acontecendo é a mera repetição dos antigos modelos assumidos pela escola, a
reprodução de velhas fórmulas que não têm dado certo.

Educar não significa apenas informar, transmitindo ao aluno conteúdos com os


quais não tenha nenhuma ligação. A diversidade do mundo atual exige dos atores sociais,
posturas mais amplas, sendo para isso necessária, a construção de um currículo articulado,
a partir de experiências significativas para professores e alunos. Construir projetos
pedagógicos que se articulem com os problemas da realidade circundante à escola é uma
das maiores necessidades da educação. È também um dos maiores desafios. Desconstruir
a fragmentação do conhecimento em disciplinas, substituindo-o por um conhecimento
{PAGE }

integrador e globalizador é urgente. Para que isso aconteça é preciso mudar o habitus
estabelecido e cristalizado tão severamente no campo25 escolar.

Se este trabalho conseguir de algum modo, alterar ao menos um pouco este


rumo, estaremos satisfeitos. A mudança é possível e para que esta aconteça, precisamos
desejá-la e trabalhar com ela e por ela.

ANEXOS

25
Utilizamos aqui o conceito de Boudieu, reconhecendo a escola como campo.
{PAGE }

ANEXO I

Roteiro da Entrevista com os Professores

1) O que você conhece sobre os Parâmetros Curriculares Nacionais?

2) O que você entende sobre os PCNs quanto à Orientação Sexual na escola?

3) Na sua opinião, a chegada destes Parâmetros provocou alguma mudança em sua prática
pedagógica?

4) Na disciplina que você leciona, você aplica em sala de aula, as diretrizes propostas
pelo Parâmetros Curriculares Nacionais, quanto à Orientação Sexual ?

5) Como você faz isso?

6) Deseja acrescentar alguma informação que considere importante para este trabalho?

Obrigada pela sua colaboração!


{PAGE }

ANEXO II

Questionário Aplicado aos Alunos

Caro(a) estudante:
Você está fazendo parte de uma pesquisa sobre Orientação Sexual na Escola. Não é
preciso se identificar, colocando seu nome.
Escreva o nome da sua escola:________________________________________________.

QUESTIONÁRIO

1) Qual a sua idade?___________ anos.


2) Você se considera uma pessoa informada sobre sexualidade?
( ) Sim ( ) Não
3) Você conversa sobre sexo com os seus(suas) professores (as)?
( ) Sim ( ) Não
4) Você acha importante conversar sobre sexualidade na escola?
( ) Sim ( ) Não
5) Na sua escola há aulas de Orientação Sexual, ou outra forma de informar aos alunos
sobre sexualidade?
( ) Sim ( ) Não
6) Caso a resposta anterior tenha sido afirmativa, como é feito o trabalho de Orientação
Sexual na sua escola ?
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_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________
7) Você tem alguma crítica ou sugestão quanto a este trabalho?
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_________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________

8) Você já teve vontade de conversar sobre sexo com seus professores e não o fez?
( ) Sim ( ) Não
9) Por quê?________________________________________________________________
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10) Na sua opinião, quais os temas mais importantes no trabalho de Orientação Sexual na
Escola?
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Obrigada pela sua colaboração!

ANEXO III
CONSENTIMENTO LIVRE E INFORMADO

Niterói(RJ) , 12 de Outubro de 2001.

Consentimento Livre e Informado:


Aos
Profs. da Escola _______________________

Venho por meio deste, solicitar sua permissão para participar,


voluntariamente, da pesquisa “Sexualidade... Professor que cala, nem sempre consente”,
base para minha dissertação de Mestrado no Programa de Pós Graduação em Educação, da
Faculdade de Educação da UFF. Asseguro que os dados são confidenciais, seus nomes não
serão utilizados em nenhum momento, garantindo sua privacidade e anonimato. Este é um
procedimento necessário em pesquisa.

Agradeço sua colaboração,

________________________
Katia Krepsky Valladares

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{PAGE }

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15.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOURDIEU, Pierre. Escritos de Educação, 2ª edição. Petrópolis: Vozes, 1999.

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{PAGE }

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1991.

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Janeiro: Paz e Terra, 1997.

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1999.

LOURO, G. Educação e Gênero: a escola e a produção do masculino e do feminino. In:

L.H.Silva, J.C.Azevedo. Reestruturação Curricular. Petrópolis: Vozes 1995.

MINAYO, Maria Cecília de Souza- Pesquisa social- Teoria, método e

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MURARO, Rose Marie – Textos da Fogueira, Brasília: Letraviva,2000.

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Contexto, 1997.

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RAMINELLI, Ronald. Eva Tupinambá. In: PRIORI, Mary Del. (org.) História das

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TRINDADE, V; FAZENDA, Ivani e LINHARES, Célia. Os lugares do sujeito na

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VALLADARES, Katia. Orientação Sexual na Escola. Rio de Janeiro: Quartet 2001.


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