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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL


HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

Carolina Bastos Leite

CONSUMIDORES CARTAZES DE MARCAS

Recife
2010
Universidade Católica de Pernambuco
Curso de Comunicação Social
Habilitação em Publicidade e Propaganda

CONSUMIDORES CARTAZES DE MARCAS

Monografia apresentada à Universidade


Católica de Pernambuco como requisito parcial
para obtenção do grau de Bacharel em
Publicidade e Propaganda, orientado pela
mestra Janaina Calazans.

Carolina Bastos Leite

Recife
2010
Ao meu pai. Por, mesmo não sendo possível ter sua presença física ao
longo de minha jornada universitária, se fez presente e foi elemento
crucial para que eu conquistasse o título de publicitária. Lá longe, ele
acreditou.
“...eu sei quem eu era quando
levantei esta manhã, mas acho que
tenho mudado muitas vezes desde
então.”
(Lewis Carroll, em Alice no País
das Maravilhas)
RESUMO

A consciência do mercado corporativo é baseada na construção de marcas fortes, com o


objetivo de ser reconhecida por tantas pessoas quanto possível. O elemento para essa
formatação é a relação por meio de valores atrelados à empresa. A conexão é estabelecida
através da procura de referências identitárias por parte dos indivíduos. Estes tomam
emprestadas as associações das marcas e transformam-nas em sua própria história, durante o
tempo em que utilizam o produto.

Palavras-chaves: marca, branding, consumo, identidade, representação social, moda,


linguagem da moda.
ABSTRACT

The corporate business’ awareness is based on building strong brands with the purpose of
being recognized by many people as possible. The principle for this setting is the connection
made by the values put to the company. The link is established through the searching for
identity references by the individuals. These people take by themselves the brand’s value and
make them their own history for the time they spent using the product.

Keywords: brand, branding, comsumption, identity, social representation, fashion, fashion’s


language.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................08

1. O QUÊ: MARCA................................................................................................................10
1.1 Conceito..............................................................................................................................10
1.2 Evolução..............................................................................................................................11

2. PORQUÊ: IDENTIDADE E CONSUMO........................................................................17


2.1 Construção da identidade....................................................................................................17
2.2 Sociedade de Consumo.......................................................................................................21

3. COMO: MODA...................................................................................................................31
3.1 História................................................................................................................................31
3.2 Conceito..............................................................................................................................33
3.3 Corpo X Moda: uma linguagem.........................................................................................38
3.4 Moda X Marca....................................................................................................................40
3.5 Consumidores cartazes........................................................................................................42

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................45

REFERÊNCIAS......................................................................................................................46
INTRODUÇÃO

O mercado de bens de consumo evoluiu de tal forma que produtos genéricos


transformaram-se em produtos conhecidos e reconhecidos através de suas marcas. E foi a
partir da criação e desenvolvimento desses símbolos que a existência de um relacionamento
entre a empresa e o consumidor, assim como a consciência corporativa em referência à
aproximação da indústria com seu público, tornou-se possível. Esse envolvimento entre as
partes foi e ainda é planejado por meio das associações positivas atreladas à marca, pela
comunicação da empresa.
O presente trabalho visa refletir acerca da relação entre as marcas e seus usuários,
através do consumo de peças de roupas. É de sua pretensão, portanto, abordar motivos sociais
e psicológicos para a escolha do consumo de determinadas marcas, assim como a conexão das
mesmas com o público, a ponto deste último transformar-se num cartaz da marca.
Para isso, a abordagem do capítulo I refere-se tanto ao conceito de marca utilizado
nesta pesquisa quanto à origem e evolução desses signos, de forma a explicar a ultrapassagem
da marca em relação ao produto, em termos de importância para a organização. Joan Costa e
Naomi Klein serão os principais autores explorados nesse raciocínio.
No capítulo II, o foco é direcionado ao consumidor, principal objeto deste estudo, e
questões como as inúmeras identidades construídas através do consumo, crescente desejo de
aquisição de produtos e predominância de estilos de vida baseados no “agora” são exploradas.
A produção de significado via utilização de produtos e suas marcas, pertencimento a grupos e
representação social criada e percebida através deles também são debatidas. Se este estudo
caracteriza-se pela demonstração do relacionamento entre consumidores e marcas, temos o
primeiro capítulo como o que é consumido – as marcas – e o capítulo posterior como o
porquê elas são consumidas. Nomes como Zygmount Bauman, Jean Baudrillard, Muniz
Sodré, Serge Moscovici e Henry Théry estarão presentes como objetos dessa fundamentação
teórica.
Já no terceiro e último capítulo, após uma breve visão da história e do conceito de
moda, propostos por João Braga, analisaremos como o consumo de produtos e marcas deste
segmento classifica-se como distintivo, com a função estética valorizada, e como a
composição de um visual constitui-se como uma linguagem. Esta última será avaliada tanto
como o primeiro meio de comunicação entre indivíduos, a partir da visão de Kathia Castilho,
quanto como porta de entrada a um grupo social/tribo fashion. A origem e crescimento das

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marcas nesse setor também serão analisados, assim como a noção de marcas-ícones – baseada
nos pensamentos de Douglas Holt. Para finalizar, as idéias de Naomi Klein serão novamente
destrinchadas como fonte para a contextualização da história dos consumidores cartazes de
marcas.

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1. O QUÊ: MARCA

1.1 Conceito

Identificação, diferenciação, representação, significação, designação, símbolo, sinal,


signo. Esses são alguns dos termos presentes nos diversos conceitos de marcas discutidos
atualmente. Antes de serem excludentes, porém, as múltiplas opiniões referentes ao que é
marca são complementares. Segundo a American Marketing Association (AMA), “[...] marca
é um nome, termo, símbolo, desenho ou uma combinação desses elementos que deve
identificar os bens ou serviços de um fornecedor ou grupo de fornecedores e diferenciá-los
dos da concorrência” (KELLER, MACHADO, 2006, p. 2). No patamar mais básico, então, é
necessária a consideração da existência de um produto, uma empresa e sua concorrente para a
formação de uma marca. As idéias presentes nesse conceito referem-se à visibilidade e
diferenciação de um produto ou serviço.
Kevin Lane Keller e Marcos Machado também abordam a marca como forma de
diferenciação entre concorrentes de um determinado segmento, mas adicionam a reflexão da
igualdade funcional dos produtos e a natureza tangível e intangível de suas características de
diferenciação.

Uma marca é, portanto, um produto, mas um produto que acrescenta outras


dimensões que o diferenciam de algum modo de outros produtos
desenvolvidos para satisfazer a mesma necessidade. Essas diferenças podem
ser racionais e tangíveis – relacionadas com o desempenho de produto da
marca – ou mais simbólicas, emocionais e intangíveis – relacionadas com
aquilo que a marca representa. (KELLER, MACHADO, 2006, p. 4)

Nota-se, através dessa última citação, o aparecimento da questão simbólica relacionada à


marca. Sendo assim, para o desenvolvimento do conceito, é preciso trazer a idéia da
percepção do consumidor através das associações atreladas à ela e do julgamento da mesma.
Percepção esta que, em oposição à estabilidade e finitude do aspecto físico da marca –
presentes no produto, embalagem e rotulagem – caracteriza-se no âmbito psicológico do
público – e é, portanto, dinâmica e maleável.

Marcas são conjuntos de associações vinculadas a um nome ou símbolo


associado a um produto ou serviço. As associações podem ser positivas ou
negativas, e tudo pode receber marca, mesmo água, cidades e pessoas. Além

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disso, as marcas têm a habilidade de moldar como as pessoas percebem os
produtos – podem elevar ou diminuir um produto. Como resultado, as
marcas são de suma importância; uma marca com associações negativas
prejudicará uma empresa e outra com associações positivas ajudará.
(CALKINS, 2006, p. 8)

As associações intangíveis – assim como seus vínculos emocionais – são extremamente


importantes naqueles segmentos de mercado cujos produtos não possuem nenhum grande
diferencial intrínseco em relação aos concorrentes. Essas associações, nesses casos,
transformam-se no próprio diferencial competitivo, espelhado na marca do produto.

[...] o significado especial que as marcas assumem para os consumidores


pode mudar suas percepções e experiências com um produto. Um produto
idêntico pode ser avaliado de maneira diferente por um indivíduo ou
organização dependendo da identificação ou atribuição da marca que lhe é
dada. Marcas adquirem, para os consumidores, significados exclusivos que
facilitam suas atividades do dia-a-dia e enriquecem da vida. (KELLER,
MACHADO, 2006, p. 8)

Marcas fortes, inclusive, simplificam o processo de decisão do consumidor, através


das experiências passadas e do conhecimento adquirido, tanto no nível psicológico quanto na
área da procura por informações de compra. Elas também reduzem os riscos do consumo e
definem expectativas para determinados produtos, além de predispor a elas mesmas um nível
de conhecimento, reputação e proeminência no mercado.
Para efeito desse estudo, entretanto, é válida a visão de Joan Costa (2008), em
referência à marca como um signo sensível, que predispõe a visão de um indivíduo ou grupos
de indivíduos, formado, por sua vez, por um signo verbal (nome), que permite a troca de
informações a seu respeito; e um signo visual, o qual garante sua memorização pelo público.
Enquanto signo lingüístico, pertence a todos: consumidores, fabricantes, vendedores,
distribuidores, concorrentes; enquanto símbolo visual, é de propriedade da empresa. Motivo,
ainda, de uma reação mental, seja ela positiva, negativa, neutra ou até mixed, por parte do
consumidor. “As marcas devem significar. Não simplesmente indicar.” (COSTA, 2008, p.
20)

1.2 Evolução

As marcas surgem como formas de identificação, na Antiguidade, dos blocos de


rochas utilizados para construir os primeiros edifícios egípcios e gregos micênicos. Elas
apenas assinalavam a posição correta para o encaixe dessas pedras e não comunicavam a

11
identidade do autor. Essas marcas foram precursoras das marcas de oficina 1. Com a evolução
da arquitetura e a modificação do processo de produção (extinção dos blocos de pedra), no
entanto, surgiram as marcas com a função de identificar os construtores. Essas marcas de
autoria, por sua vez, eram semelhantes aos signos rúnicos2.
O primeiro movimento de utilização de marcas para fins comerciais é datado do
século VI a.C., pelos oleiros, em conseqüência da circulação de mercadorias. Eles marcavam
as vasilhas, ânforas e jarras que continham vinhos, azeites, ungüentos e outros como
estratégia para identificação da origem e do responsável pela produção do produto. Nota-se
que os produtos eram genéricos, anônimos. A marca era assinalada em seus recipientes. Na
época, seu principal objetivo era impedir o roubo pelos piratas e restituir o bem roubado,
quando recuperado, ao proprietário ou destinatário. A marca não identificava, em
contrapartida, o conteúdo (mais uma vez, os produtos eram genéricos). No entanto, “[...] a
qualidade dos produtos tinha reconhecimento suficiente para que fosse associada às marcas
correspondentes e a seus países de origem [...]” (COSTA, 2008, p. 47)
Na Idade Média, a sociedade transformava-se de um sistema feudal/rural para um
sistema policial/artesanal. O comércio, assim, passou a ser formado pelas corporações. Havia
monopólio, pois a concorrência era proibida, e a marca servia para a monitoração do Estado.
Ela era obrigatória, como ferramenta de verificação da qualidade do produto, e a lei castigava
os infratores, uma vez que as corporações trabalhavam sob um regime de normas
extremamente rigoroso. Numa peça de tecido poderia haver até quatro marcas: a do operário
tecelão, a do tintureiro, a das autoridades que monitoravam a fábrica e a do mestre tecelão.
Para a exportação, ainda havia a marca do comerciante, que provava sua propriedade durante
o armazenamento e transporte. A função de todas essas marcas, entretanto, continuava a ser a
identificação da origem – seja do fabricante ou comerciante. O que as diferenciava das
marcas da Antiguidade, em contrapartida, era a identificação do produto e a garantia da
qualidade do mesmo.
É importante ressaltar que os artesões dessa época não valorizavam suas marcas, uma
vez não existia concorrência entre eles e a relação fabricante-consumidor era muito próxima.
O cumprimento às normas era comprovado pessoalmente.
No século XVII, o liberalismo econômico causa a quebra do sistema corporativo e
suas respectivas marcas obrigatórias. A marca, nesse período, passa a ser facultativa. Sem a

1
Posteriormente, cada oficina de construtores possuía um conjunto de símbolos próprios, mais complexos que os
sinais utilizados nas construções egípcias e gregas. Ao se aproximar do século XIX, no entanto, essas oficinas
tornaram-se suspeitas de associação com sociedades secretas, por isso seus signos foram se extinguindo.
2
Referentes ao antigo alfabeto escadinavo, as runas.

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intervenção do Estado na economia, ela perde a função de ferramenta de fiscalização e
garantia jurídica de qualidade do produto e torna-se um ativo do comerciante, que permite
atrair e conservar consumidores.
No século seguinte, é iniciada a Revolução Industrial, na Inglaterra. A máquina
substitui o trabalho humano e transforma a sociedade artesanal numa sociedade de produção
em série. A cultura de massa é difundida e o capitalismo, instaurado. O fabricante passou a
vender os produtos e o comércio, assim, se organizou. O industrialismo também acionou o
consumo. O excedente do salário da população começou a ser destinado às compras. É nessa
época que surge a noção legal da defesa da propriedade das marcas por parte das instituições.
Nesse período também origina-se o marketing.
Num primeiro momento, a marca não configurou-se como uma preocupação para as
empresas. Esse fato é explicado pela natureza dos novos produtos, uma vez que a evolução
tecnológica permitiu a aparição de inúmeras invenções para facilitar a vida urbana. O
marketing estava mais interessado na criação de necessidades para a estimulação do
consumo.

Diante de um leque de produtos recentemente inventados – rádio, fonógrafo,


carro, lâmpada elétrica e assim por diante – os publicitários tinham tarefas
mais prementes do que criar uma identidade de marca para qualquer
corporação; primeiro tinham de mudar o modo como as pessoas viviam. A
publicidade devia informar os consumidores da existência de algumas novas
invenções, depois convencê-los de que sua vida seria melhor se usassem, por
exemplo, carros em vez de bondes, telefones em lugar de cartaz e luz elétrica
em vez de lampiões a óleo. Muitos desses novos produtos traziam marcas – e
algumas delas ainda estão por aí hoje -, mas isso era quase incidental. Esses
produtos eram em si mesmo uma novidade; e isso praticamente bastava
como publicidade. (KLEIN, 2004, p. 29)

Posteriormente, porém, é iniciada uma movimentação contra a cultura de massa. Um


novo consumidor surge: o indivíduo isolado, que não quer ser parte de uma massa
indiferenciada. A partir daí, é gerada a necessidade de um diferencial dos produtos uniformes.
Paralela a essa realidade, no princípio do século XIX, os fabricantes do ramo alimentício
começaram a oferecer “[...]produtos já empacotados, com o peso comprovado e em condições
higiênicas. E, como garantia, na embalagem era estampado um selo com o seu nome: a
marca.” (COSTA, 2008, p. 66)
A promoção das marcas, em oposição à promoção somente de produtos, começa entre
1880 e 1900, com a criação da marca Sunlight. A fabricante Lever concebe um nome para seu
já comercializado sabão em barra e investe em publicidade. É, porém, desacreditada pelo seu
concorrente, Chistopher Thomas: “A diferença de qualidade entre os diferentes sabões em
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barra é pequena ou quase nenhuma; todos são o mesmo sabão. Portanto, é impossível tentar
criar uma demanda por meio da publicidade.” (COSTA, 2008, p. 68) Em alguns anos, as
vendas da Lever aumentaram em 57.000 toneladas.
É nessa primeira metade do século XX, por volta de 1904 e 1905, que surgem os
cartazes publicitários cuja única mensagem era o nome da marca associado ao produto, nos
EUA e Europa. Em 1920, o italiano Leonetto Capiello substitui o produto por outra imagem, a
qual associa-se indiretamente com ele. A figura relaciona-se, primariamente, com a marca.
Ela não promove nenhuma característica do produto, mas sim simboliza uma idéia ligada ao
nome de marca. O produto, por sua vez, aparece bem pequeno.
Em 1908, a empresa AEG, na Alemanha, contrata dois profissionais – o arquiteto,
designer industrial e artista gráfico Peter Behrens e o sociólogo Otto Neurath – para criar “[...]
um ‘estilo’ de empresa que alcançaria tanto a produção, a comunicação, as mensagens, os
objetos e os ambientes, como as relações internas e externas, comerciais e institucionais.”
(COSTA, 2008, p. 77)
Em 1919, a escola Bauhaus, com sua ideologia estética funcional, assim como as
restrições de produção, reprodução e difusão de mensagens da época, transformaram as
marcas em símbolos mais simples do que os trabalhados anteriormente. Essa simplificação é
colocada em prática também como forma de vencer a concorrência, ou seja, ser o primeiro a
ser visto. A escola também influencia a instauração de signos abstratos para marcas
corporativas. Esse design de símbolos, entretanto, evoluiu para o design de sistema de signos
– identidade corporativa. Com essa novidade, surgem os critérios e normas para aplicação do
sistema – os atuais manuais de identidade de marca.
A intenção de vender a marca só se desenvolve, todavia, com a maturidade do
marketing e o crescimento dos investimentos publicitários. A publicidade aumentou
exponencialmente o conhecimento e memorização dos produtos, aumentando, assim, o valor
mercantil das marcas. Em 1924, a Dodge é vendida por 74 milhões de dólares e a Camel,
avaliada em 10 milhões de dólares. Em 1940, surge a noção de identidade de marca ou
“consciência corporativa”, como é chamada na época.
Houve um período, no entanto, em que o valor da marca foi questionado. Em 1993, a
Philip Morris anunciou que cortaria o preço dos cigarros Marlboro em 20 por cento, como
tentativa para estabelecer concorrência com marcas mais baratas. O mercado interpretou esse
episódio como o fim da era do capital de marca. Ora, se a empresa planejava desperdiçar toda
a imagem de marca criada, com mais de um bilhão de dólares em investimentos publicitários,
e competir com produtos sem marca, qual seria a vantagem em gerenciar a marca? No dia do

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anúncio, não só o preço das ações da Philip Morris despencou, mas também das ações da
Heinz, Quaker, Coca-Cola, PesiCo, Procter and Gamble e RJR Nabisco. A queda dos valores
é fácil de ser justificada: num mercado de produtos, onde a concorrência se dá por meio dos
preços, a tendência é haver seguidos cortes nos preços finais, eterna diminuição dos lucros,
decadência e falência da empresa. As empresas que sobreviveram à recessão econômica, no
entanto, foram as que continuaram investindo no marketing de valor: Nike, Apple, Body Shop,
Calkin Klein, Levi’s, Starbucks.
Assim, o legado deixado pela Sexta-Feira de Marlboro, como ficou conhecido o
episódio, foi relacionado à importância do investimento em valores e estilos de vida
associados à marca. A visualização dessa realidade pelas empresas serviu para legitimar a
inversão de lugares: branding acima de produtos. Naomi Klein cita Richard Branson,
fundador do grupo Virgin:

A idéia, explica ele, é “construir marcas não em torno de produtos, mas de


uma reputação. Os grandes nomes asiáticos significam qualidade, preço e
inovação em vez de um item específico. Chamo isso de marcas de ‘atributo’:
elas não estão diretamente relacionadas com um produto – como uma barra
de chocolates Mars ou uma Coca-Cola -, mas com um conjunto de valores”.
(KLEIN, 2004. p. 48)

Mas como construir a referida reputação? Somente as ações publicitárias e


promocionais não eram mais suficientes para a grandiosidade de todo o plano. A visão dos
executivos de marketing, assim, voltou-se para a experiência com a marca. E a palavra-chave
dessa mudança foi o patrocínio.
As empresas começaram a patrocinar eventos culturais buscando neles valores e
estilos de vida que pudessem ser atrelados a ela. A cultura foi o “formato” encontrado para
transformar a marca em algo mais tangível e, assim, aproximá-la dos consumidores. No
entanto, posteriormente, a ambição da construção de um universo “real”, em três dimensões,
que refletisse as características desejadas pela marca foi maior do que o simples patrocínio.
As corporações iniciaram o planejamento de seus próprios eventos. Elas deixaram, assim, de
patrocinar a cultura para se tornar cultura. A distante mensagem positiva associada à marca,
pela publicidade, tornou-se menos importante do que a experiência vivenciada com ela.
Segundo Naomi Klein, “[...] o intervalo comercial é substituído por integração completa [...]”
(KLEIN, 2004, p. 59).
Essa realidade pode ser traduzida por outro termo: geração de conteúdo. A geração de
conteúdo tem sua origem a partir dessa alimentação cultural por parte das instituições, como
forma de divulgação de idéias, mas, com a web 2.0, ultrapassou o simples ato de patrocinar

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eventos, produzidos ou não pela própria instituição, e transformou-se em integração completa
entre branding e conteúdo editorial. Conteúdo editorial criado e disseminado com o mesmo
propósito da associação da marca com a cultura: geração de valor.
As marcas, portanto, passaram a transcender produtos e estender suas linhas com
produtos inimagináveis, levando em consideração o segmento originalmente trabalhado.
Deixaram de ser somente produtos para transformarem-se em idéias. Seus símbolos, até o
início dos anos 70, posicionavam-se na parte interna dos colarinhos fabricados. No final da
década, os mesmos símbolos estavam servindo, ainda que discretamente, como estampa das
camisas. Posteriormente, porém, eles foram inflacionados. Eles cresceram. As marcas
tornaram-se acessório de moda. Tornaram-se, até, item indispensável nas cartelas
demonstrativas dos salões de tatuagem. Transformaram-se em discursos interiorizados
formadores de uma imagem mental de marca a ponto de virarem objetos de fetiche. As
marcas deixaram de distinguir produtos. Elas passaram a diferenciar pessoas.

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2. PORQUÊ: IDENTIDADE E CONSUMO

2.1 Construção da identidade

A sociedade atual pós-industrial, iniciada na segunda metade do século XX, configura-


se pela economia da informação em substituição à economia da produção. O centro do
sistema econômico transforma-se na informação, produto necessário para as atividades do
capitalismo. A principal mudança percebida entre os dois sistemas é o modo do
processamento desse produto: a centralidade presente em um é substituída por uma rede
composta por vários pontos ou “nós”, livres de níveis hierárquicos e autônomos, capazes de
produzir, transmitir e recepcionar mensagens: a internet.
Na era do fordismo – auge do sistema de produção em massa, com a separação do
projeto e sua execução, divisão do trabalho e verticalização da cadeia de funcionários –, por
exemplo, as empresas constituíam-se como forças rígidas, imóveis, sólidas. O capital, a
administração e o trabalho estavam unidos através da “[...] combinação de fábricas enormes,
maquinaria pesada e força de trabalho maciça.” (BAUMAN, 2001, p. 69) Era impossível
considerar a mobilidade das corporações. Em conseqüência da revolução tecnológica presente
nos dias de hoje, no entanto, a realidade é exatamente oposta: “Hoje o capital viaja leve –
apenas com a bagagem de mão, que inclui nada mais que pasta, telefone celular e computador
portátil.” (BAUMAN, 2001, p. 70)
Assim, o mundo físico acaba transformando-se cada vez mais num espaço de fluxos,
constituído por elementos hiperconectados virtualmente, porém socialmente desmembrados.
Em oposição à ideologia da globalização, a qual predispõe a integração econômica, social,
cultural e política entre as nações, os indivíduos que constituem essas nações estão
gradativamente se isolando.
A presente modernidade líquida, conceito criado e discutido por Zygmount Bauman
(2005), é caracterizada pela instantaneidade e pelo efêmero. A possibilidade de interação com
indivíduos que não estão fisicamente presentes em conjunto com a quase inexistente espera
pela resposta faz com que a idéia da necessidade de estar em determinado local não mais
exista ou não seja mais tão importante. O resultado são seres que não mantém conexões fortes
com grupos ou comunidades. A principal conseqüência dessa realidade é a “perda” de sua
identidade. (BAUMAN, 2005)

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A identidade de um indivíduo pode ser conceituada como o conjunto das
características que os diferenciam dos demais, como raça, gênero, nacionalidade, classe
social. É, ainda, uma ferramenta de definição, afirmação, identificação – assim como auto-
definição, auto-afirmação, auto-identificação. Ela não é rígida, e sim negociada. Em
determinados momentos do dia temos uma profissional, uma mãe, uma mulher, uma
esportista. No entanto, há sempre uma identidade central, que prevalece perante as outras.
Num passado não muito distante, existiam pilares sociais firmes, que serviam para
caracterizar o indivíduo e propiciar uma sensação de pertencimento ao grupo. Hoje em dia,
porém, essas comunidades estão diluídas e não possuem como objetivo a identificação do
sujeito, a relação é justamente contrária: “[...] as instituições sociais estão mais que dispostas
a deixar à iniciativa individual o cuidado com as definições e identidades [...]” (BAUMAN,
2001, p. 30) Os “grupos de referência” fixos, como a família, o trabalho e a nação, deram
lugar a um processo de “comparação universal” a todos os indivíduos e grupos sociais com
única perspectiva de cessão ao término da vida.
A noção de pertencimento geográfico é fragmentada. A globalização uniu o mundo
contemporâneo e não só quebrou as barreiras estruturais das sociedades vigentes, mas também
as barreiras físicas. A revolução da web 2.0 proporciona a interação dos indivíduos com
diversas culturas, sem a necessidade de abandono do conforto do lar. Os indivíduos, assim,
viajam para qualquer lugar do mundo à hora mais conveniente, tanto no plano virtual quanto
no real. Perde-se, assim, a idéia de lugar como referência pessoal. O próprio mercado de
trabalho acaba legitimando esse intercâmbio espacial.
Empresas sediadas nos EUA, por exemplo, mantêm filiais no Brasil, o que contribui
para o deslocamento de seus funcionários. As oportunidades aparecem em outros estados,
países e até continentes, e o sujeito vai em busca de melhores condições de vida. Os contratos
de trabalhos também confirmam esse processo: cada vez mais são realizadas contratações
baseadas em determinados projetos, com duração aproximada de meses. O colaborador,
assim, não estabelece uma lealdade à empresa. Tanto por falta de tempo quanto de
recompensa, uma vez que a tendência é a não renovação do contrato ou renovações a curto
prazo. Por outro lado, as demissões por excesso de mão-de-obra incentivam a competitividade
no ambiente de trabalho e impedem a formação de grupos. É importante ressaltar também a
instabilidade das corporações atuais em comparação às empresas de antigamente. A melhor
tradução para o fato citado é o gigante Citibank, que necessitou da intervenção do Estado para
superar a crise econômica de 2009.

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Paralelo a isso, do ponto de vista das re-configurações familiares, observa-se o elevado
número de divórcios, o que faz com que essa comunidade, antes fixa e unida, passe a ser
desconjuntada, enfraquecendo seus vínculos. No entanto, a identidade familiar, diferente das
outras duas citadas, é, até certo ponto, estável. Os laços sanguíneos – ou de criação – não
podem ser quebrados. Uma vez filho de fulano, sempre filho de fulano. O que está em xeque é
a posição dessa característica em relação às outras. Se, no passado, indivíduos permaneciam
em seu local de nascimento por toda a vida e eram frequentemente conhecidos como “filhos
do fulano”, hoje em dia não o são. Eles saem de casa, saem da cidade, saem até do país.
Intercâmbio espacial, circulação no mercado de trabalho e distanciamento familiar, portanto,
formam um círculo vicioso.
Com a quebra das instituições sociais frequentemente normativas aos indivíduos, esses
adquirem um mundo de novas possibilidades, oportunidades e escolhas a enfrentar. A
principal decisão, no entanto, refere-se aos objetivos pessoais do sujeito. “[...] quais dos
muitos flutuantes e sedutores fins ‘ao alcance’ (isto é, que podem ser razoavelmente
perseguidos) devem ter prioridade – dada a quantidade de meios disponíveis e levando em
consideração as ínfimas chances de sua utilidade duradoura.” (BAUMAN, 2001, p. 73) Os
indivíduos acabam por não ter conhecimento do que fazer, uma vez que a escolha de seus
objetivos predispõe uma reflexão complexa – em comparação às escolhas dos meios para
realizá-los.
A união dessa incerteza e do sentimento de liberdade, então, colabora para uma
identidade fluida: em concordância com o espírito incoerente do ser humano, caracteriza-se
pelo resultado de um esforço individual realizado a partir de escolhas. Escolhas que podem
ser reafirmadas ou reavaliadas e negadas – causando, assim, a efetivação de outras
alternativas.
A sociedade moderna não realiza tantas cobranças sociais. Há expectativas, mas se
elas não forem cumpridas, não há punições. Hoje em dia, o indivíduo não é obrigado nem a
continuar com o mesmo sexo de seu nascimento. Há, inclusive, penalidades para aqueles que
discriminam transexuais. O porquê dessa flexibilidade oferecida pela sociedade é o estímulo
ao consumo. “As sociedades intolerantes, restritivas ou puritanas tendem a desaparecer nos
países consumistas. Para que o cidadão consuma deve ter a sensação de ser livre.”
(TECGLEN, DUMONT, 1979, p. 91) A mobilidade social também constitui outro fator para a
reflexão de identidade, pois as classes sociais são mutáveis e impõem mudanças em seus
respectivos membros.

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A liberdade, já citada, é o centro desse novo mundo e é a causa de uma relação
antagônica. Percebemos a existência de indivíduos sem conexões fortes, que possuem um
sentimento de vazio e não pertencimento, o qual ocasiona uma angústia crescente, que
desejam ter o sentimento de pertencimento às comunidades, mas que não querem ter
compromissos e responsabilidades com e para elas. Até o amor romântico, do “até que a
morte nos separe”, foi substituído pela idéia do “’amor confluente’ – uma relação que só dura
enquanto permanece a satisfação que traz a ambos os parceiros, e nem um minuto mais”.
(BAUMAN, 2005, p. 71)
Para esses indivíduos, extremamente individualistas e hedonistas, o consumo
transforma-se na solução de todos os problemas, uma vez que estabelece referências
identitárias, não exige nenhum comprometimento por parte deles e, o melhor, pode ser
descartado.
No universo fantasioso das campanhas publicitárias, todos podem ser o que quiser,
basta consumir determinado produto. A sensação de vazio e não pertencimento, assim, é
compensada pelo consumo. Entretanto, ela não desaparece. O consumo é estabelecido para
“roubar”, “pegar emprestado”, a identidade e os valores que são expostos e estão relacionados
a determinados produtos, para satisfazer necessidades percebidas naquele instante. E somente
naquele instante. “[...] o consumidor, o protagonista da sociedade de consumo, não olha para
frente nem para trás: consome-se para um presente que não se deseja perder.” (TECGLEN,
DUMONT, 1979, p. 142)
O consumo transforma-se numa ferramenta de satisfação instantânea e a única
utilidade do produto é essa capacidade de proporcionar satisfação. O mundo dos desejos é
concretizado através dos inúmeros cartões de créditos, que servem para eliminar a distância
entre a espera e o desejo.

O financiamento, juntamente com a publicidade, é o mais formidável


invento da sociedade de consumo: permite adiantar a idéia da felicidade
neste mundo – idéia típica da mentalidade surgida a partir da fase industrial
– sem esperar pela hipotética velhice.” (TECGLEN, DUMONT, 1979, p.
30)

É importante lembrar que o surgimento dessas linhas de créditos não foi uma ação
planejada. Em 1950, após deparar-se com sua carteira vazia, McNamara criou e vendeu a
idéia da possibilidade de venda a crédito através de um cartão de cartolina – o Diners Club –
para 14 restaurantes de Nova York. No primeiro ano foram conquistados 42 mil clientes, os
quais podiam utilizar seus cartões em 330 pontos de vendas conveniados.

20
O avanço desse setor, que, em 2008, alcançou 16,5% de crescimento3, se deve à união
da procura de crédito, pelos consumidores, com a insistência das empresas do segmento. Em
2005, foram enviados pelo correio 10,2 bilhões de cartões de crédito não solicitados – 1,5
para cada habitante da terra, incluindo as crianças.4 Em relação aos usuários ativos, por outro
lado, o número também é grandioso. A perspectiva de usuários desse serviço, em agosto de
2008, era de 103,1 milhões.
Essas facilitações para pagamentos predispõem o incentivo e influência ao aumento do
consumo, através de sua democratização. Assim, cada vez mais produtos comprados parecem
ultrapassados e consumidores vão em busca de outras posses para chamar de suas. As
conseqüências são produtos no lixo e identidades descartadas e re-configuradas. A satisfação
plena nunca é alcançada e nem deve ser.

2.2 Sociedade de consumo

As experimentações das identidades é um processo considerado positivo no âmbito


social, uma vez que o contrário, ou seja, uma identidade duradoura, um estilo de vida
escolhido para todo o sempre, é percebido como limitação da liberdade de escolha do sujeito.
Ademais, no plano subjetivo/individual a possibilidade da exploração de várias estruturas
referenciais é mais sedutora do que o estabelecimento de uma composição duradoura. Essa
preferência justifica-se pela constante busca do homem à felicidade, afinal nunca se sabe o
que lhe causará uma sensação – de prazer – inédita. (BAUDRILLARD, 2001)
A freqüência do descarteamento de referências identitárias antigas para a realização de
testes com novos símbolos é dependente, porém, do poder econômico do indivíduo. Para
sujeitos pertencentes às classes mais baixas, as identidades lhe são impostas pela sociedade e,
na maioria das vezes, é sinônimo de esteriotipação. Apesar da rejeição a esses rótulos, esses
indivíduos não são economicamente capazes de se ver livres dessa condição. A referida
liberdade, portanto, só é posta em prática plenamente por aqueles que detém poder econômico
para tal.
Essa situação é confirmada por Arthur Schopenhauner e sua teoria relativa à liberdade.
Segundo ele, liberdade significa o equilíbrio entre desejos, imaginação e capacidade de ação.
3
De acordo com o IBGE e a Abecs (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Créditos e Serviços),
disponível em <http://www.administradores.com.br/informe-se/informativo/brasileiro-migra-para-o-cartao-de-
credito-e-setor-cresce-mais-que-o-varejo/16769/>. Acesso em 23 de março de 2010.
4
DELFINI, Mariana; GARATTONI, Bruno. Seu cartão sabe tudo. [Editorial]. Super Interessante. Ed. 276, mar.,
2010.

21
A imaginação do consumo, então, não deve ultrapassar o nível do desejo ancorado na
realidade, ou seja, as necessidades percebidas têm que ser passíveis de concretizações. A
imaginação não pode constituir-se como limitadora dos desejos à medida que os renega em
prol de algo inalcançável. Sendo assim, ambos devem manter-se no limite da capacidade de
agir do indivíduo, ou seja, dentro de seu poder de compra. Para a liberdade real e objetiva do
sujeito, assim, é preciso uma renda fixa considerável ou imaginação e desejo conforme seus
padrões econômicos, sem estar atreladas, no entanto, à consciência. No caso, imaginação e
desejo têm que ser genuínos, sem considerações econômicas ou racionalizações de qualquer
espécie.
A predominância do comportamento econômico social, entretanto, navega pela
contramão. As classes econômicas mais baixas possuem o mesmo, senão maior, desejo de
consumo que os indivíduos considerados ricos (e suas variações). As noções de estocagem e
excedente continuam fomentando e impulsionando o desejo de consumo para toda a
população. É notório, inclusive, a diminuição das taxas de natalidade como conseqüência do
fetichismo consumista – principalmente nas sociedades mais desenvolvidas. A tendência é a
limitação da descendência humana com o objetivo do aumento do nível de consumo. Há uma
“[...] substituição dos instintos da sexualidade, paternidade e maternidade por certo egoísmo
de desfrute.” (TECGLEN, DUMONT, 1979, p. 68)
A idéia de liberdade objetiva, continuando, é mais facilmente associada às classes
abastadas por conta de seus gigantes rendimentos, o que traduz a relação diretamente
proporcional entre a quantidade de intervenção feitas na identidade de um sujeito e sua
capacidade de compra. Uma vez que a identidade é formada pela referência escolhida num
determinado momento, sobra dos signos antigos e rótulos sociais, essas intervenções são
realizadas no âmbito da escolha identitária atual. Mas querer só é poder quando há dinheiro
para isso. “[...] a proporção de escolhas realistas não é em função do número de itens à
disposição, mas do volume de recursos à disposição de quem escolhe.” (BAUMAN, 2001, p.
103)
Em linhas gerais, entretanto, não há como negar o crescente aumento do consumo.
Avanço esse interligado à liberdade do sujeito, uma vez que o consumo nega a incerteza
diante de todas as possíveis alternativas na medida em que transmite sensação de segurança
ao consumidor.

Uma sensação de segurança sempre acompanhou aquele que tinha objetos


suficientes para garantir a solidez de <<toda a vida>> ; uma multiplicação
dessa segurança é que torna possível jogar fora objetos em bom estado de

22
uso, porque podem ser substituídos facilmente por outros, e essa sucessão
possessiva também poderia valer para <<toda a vida>>. ( TECGLEN,
DUMONT, 1979, p. 24)

Em civilizações anteriores, os objetos presenciavam toda a trajetória de vida do


sujeito, uma vez que seu “tempo de vida” no plano físico é maior do que a natureza do corpo
humano. Atualmente, porém, há tamanha sucessão permanente desses bens, que os indivíduos
são a parte que assistem sua criação, produção e morte. Essa relação tornou-se possível há
séculos, à medida que o ser humano começou a realizar previsões e provisões, separando,
assim, as necessidades – instintivas e animais – do consumo e transformando-o num
resultante de desejos e não de necessidades fisiológicas.
Com o consumo baseando-se na quantidade – abundância – em oposição à qualidade,
uma vez que ele terá curta duração, a percepção qualitativa transforma-se na forma estética do
objeto – ligada ao design – e não à sua utilidade. Este design muitas vezes já tem como função
a comunicação entre fabricante e consumidor.

[...] os frascos para conter sumos de frutas que podem imitar ou repetir a
imagem da fruta original, ou de uma grande quantidade dessas frutas, de
modo que surgiram fruta em si e não a química de que possam provir [...]”
(TECGLEN, DUMONT, 1979, p.103)

Outros aspectos importantes para o entendimento do avanço do consumo é a


insatisfação social e a busca pela felicidade, originados a partir da aglomeração urbana. Essa
busca pela felicidade justifica-se pelo desapego à crença numa felicidade pós-morte.
O desenvolvimento e evolução da ciência tornaram a preocupação com o sagrado
irrisória. Antes, eventos eram explicados com bases teológicas. Hoje, os mesmos fenômenos
são detalhados pela ciência, de modo que o indivíduo tenha absoluto conhecimento das razões
de determinados fatos. Sendo assim, a aproximação do sagrado, a cada dia que passa,
decresce. “O homem, insatisfeito, substitui a resignação ou a esperança, os pontos fixos do
bem e do mal, de uma ordem inalterável e feita para sempre pela imediatidade da felicidade.”
(TECGLEN, DUMONT, 1979, p. 85) O indivíduo passa a focar sua atenção para as situações
que são de alguma forma controláveis, à medida que se tem determinado conhecimento sobre
elas, em oposição às grandes questões da humanidade.
Por outro lado, a efetivação da compra, de certo modo, pode ser refletida como
limitadora das fantasias sobre futuros prazeres consumistas, uma vez que concretiza um
desejo presente – e o mesmo refere-se a um objeto simbólico, que tem origem no inconsciente
humano. “Desejo é aí algo fadado à radical insatisfação, uma vez que seu objeto (um ‘traço

23
mnésico’, na doutrina freudiana) é da ordem da falta com relação ao real, não tem nenhum
valor de realidade.” (SODRÉ, 2001, p. 101) A atenção do sujeito volta-se para a satisfação
alcançada e deixa de lado, ainda que por pouco tempo, a vontade do alcance a outras
felicidades. A existência desses desejos posteriores é a engrenagem da consciência
consumista e os devaneios acerca das futuras posses e futuros prazeres mantêm esse
mecanismo em funcionamento. Os infinitos descarteamentos de posses, assim, também se
justificam perante essa premissa.
O consumo tornou-se tão importante a ponto de ser reinvidicado. É preciso que haja a
produção de bens para satisfazer as necessidades e desejos da população assim como
condições financeiras para tal. E essa reinvidicação não é produto novo, ela aparece lá no
século XVIII, com o teórico Adam Smith.
Hoje o consumo é considerado parte da cultura de uma sociedade. Os artefatos
produzidos por um povo já eram, há incontáveis gerações, corretamente classificados dessa
maneira. Na pós-modernidade, contudo, o principal local para atividades consumistas – os
shoppings centers – tornou-se um espaço cultural. Afinal, eles não são simplesmente centros
de compras, são locais de lazer e entretenimento, programas dos domingos de inúmeras
famílias. Famílias que, muitas vezes, se satisfazem somente em caminhar pelos seus
corredores, admirando as vitrines cheias de sonhos e fantasias. E mais: a cultura está
extremamente interligada ao mercado capitalista a partir do momento em que é estudada por
ele como forma de estratégia para lançamento de novos produtos. Esses últimos, por sua vez,
atrelam-se à cultura ao configurarem-se como seu produto. Anderson Moebus Retondar
confirma a relação do consumo como cultura, a partir da própria idéia de cultura, proposta
pelo teórico Geertz (1978).

[...] cultura como estruturas simbólicas de significados que são socialmente


partilhadas e que se organizam enquanto “textos” passíveis de interpretação
tanto pelos agentes envolvidos na interação como por aqueles que
estabelecem a análise cultural [...]5

É nesse mundo que o consumo aproxima-se cada vez mais dos indivíduos,
estabelecendo-se em suas vidas cotidianas.
Em suas rotinas diárias, os indivíduos não se preocupam com aspectos macros da
realidade, como a esfera política, social e cultural, mas sim – e somente – com o privado. Há
uma isolação do mundo exterior por parte desses sujeitos. Essa cultura hedonista justifica-se

5
Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-69922008000100006&script=sci_arttext>. Acesso
em 04 de maio de 2010.

24
nos signos da realidade transmitidos nos mass media. Não há a vivência da realidade violenta,
catastrófica e fatal transmitida pelos meios de comunicação de massa, mas sim de imagens e
mensagens que a representam. A ameaça constante, por outro lado, está sempre presente. A
solução encontrada em relação à dúvida referente à existência do amanhã é a adoção de
filosofias como “carpe diem”6. Em oposição à tradição das cadernetas de poupanças, de
décadas passadas, surge a cultura dos cheques especiais. O agora é mais importante do que o
incerto amanhã.
O consumo é fruto da busca da resolução de tensões, que causa a felicidade, da
obsolência acelerada dos produtos e da divulgação das falsas inovações. Mas, acima de tudo,
é fruto da necessidade de diferenciação, da ostentação, da manipulação dos significantes
sociais. O consumo consiste em “[...] servir-se da ambigüidade do signo nos objectos e em
sublimar o seu estatuto de utilidade e de mercadoria pelo artifício de <<ambiência>> [...]”
(BAUDRILLARD, 1995, p. 18) O objeto fascina o sujeito em referência ao símbolo
“desejante” ligado a ele. Muniz Sodré cita uma frase de autoria desconhecida, ligada à
atmosfera capitalista: “Eu fabrico cosméticos, mas vendo esperança.” (SODRÉ, 2001, p. 101)
Também é preciso enfatizar, porém, que a existência desse consumo no plano individual não
basta, ele tem que ser visível e até mensurável. “As identidades são para usar e exibir, não
para armazenar e manter.” (BAUMAN, 2005, p. 96)
O consumo, então, não constitui uma finalidade, mas sim uma produção de
significado. Esta função é imediata e coletiva, uma vez que esses significantes configuram-se
perante a sociedade. Ele torna-se, de certo modo, mais importante em relação aos outros do
que ao próprio consumidor, ao transformar-se numa linguagem, numa comunicação entre os
indivíduos. Sendo direcionado para a sociedade, reduz o prazer do ato de comprar à segunda
instância, em detrimento da ordem de significações traduzidas por ele. Concomitantemente,
estende o prazer do ato da compra à aquisição dos significantes atrelados a ele. A referida
ordem de significações, assim, caracteriza identidades individuais, mas, mais que isso,
caracteriza a integração e o pertencimento a grupos.

[...] nunca se consome o objecto em si (no seu valor de uso) – os objectos


(no sentido lato) manipulam-se sempre como signos que distinguem o
indivíduo, quer filiando-o no próprio grupo por referência ideal quer
demarcando-o do respectivo grupo por referência a um grupo de estatuto
superior. (BAUDRILLARD, 1995, p. 60)

6
Do latim, “aproveite o momento”.

25
As reais diferenças dos seres humanos os afastam. As diferenças personalizantes,
construídas através do consumo, por outro lado, os convergem para modelos social e
psicologicamente estabelecidos, os arquétipos. Esses modelos existem com o objetivo de
guiar o indivíduo – em busca de sua qualificação – para grupos pré-determinados. Eles
funcionam, assim, como agregadores sociais. Os indivíduos renunciam a sua verdadeira
singularidade em troca da participação e identificação a grupos. “[...] enfraquece-se ou retrai-
se a individualidade do sujeito, sob as aparências narcisísticas de que aumenta a sua
autonomia, em razão do maior poder de escolha de objetos de consumo.” (SODRÉ, 2001,
p.49)
É percebida, deste modo, duas correntes presentes no indivíduo: a necessidade da
criação de uma identidade única, individual, diferenciada e excludente – em oposição à
cultura de massa – e uma identidade coletiva, que permite a conexão com outros indivíduos
portadores de valores e idéias em comum.

Quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer


“natural”, predeterminada e inegociável, a “identificação” se torna cada vez
mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um
“nós” a que possam pedir acesso. (BAUMAN, 2005, p. 30)

O indivíduo busca a igualdade em relação a determinados sujeitos, porém,


paradoxalmente, procura distinguir-se dos mesmos. Nota-se que o homem passa a ser um
objeto de consumo, a partir do momento em que toma por base outros indivíduos como
modelos sociais. Os indivíduos acabam por consumir e serem consumidos como objetos.
Convém lembrar que os símbolos personalizantes caracterizam-se como material de troca, ao
permutarem-se de acordo com a vontade do sujeito.
A utilização dos signos do consumo, entretanto, é realizada inconscientemente. Os
associados a uma comunidade compartilham símbolos que os diferenciam de outros grupos e
é a partir dessa negação e exclusão que surge a paridade. Os grupos-modelos, assim, se
fundamentam mais nas diferenças em relação a outros do que nas igualdades de seus
participantes. A socialização é estabelecida através das preferências, refletoras da
reciprocidade interna de um determinado grupo. Esse processo legitima o consumo como
função ideológica, uma vez que traduz valores individuais através de personalizações em
concordância com grupos referenciais – e até via permutas efetuadas dentro das diversas
comunidades existentes. É válido ressaltar, porém, que as personalidades individuais tendem a
sobrepor-se ao grupo, sem opor-se a ele. “Cada qual encontra a própria personalidade no

26
cumprimento de tais modelos.” (BAUDRILLARD, 1995, p. 97) Essa realidade é explicada
através da teoria das representações sociais, proposta por Moscovici apud Franco (2004).
As representações sociais são elementos simbólicos expressados pelos indivíduos por
meio de palavras e gestos, são as percepções e opiniões diante de algo real, concreto, de
acordo com o contexto em que estão inseridos. Cada comunidade, assim, explana suas idéias
por meio de mensagens ligadas aos seus atos e práticas sociais. Essas representações muitas
vezes chegam a ser idealizadas pelo senso comum, em conseqüência dos pré-conceitos
estabelecidos em função de arquétipos e esteriótipos. De maneira simplista, as representações
sociais podem ser conceituadas como os comportamentos correspondentes a cada grupo social
existente.
A formação dessas representações se dá por meio de dois processos psicocognitivos: a
objetivação, referente ao grupo, e a ancoragem, relacionado ao plano subjetivo dos indivíduos
constituintes desses grupos. A objetivação significa ação: uma idéia que transforma-se em
algo concreto, um conceito subjetivo – ao grupo – que se traduz em realidade. É o
comportamento que afirma o sistema de valores de uma determinada comunidade. É a reação
do grupo diante de uma ação, uma idéia, um valor. Responsável pela estabilidade da
representação diante da sociedade, resiste à mudanças. Como está intrinsecamente atrelada ao
conjunto de sujeitos unidos por meio de valores em comum, varia de acordo com os grupos
tomados como referências. “[...] dois conteúdos idênticos podem corresponder a duas
representações sociais diferentes.” (FRANCO, 2004, p. 174) O sentido estabelecido por um
grupo em relação à determinada idéia é diferente – ou não – aos de outros grupos. A
objetivação também caracteriza-se por ser o componente central da representação social.
Já a ancoragem refere-se à divergência das associações realizadas pelos membros de
determinado grupo em relação a um tema, real ou abstrato. Retorna-se, assim, à idéia de
personalidades individuais coexistindo com a referência coletiva. Através desse processo
confirma-se a teoria de Jean Baudrillard sobre as identidades individuais em harmonia com as
identidades grupais e da proeminência de uma em relação à outra. A partir do momento em
que as idéias de um sujeito são díspares daquelas propostas pela comunidade pertencente,
ocorre a mudança, por iniciativa do próprio sujeito, de comunidades.
A concretização de determinada ação – objetivação, essência da representação social –
portanto, é dependente da ancoragem dos indivíduos na realidade, ou seja, na interpretação e
percepção da mesma por partes deles. Se, por um lado, a ancoragem é mutável, de acordo
com o contexto social do indivíduo e da própria flexibilidade do ser humano, a objetividade,
em contrapartida, é rígida, referente ao consenso de um grupo sobre determinada ocorrência.

27
Essas representações sociais têm sua existência garantida a partir do término das
relações de transparência entre o homem e o mundo, há séculos passados. “Representar é
fenômeno em que o sujeito delega a um outro (o representante, o signo) o poder de interpretá-
lo em sua ausência.” (SODRÉ, 2001, p. 23) Elas se adequam a um modelo de comunicação
entre os indivíduos, onde o sujeito A decide relacionar-se com o sujeito B, enviando uma
mensagem (M) por um canal (C) – no caso, a representação social – para o outro (B). E mais
do que interpretação do indivíduo, as representações sociais permitem à população construir e
interpretar a realidade.
A sociedade contemporânea configura-se pela liberdade de opinião e de escolha de
seus indivíduos, assim como a liberdade de comportamentos desses sujeitos e de seus grupos
sociais. Ligada a toda essa idéia de liberdade, está o senso comum. A sociedade existente é
uma sociedade do “achismo”, uma vez que as instituições sociais não estão mais presentes
para classificar indivíduos e comunidades. Portanto, se todos têm a possibilidade de opinar
sobre tudo, a qualquer hora e em qualquer lugar, as fundamentações sociais transcorrem em
âmbitos subjetivos, levando em consideração, porém, as percepções de representações sociais.
Elas acabam, portanto, caracterizando-se como as atuais instituições sociais que servem como
base para a interpretação humana.
Sendo assim, é importante aprofundar a reflexão sobre as citadas instituições e grupos
sociais. Grupo social é sinônimo de interação e compartilhamento de idéias – base de sua
filiação – assim como de direitos e obrigações de seus membros – sendo, estas últimas, cada
vez mais diminutas. Também há a idéia de coerência a respeito de aspectos como interesses,
valores, raízes étnicas ou lingüísticas, parentesco. São associações humanas estabelecidas
através da identificação dos associados, proposta via tradições morais e materiais relacionadas
a ele. Predispõem uma consciência coletiva – objetivação – em convivência com a
subjetividade humana – ancoragem. Seu desenvolvimento se dá, principalmente, nas
sociedades modernas.
Henri Théry cita a história de Abrãao, presente na Bíblia, para explicar a teoria. As
atividades realizadas por Abrãao incluíam proteger e defender sua casa (caracterizando-o
como chefe da família), administrar os bens e escolher terras e lugares para fixar-se, além da
construção de altares para seu Deus e o oferecimento de sacrifícios (papel do chefe religioso)
assim como o recrutamento de homens para batalhas e suporte aos seus aliados (atividade do
guerreiro). O indíviduo, como é possível perceber, tomava para si as principais funções
sociais. Ele “[...] absorve em si todos os outros grupos particulares que se pudessem formar.”
(THÉRY, p. 13)

28
A partir do desenvolvimento da sociedade, porém, a noção dos grupos sociais surge e
transforma-se. Em oposição a séculos anteriores, onde existiam grupos menos numerosos, os
grupos atuais são diversos e diferenciados – indo além das citadas comunidades familiares,
religiosas e militares – uma vez que essas instituições “formais”, como já explicado,
pulverizaram-se em termos de relevância e conexões com seus membros – especialmente no
final do século XVIII e no século XIX. “[...] a sociedade do séc. XVIII deve libertar-se dum
conjunto de estruturas e de grupos esclerosados que já não se adaptam às exigências da
cultura e do progresso técnico e não estão à altura da civilização urbana e industrial que se
esboça.” (THÉRY, p. 16) Fato é que as antigas instituições existem e ainda estão, de certa
maneira, presentes na vida do homem, ainda que seus vínculos tenham – e estão sendo cada
vez mais – “afrouxados”. Outras instituições surgiram, surgem e surgirão, pois o homem é um
ser “de grupo”. Apesar do isolamento existente dos indivíduos contemporâneos, este não
deseja passar a vida solitário – mesmo que ele, de fato, seja um indivíduo solitário; o que
importa é a sensação e percepção de pertencimento. A diferença entre as comunidades antigas
e modernas, então, é que essas últimas tendem a ser constituídas através do consumo. O
pertencimento é possível via propriedades dos sujeitos.
As mais importantes características desses grupos atuais contemporâneos são o caráter
particular (informal), a rapidez de sua formação e a voluntariedade da participação de seus
associados (grupos eletivos). Esses tipos de grupos, porém, são mais facilmente identificados
em sociedades industriais urbanas – por conta do afrouxamento da ordem de instituições
formais e do isolamento de seus cidadãos. Em países pouco desenvolvidos, ainda há o
processo de pertencimento imposto – ainda que seja com a aprovação do indivíduo. “A
família tradicional, ainda de tipo patriarcal, continua a desempenhar neles um papel
importante, enquadrando os seus membros e chamando a si as mais diversas funções.”
(THÉRY, p. 21)
Atuantes como intermediário entre a pessoa e a sociedade, os grupos constituem-se,
assim, como influenciadores do comportamento individual – uma objetivação sobre
determinado assunto, então, pode ser refletida como motivo da ancoragem para outro tema
(objetivação esta que pode ser do grupo de participação do sujeito ou de qualquer outro).
É importante destacar a inexistência de uma liderança oficial nessas comunidades. A
influência exercida a membros configura-se em comportamentos e ações de indivíduos
considerados como exemplos a serem seguidos e consumidos. Símbolos humanos que servem
de base para a construção de referências identitárias de um grupo social. Por exemplo, Gisele

29
Bündchen representando a mulher como signo de beleza, sensualidade, sucesso,
conhecimento.
Os grupos sociais podem ser refletidos como macro entidades, através de gêneros,
como o exemplo explanado, e micro entidades, como estudantes de publicidade da
Universidade Católica de Pernambuco que têm interesse em seguir a carreira na área de
criação publicitária. Antes de se oporem em grau de relevância, devido ao seu número de
participantes, eles são complementares. Possuem funções diferentes, mas não opostas.
O segmento da moda talvez seja o que mais reflete a diversidade de comunidades
sociais, por meio das famosas tribos urbanas, numa única categoria de mercado. Temos as
patricinhas e mauricinhos, clubbers, skatistas, góticos, surfistas, punks, emos, e mais uma
infinidade de termos, títulos e denominações para pessoas com estilos e interesses em comum.
E é a multiplicidade dessas tribos que traduz a facilidade das escolhas e descarteamento de
referências identitárias do indivíduo – simples como trocar de roupa.

[...] a moda, como observou Efrat Tseelon, é tão adequada: exatamente a


coisa certa, nem mais fraca nem mais forte que as fantasias. A moda oferece
“meios de explorar os limites sem compromisso com a ação, e... sem sofrer
as conseqüências”. “Nos contos de fadas”, lembra Tseelon, “as roupas de
sonho são a chave da verdadeira identidade da princesa, como a fada
madrinha sabe perfeitamente ao vestir Cinderela para o baile.” (BAUMAN,
2001, p. 98)

30
3. COMO: MODA

3.1 História

As primeiras vestimentas de que se tem notícia foram as folhas vegetais, utilizadas na


pré-história e trocadas, posteriormente, por peles de animal. “Abriram-se os olhos de ambos; e
percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira, e fizeram cintas para si.” (BRAGA,
2005, p. 17)
Segundo a bíblia, o motivo pelo qual Adão e Eva cobriram seus corpos foi relacionado
ao pudor, medo, vergonha. Há, no entanto, outras teorias sobre o assunto, envolvendo as
funções de proteção às agressões externas, como o frio, incentivo ao jogo de sedução, e
adorno – associando a roupa como ferramenta de imposição social. A causa primária da
origem das vestes, independente de suas interpretações, foi a necessidade humana.
Durante a pré-história, as peles de animais, presas ao corpo com garras, nervos,
tendões e até fios de rabos de cavalos, eram trabalhadas com vistas à sua amaciação e
impermeabilização, prolongando, assim, sua durabilidade. Posteriormente, porém, os
indivíduos passaram a usar tecido para fabricar roupas – especificamente o linho. Essa
mudança só aconteceu, entretanto, a partir de sua fixação ao solo e início da criação de gado e
agricultura, na Idade do Bronze, em oposição à cultura nômade e da caça/coleta. É importante
ressaltar que cada localidade possuía um sistema de moda próprio, com códigos específicos.
Na Mesopotâmia, braço das civilizações humanas, os sumérios usavam um saiote de
pele com o pêlo do animal (ou até mesmo tendo como base um tecido artesanal), os kaunakés.
A principal característica desse tipo de indumentária eram os tufos de lã visíveis. Com o
tempo, esses tufos deslocaram-se para as extremidades dos saiotes e transformaram-se em
franjas, servindo, assim, como acabamento do tecido e enfeite. Já é possível notar, a partir daí,
a preocupação estética atrelada à posição social do sujeito. “A suntuosidade das roupas e seus
complementos, como normalmente em qualquer outra cultura, indicava a posição de prestígio
do usuário.” (BRAGA, 2005, p. 20) No Egito, membros de classes sociais menos favorecidas
chegavam até a andar nus.
Os membros desse último país raspavam seus cabelos, pois o piolho era uma das
pragas locais. Em compensação, porém, eram habituados a usar perucas. Elas caracterizavam-
se como proteção ao sol, mas, posteriormente, adquiriram um significado cerimonial e de
status social. Também era comum o faraó usar o craft – pedaço de tecido amarrado à cabeça,
com as laterais emoldurando a face – como símbolo de dignidade e ostentação. Os brincos,

31
braceletes e colares mais simples eram frequentemente utilizados pelo povo. Para os nobres, o
peitoral – espécie de colar que cobria o peito e, às vezes, as costas, feito de pedras, metais
preciosos e contas de vidro colorido – era o ornamento comum.
No apogeu da cultura de Creta, maior ilha do Mar Mediterrâneo, entre 1.750 a.C. e
1.400 a.C., é perceptível uma considerável diferenciação entre as vestes femininas e
masculinas. Os homens usavam uma espécie de tanga com um cinto e sua parte superior
geralmente nua. Já as mulheres, saias longas, um “avental” na frente e nas costas das saias e
um tipo de blusa costurada nos ombros de maneira a deixar os seios descobertos. As mais
pobres, no entanto, só usavam a saia. Chapéus, turbantes e jóias como alfinetes, colares e
brincos eram largamente utilizados pela população.
Os gregos também preocupavam-se com a estética de suas roupas – composta
principalmente de elaborados drapeados. Homens e mulheres usavam o quíton, uma túnica
feita de linho ou lã. Enquanto elas utilizavam-no sempre longos, eles somente vestiam quítons
desse cumprimento para a presença em cerimônias. O traje do dia-a-dia masculino eram
quítons curtos. Com o passar do tempo, a cultura da moda grega tornou-se luxuosa e
ostensiva.
Os romanos, por cima de suas túnicas, usavam as togas – um tipo de capa em formato
de semicírculo “[...] extremamente volumosa e denunciadora do status social daquele que a
portava. Quanto maior fosse, ou mesmo a sua cor, denunciava a condição de prestígio ou a
função do usuário.” (BRAGA, 2005, p. 29) O equivalente à toga, para as mulheres, era a
pella – que diferenciava-se da anterior por sua forma retangular. Os cidadãos mais simples,
em contrapartida, muitas vezes vestiam somente túnicas.
Na Alta Idade Média, em Bizâncio – na época, capital do Império Romano –, a
fabricação de roupas de seda – cuja produção desenvolveu-se no próprio império – só era
permitida para altos funcionários da corte. E tecidos ainda mais sofisticados eram de uso
exclusivo da família imperial. As roupas eram “[...] verdadeiramente hierárquicas e, quanto
maior o prestígio do portador, mais ornamentadas se apresentavam.” (BRAGA, 2005, p. 34)
A invasão dos bárbaros no Império Romano, por sua vez, causou, além de sua queda, a
migração do povo para o campo, em conseqüência do detrimento dos centros urbanos
(proveniente de crises econômicas, decadência do comércio e declínio da autoridade
centralizada). Assim, aliado ao novo sistema político-econômico – dos senhores e suas
propriedades rurais – surgiu um novo estilo de vida. Esse contexto contribuiu para a
diferenciação social entre o senhor e seus empregados, através das respectivas vestimentas.

32
Os caracteres com funções de distinção social relacionavam-se, por exemplo, aos
ornamentos, cores (discretas e sóbrias para camponeses, variadas e ostensivas para os nobres),
tecidos e quantidade de tecido utilizada para composição da roupa. Os cortes, por sua vez,
eram extremamente semelhantes. Os tipos de fibra, inclusive, eram predominantemente iguais
para nobres e plebeus. Nesse aspecto, o que diferenciava as vestimentas era o tipo de
produção: “[...] distinguindo-se uma das outras na qualidade técnica mais aprimorada de
fiação para os privilegiados e aspectos brutos e fiados em casa para a vassalagem.” (BRAGA,
2005, p.36)
Já na Baixa Idade Média, em meados dos séculos XIV e XV, apareceram os sapatos
masculinos de bicos pontudos, símbolos de nobreza. Quanto maior o título do sujeito, mais
pontiagudo seu sapato poderia ser.

3.2 Conceito

Foi nesse fim da Idade Média e começo do Renascimento que originou-se o conceito
de moda. Nesse período, ocorreu o surgimento de uma nova classe social, os burgueses
(comerciantes que tinham condições de comprar o que a corte usava). Como os nobres
valorizavam sua diferenciação perante as outras camadas populacionais, passaram a mudar
cada vez mais as características de suas roupas, ocasionando, assim, um sistema de criação e
cópia.
Na Renascença os homens usavam meias coloridas, muitas vezes diferentes entre si,
como forma de representar seu pertencimento a um clã. Já o acentuado decote feminino,
presente na época, recuou gradativamente, até chegar a um tipo de gola (rufo):

[...] assemelhava a uma enorme roda, em tecido fino e toda engomada em


efeitos tiotados, que cresceu tanto que atingiu proporções inimagináveis. É
lógico que toda essa opulência era sinônimo de prestígio social, visto que o
uso dessa gola até mesmo limitava movimentos mais vigorosos. (BRAGA,
2005, p. 45)

Avançando para a Idade Contemporânea, especificamente no século XIX, há o


aparecimento do dandismo, estilo masculino criado por George Bryan Brummel. Esse estilo
não referia-se somente a uma maneira de se vestir, mas a um modo de vida arrogante e sóbrio,
símbolo de status e poder social – representados pelo uso do plaston, espécie de lenço envolto
ao pescoço com nós sofisticados, e das cartolas.

33
O começo da segunda metade do século XIX marcou a solidificação e crescimento da
burguesia, em conseqüência da Revolução Industrial e do avanço do segmento de negócios e
comércio. Os vestidos femininos refletiam o esplendor da sociedade capitalista, com suas
saias enormes e volumosas compostas por requintados tecidos, como seda, cetim, fina lã,
tafetá, brocado, crepe e mousseline. Em 1850, surge o conceito de alta-costura, em Paris,
criado por Charles Frederick Worh, como forma de distanciamento da nobreza em relação à
burguesia – única classe com poder econômico para imitá-la, como já salientado. Esse
nivelamento do vestuário também foi possível pela invenção e disseminação do uso da
máquina de costura. Assim, o prestígio dos primeiros “estilistas” tornou-se um agregador de
valor às respectivas criações, formatado nas assinaturas de suas roupas.
Paralelo a essa alta costura, surge a roupa de trabalho masculina. Enquanto o homem
fica cada vez mais sério, as mulheres passam a enfeitar-se mais e mais: “[...] mostrando o
poder financeiro da figura masculina da qual ela era dependente.” (BRAGA, 2005, p. 64)
No século XX (nas décadas de 1910 e 1920), com a Primeira Guerra Mundial, veio a
necessidade de a mulher ocupar o mercado de trabalho – independente de classes sociais, pois
seus homens estavam nos campos de batalhas. Foi o início da emancipação feminina e sua
masculinização – em decorrência principalmente da queda do espartilho e do encurtamento
das saias. Essa androginia feminina foi resultado também da necessidade de adaptação do
vestuário aos aspectos da vida dos trabalhadores – em termos de praticidade e facilitação dos
movimentos. Essa mudança realocou os parâmetros da diferenciação social por meio das
roupas.

A aceitação e a prática do novo estilo por parte de todas as mulheres de


todas as classes sociais uniformizou-se tanto que desapareceu essa
diferenciação. Esta ficava sutilmente marcada pelo preço das roupas e pela
qualidade dos tecidos nelas utilizadas. Até mesmo a alta-costura da época
foi bastante simplificada. (BRAGA, 2005, p. 73-74)

A década de 1930 foi um momento da moda sofisticada, paradoxalmente à quebra da


Bolsa de Valores de Nova York e à crise financeira mundial. O cinema era o principal canal
influenciador de comportamento de moda, através das grandes atrizes de Hollywood,
incultando cópias de seus trajes na vida cotidiana do mundo ocidental. Negando a anterior
praticidade e androginia feminina, a característica desse período foi o foco na feminilidade e
sensualidade.
O início da Segunda Guerra Mundial e a ideologia de recessão, advinda dela, no final
dos anos 30, trouxe a masculinização de volta aos guarda-roupas das damas da época, com a

34
implantação do uso de duas peças de vestuário. A efetiva recessão causou a diminuição das
vendas da indústria da alta-costura. Em 1945, porém, graças a uma eficaz ação de marketing,
esse segmento retornou à ativa. O mesmo ano, talvez não por coincidência, marca o fim da
guerra.
É também nos anos 40 que surge o conceito de identidade relacionada a grupos
fashion, proveniente dos jovens:

Vai ser difundida associada aos grupos musicais e aos guetos um tipo de
moda ligada a grupos específicos. Era o conceito, no século XX, do que mais
tarde a moda iria chamar de “tribo”, ou seja, jovens com maneiras próprias de
se vestirem, que identificavam suas ideologias por meio das roupas.
(BRAGA, 2005, p. 82)

Em 1950, a televisão começa a influenciar a moda, assim como o cinema, por meio
dos figurinos de suas estrelas, e os jovens continuam associando determinados
comportamentos com a maneira de vestir-se.

Para os rapazes mais ousados, ou melhor, para os rebeldes, a calça jeans com
a barra virada e a camiseta de malha compunham o visual. Essa rebeldia veio
por influência do cinema por meio de ídolos como James Dean e Marlon
Brando; e também da música, ou melhor, do rock and roll de Elvis Presley.
(BRAGA, 2005, p. 86)

Em 1960, a moda hippie consolida-se, em associação à filosofia oriental hindu. Os


adeptos desse estilo adotam um visual com características indianas, ajudando a difundi-lo. Os
valores pregados pelos jovens hippies, como o Flower Power7, Peace and Love8 e Make Love
Not War9 eram, assim, disseminados via atitudes e vestimentas daquela comunidade.
Como, naquele tempo, a atitude de contestação predominava na moda norte-
americana, o resultado foi uma popularização na maneira de se vestir – com a adoção de um
aspecto mais pobre, com roupas desleixadas e despreocupadas, semelhantes aos hippies. Com
o nivelamento visual dessas vestes, não era possível classificar seus usuários em diferentes
classes sociais. É nesse período – já na segunda metade dos anos 60 – que surge a moda
unissex, uniformizando as diferenças: “Isso tudo vai passar a idéia de um modo coletivo,
comunitário, um ideal jovem que resultou numa espécie de uniformização da moda para
ambos os sexos.” (BRAGA, 2005, p. 89)

7
Do inglês, “Poder da Flor”.
8
Do inglês, “Paz e Amor”.
9
Do inglês, “Faça Amor, Não Faça Guerra”.

35
No início da década de 1970, a influência hippie continuou em evidência. Os negros,
inclusive, usavam penteados black-power, como atitude de protesto ao racismo americano e
valorização de sua raça – com ideologias como Black is Beautiful10.
Além desses comportamentos, porém, outros apareceram e transfomaram-se em
referências de moda, como o romântico (estampas florais, acabamentos de renda, chapéus de
palha), a mulher independente (ternos, costumes, conjuntos de saia e casacos), training
(conjunto de calça comprida e agasalho em meia-malha ou moleton – para a prática do
cooper), e o glam (visual excêntrico, com muito brilho, influenciado pelos líderes musicais do
movimento glam rock, como David Bowie e Elton John – os adeptos usavam botas de cano
alto e salto plataforma).
É nesse período, em meados de 1974 e 1975, que surge um movimento de jovens
desempregados com o lema No Future11, os punks.

O look adotado por eles foi o das roupas rasgadas, jaquetas de couro preto,
botas surradas e muito detalhe metálico como rebites, tachas e correntes,
além dos excessivos brincos e alfinetes que lhes rasgavam a carne. [...]
Estava aí lançada uma corrente de moda que atingiria o mundo todo pela
moda do preto, do aspecto rasgado e sujo, correntes como acessórios e
muito cabelo espetado, especialmente no corte moicano, ou seja, uma crista
em pontas no alto da cabeça, da testa à nuca; e, se fosse descolorido, melhor
seria. (BRAGA, 2005, p. 93)

No fim dessa década, com o sucesso do grupo musical Village People, a moda ganhou
mais uma corrente, com um visual masculino extremamente descontraído e fartos bigodes em
suas faces. O surgimento dessas diversas opções de estilo, assim, tornou a moda dos anos 70
incrivelmente democrática.
No entanto, talvez a mais importante característica da indústria fashion seja sua
necessidade de diferenciação e elitização. Por isso, no fim dessa década, desenvolve-se o
conceito de griffe12: “[...] é exatamente essa a idéia, ou seja, a marca, deixar a garra de um
criador ou de uma marca na peça de quem a usa.” (BRAGA, 2005, p. 94) Esse conceito,
entretanto, não se restringiu à elitização social. A idéia dos estilistas, tanto nacionais quanto
internacionais, era produzir uma moda mais acessível, mas assinada e com estilo. Essa
tendência foi percebida a partir das “[...] grandes etiquetas externamente nas roupas, exibindo
os nomes como Pierre Cardin e Fiorucci [...]” (BRAGA, 2005, p. 94)
Nos anos 80, a pluralidade de estilos e opções de moda, iniciada na década de 70, foi
consolidada, e o conceito de tribos de moda, originado na década de 40, legitimado. É
10
Do inglês, “Negro é Lindo”.
11
Do inglês, “Sem Futuro”.
12
Do francês, “garra”.

36
importante destacar que cada tribo era autônoma, ou seja, não relacionava-se a nenhuma
outra, e para haver o pertencimento à comunidade era necessário ser fiel a ela.
Nesse tempo surgiram os góticos (com o romantismo associado à religião e às
questões existenciais, reproduziam suas crenças com vestes totalmente pretas, capas longas
sobrepostas a elas, aspecto de palidez, cabelos negros e maquiagem escura), a moda
zen/minimalista (com o slogan Less is More13, propunham a limpeza dos cortes, cores e
acabamentos de suas roupas e uma androginia de seus seguidores), os adeptos da “segunda
pele” (que privilegiavam a prática esportiva/malhação e exibiam seus corpos em roupas
justas, normalmente coloridas, de tecidos extremamente finos) e os “yuppies” (Young Urban
Profissional Persons – jovens profissionais urbanos, bem posicionados financeiramente, que
se vestiam de maneira “correta” e valorizavam a elegância de suas vestes).
A partir dessa multiplicidade de alternativas visuais, a diferença entre os looks
apropriados para homens e mulheres sofreu uma estrondosa diminuição, pois as tribos eram
compostas por ambos os sexos. Restaram somente sutis peculiaridades dentre as vestimentas
masculinas e femininas. Esse fato também é explicado, obviamente, pela emancipação
feminina.
Paradoxalmente à presença dessa idéia de igualdade, tanto relacionada aos gêneros
sexuais quanto aos participantes de determinado clã, porém, o referido decênio contribuiu
para o desenvolvimento do conceito de individualismo do sujeito, no sentido do
descobrimento de um modo pessoal de se vestir, mesmo dentro de um grupo, traduzindo a
liberdade de expressão do indivíduo. “[...] os anos de 1980 na moda (assim também os de
1990) foram a maneira de ser igual entre os diferentes e, ao mesmo tempo, diferente entre os
iguais de uma outra tribo.” (BRAGA, 2005, p. 100) É importante ressaltar, no entanto, que
mesmo com a existência dessa unicidade individual, os membros de um grupo não recebiam
influências de outras ideologias contemporâneas à sua e eram fiéis ao estilo e valores de sua
tribo.
Em 1990, a palavra de ordem foi a liberdade, em oposição aos antigos preconceitos
contra determinadas maneiras de vestir-se. Surge a moda grunge (com peças sobrepostas,
roupas oversized e camisas de flanela xadrez, muitas vezes amarradas na cintura) assim como
os clubbers, drag queens, cybers, ravers, dentre outros. Entretanto, a antiga fidelidade ao
grupo foi substituída por passagens por várias identidades visuais e ideológicas – talvez por
conta da imensa influência entre as várias tribos da época, o que acarretou numa mistura entre
elas.
13
Do inglês, “Menos é Mais”.

37
[...] com a evolução de conceitos e valores, a moda dos anos 1990 adquiriu
o caráter de mistura, e foi uma verdadeira esponja que absorveu diversas
referências vindas das mais distintas realidades, e todas juntas formaram
uma nova proposta. (BRAGA, 2005, p. 101)

Essa nova proposta, citada por João Braga, refere-se à aprovação social da
experimentação identitária dos indivíduos através da moda.
Em conseqüência da revolução iniciada nos anos 90, o segmento fashion passou a ser
vendido como uma imagem (mais importante até que o próprio produto), e essa tendência
ainda é presente nos dias de hoje. As campanhas de comunicação vendem um conceito, às
vezes até sem a visualização da peça de vestuário.
A partir de toda essa reflexão, é impossível negar a função da moda como distintora –
seja de gêneros, classes sociais ou grupos ideológicos –, a dominância de fins estéticos sobre a
necessidade prática e a referida importância dessa configuração. A moda transforma-se em (se
é que já não origina-se como) uma linguagem.

3.3 Corpo X Moda: uma linguagem

Um sujeito se expõe por meio de textos verbais, orais, escritos, por seus gestos e
atitudes e pela maneira de vestir-se. Todas essas manifestações permitem ao outro discernir a
quais movimentos ele é afiliado. Sendo assim, a moda relaciona-se a um corpo, segundo
Marcelo Martins, de maneira que “[...] não está apenas nele, mas com ele.” (CASTILHO,
2004, p. 18)
O corpo é a primeira forma de integração do sujeito com o mundo, pois é o
responsável por conectá-lo com seus pares e é ferramenta da materialização de seu
pensamento. Ele estabelece-se, assim, como suporte à comunicação humana e portador de
significado. Trata-se da base material que processa diferentes códigos e seus significantes,
“informando” sobre o sujeito. É a partir dele, portanto, que o indivíduo constrói sua
identidade. E essa identidade externa e percebida chega a ser mais importante que a
subjetividade do indivíduo.
A relação entre o conteúdo humano e sua expressão, através do corpo, é distinta. A
percepção do conteúdo de um sujeito X envolverá primeiramente seu suporte de expressão,
uma vez que ele caracteriza-se como o primeiro contato entre indivíduos, estabelecido por via
do canal sensorial mais impactante, a visão.

38
Esse conteúdo pode ser traduzido como a verdadeira essência humana, comparada ao
corpo biológico do sujeito (o “ser”). Já a estrutura sobre esse corpo, com a “[...] apropriação e
transformação plástica do mesmo [...]” (CASTILHO, 2004, p. 89) estabelece-se como o
“parecer” – o qual será percebido pelos outros. Este segundo elemento configura-se como um
corpo “artificial” e se transformará em discurso, ao exteriorizar valores subjetivos. O corpo
(natural) conceitua-se, então, como uma:

[...] “estrutura linguageira” que o ser humano arranja, decora e ornamenta,


por meio das relações combinatórias entre significantes diversos. O
encadeamento das combinatórias forma um texto e, consequentemente, um
discurso que se manifesta nas interações. (CASTILHO, 2004, p. 71)

A roupa classifica-se, portanto, como um revestimento do corpo humano de forma a


tornar-se uma segunda pele, imprimindo na primeira novas características e ressignificando-a.
Essa transformação é responsável pelo desejo de aquisição do vestuário, para o fornecimento
de informações ao outro. Sendo assim, o vestuário é:

[...] uma das mais espetaculares e significativas formas de expressão


presentes no processo cultural configurando-se plenamente como meio de
manipulação, persuasão, sanção, ação ou perfórmance e, por conseguinte,
articulador de diferentes tipos de discursos: políticos, poético, amoroso,
agregador, hierárquico, etc. (CASTILHO, 2004, p. 92)

O discurso adquirido através desse corpo artificial, formatado pelas roupas, portanto,
se caracterizará através de uma relação contratual – ao grupo que o sujeito se filia – e
polêmica – ao grupo que ele se opõe – e construirá valores referenciais para o indivíduo.
Essas referências e discursos são tão amplos quanto as alternativas de escolhas no mercado de
consumo e até no próprio guarda-roupa do indivíduo, tendo em vista que os diversos
elementos são capazes de compor diferentes combinações – traduções de múltiplas expressões
do sujeito.
Uma peça de roupa, embora significante, tem seu potencial explorado a partir do
conjunto de signos combinados num look. “... o signo vestimentário é um sintagma completo,
formado por uma sintaxe de elementos.” (BARTHES, 1979, p. 202) Portanto, os significantes,
apesar de tenderem a certo significado (estilo), não são permanentes, e sim rearranjados,
apropriados pelos usuários.
A relação entre o conceito pré-estabelecido de uma peça e a efetiva utilização da
mesma é distinta a partir do momento em que a moda é elaborada não pela massa de
consumidores, mas, segundo Roland Barthes (1979), pelo fashion-group. A moda é, assim,

39
criada através de uma concepção oligárquica e de uma imagem coletiva, sendo imposta aos
(ainda que solicitada pelos) demais. “Nasce brusca e integralmente, a cada ano, por decreto
(este ano, os estampados triunfarão nas Corridas).” (BARTHES, 1979, p. 203) O que
possibilita a liberdade do arranjo do signo fashion, inclusive, é essa relação temporal a que a
moda está sujeita. A mudança de tendências a cada ano, ou mesmo a cada estação, desatualiza
as vestes presentes nos guarda-roupas por todo o mundo. Muitos, no entanto, não têm
capacidade econômica, não estão prontos ou ainda escolhem não fazer parte do grupo que
acompanha o ritmo dessa indústria. Essa situação, entretanto, não acarreta perda para eles,
“[...] uma vez que o fora de moda faz parte do sistema [...]” (BARTHES, 1979, p. 203-204)

3.4 Moda X Marca

O surgimento das marcas no segmento de moda é estreitamente relacionado à alta


costura, pois foi a partir dela que a assinatura do autor ganhou importância. Esse setor,
caracterizado por criações de luxo, sob medida e exclusivas, elevou a condição do costureiro à
artista e tornou-se responsável pelo lançamento das tendências no mundo fashion.
O avanço dessas marcas, porém, é possível através do surgimento do prêt-à-porter14,
um estilo “pronto para vestir”, criado pelo estilista francês J. C. Weil, no pós-guerra (final de
1949). O prêt-à-porter origina-se com a premissa da popularização das opções do vestuário
pela produção de roupa em escala industrial aliada à marca e assinatura do estilista,
barateando os custos para o consumidor final. Apesar dessa diminuição dos preços,
entretanto, a peça ofertada ao público oferece um conceito de sofisticação, ainda que sem a
exclusividade da alta costura, visto que esse segmento não é produzido para um consumidor
específico, mas sim para um grupo de consumidores em potencial.
Observa-se que as marcas desse mercado seguem o caminho da própria moda:
originam-se com a função de distinção social, mas acabam democratizando-se (ainda que
existam outros nichos mercadológicos, como o consumo de luxo). O ponto mais importante
dessa relação, porém, é que, assim como a moda, as marcas comunicam. “[...] o sujeito ao
escolher para si um estilo e exibir marcas, transforma sua aparência em uma narrativa,
satisfazendo a necessidade de comunicar sua identidade.” (FARIAS, RECH, p. 2)
As marcas mais valorizadas, construídas através de intensos esforços de comunicação
e branding, estabeleceram-se como ícones culturais. Segundo o Oxford English Dictionary,
um ícone cultural é uma “[...] pessoa ou coisa vista como símbolo representativo,

14
Do francês, “pronto para levar”.

40
especialmente de uma cultura ou movimento; pessoa ou instituição considerada digna de
admiração ou respeito [grifo nosso]”. (HOLT, 2005, p. 17) As marcas-ícones, assim,
tornaram-se símbolos de idéias importantes. Elas passaram a representar uma história, a qual é
adotada pelos consumidores como tradução da sua própria história. Essa realidade foi
arquitetada em cima de valores necessários à sociedade, em determinado momento histórico,
de forma a conquistar a simpatia do público e aliviar tensões culturais. Sendo assim, elas
diferem-se de marcas “simples”.
Os sinais de um produto – como o nome, logotipo registrado e embalagem – não
constituem uma marca-ícone enquanto a empresa (em união com a indústria cultural, os
intermediários e consumidores) não criar e difundir uma história para ela. É com a
consolidação das percepções coletivas que as marcas se estabelecem como ícones.
Essas histórias de marca são valorizadas pelo seu potencial como signo identitário. O
termo “marcas-ícones”, inclusive, pode facilmente ser substituído por “marcas de identidade”.
Esse valor identitário é formado por meio de desejos e ansiedades comuns a uma grande
parcela da população e, claro, pela comunicação de massa. Essa situação justifica-se porque
“[...] as pessoas constroem as suas identidades em resposta às mesmas mudanças históricas
que influenciam a nação inteira.” (HOLT, 2005, p. 22)
O conceito por trás das marcas-ícones não relaciona-se ao apelo de status e
necessidade aspiracional, como outras marcas abordam, e sim a um mundo imaginário
referente à identidade idealizada pelo público. São “[...] ficções que respondem a ansiedades
culturais distantes [...]” (HOLT, 2005, p. 24) Durante o uso de uma marca, portanto, os
consumidores vivenciam parte do mito construído primariamente pela comunicação da
empresa. Esse mito, por sua vez, é caracterizado pela demonstração de autenticidade e
motivação ideológica para as ações de seus personagens (que são, vale ressaltar, “pessoas de
carne e osso” – como você). Elementos como desejo por dinheiro e poder são inexistentes
nesses relatos.
O autor do conceito de marcas-ícones, Douglas B. Holt, no entanto, trata essas marcas
somente como aquelas que constroem histórias culturais – os mitos – sobre si. Ele afirma que
a Coca Cola, por exemplo, não se enquadra nessa classificação, uma vez que o marketing da
empresa, assim como a conexão que ela tem com o público, é focado em associações e apelos
emocionais e não numa história tradutora da essência da organização. Mas será que essas
associações são tão irrelevantes?
A Coca Cola pode ser considerada como um símbolo da cultura americana, da
supremacia da nação perante o mundo, do capitalismo e até da globalização. Essas

41
associações refletem a ideologia da marca e, portanto, se caracterizam como significantes aos
consumidores de sua grife. A marca, assim, oferecerá referências identitárias e poder de
apropriação aos seus usuários. Nesse sentido, portanto, há discordância entre a idéia de
marca-ícone proposta pelo autor e o refletido nessa pesquisa. A maioria das marcas mais
sólidas vendem uma filosofia expressa pelos seus produtos, seja ela construída em cima de
simples associações positivas ou mitos culturais – conhecidas e reconhecidas em todo o
mundo. “As logomarcas, por força a onipresença, tornaram-se a coisa mais próxima que
temos de uma linguagem internacional, reconhecida e compreendida em muito mais lugares
do que o inglês.” (KLEIN, 2004, p. 22) Os consumidores, assim, vestem as camisas de suas
marcas. Literalmente.

3.5 Consumidores cartazes

Os pequenos emblemas de grife do lado de fora das camisas apareceram na primeira


metade do século XX, em trajes esportivos – somente usados nas quadras de tênis e campos
de golfe, pela classe mais abastada.
A história da Lacoste, por exemplo, inicia-se em 1927, com as vitórias do francês
René Lacoste nos diversos torneios de tênis pelo mundo, o reconhecimento do público e um
pequeno detalhe em seu uniforme. Naquela época, René foi apelidado pela agência de notícias
Associated Press como Alligator15, após uma aposta feita com um dos competidores
envolvendo uma mala de crocodilo. Através da divulgação midiática, os americanos
memorizaram este nome em associação com o tenista, representando “[...] a tenacidade que o
jogador demonstrou no terreno de tênis, não largando nunca a sua presa.”16 Por conta disso,
Robert George, amigo do rapaz, desenhou um crocodilo para ser bordado na jaqueta utilizada
pelo esportista nas quadras e, posteriormente, numa camisa de mangas curtas com gola e
botões. Estava lançado o protótipo da famosa camisa pólo Lacoste.
No final dos anos 70, esse estilo country-club deixou de ser restrito a determinados
locais e estabeleceu-se como “moda para as ruas”. A Ralph Lauren e a já citada Lacoste
foram umas das primeiras marcas a sair do nicho esportivo e conquistar a vida cotidiana.
Nesse período, elas ainda funcionavam como distintoras socioeconômica: as marcas “[...]
tinham a mesma função social da etiqueta de preço das roupas: todo mundo sabia exatamente
quanto o dono da roupa se dispôs a pagar pela distinção.” (KLEIN, 2004, p. 52)

15
Do inglês, “crocodilo”.
16
Disponível em <http://mundodasmarcas.blogspot.com/2006/05/lacoste-elegncia-do-crocodilo.html>. Acesso
em 03 de maio de 2010.

42
A partir dos anos 80, entretanto, esses símbolos transformaram-se gradativamente num
acessório de moda, com a chegada da Calvin Klein e Esprit nesse mercado “marcado”. Foi
nessa época que o antigo signo de dois centímetros de tamanho cresceu a ponto de localizar-se
em toda a extensão peitoral do usuário da peça. As roupas passaram a ser “[...] portadoras
ocas das marcas que representam.” (KLEIN, 2004, p. 52)
Esse desejo e necessidade de exposição da marca é universal, justificado por toda a
discussão prévia: exteriorização de um discurso pessoal, por meio de ganchos nos valores e na
história da marca-ícone. Foi constatado, inclusive, numa pesquisa sobre o consumo de
camisas oficiais de times de futebol, que a colocação das marcas de patrocinadores nas peças
é aprovada pelos torcedores, desde que as mesmas agreguem valor ao time. A maioria dos
entrevistados (57%)17 desejam que as camisas tenham um patrocinador “de porte”,
reconhecido.
Até o público infantil confirma essa relação, perceptível através do relato de Naomi
Klein, na época em que a mesma trabalhava como vendedora da loja Esprit:

As mães chegavam com suas filhas de seis anos e me pediam para ver
apenas as camisetas que trouxessem “Esprit” em destaque nas grandes letras
de imprensa da marca registrada da empresa. “Ela não quer vestir nada sem
um nome”, confiavam as mães, se desculpando, enquanto conversávamos
nos provadores. (KLEIN, 2004, p. 51)

O processo de compra, desejo e satisfação relacionado a essa faixa etária, no entanto, é


contraditório e digno de uma outra pesquisa, visto que esse público não tem sua capacidade de
cognição totalmente desenvolvida e, assim, é facilmente influenciável. Esse ponto, em
contrapartida, predispõe uma reflexão sobre a indústria das roupas de marca.
Ao perceber a procura por referências individuais, as corporações procuraram
adequar-se de forma mais conveniente para elas. A Nike, por exemplo, configura-se como
uma líder nesse segmento de mercado. Dentre suas várias camisetas, bermudas, shorts,
casacos, trajes de banho, tops, meias e acessórios, não há sequer um produto livre da marca da
empresa.
A justificativa do mercado para essa atuação está nos princípios mais básicos das
regras de marketing e construção de marca: a propaganda. A maneira pela qual determinado
sujeito toma emprestados conceitos atrelados às instituições é expondo as respectivas marcas,
num ato de afirmação àqueles valores. Vende-se, assim, o peixe do consumidor, mas, mais

17
Torcedor/consumidor na compra do produto camisa de time de futebol: uma avaliação dos motivos da compra.

43
que isso, vende-se o peixe da empresa. Consumidores se tornam, portanto, cartazes
ambulantes de marcas.
A denominação é explicada a partir da idéia proposta por Abraham Moles (1974),
sobre uma das principais funções tanto do cartaz como da publicidade/propaganda: a vontade
de transmitir. Ainda que os estímulos para a existência desse processo sejam divergentes entre
a indústria – mercantilização – e o público – simbolismo e estética –, essa relação é positiva
para ambos, tendo em vista que os respectivos objetivos são cumpridos. A confirmação da
aproximação e semelhança entre cartazes publicitários e roupas “marcadas” também é
possível através da análise das características das mídias exteriores – grande exposição,
impacto visual, incorporação ao cotidiano dos receptores e independência relacionada à
vontade de recepção da mensagem, por exemplo.
A Lei Cidade Limpa, que proíbe a propaganda de outdoors e regula o tamanho das
placas de estabelecimentos comerciais, em São Paulo, foi a principal inspiração para a criação
do viral “Gordos”, para a academia Cia Atlética. No vídeo, pessoas obesas vestindo camisas
com estampas de marcas na parte frontal são abordadas por supostos “fiscais da prefeitura” e
têm seus corpos medidos. Pelos tamanhos, os usuários são considerados mídia exterior e
“multados”. Deixando de lado toda a polêmica relacionada à propaganda, a mesma constitui-
se como valiosa fonte para a exemplificação e visualização do consumo de exposição e
divulgação e da relação entre o consumidor e marca, ainda que empiricamente. O vídeo pode
ser considerado como a maior legitimação de todo o conteúdo discutido acerca do
consumidor, estabelecido pelo mercado publicitário.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

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As marcas têm a função básica de distinguir determinados produtos dos seus
concorrentes. Atualmente, porém, a classificação de símbolo da filosofia adotada e valores
afirmados pela empresa é mais valorizada do que a caracterização anterior.
Essa relação justifica-se através do desejo de construção de um relacionamento com o
público, por parte da indústria, e da facilitação desse processo por meio da criação e
manutenção de uma marca-ícone.
A conexão com o público é possível através dos anseios subjetivos de cada indivíduo,
os quais acabam categorizando-se como coletivos na medida em que há o compartilhamento
de uma mesma cultura e história por determinada sociedade. O presente isolamento do sujeito
na contemporaneidade torna-o desmembrado socialmente e enfraquece sua percepção de auto-
definição e identidade. Esta identidade, portanto, passa a ser constantemente reconfigurada,
por meio do consumo. Este último, por sua vez, é cada vez mais valorizado, como
consequência à sua produção de significado. Os indivíduos passam a ser o que consomem e a
contentar-se com isso.
As associações e valores atrelados à determinada marca funcionam, assim, como
produto referencial aos usuários da mesma. As características relacionadas à certa marca se
estendem imediatamente aos usuários do momento e permitem sua agregação, assim como
sua exclusão, aos grupos sociais. O comportamento advindo destes – as representações sociais
– configura-se como base para a interpretação humana em relação ao outro e o consumo,
assim, caracteriza-se como uma linguagem.
O segmento de moda é o mais qualificado para traduzir a ideologia do consumo a
partir da noção de sua constituição como uma linguagem, até nas mais primitivas épocas. As
roupas revestem um corpo de forma a ressignificá-lo, via apropriação dos indivíduos. Ao
montar um look com peças de estilos diferentes – somadas às marcas visíveis – forma-se um
mix correspondente à percepção de determinada identidade do sujeito – tanto pelo próprio
como pelos outros, algumas vezes distintas. A utilização de vestes com marcas visíveis,
assim, se torna complementar: significação por meio do estilo fashion e símbolo da empresa.
Consumidores transformam-se em cartazes ambulantes, portanto, como forma de adoção e
transmissão de referências identitárias provenientes da marca, por meio dos valores
comunicados e percebidos. A exposição do símbolo da empresa, assim, transforma-se num
anúncio do indivíduo. E num anúncio da marca.

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