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POR UM CONCEITO “ANTIPREDICATIVO” DE RECONHECIMENTO ‘Vladimir Satatle Amigo, dis Poijona, (© cusado que por dol, nd par fore Matowme, fi Ninguém Howto, Ops Falta ainda a audécia rvoluconéria que arenes ao adversiri a fase proosadar: [Nada son eer tudo ‘Kant Mans Durante 0 ltimos vinte anos do debate filos6fico e social, vimos a hegemonia do conccito de reonhacimento como coperador central para a compreensio da racionalidade das ‘demands poiticas. Recuperado pela primeira ver nes anos {de 1990, ele v6 oi explorado sstematicamente em sua dimen- ‘so propriamente politica a partir do inicio dos anos de 1990, fem especial pela terceira geracio da Escola de Frankfurt, por Axel Honneth, e por fildsofos que sofreram influéncia de Hegel, como Charles taylor. No entanto, tratase aqui de lembrar que nio devemos refletr sobre o uso politicos con- ne Seon ‘emporineos do conceito de reconhecimento sem levar em conta a avaliagSo de seu contextosécihistério de ecuperae ‘io, no inicio dos anos de 1990. Contexto este extemamente sugestvo, pois indissocive da perda, nas ihimasdécadas, da centralidade do dseurso das las de classes enquanto chave de leinara para 8 conflitos soca. ‘A luta de clases parecia limitar 0s confit sociais a problemas gerais de redisiibuigao igualiria de riquezas {que nao s40 meramente expresses de uma teria da jus tica redistributiva), ignorando com isso dimensies morais culturais que no poderiam ser compreendidas como rmeros reflexos de estruturas de clase. Sendo assim, wma Teitura possivel consisiria em dizer que certo aciimulo de rmodificacdes teria fornecido as condicBes para clevagio do reconhecimento a problema politico central, Dente tis rmodificacdes, trés seriam fundamentals. Primeiramente, terlamos 0 esvariamento do prole- tariado enquanto ator histérico de transformacio social revoluciondria: tema presente na Escola de Frankfurt 30 ‘menos desde os anos de 1980 em suas pesquisis sobre as regressées politicas da classe opersria em diregio & wus tentagio do nazismo (ef. prex. Fromm, 1980). Certamente, ‘muito contribui para a consolidacio de tal esvasiamento a forte imtegracio do operariado aos sistemas de segura de © as poltias corretivas dos ditos Estados do benestar social a partir dos anos de 1950. Notese como Habermas ~ olhando para a auséncia de candidatos a ocuparem a vaga de atores globais de transformacio revoluciondria, pos essa integracio da classe operiria eo posterior enfra- quecimento do proprio Estado do bemestar socal - insis- tind em ler tal simacio como expressio de esgotamento dde “determinada utopia que, no passado, crisalizou-se ‘em torno do potencial de uma sociedade do trabalho” (Habermas, 1987, p. 105). Eogotaniento que levarst Axel Honneth (2003, p. 116) a afirmar, recentemeate, que & pr6priaerenca no papel privilegiado do protetariado no interior de uma potica revoluconéria nao passva de un “dogma histérico-flossica™.Aceito que o pretenso papel privilegiado do proletariado nao pasrava de um “dogma”, 0 investimento no discurso da ita de classes como eixo central de organizario © constiticio das identidades no interior dos embates poltcos perde necesaiamente sua forca para abrir espaco a outros candidat. Por outro lado, com a sida de cena do proletariado enquanto figura por exceléncia da subjetidade politica, per deseo maisimporantedspesivo de determinacio genética das lta soca no século XX. Devemos falar aqui de “deter rminago genie” porque, asua manele, o proleariado apa recia como uma especie de “syjeto universal’, capaz de uni car toda a mulipiidade de manfesagdes soca com iste 8 ‘emancipagio politica Iso talver expique porque a primeira recuperac do conceit de *reconnecimento" no interior do debate inteleewal francés, prvlegiou espacos de pascio da singuardade, como a clinica pricanalfca es reflex éi- «a. Como debate politico de enti ainda xe ordenavaa par Gir da determinagao genética do proleriado, falar de reco. hecimento no campo politico mostrvase desnecessrio. E apenas com oabandono gradatvo de fal cenca na univer dade conereta da dase proletiria que vem cen o problema dda muldpicidades que prec se fazer reconhcer como ‘nisno interior dos embates soca Para a consolidacio da centralidade atual do concito de reconhecimento, ot necesirio,porém, que a perda na cena revoluiondia do proetariado foe scompanthada de lum fendmeno suplementarreladonado & mutacio do sise- ‘ma de expectatnas lgado atm dos cixos cents do desen- tolsimento das Tuts poles: o universo do trabalho. Ta ‘utagio pode ser compreendida se tomarimos que, desde fr revolts de malo de 1908, sm novo hor” do expiallmo comegou a ser formado (ef: Boltanski e Chiapllo, 1990. a Pounetnipada’ aan A critica social que se desensolve a partir de maio de 1968 visava, principalmente, ao trabalho ¢ a sua ineapack dace em dar conta de exigéncias de autenticidade. Visto ‘como 0 espago da rigidez do tempo controlado, dos hori rios imposto, da alienacio taylorsta e da estereotipia de ‘empresas fortemente hierarquizadas, o wabalho fora forte- ‘mente desvalorizado pelos jovens de 1968, Varios estudos 4a inicio dos anos de 1970 demonstram conscincia dos ris- 0s de uma profunda desmotivagio dos jovens em relacio 208 valores presentes no mundo do trabalho, preferindo a= Vidades flexives, mesmo que menos renumeradas, © resultado de tal critica teria sido a reconfiguracio do miicleo ideolégico da sociedade capitalistn © a conse quente modifcacao do ethos do trabalho. Valores como seguranca, estabilidade, respeito & hierarquia funcional e especializacio, que faziam do mundo do trabalho um seior fundamental de imposigio de identidades fixas € ‘igidas, deram lugar a outro conjunto de valores vindos ditetamente do universo da critica so trabalho, Capacidade de enfrentarriscos, Hlexibilizagio, maleabilidade, dester toralizagdo resultante de processos infnitos de reenge- ‘haria: todos esses valores compem atualmente um novo vicleo ideolbgico. Com esa modificagio, o universo do trabalho nas sociedades capitalistas estaia mais apto aceitar demandas de reconhecimento da individualidade ¢a modificar a matriz da experiéncia de alienacio, ret- rando tal matriz da tematica da espoliacio econdmica, a fim de deslocé-la em direcio a tematica da imposicao de ‘uma vida inauténtica, ou sea, de uma vida desprovida do cespaco de desenvolvimento de exigéncias individuais de autorvealizagio. Com esse deslocamento da espoliacio & Inautenticidade no interior da critica 20 trabalho, abriase ‘mais uma porta para secundatizar 0 conceito de Iuta de classes e elevar 0 problema do reconhecimento adisposit +0 politico centr Por fim, devemos lembrar como essa mutacio acaba ‘por se encontrar com outa série de modificagdes ligadas, por ‘aver, 4 compreensio, ocorrida a partir dos anos de 1970, das Intas de grupos historicamente vulnerdves espoliados de direitos (como negros, gays, mulheres) enquanto Tuas de afi ‘macio cultural das diferencas. Isso significa afirmar que elas rio foram apenas compreendidas como setores de uma lta mais ampla de ampliagio de direitos universais a gru- os até entio excludes, mas como procesios de afirmacio as difereneas diante de um quadro universalisa pretensi- ‘mente comaprometido com a perpenagio de normas e for- ‘mas de vida proprias a grupos culturalmente hegeménicos. Multa colaburau pata imu v devesvolvinento das temsicas Tigadas 20 mulsculturalismo. Desde 1957, o termo multcultralismo aparecera a firm de descrever a realidade multlinguistica da federacio Sufga. No entanto, foi no Canad que © multicultural ‘mo chegou a ser implementado, pela primeira vez, como politica de Estado. Marcado tanto pelo conflito entre as comunidades anglofonas e francéfonas, quanto por uma, elevada taxa de imigracio, o Canada adotou, em 1971, sob o governo socialdemocrata de Pierre Elliot Trudeau, ‘6 Announcement of Implementation of Policy of Multi culturalism within Bilingual Framework!. Dessa forma, pals se autodefinia como uma sociedade multicultural, ¢ aia ae bh den a seao pret de Une pl ‘SS poles oe melas ino Std sist hes te ‘Se ia race ial sg mos psa rfid, et dove ‘Sentences mde nia roa de aaa par ‘trebe pode cscs rapt iain eden ‘Sibir seg on pra td de ‘Senet eatin cot psu as mae end ey, runs non reconhecia, inclusive, a necessidade de politicas expect «as financiadas pelo Estado, visanda & preservacao de tal multiplicidade, Em 1988, as politicas anunciadas foram reforcadas com a implementacio do Canadian Multi- culturalism Act. Varios outros paises, majoritariamente nglo-saxdes (além dos Paises Baixos), seguiram 0 quadro canadense de constituicdo de politicas multiculturas de Estado, Nio é de estranhar ter sido um filsofo canaden- ‘€, Charles Taylor (1992), um dos primeiras a recuperar © conceito de reconhecimento exatamente no interior de lum debate sobre o multiculturalism. ssa tendéncia multicultural foi uma peca hegemén ‘cana orlentacio politica de esquerda a partir dos anos de 1980 devido, principalmente, 20 seu potencial de defesa de minorias Einicoculturais € & possibilidade de ser aco- plada a préticas de insitucionalizagio da diversidade de orientacdes sexuais. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento de uma reflexio fles6fica sensivel & natureza diseiplinar de estruturas de poder, que pretendiam impor normat Nidades no campo da sexualidade, do desejo, da norma- lidade psfquica, da estratura da familia, da consttuigao ddos papéis sociais, forneceu o quadro conceitual para des- dobrar o impacto de tals lnas (cf. pex. Deleuze, 1972: € Foucault, 1976). Mesmo que autores como Michel Foucault, Gilles Deleuze ¢ Jacques Derrida nio tenham sido responsiveis pela recuperagio da teoria do reconhecimento, o que no poderia ser diferente devido ao anti-hegelianismo expli- «ito dos dois primeiros © mitigado no caso do terceiro, & inegivel que sua forma de eritca a compreensio marxis- 18 tradicional dos embmates politicos, assim como sua defe- sa ética do primado da diferenca em muito colaboraram para. a consolidacio de um quadro flosico mais propicio A recuperacdo da centalidade do problema do reconhe. cimento da alteridade como 0 problema politico central us se essa forma, estavam dadas as condigdes gerais para que compreensiv Gluwifcs das Iutas politleas passe necessi ‘iamente de uma abordagem centrada na redistribuicio de Fiquezas a outra mais ampla, centrada em mélipla formas de reconhecimento no campo da cultura, da vida sexual, ‘das etnias € no desenvolvimento das potencialidades indivi- ‘dais da pessoa. Uma muluplicidade de campos que texiam sido Ievados ao centro da cena poliiea apésaaceitagio tick tada impossbilidade de uma politica revoluciondria basea- dana instrumentalizagio da hia de lasses Sendo assim, a0 menos no interior dess letura,terfa- mos de adimitir que 0 conceito de reconhecimento estaria Timitado geograficamente a descrigao de Iutas socials em paises do chamado Primeiro Mundo, que jf teriam realza- ‘do a integragio do proletariado a classe média, assim como, aveito a necessidade do descentramento de suas matrizes calturais através da abertura & afirmacio tolerante de for- ‘mas de vida em continua variacio. Nao por outra razio, um dos primeiros usos da segunda recuperacio do conceito de reconhecimento esteve exatamente vinculado a reflexio sobre a dinamica social das sociedades multiculturais (cf ‘Taylor, 192), Mas esa letura no condiz com a realidade histrica do reaparecimento do conceito no interiar da filosofa socal, Foi em 1992, com a publicacio de dois textos, de Axel Honneth e de Charles Taylor, que cle foi retomado. Ou seja, exatamente no momento em que se iniciava a Tenta Aesintegracio das conquistas econdmicas dos ditos Estados de betestar social, com o desmantelamento dos diceitos trabalhistas, a privatizacio (gradual ou total) da previdencia ‘€0 sucateamento da educagio, da saide e de outros serv ‘G05 paiblicos. Uma desintegracio que ocorreu no momen- {to em que vérios tericos afirmavam que entrivamos em luma era ‘pasideologica’, marcads pelo fim da crenea em transformagdes sociais revolucionérias com a consequente 86 Peruncme ei aceitagio do horizante normativo das democracias liberais ‘como estgio final das Tuas soci. Isso talvez explique porque eriticos desta importén «ia dada ao conceito de reconhecimento, principalmente aqueles de matriz narxista (mas nao apenas eles), insist ‘am estarmos aqui ciante de uma espécie de canceito mera: mente compnsatri Pois rado se passaria como se, dada a impossibilidade de implementar politicas efetivas de reds ‘wibuicio e lutaradsal contra a desigualdade, nos restasse apenas discutir poiicas compensatérias de reconhecimen- to Da mesina forma, dado o fato de o capital aparecer, de ‘maneira agora inquestionével, como tinicainstancia eapaz de ocupar o espaco-da universalidade no interior do ibe ralismo das sociedades multiculturais, nos restaria simples mente reinventar demandas de reconhecimento de iden- tidades comunitéia, em suas miltipas formas, tentando ‘dar comunidade um sentido que nao re redusise a mero. ‘sparo de restri¢io. Por fim, dante da impossibiidade de ‘ansformagdes socks de larga escala, nos restaria discusir a natureza moral de nossas demandas socias Seid eee a a Snore cae Baie ee eee ceqhetiatencesmt aera: rere tieerprettiont eed Seca ae een ae SSS Seen ee Fa a eae Cee cee ee ‘movimentar it, como oth Bude done mantreram a eaqucd shes ECA Sei are vas se ‘Aeconomia da identidade individual “Mostrar que ni estivamos diante de un simples disposi tivo compensat6rio, mas provide de importante forga de transformacio das estruturas socia fot uma tarefa que ‘engajou wirios defensores do uso politico do conceito de reconhecimento nos iltimos vinte anos. Esa tarela passou por evidenciar como a forca emancipatbria do reconheci- Iento na interior de processos politicos coneretos nio se ddava A margem da discussio sobre problemas de redist Dui igualitiria das riqueras. 180 signilicou, nesse contex- to, lembrar como as ditcussbes sobre difrencas cultura € identidades sociais nia mascaram necesiariamente proble- mas extrutuaisTigados a lus de redistbuicio de iquezas centre classes. Tendo tal projeto em mente, autores como ‘Axel Honneth (2008, p. 114) foram levados a sustentar que “mesmo injusticas igadas & distrbuicio devem ser entendi- das como a expressio institucional de desespeito social ou, melhor dizendo, de relagdes nio jusificadss de reconhe- cimento". O que leva Honneth (2003, p. 123) a defender, centre outras coisas, proposigées como a de que mesmo o movimento operirio *procurava em uma dimensio essen- cial encontrar reconhecimento para suas radigdes e formas de vida no interior de um horizonte captalista de valor” ‘Acestratégia de Honneth baseava-se er uma assimila- ‘co do problema da redistribuicio de riquezas a um qua- ‘dro mais amplo de discusses referentesao reconhecimen- to, Para tanto, foi necessario compreeader o sentimento social de injustica econdmica como expressio possive! das “fontes motivacionais do descontentamento social e da resistencia” (Honneth, 2003, p. 125). Abriase assim a pos- jdnde, so menos para csee autor, ds criar um quadro rmotivacional unitirio, centrado na ideia de que “sujeltos experam da sociedade, acima de tudo, reconhecimento de suas demandas de identidade”(p. 181). 0 que nio poderia, ser diferente para alguém que arma: “sjeitos percebem a7 Pouncrate wiped ects Drocedimentos insttucionais como injustica social quan- do veem aspectos de sua personalidad, que acreditam ter direito a0 reconhecimento, serem desrespeitados” (p. 132), ‘Tal afirmagio coloca no horizonte regulador dos processes de reconhecimento um canceito de “integridade pessoal, exo pressuposto fundamental é a naturalizagio de fact das estruturas dos conceits pricolégicos de “individu” € “personatidade”, Segundo Honneth (2003, p. 176), as tas politcas, mesmo aquelas orgunizadas a partir de demands e redistribuigio econémiza, visu, no limite, garantir as condigées coneretas para a"formagio da identidade peso al’, Ou sea, a propria génese da individualidade moderna aparece como um fundamento pré-poliica para 6 campo politico. Algo que deve ser polticamente confirmado, e nao, Politcamente desconstrufco. Dai Honneth (2008, p. 177), ‘ser incsivo: “admito a premissa de que o propésito da iguale dade social € permitir 0 desenvolvimento da formacio da fdentidade pessoal de todos os membros da sociedade”. Feita tal naturalizacio, Honneth pode se servi, entre ‘outros, dos estudos de histriadores como E. P. Thompson. «Barrington Moore, afim de concluir que a etrutura moti vacional das lutas da classe operdria baseouse, principal: ‘mente: “na experiéncia da volagdo de exigencias localmen- te transmitidas de honra” (Honneth, 2008, p. 131) jé que, ‘mais importante do que demandas materiais, teria sido 0 sentimento de desrespeito em relagio a formas de vida que ‘lamam por reconhecimento. Ao instr na centralidade da experiéncia moral do sentimento de “desrespeito” como ‘motor das lutas politica, elevando-o a condicio de bate een sme cssieimdo# uso de ensue ten pode Ee Soci ecec amare consi rd de si ae sm set rmotivacional para todo e qualquer conflto, Honneth ins creveu problemas de redisiribuicio no interior do quadro ‘geral de demandas moras. Assim, sendo a vulnerabilidade ‘social ligada & pauperizacio compreendida, principalmen te, como expressio material da impossibilidade da realza ‘elo de exigencias morais de respeito, abrem-se as portas para ele afirmar que ‘a distincio entre empobrecimento ‘econdmico e degradacio cultural é fenomenologicamen- te secundaria” (Honneth, 2008, p. 171), j4 que conflitos por redistibuicao nao poderiam ser compreendidos como independentes de toda e qualquer experiéncia de desres- ito social Denure os vitios problemas resutantes dessa perspectiva, vale a pena salientar a0 menos ws. Primeiro, uma teoria| {que secundariza distingBes entre pauperizacio ¢ degrada ‘Go cultural, apelando para isso a uma expécie de “monismo ‘moral’, fica impotente para pensara especiicidade o caré- ter insubstituivel das politcas de redistribuicio. Pos, e est 'mos diante de miliplas formas da impossbilidade da rea lizacio de exigeneias moras de respeito, no fica claro por {que problemas de desigualdade econdmica nia poderiam ser compensados eminorados pela instiuiedo, por exemplo, de politicas de afirmacio cultural. Pois sendo as huts por redistibuicio definidas como processo de afirmacio das condigdes materiais para garantias possbilidades de forma- co da identidade pessoal, entdo poderamos acreditar que © desenvolvimento de outros processor responsiveis pela \iabilzaco de tl formacio irio impactar de maneira com- pensatéria na forca das demandas de iqualdade econdmica ‘Adimitido uma matrz socivontologiea tnitirta para todas a6 formas de sofrimento social, no € mais possivel pensar a imedutbilidade das polticas ee redistribuico. Por outro lado, admitida a natureza moral das deman- as de redistibuicio, no se podem impedias de que sejam "psicologizadas", ou sea, ratadas como problemas de limitagio do desenvolvimento da individualidade psicoligi- ‘a. O que, no limite, ransformard todo discurso politico em lum discurso de fore teor de queixa psicologica Mas, princi ppalmente, transformaré toda resposta is demandas de edi. ‘uibuicio em uma agio “erapéutia” de politicas de Estado {que compreendem sujeitos policos como algo parecido a rotossujeitos pscologicamente vulneraveis em suas iden- fidades, que aparecem a cena piblca suportados por dis: cursos revindicatsties préprios a quem, no fundo, espera ‘cuidado e amparot. As demandas for trinsformacao social se transmutam em demandas pot cuidado social. Mas a sdemanda por cuidado é uma demanda que, para funciona, deve reconhecer a leitimidade do hagar do outro que pode ‘cuidar de mim, Esta no é uma demanda politica de tans formacio, mas uma demanda terapéutiea de acolhimento, ‘Quem pede por cudado reforca a aosigio de quem apare- €e como capar de euidar, ainda um terceiro problema na perspectiva defend- da por Honneth. Ao reduzira integralidade das lutas socials 4s demandas pela afirmacio das condigdes para a formacao dda identidade pessoa, sua perspectiva anila por comple- to uma dimensio fundamental para a compreensio da luta de clase, a0 menos para Marx, a saber, a forea de desiden- \idade propria a0 conceito marxisa de proletatiado. Ao compreender a forga revolucionéria do proleariado como uum dogma historico-floséfico, Horneth acaba por perder aquilo que poderfamos chamar de “funcao ontol6gica” do proletariado no interior do pensamento de Marx, Tal fun- Go far do *protetatiado” a manifesigio socal de um prin « Mea. napintas eh plc cd defi drm a pli pbes de nna os ne ‘Vinay vx Font Ren fms man Boos {hic or des pop Soin ah fox win eras cipio de desidentidade e desdiferenciagio, De certa forma, Ihiem Marx uma espécie de “condicio proletria® presente ‘como horizonte regulador de seu igualitariamo radical. Essa condicio mereceria ser recuperada na reflexio politien contemporaine, ‘Aindeterminagao social do proletariado LLembremos como, segundo Marx, a revolugio s6 pode ser Feita pela classe dos despossuidos de predicado e profun- ddamente despossuidos de identidade. Clase formada por “individuos histérieouniversais, empiricamente universis ‘em vez de individuos locais" (Mars, 2008, p. 58), 0 que se coaduna muito pouco com a visio de operdrios que Iutarn ppelo reconhecimento de suas tradigées e formas de vida Para que aparecam individuos hist6rico-universais, farse necessirio certa experiéncia de negatividade que, desde Hegel, € condlicio para a fundamentacio da verdadeira uni- versalidade. Tal experiéncia,o proletariado a sore através da despossessio completa de si, descrita por Marx no Mani- {fisto Comrise. (0 proletti €desprovio de propriedade (igentumsa: sua telco com 2 exposa eos flhos ni tem mais nada aver com as relacbes da familia barguesa; trabalho industrial modemo, a moderna subsungio ao capt, tants ‘a Inglaterra quanto na Franga, na América quanto ma Alemanta resraram dele todo carter nacional le, a ‘moral religio si para ele preconceitos burgueses que ‘encobrem virosinterssesburgueses (Marx, 2013), Como vemos, © proletarado nio 6 definide apenas a partir da pauperisacio extrema, mas da anulacio completa de vinculos «formas tradicionais de vida. Tae vinculos nio ‘io recuperados em um processo politico de reafirmacio de si, ndo se trata de permitir que os proletérios tenbam a Pence ‘epee etn ‘uma nagio, uma familia burguesa, uma moral € uma reli: sido. Tais normatvidades sio negadas em uma negacao sem Fetorno. No entanto, tal negacio nao leva 0 proletariado ‘ aparecer como “essa mass indefinida, desestruturada € Jogada ce um lado para outro, que os franceses denomi- ‘nam la bokémd” (Marx, 2011, p. 91) eque Marx define como “jumpemproletariado” (ef Thoburn, 2002). Pois esa deses- ‘ruturacio ¢ indefini¢io anémica do umpemproktariado propria de quem ainda conserva a esperana de retor- no da ordem, ou que nfo & capaz de conceber mada fora de uma ordem que ele mesmo sabe estar completamente ‘comprometida. O que faz suas agées poliias serem apenas “paréaias” de transformagées, “comédlias”, ot ainéa, “mas. ‘caradas todos termos usados por Marx no 18 brumério para falar de revolugdes que sio, na verdade, tentativas de esta- Dilizagao no eaos. © protetariado € marcado pela auséncia de qualquer ‘expectativa de retorno. Por iso, ao ser desprovido de pro- priedade, de nacionalidade, de lacos a modes de vida trad redicado e profunda- mente despossuidos de identidade, Clase formada por “individuoshistdricouuniversais, empirieamente universas, ‘em yer de individuos locais. Tver iso nos mostre como sujeitos 6 se transformam em sujeitos politicos quando fs demandas individuals se desindividuatizam, podendo sive aparecer como condigSo naior para a ampliacio sgenérica de direitos. Por isso, do ponto de vista do politico, esta € uma importante hipotese de raballo: v espace das diferencas cculturais deve ser um espaco de absolutaindiferenca’”. Mas ib ena ern cena em ‘nos onumes en pin ape en weno ‘eegulten ce rv msl pemspodere mb aogier 103. 104 (© que pode significar « proposicio de que as diferencas culturais devam ser objetos de inliferenca politica? Prime ramente, é preciso lembrat 0 que isso nip significa, Nao se tata aqui de ignorar que politcas especiticas de diserh. minacio positiva tenham fungao estrategica fundamental, nem de ignorar que leis de defesa de grupos socais histo. ricamente mais vulnerivels (mailheres, negros, imigrantes, hhomossexuais, travestisetc,) necesstem estrategicamente afirmar diferengas cultura para fortalecer a sensibilidade social em relacio a vulnerabilidade especifica de tais gra- Pos. Mas, nesses casos, trae da plastcidade que a a¢30 Politica dispde para impor condigies reais capazes de garan- tira afirmagio do igualitarsmo, e uma dessas eondigbes reais € a construgio da consciéncia da vulnerabilidade de grupos historicamente despossutdos. Tal comsciéncia da vulnerabili- dade ¢ um estigio necessirio para reposicionar a sociedade ‘em uma situacio na qual a indiferenca is diferencas eultu- ris no seja impossbiitada pelo peso da violencia que se pperpetua contra grupos especiicos, Nestes casos, se pode falar de um uso “estrategicamente provssrio” da nocao de jdentidade que nlo € estranho a uma perspectiva como & defendida neste artigo. Por outro lado, afirmar que as diferencas euleurais , Aco en: 20 2018, [MOUFFE. C. 1985 "Demorrac poled he queton of em ns RAICHMAN, J. Testy = gution NewYork Rowe. RANCIERE J 1965. Lemans gu papi Part Calls, 207 bod og Pe Caine. 1094 "Poles, denccan and whjeton. i RAICHMAN, 1. Te identity in gut, New Yr Rude ORD. 185: 1a! agin fel ome frist ‘ati? Dap em: chtp accents com/ ‘mse/ 816126730 pa, Ace eos 20 2018. SAIATLE, V.2008. Gio fla de ca So Palo Bote. TAVLOR, 19 "Mullan ol the “pls of econ Princeton; Princeton UnveriyPres 115 aso Pa A HE 116 Prune ipsa entree TTHOBURN.N- 2002 “Dierence in Mare: the npeepeolaiat the Pract ama’ Eamon and ety S18, p84 TRUDEAU, EE 197, ‘Mubeatran” Dsponie hte ne ‘anadahitoncom/setons/docunents/ Pines rea? ‘ocsonmalscalaam hin, Aces en 20 215, {ASSET F; ANN C210, "Pltgue cae Mata Par. $7, 98 IEEK 8.206, Malice ig ald apitalion ‘ANDAR JL (np) 2 onan, So Palos Hache, 2014, Val, So Pal: Botempo. art aa 8 UNIVERSALISMO, RELATIVISMO E DIREITOS HUMANOS: UMA REVISITA CONTINGENTE* Jayme Benvenuto Com a afirmacia de Norberto Bobbio (1992, p. 24), segun- ddo a qual o problema fundamental dos divitos de homem contemporaneamente nio é tanto o de justifcos, ose, ‘uma questio filosfica, mas o de protegéos, uma questo politica o jurist e filsofo italiano quis pér um ponto final ‘num antigo debate. Pelo menos desde Antigons, a peca de Sotocies datada de 444 2.C,, a discussio em tomo da justi cacio do que se pode chamar modernamente de “ ‘numanos” € um ponto de tensio na teoriae na pritica sobre tema. A heroina de Sfocles, apés descumprira ordem do reitio Creonte, procedendo ao enterro com todas as honras de seu irmao Polinices, sucumbe diante da forca da lei dos homens. Nio sem antes justificar a desobedigneia & ordem do rei de deixar 0 corpo de Polinices ser consumido pelos butres pelo crime de sublevacdo contra o regime: {pe imanpun exon elms no prs odour na Unerae ‘home ume inden EU sob ot saplce eFandne age ca 3

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