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A LITERATURA SOBRE O “BRIGANTAGGIO” FemINino: 0 Caso UNico DE Maria Rosa CuTRUFELLI Sitvio Cosco Universidad de Sevilla A literatura sobre o brigantaggio italiano (1860-70) viu expandir, es- pecialmente nos ultimos anos, com uma série de textos que estao a re escrever a histéria da unificacao italiana, o espaco na industria editorial. Voltou-se a narrar as histérias dos briganti e, finalmente, das brigantesse: mulheres que tentou-se categorizar como “concubinas” ou “bandidas por amor”, calando a participacdo consciente delas a resisténcia das popula~ qBes do Sul contra o novo governo Italiano. No 1861, houve a proclamacao do Reino de Itélia. A peninsula, antes dividida em diferentes estados, foi unificada pela expedigao organizada pelo Reino da Sardenha e liderada no sul de Itdlia, pelo famoso patri- ota Giuseppe Garibaldi que em cinco meses libertou o sul de Italia da dominacao borbénica A pesar disso, a primeira década unitdria foi caraterizada por uma verdadeira guerra civil entre os rebeldes do Sul de Itdlia, delusos por Garibaldi, e 0 exército italiano. Essa rebeliao, que os historiadores cha maram Brigantaggio, tinha muitas causas, Muitas promessas de Garibaldi nao foram cumpridas: 0 novo estado pds uns impostos exorbitantes; houve @ expropriacdo definitiva da pro- priedade dos camponeses e o desemprego, causado pelo encerramento 370 Silvio Cosco das fabricas; os ex-soldados meridionais que tinham lutado com Gari- baldi foram rejeitados pelo exército nacional; além disso, ndo havia uma identidade nacional Formaram-se bandas de rebeldes em todo o territério do antigo Reino das Duas Sicilias, reunidas num comité filo-borbonico. Através de seques- tros de nobres, grandes latifundidrios, componentes do clero, e de roubos de qualquer tipo obtinham os recursos para sua luta. Usavam a tatica da querrilha (ataque e refiigio nos bosques), contra o exército italiano, considerado uma verdadeira forga de ocupagao estrangeira Reconquistaram, nos primeiros anos, muitas aldeias. Embora 0 estado italiano tivesse podido fomentar reformas sociais para resolver o problema, escolheu a via da repressao mais dura. O par- lamento aprovou a lei marcial em 1862 ¢ em 1863, com a lei Pica, qualquer rebelde ou componente da familia dum rebelde podia ser executado sem julgamento nenhum Nessa altura da histéria entram as mulheres: presas, torturadas violentadas pelos italianos para terem informacées sobre os seus homens (maridos, irmdos...) escondidos nos bosques. As mulheres tiveram que escolher: denunciar ou participar na guerrilha, Decidiram participar e, frequentemente, chegaram a posicdes de comando nas bandas. Contudo, as atas oficiais sempre as consideram em relagio aos ho- mens, nunca atribuindo a essas mulheres um papel de sujeito ativo independente. De acordo com historiadores, jornalistas ¢ intelectuais da época elas eram “mulheres de prazer”, amantes dos mais famosos briganti; manutengole (cimplices com tarefas logisticas); vitimas inocentes; firias Sobre a Histéria da unificagie italiana com um ponto de vista das populacées do Sul cl Stefano Preite, if Risorgimento, ewvero, Un passato che pesa sul presente: rivolte contadine e brigantaggio nel Sud, Manduria, Lacaita, 2009; Giacinte De Sivo, Storia delle Due Sicilie 1847-1861, Brindisi, Trabant; Carlo Alianello, La conguista del Sud, 1 risorgimento nel'talia meridionale, Rimini: I Cerehio, 2010; Martin Clark, it Risor- gimenta italiane: una storia ancora controversa, Milano, Bur, 2006; ld, Il Risorgimento italiane: una storia ancora controverse, Milano, Bur, 2006; Tommaso Pedio, Brigantog- gio meridionale, Cavalline-Lecce, Capone, 1987; Michele Topa, Cos! finirono { Borbant di Napoli, Napoli, Fiorentino, 1957; Nicola Zitara, U'invenzione del mezzogiorne. Una storia finanziaria, Milano, Jaca Book, 2011; ld, Vunité dali, storia di une colonio, Milano, Jaca Book, 1971 wwnclepubew A literatura sobre 0 “brigantaggio” feminino: a caso tinico de Maria Rosa Cutrufelli 371 fs 2 terriveis, amazonas’ A retérica patriarcal usou trés estratégias com essas mulheres: foram esquecidas, porque nao falavam delas; sublimadas, por ser retratadas como heroinas longe da realidade; tachadas de monstros, pela oposicao ao cénone patriarcal Nao foi desculpada a passagem do ingrato e emblematico titulo do século XIX, “rainhes da casa’, & designacéo de “rainhas dos bosques’. Ali, onde as paredes da opressao doméstica nao existiam. Essas mulheres tiveram duas culpas: ser mulheres que lutam e ser mulheres do sul de Itélia. O exemplo mais conhecido foi a calabresa Maria Oliverio "Ciccilla”? Nascida em 1843 em Casole Bruzio, Cosenza, trabathava de fiandeira Isso também rompia com os estereétipos, porque nesta época muitas mu- theres tinham independéncia econémica. Em 1858 casou-se com Pietro Monaco, um soldado borbénico que, depois da unificacao, juntou-se 3 re- volta contra 0 estado unitdrio. A participagso de Maria no brigantaggio foi por diferentes motivos: a escolha do marido e a prisdo que teve que sofrer; 0 atrito com a irma, e 0 seu assassinato que a transformou numa fugitiva; mas também por sua escolha, Podia colaborar com 0 exército italiano, mas ndo quis. Ela juntou-se & bando do marido ¢ participou ativamente em sequestros, roubos, incéndios, extorsdo, tiroteios ¢ muitas agées que a levaram a ter até 32 imputagées, Entao, a sua contribuigao nao foi sé log(stica. Quando morreu 0 ma~ rido, ela foi durante 47 dias a chefe do bando, até ao dia da sua detencao. 0 julgamento terminou com uma sentenga de morte, dinica naqueles anos para uma mulher. A sentenca nao foi executada por os preconceitos patri- arcais: que governo podia matar uma mulher? Seré que ela lutou forcada Ch_os textos fundamentals dessa manipulaséo patriarcal histérica-literdria coma Jacopo Gelli, Bandit, briganti e brigantesse nell Ottocento, Firence, Bemporad & fil, 1931; Washington Irving, Storie di briganti italian, Palermo, Sellerio, 1989; Tarqui- nio Maiorino, Storia e leggende di briganti e brigantesse: sanguinari nemici dell unite Atalia, Casale Monferrato, Piemme, 1997; Mario Cini, Briganti e brigantesse abruz- esi, Lanciano, Carabba, 2007. William John Charles Moens, Briganti italiani e viaggio tori inglesi, Milano, Mondateri, 1997; Stendhal, | brigant in Italia, pretacan de Giuseppe Marcenaro, Genova, il melangolo, 2004. CE Peppina Curcio, Ciecilla. Storia dello brigantessa Moria Oliverio del brigante Pietro Monaco e della sua comitiva, Cosenza, Pellegrini, 2010. wre lusosofia net 372 Silvio Cosco pelo marido? Ha dividas sobre sua morte pela auséncia de um certificado de morte, Agora, sim analisamos os livros, a literatura sobre essa personagem histérica esta cheia de esterestipos. Alexandre Dumas, que esteve na expedicdo de Garibaldi, ficou durante anos no sul de Italia como jornalista ndo compreendeu a forca verdadeira de Maria Oliverio e nem intui o potencial literdrio. Conclui antecipadamente o conto que tinha comecado a escrever sobre ela, poeta calabrés Luigi Stocchi, em 1865, escreve um poema no qual representa a Maria com o classico estereétipo sobre a mulher guerreira: © “mal” é uma exclusiva masculina que até pode ter justificacées sociais. Quando é feito pela muther, ela é um monstro, Neste poema, Ciccilla & uma mulher sddica ¢ despiedada com os mais débeis’. No conto *Ciccilla’ de Nicola Misasi de 1905, Maria até reivindica a ordem patriarcal, e tudo 0 que faz, como lutar na querrilha, por ter citimes do marido®. Na dltima versao literdria da vida de Maria Oliverio, escrita por Giuseppe Rocco Greco em 2011, 6 sem divida uma mulher, por fim, com uma moralidade e consciéncia sécio-politica prépria, mas a suas escolhas continuam a ficar condicionadas pelo marido. © que se passou foi que sobre essas mulheres, a final de contas, do tivemos uma reflexdo historiografica até 1968. O ano das disputas € batalhas pelos direitos civis coincidiu com 0 estudo fundamental de Franca Maria Trapani “Le brigantesse", 0 primeiro livro que tratou do papel das mulheres no banditismo da pés-unificagao, oferecendo esbocos biograficos, a partir duma perspectiva de género. A literatura sobre 0 banditismo cresceu, especialmente nos iltimos ‘anos, com a publicagao duma série de textos que rescrevem a unificagso italiana, As mulheres que no passado foram classificadas como “mulheres de bandidos’, “concubinas’, ou "bandidas por amor’, viram reconhecidas por 5 historiadores a sua participacao consciente na luta de resisténcia * Luigi Stocchi, Cieclla 0 1 briganti catabresi Napoli, Libreria Dante & Descai 1993 Nicola Misasi, Moria Oliviero in In magna Sila-Raccanti Calabrest Roma 1883. Versio cletrénica, (consultada a 3 de janeiro de 2015 em hittp://wwocliberiberitimediateca/libri/m/nisasifin_magna_sila/pdffin_mag_ pal * Francamaria Trapani, Le brigantesse, Roma, Canesi, 1968, wwnclepubew A literatura sobre 0 “brigantaggio” feminino: a caso tinico de Maria Rosa Cutrufelli 373 das populagdes do Sul diante do novo poder’. A leitura feita pela nova literatura sobre as Brigantesse & certamente em débito com a publicacdo de “La briganta’, de Maria Rosa Cutrufelli, livro do 1990 e ainda obra incomparével do género®. Cutrufelli, jornalista e escritora de sucesso, & autora de muitos livros, alguns traduzidos até em 20 idiomas diferentes, “La briganta’ foi o seu primeiro romance ¢ o titulo nao & casual. Brigante fem masculino pode ter o feminino em briganta. Nao € preciso utilizar ou tra desinéncia, como em brigantessa. Cutrufelli, escritora e jomalista de sucesso, confronta-se com a narragao duma personagem ficticia, mas rea- lista, enchendo o vazio de siléncio sobre as mutheres do brigantaggio. Ela, mulher ativa no movimento feminista e atenta aos problemas das mulheres, que investigou em textos fundamentais dos anos ‘70 ~ ‘80, tem também um ponto de vista pessoal da histéria apresentada na unificacao da Italia’. Cutrutelli esté consciente de que 0 brigantaggio era uma reagdo popular a uma unificagao vivida por o sul de Itélia como uma verdadeira ocupacao, sem beneficio nenhum, e com prejutzos socioecondmicos indeléveis. Além disso, a escritora siciliana argumenta que 0 periodo da pés-unificagao, sendo politicamente independente, permitiu as mulheres desempenharem um papel extraordinariamente importante e, muitas vezes, chegar até a mandar nos bandos. Nao é casual que a primeira personagem da escri tora siciliana & La Briganta. Cutrufelli chega a esta decisdo depois dum TCL Sobretodo Valentino Romano, Brigantesse: donne querrigliere contro fa con quista del Sud (1860-1870); prefecio de Edoardo Vitale; introducdo de Raffaele Nigro, Napoli, Contracorrente, 2007; Domenico Scafoglio e Simona De Luna, Le donne col fucile: le brigantesse dell alia postunitaria, Fisciano, Cues, 2007 Simona De Luna, Per forza 0 per amore: brigantesse dell'italia postunitaria, Cava de Tiereni, Martin, 2008. "Maria Rosa Cutrufeli Lo briganta Palermo, La Luna, 1990 © Sobre 0 ponto de vista historico da escritora cf, Maria Rosa Cutrufeli, LUnite dhtalio. Guerra contodina e nascita del sottosvluppo del Sud, Verona, Bertani, 1974. Sobre 0 seu compromisso feminista ct. ld, Linvenziane della donna: miti e teeniche di uno shruttamento, Milano, Mazzotta, 1974; 16, Nella ctté proibita, Milano, Tropea, 1997; Id, Disoccupata con anore: (avore e condiztone detia donna, Milano, Mazzotta. 1975; Id, Donna perche piangi?: imperialism e condizione femminite nellAfrica nera, Milano, Mazzotta, 1976, 1,, Economia e politica dei sentimenti: “la produzione femminite’ Roma, Editori Riuniti, 1980; Id, Grom’ 'acqua corrente, Parma, Pratiche,2002; ld, Cinvenzione della donna: mite tecniche di uno sfruttamento, Milano, Mazzotta, 1974; ld, Operaie senza fobbrica: inchiesta sul lavoro a domicitio Roma, Editori Riuniti, 1977. wre lusosofia net 374 Silvio Cosco cuidadoso trabalho de documentacao nos arquivos do estado italiano. En- ‘re os documentos dos julgamentos daquela época, a autora descobriu os nomes das mulheres extraordindrias que escolheram a luta armada an tiunitaria e por isso, foram enterradas no esquecimento e na mistificagao. A histéria, escrita e narrada por as homens e os vencedores, distorceu a essincia do brigantaggio feminino. Assim, nao é surpreendente que seja um romance "realista’ de 1990 que narre a coragem e a dignidade dessas mutheres através duma ficticia autobiagrafia. Margherita, a protagonista, € uma brigantessa anémala, mas verosstmil. "La Briganta” ndo é uma muther do povo, uma camponesa ou uma operéria como eram quase todas na realidade. Ela vem duma familia aristocrética. Margarita & protagonista duma breve epopeia fora da lei depois duma inféncia na nobreza, ¢ uma vida programada por outros. Ela torna-se briganta depois de fugir dum casa- mento forcado: mata o marido, ¢ junta-se & querritha antiunitaria, Tudo isso acontece numa aldeia do Sul de Itélia da primeira década da uni- ficagao, ferida pela negligéncia institucional do novo Estado. Em 1883, depois de vinte anos de prisdo, a Briganta decide escrever suas memérias Aeescotha da autobiografia um magnifico artifici literdrio, pela classe e pela educagao que tem a protagonista que difere das suas companheiras de armas, todas analfabetas. A escotha de Cutrufelli duma brigantessa de “sangue azul’, no entanto, nao parece tao forcada & luz duma, muito minoritéria, mas documentada, presenca de mulheres educadas nos ban dos. Embora a operacéo da protagonista-narradora seja a de escrever uum livro de memérias, a “escrita” nao ¢ 0 elemento-chave dessa mulher, que poderia facilmente ter sido analfabeta. O que faz Cutrufelli-Briganta 6 56 uma escotha narrativa que responde as necessidades de “fazer his- téria’. E preciso que seja uma mulher a dizer, a contar, ainda que seja ficgdo, 0 que os homens escondiam: a coragem dessas mulheres do século XIX que lutaram nao sé por razées politicas ou por a situagéo pessoal mas por uma verdadeira rebelido contra as imposigées sociais e culturais Margherita comeca a contar sua histéria “enterrada viva""? na prisao quase lamentando uma morte heroica na batalha. Escrever, para ela, & Trad. Maria Rosa Cutrufeli, La Briganto, Palermo, La Luna, 1990, p. 5 Todas as tradugbes 580 do autor do artigo, wwnclepubew A literatura sobre 0 “brigantaggio” feminino: a caso tinico de Maria Rosa Cutrufelli 375 um grito de liberdade, “que saia a minha voz da cela que contém o meu corpo. Hoje essa evasao é possivel: tenho papel, tinta, caneta e um pas- sado para recuperar do fundo do meu préprio esquecimento"''. “Talvez amanha alguém vai entender [...] que é uma enorme liberdade tomar a palavra"”” A escrita parece-the uma revanche “perigosa, uma coisa ousada, tal- vez até mais do que lutar na guerrilha nas montanhas"!?. Diz isso porque esté consciente do assédio textual que ela e outras mulheres iréo sofrer pelos espagos de liberdade ganhos com a forga das armas e da caneta A protagonista cresce num pais no especificado do Reino das Duas Si- cilias, onde vive tranquilamente "sem saber do édio ¢ da injustica até os 22 anos""'. A mae era uma intelectual nepolitena, O pai “era diferente escreve Margherita - se importava apenas da ascendéncia aristocratica da mulher com quem se havia casado, e, portanto, também toleravas as suas pathacadas, Primeiro de tudo, a educagao que me deu"", Neste contexto, ¢ dbvio que depois da morte de mae, Margherita fica perdida. O pai libera-se, literalmente, dos dois filhos: 0 irmao Cosimo é enviado para Napoles paraestudar, ela "vendida” para 0 casamento, Margherita é for cada a aceitar. "Meu marido comecou a desfazer o que a minha mae tinha construido"®. A destruigao da emancipacdo da protagonista materializa se nos livros que 0 marido faz desaparecer ["Jé nao hé livros nem misica na minha nova vida de casada"’’}. Esta condigao de humilhagao didtia, de segregacao doméstica, empurra a protagonista para uma onda de li bertagdo que parece inevitdvel: uma noite mata o marido durante o sono, golpeando-0 com um tijolo. Estamos em 1861, hd muito desencanto no Sul de Italia, exemplificado por seu irmao Cosimo. Ele também se tinha juntado 4 expedicao de Ga- ribaldi mas agora vé-se abandonado 8 sua sorte e torna-se brigante para lutar contra o exército italiano. Com este quadro sécio-politico, Marghe Tbidem Pip. 6 * bi, p. 7. hip. 8 hi p. 10 "hip 11 hip. 12 wre lusosofia net 376 Silvio Cosco rita torna-se uma assassina com 0 homicidio do marido, No entanto, ela no mostra sinais de arrependimento, mas pelo o contrdrio pois, seu ca- samento foi a pior priséo. No bando retine-se com o seu amado irmao, agora no bando de bandido Carmine Spaziante. Apesar do imenso carinho que une as dois, Cosimo, filho de seu tempo, parece incapaz de compreender as necessidades da irma que quer levar para um convento para que tenha refiigio. Margarita fica decepcionada pelas palavras que nunca teria esperado de seu irmao. A sua necessidade de liberdade est sendo ameacada pelos instintos de protecao do Cosimo, © convento representa uma nova priséo por sua irma. ‘A ansiedade de protecdo do Cosimo empurrava-me a fugit das minhas responsabilidades (...) @ ser espectadora passiva de minha prépria vida""®, diz a protago- nista lembrando como ela tinha apenas experimentado a liberdade. Em bora o irmaa represente a razao patriarcal, & importante ressaltar como Cutrutfelli o descreve como um personagem, no entanto, bastante positive. Principalmente, nunca quer julgé-lo. De fato, poderlamos dizer que o Cosimo é, a seu modo, uma vitima do seu tempo. Ele reage com espanto diante da forca de vontade de sua irma, “Livre por fim para fazer uma escolha’, que the repete: “Eu vou ficar, eu fico aqui com voce" Cosimo aceita com dificuldade essa escolha, e 6 outra mulher, Anto- nia, componente do bando fundamental para a integragao no grupo. Sé outra mulher pode permitir que a vontade do protagonista tome forma, conseguir @ sua “transformacao” em briganta. Fssas mulheres, tém uma verdadeira consciéncia de género, dado que estdo & procura duma recons- trugéo da identidade. Uma identidade que nao é fundada no masculino, mas persequida pessoalmente. Converte-se em sujeito depois de se ter livrado dos que a tinham limitado a ser objeto, seu marido, e até 0 mesmo amado irmao do qual rejeita a protecdo. Depois de ter enfrentado 0 Patriarcado, agora pode lutar contra a Patria, porque ela é uma mulher sacialmente consciente que se levanta contra as injustigas perpetradas pelo novo reino da Itdlia Th p 25 © hip. 26 wwnclepubew A literatura sobre 0 “brigantaggio” feminino: a caso tinico de Maria Rosa Cutrufelli 377 ‘Naquela época todas nos sentiamos vinculadas ndo a um homem’, mas a um destino comum' A dificuldade e a contingancia obrigam as mulheres a redescobrir a sua “irmandade’ "Pela primeira ve7 eu senti |...) um sentimento indefinivel que nao era singelamente medo. Era uma espera espasmédica, intolerdvel. Era 0 desejo de fazer precipitar os acontecimentos para ir mais longe"2". Nestas palavras, Margherita expressa 0 medo ea alegria de estar ali, de ser parte da Historia, enfrentar os obstaculos e superé-los. Margherita faz parte de todas as acées do bando, também as mais arriscadas “A inatividade forcada, eu preferia os riscos destes ataques". A espera € praticamente tudo 0 que a heroina ndo pode suportar, lembra-the a inatividade dolorosa ¢ humilhante da vida de casada. Com a sua arma mata os inimigos do exército italiano. Tem relagées cam o chefe do bando mais também com uma companheira. Quando o irmao vai para Roma em missdo despedem-se com amargura. Cosimo lembra-the 0 assassinado do marido, "Se voc’ ele te tivesse ofendido, nao era voc® que tinha que maté- lo e nao era vocé que tinha que pagar”. Além do forte amor por sua irma, em Cosimo hé uma atitude patriarcal e paternalista de quem vive no mundo onde os homens fazem o crime, ¢ vingam as suas mulheres, € também pagam as suas faltas. Como no reencontro, entao na despedida, a relacao entre dois irmaos torna-se uma relacao de incompreensao entre duas pessoas que se amam, um homem ainda no passado, uma mulher tentando desesperadamente mudar o presente. Se o marido de Margherita representava a ordem patriarcal violenta e opressora, Cosimo encarna aquela simbélica ¢ iqualmente daninha. O final é ébvio, O bandidismo, 0 brigantaggio, nao tem futuro. Muitos morrem, € a Briganta, a protagonista, salva-se somente pelos preconcet tos patriarcais da justiga italiana que nao acreditava na independéncia ideoldgica das mulheres na sua adesdo & querritha. As mulheres ndo so executadas, ndo passam por o fuzilamento. La briganta, como acontecia historicamente, vai para a prisdo e la, escreve Php 4 2 Wi pp. 44-45. wre lusosofia net 378 Silvio Cosco Por que é tao importante esse livro? Porque ainda hoje, muitos livros sobre essas mulheres do século XIX. Histéricos, literdrios, 0 de literatura histérica, escrevem sobre essas mu: theres com os mesimos estereétipos, A até num bom romance, por estilo literério, "Coccarde Rosse” de Annalisa Bari, a protagonista passa de bando em bando, de rebeldes ao exército, em fungao dos homens que conhece”” Por isso, € tao importante esse livro, como é to importante ressaltar 0s casos nos quais hd uma perspectiva de género to limpa. Sobretudo, quando so casos praticamente tinicos que deveriam ser um modelo lite- rério, ficar, estes sim, no c&none literdrio. Até mesmo nos titulos se poderd notar a repeticéa de esteredtipos patriarcais. Ct, Fulvio D'Amore, Michelina Di Cesare guerrigliera per amore: Le gesta eroiche della brigantessa tra Campania, Lazio, Abruzzo Molise (1862-1868), Napali, Controcorrente, 2012; Giordano Bruno Guerri, Il bosco nel cuore. Lotte © amori delle brigantesse che difesero il Sud, Milano, Mondadori, 2011; Annalisa Bari, Coccarde Rosse, storie di una brigantessa per case, Milano, Bompiani, 2012 wwnclepubew

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