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alkam metifor.# mal ge um atol 10 se trata ape- Rt aca 14 paralisado ou congelado, aixo. A situagao de emergencia obriga aestabelecer prio ridades, Nao se pode ficar esperando que 0 céu nos caia sobre a cabeca, que 0 pais quebre de uma vez, en- quanto ndo se faz nada e os aposenta~ dos continuam sem receber, os hospi- tais sem atender, os alunos sem aulas, fa seguranga piblica se deteriorando mais do que nunca, as obras inter- rompidas, eum cortejo de horrores se sucedendo, Jé que a realidade nao temnadaa ver com o mundo demen- tirinha que a propaganda governa~ ‘mental insistia em mostra, era obvio {quea conta dos desmandos ia chegar. Chegou, Com ou sem impeachment, ¢ ur- foco o tempo todo ou embromar e postorgar indefinidamente. As dis- ‘cusses precisam deixar delado arai- ‘va espumando, a saliva e as cuspara- das ¢ tentar enxergat as prioridades, ‘Vai ser preciso negociar, buscar con- senso, Seria bom se cada um de nbs, ‘ao menos para si mesmo, se prepa- rasse para esse debate e encarasse certas questoes. Por exemplo, quais ‘0s pontos fundamentais a enfrentar ‘com urgéncia? 1Na primeira pessoa, e sem preten- der impornada a ninguém, de minha parte creio que hé um tripé, no qual duas pernas séo emergencials: a eco- nomiae o respeito & Justica, ‘Hi que tomar medidas econdmicas Por um debate fecundo urgentes para restabelecer confianca no Brasil, mostrando que somos ca- pazes de ver e dizer a verdade nessa rea, merecemos credibilidade, rec nhecemos nossos erros e nos dispo- -los. Mais que isso, 6 éum valor respoitado ea politica eco- némica ndo serd uma rolha na gua, ao sabor de ondas eventos, mas uma navegagiio segura e consciente rumo a um porto determinado, mesmo que omar esteja grosso. ‘Ao mesmo tempo, tenhamos clare- za sobre as conquistas de que nao es- stos a abrir mao, sobre icados em nossa sociedad, a quantos e quais privilé- fgios podemos renunciar, que valor damos & equidade. Jé que o dinheiro piiblico nao ¢ infinito, a sociedade precisa definir onde ele deve ser gas- to, Que cada um veja o que pensa, Da- raarejara discussdo sem seguir ama- nada, Por exemplo, universidade pé- ‘de melhor quali empresas? Esta nério publico que Pensdes eternas para filhas e vidivas de militares? Aposentadorias prema- turas? Isencdo fiscal para igrejas? Pa- artidos politicos? Aumento dos recursos do fundo partidario? E preci- sa ter tanto partido assim? Tanto bu- rocrata pago com dinheiro pitblico? tério? Tanto deputado? jo? Onde se pode cor- tar? S80 muitos ralos por onde escor- Com ou sem impeachment, éurgente ter clareza sobre o que ¢ inadidvel e prioritério. Nao dé para desviar 0 foco 0 tempo todo reariqueza da nagao, vamos ter de fe- char alguns. Quais? Até que ponto va- ‘mos deixar que privilégios se confun- dam com direitos adquiridos? Vale lembrar que em nossa hist6ria, para retardar a Aboli¢gao, ja tivemos 0 ver- 30/4/2016 gonhoso argumento de que donos de fescravos, ao comprarem sua merca- doria humana, adquiriam direitos ‘que precisavam ser mantidos 0 denizados, Outra coluna prioritria a garantia de que a Justiga vai ser para todos, sem se tolerar qualquer tentativa de obstrui-la. Para isso, as investigagiies devem continuas, a Lava-Jato néo po- de ser cerceada, 0 Ministério Piblico ¢ 0 STF devem cumprir seu papel constitucional, o sigilo deve ser man- tido enquanto necessério e ceder a ‘vez 9 iransparéneia e A publici quando nao o for mais, Como manda, Garantidos esses dois pilares bi os, vai ser preciso enirentar o terce ro: mudar aestrutura eleitoral e part daria que distorce nossos votos ponto de sentirmos que os chamad representantes do pove nao nos 1 presentam, Essa reforsha politica am plaé também fundamental, para carmos regras que aperfeicoem. processo ¢ evitarmos a repeticao de sas tristes realidades a que temos sistido — das campanhas mentiro vencedoras, a eleicio de candidat menos votados que os derrotad« Serd necessério eriar antidotos par ‘compra de votos ¢ punir a corrup “esperta’ disfarcada de legal. Limit © foro privilegiacio ou acabar com el Discutiro fim da reeleigao, voto trital mi mente essencial, exige um deb: multifacetado e constitul um pr so mais lento e menos emergencial ‘Se conseguirmos prioritariam ‘aumentar a conflanga na econo! ‘com medidas responsdveis e efici se garantirmos a continuld investigacdes na Justica, estai mos dando 0s primeiros pasos. gigante, mas possiveis. O pais t institulgoes fortes, quadros cap: potencial para isso. Porém, cada deve ter consciéncia de quanto dispoe a colaborar para um debi mais isento ¢ realista. Mais tt cundo, E caminhar nesse sentido. ‘Ana Maria Machado éeserttora 5 |octoao (uinta fora 28,4,2016 O GLOBO Opiniao Eduardo Cunha mancha o Congresso processo instaurado contra o pre- 3 da Camara, Eduardo Cu- nha (PMDB-R)), bate recorde de da Casa, com causadas por ms - : hd no Supremo pedido do pro- Republica, Rodrigo Janot, afaste Cunha do cargo, cu- jos poderes so manipulados por ele em de- fesa propria, Formalmente da base do Serti saulével para o pats se, passado ‘impeachment, o STF der sequéncia ‘aos inquéritos existentes na Corte sobre o presidente da Camara e demais politicos (ou pedido deimpea- te, erincia de Cunha com PT e Dilma, - bem como sew prontudrio, é usada para des- ualificar o processo de impedimento, tacha- do de “golpe” pela presidente e lulopetistas. Fingem nao saber que toda a go do impedimento tem respaldo no Supremo, res- ponsével pelo rito do processo, e que até agora rejeitou recursos impetrados por Dilma, Além de tudo, a admissibilidade do pedido de impeachment de Dilma recebeu sinal verde na ‘Camara com votagao maciga,¢ deverd ser apro- vada pela comissdo especial instalada no Sena- do para decidir se 0 processo iré a julgamento, ‘Tudo amargem de Eduardo Cunha, Mas @ sobrevivéncia do mandato dele mancha 0 ‘Congresso. Ja existem contra Cunha quatro in- quéritos ¢ uma acao penal no Supremo, além do pedido de afastamento da presidéncia da ‘Camara protocolado pela PGR. ‘Sua bancada de defensores no Conselho de Etica atua com extremo cinismo, Deseja que ele seja julgado apenas pela acusacao de ter ‘mentido, na CPI da Petrobras, ao garantir no ‘er contas na Suica — as quais de fato possul, ‘As provas da existéncia de dinheiro nao de- clarado no exterior, a bancadaacha desimpor- tantes, 0 lobista Fernando Baiano, jé conde- nado pela Lava-Jato, depos no Gonselho na para Cunha, mas disse do saber de contas no exterior. O que parece ter agradado aos aliados do presidente da Ci- mara. Mas o préprio Fernando Baiano, ao ser sabatinado, disse que o nome certo para aque- le dinheiro 6 mesmo “propina’ A expectativa é que, passado o impeach- ment, 0 Suptemo acelere definigdes sobre acusagées a parlamentares encaminhadas & Corte pela Lava-Jato, entre os quais Eduardo ‘Cunha, Renan Calheiros (PMDB-AL), presi- dente do Senado, e varios politicos também de outros partidos. Serd um desdobramento saudavel para as instituigdes republicanas, © 18 | octos0 O verdadeiro golpe é 0 das ‘diretas teria surgido em hos- , quando a aprovacao da as previsdes do afastamento de fato da presi- dente pelo Senado. “Marear para logo eleigdes de presidente e vice — quem sabe, até gerais — ofuscaria a amarga derrota do partido no impedimento de Dilma, daria chance de uma volta por cima para o PT, aso 0 proprio Lula se candidatasse — a depen- der da Lava-Jato € do Supremo —, e ainda arre- banharia 0 apoio dos muitos que se assustam ‘com Michel Temer e com os que o ceream. ‘A, na aparéncia, sedutora bandeira do “nem ila nem Temer” logo ganhou o apoio desa~ Ibrido de Marina Silva, da Rede, nao por coi ééncia quem tem aparecido em boa colocag nas pesquisaseleitoraisfeitas no turbilhao da crise, Nada eontra o senso de oportunidade, E O GLOBO Saeco 30.4.201 ——. Opinio Amanobra, de origem petista, esbarra em obstéculos intranspontveis, como anecessidade de Temer renunciar ¢ ‘sua prépria inconstitucionalidade legitimo politico almejar 0 poder e se mobili- var diante de uma possibilidade, pelo menos te6rica, de chogar I Dez senadores de PMDB, PSB, Rede, PDT, PSD ¢, 6 claro, PT © PCdoB, acabam de enca- ‘minbar carta a Dilma pedindo que ela envie proposta de emenda constitucional para con- vvocar eleicdes presidenciais, fazendo-as coin- dit com o pleito municipal de outubro, E re- i muneie & Presidéncia, por obvio. ‘A manobra se relaciona com o discurso de Dilma de que conta com o respaldo de 54 mi- hoes de votos, maneira de dizer que apenas a cleigéo direta da legitimidade. Ora, mas o vice da chapa também fol eleito pelo povo. Um grande complicador da esperta opei Emaisdo que perguntar se o tru- ue € vidvel & luz da lei maior, a Constituig Eni é, A proposta de uma emenda consti- tucional com este fim é no minimo cavil Porque para uma PEC ser aprovada e ‘quérum de trés quintos de cada Casa, ou (na Cimara, 308 votos), enquanto o im ‘ment o afastamento do cargo, requer d 608 de apoio, 66% (342 votos). Como esta PEC objetivaria o mesmo que um processo de im- pedimento, a inventividade politica, no mau sentido, teria construfdo um atalho para se aprovar impeachments com menos votos que ‘oestabelecido na Lei. Isso, além do fato de que nao é possivel 0 Congresso reduzir mandatos. Assim, o presi- dente e o vice teriam de renunciar, mas, para 2 s> ja este caso, também ha regras na Carta direta até 0 meio do mandato; ind: ois disso, ‘O ponto central da questao éque o Brasil tem de deixar de buscar formulas casuisticas, supos- amente milagrosas, para enfrentar crises polit- cas, Desde o mensalio, ¢ agora com 0 petrolao, passando pelo impeachment de Collor, 0 arca- bouo juridico e as insttuigoes brasileiras jé se ‘mostraram capazes e fortes o bastante para res- gata o pals de rurbuléncias.B preciso pararse, de moldar formulas de conveniéncia, Em entrevistas, Marina Silva diz que reco- nhece haver base legal no impeachment de Dilma ena consequente posse do vice — “mas rio resolve 0 problema’ O perigo mora nesta | frase, Foi por pensar o mesmo da permanén- cia de Jango no Planalto que o general Olimpio sm margo de 64, desceu com tropas Fora para o Rio, as trevas se abate- ram sobre o Brasil durante 21 anos. « ea Dutta 28.4:2016 oatoso! 17 Mii ii ia! ese meena VERISSIMO A segunda vitima E 1a Improvavel que a alguns dos poucos minutos da sua uma mobilizacao geral para contestar 0 participagdo na conferéncia sobre ima nas Na¢Oes Unidas para fa- golpe que ameaga seu govern ainda ndo dito. Os ministros do Supremo Celso de Mello ¢ Gilmar Mendes se apressa- ram adeclatar que, 20 contrario do que aDil- ma poderia dizer na ONU, o impeachment em curso estava longe de serum golpe. Estra- nho agodamento de quem, cedo ou tarde, te- ré que julgar questionamentos juridicos do que esté ot nao est acontecendo no Brasil. Mas nao importava a inconfidéncia esponta- nea dos mi importava a negagao do que aDi ‘Antes que ela dissesse. © Senado mandouo senador Aloysio Nunes atras da Dilma, coma missao derebater o que ela falasse, fosse o que fosse. E a Camara, que ‘inheiro para pagar a passagem de uma testemunha de acusagao do Eduardo Cunha na sua comissao de ética, subitamente ‘encontrou uns trocados no bolso de outra cal- ‘ga e mandou dois deputados a Nova York, também para desmentir a Dilma. Nao se sabe exatamente 0 que 05 dois fariam, se Dilma pronunciasse a palavra “golpe” Pulariam das NGose sabe exatamente o que os dois deputados enviados a Nova York fariam, se Dilma dissesse a palavra ‘golpe: Pulariam das suas cadeiras e gritariam ‘mentira!’? megarlam a cantar 0 Hino Nacional para abafar a voz da traidora? Nunca saberemos. lou em golpe & vontade. Mas wte do mundo, frustrou a ex- pectativa de todos. O pénico foi em vao. Os dois deputados brasileiros teriam sido bar- rados na entrada do plenério de ONU, mas isso eu nao sei se é verdade. Teria sido um final adequado para a farsa, ‘Dizem quea primeira vitima de uma guer- a6 sempre a verdade. Se for assim, a segun- dayyitima 6 certamente 0 senso do ridfculo. clima de acieramento po! afetando criangas. Em uma escola de Sto Paulo, no meio da aula, um aluno desenhou a presidente Dilma sendo cada, provocando polémica entre 0s cole- — 0 que revela oquante esto endo impac” 3s pelo clima de ddio, vendo o diferente co- tum inimigo a ser exterminado, conforme a tagem da BBC “Politizacao da infancia? amento chega ao playground e causa preo- cao! de 14 de abril de 2016, Sessao que votou a admissibilidade do im- hhment, em 17 de abril, o deputado Bolso- Gedicou 0 seu voto ao coronel Brilhante a, ex-chefe do DOL-Codi, reconhecido tor- dor da ditadura, inclusive por deciséo judi- jconfirmada por tmanimidade pelo Tribunal stiga de Sao Paulo. O deputado Incorren inaceitivel apologia tortura, famentandoo urso do dio e da intolerancia, totalmente smpativel como decoro parlamentar, em vi- So & absoluta prolbigao da tortura, tanto no io constitucional quanto internacional, me-se, ainda, a violéncia politica de ordem sta, levando a ONU Mulleres a advert. no de abril, em nota piblica sobre a situagao ica no Brasil, que “nenhuma discordancia ita OU protestos pode justificar abanalizagio léncia de género — prética patiarcal e mi- @ que invalida a dignidade humana’ O uso aliicativos sexistas e ofensivos, envolvendo 10 pomografla, que tem circulado nos mei- cis contra a presidente da Republica con ‘o debate politico em grave violacdo & figura ler que exerce o cargo piiblico, em brutal a4 todas as mulheres, bem como & ordem 8 ordem internacional, impeachment desudo; publica- m “O Estado de S.Paulo” dia 18 de abril, 0 tor Flivio Tavares afirmou que “fol recon- inte Vero povo sair is ras, extemnarideias ¢ ides ‘sim’ ou ‘nao: Mas sem politica nem onflévets se imitao fanatismo do fute- dio estéem todas as partes (.,). Bainto- cia tudo permite.” 1 Nesses momentos de ano- il, afloram emoebes, radicalismos ¢ cer- absolutas, que inviabilizam o didlogo e 0 to as diferencas de opinifo. A intoleréncia Ahist6ria da humanidade tem revelado periodos de profunda desordem, nos quais partimetros basicos da vida social parecem ter desaparecido ‘coma diversidade de perspectivas se cristaliza no 6dio a fomentar embates violentos. A critica pro- positiva é substituida pela critica destrutiva, e a auséncia de pontes de comunicagio entre dife- rentes posigdes gera estratégias de confronto aniquilamento, O Brasil vive hoje um momento de acentuada inseguranca politica e econémica, om ut cenrio piblico marcado pela intolerin- cia, pelo 6dio e pela polarizacao, ara a consolidagao democratica — além do fortalecimento do Estado de direito e de suas Anstituicoes, da garantia da ética, da probidade, da transparéncla e do eficaz. combate & corrup- a0 — essencial é a prevaléncia dos direitos hu- ‘manos, do pluralismo polftico, do debate desar- mado, do didlogo livre, do respeito para com o ‘outro, do dissenso pacifico e da salutar diver- ‘géneia. Fundamental é combater o nocivo dis- curso do 6dio em que a palavra carrega a méxi ‘ma violéncia do discurso a fomentar a violéncia multifacetada,fisica, politica, cultural e de ani- uilagdo do “outro! A intolerancia se alin deideologias de superioridade baseadase ferengas, sejam étnico-raciais, de género, ‘acionalidade, diversidade sexual ou grup Itico.fsporisso.quena democracia tudo se 1, salvo a intolerincia. Para o fildsofo alemao Habermas, as soc des democraticas demandam a abertura d agos comtinicativos e a possibilidade de cipagio geral, por meio do reconhecim ‘mituo dos individuos como seres auténo livres ¢ iguais, membros de uma comuni comum. 0 didlogo livre e destemido, a ex io de argumentos e a critica publica em ambiente pluralista séo imperativas cond ao regime democritico, sempre fundado no pelto a0 outro, seja quem for Em tempos de écio, emerge o desafio mai Tomper com a cultura da violéncia e da intole a, que tanto esta a comprometera forma presentes e futuras geragdes. O pluralism, versidade, o respeito e os direitos hum compdem, mais do que munca, a propria s guarda do Estado Democritico de Direito. ‘Flavia Piovesan é procuradora do Estado de Sac Paulo e professora da PUC-SP e Jacqueline Pitan ésoci6loga eintegrantedo Conselho Nacional dk Direltosda Mulher FABIANE MARIA DE JESUS, morta, 20s 38.enos, no Guarujé “MATARAM A MULHER?” AGENESE DO LINCHAMENTO QUE CHOCOU 0 BRASIL ANDRE PETRY ‘dia em que seria espancada atéa morte por uma multidgo furiosa, Fabiane Ma- ta de Jesus acotdou ansiosa para estrear sila nova aparéncia. Cansada da longa cabeleira negra, mandara corté-la a al- tura do pescocoe, na noite anterior, logo {que o marido sain para seu trabalho no- tumo, esolveu mudar a cor dos cabelos, Descoloriu-os com égua oxigenada e pintou-os de loi. Eles ganharam uma cor de fogo, entre o vermetho 0 amare- Jo. Conclufda a mudanga visual, Fabiane tomou o remédio para dormir que Ihe fora receitado havia trés semanas, eadormeceu de cabelos novos na sua iltima noite de mulher faceira. De man cedo, vestiu um short Jeans, uma blusa tomara que caia e uma jaqueta, também de eans, ecolocou um boné para esconder 0s cabelos no- vos, Pronta, pegou a bicicletae saiu para passear. Sua so- gra, Maria de Jesus, que mora no andar de cima da casa, Percebeu no ar o movimento matinal de Fabian Eu sentio cheiro do perfume dela, Precipitou-se até a varanda do andar de cima para Ihe falar, mas Fabiane dobrava a esquina de bcicleta. Foiatiltima vezquea vu. Era quase meio-dia, Fabiane j passarana casa de uma prima ejé pedalara pela Praia das Pitangueiras quando re- solveu iraté oservigo do marido, que ainda nao tinha visto seus cabelos novos. ison, seis anos mais velho que Fabia- ne, trabalhava noite na portaria da colGnia de eras do Ba- nespa, na Praia das Astirias, Costumava voltar para casa antes da da tarde. Naquele dia, quando Fabiane chegou, cle acabara de deixaro trabalho. —Soube depois que fazia uns dez minutinhosque cu ti- nha saido quanklo ela chegou — diz ovitivo. Foiatiltima vez.que se desencontraram. No fim da tarde daquele sibado, 3 de maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus, 33 anos, casada, me de dus mi ninas,uma de 12anos ea outra de apenas 1 ano, estavai ternada na UTI do Hospital Santo Amaro, no Guarujé,l- toral dea Paulo, em estado gravissimo, depois de passar ‘quase uma hora sendo amarrada, arrastada, chutada e es- ppancada por uma multidao quea confundiu com uma mui- Ther que, diziam, andava sequestrando criancas para ar- rancar-Ihes o coracio em rituais de magia negra. Apos re- Sistir por 36 horas, Fabiane morreu na manhi de segunda- {eira, S de maio. Seu corpo, dentro de um caixdo branco e ‘cor-de-rosa, esta nailtima gaveta do cemitério Jardim da Paz, a G-119. Nao ha cemitério feliz, mas ha cemitérios, mais tristes que outros. Ali, as sepulturas so de uma: plicidade precaria, com flores de plistico e anjinhos de gessoencardido, eas datas denascimento emorte nas li pides informam a alarmante juventude dos mortos. “No dia 24 de abril, quinta-feira, apareceu um alerta tenso no Facebook, a rede social que Morrinhos inteiro conhece e acessa. A sequestradora fora vista num bairro ali perto. O perigo estava préximo” (MORRINHOS € UM BAIRRO da periferia do Guaryji onde moram 20000 pessoas. Dividido em quatro partes, as dluas primeiras tem casas de alvenaria, ras pavimentadas um comércio que pendura no umibral das portas as mer- cadorias a vencla, As outras duas séo mais pobres, com ruas de terra, esgoto a céu aberto, barracos de madeira ou \co erguidos sobre palafitas numa drea de mangue, © ‘uma violéneia endémica. Os rumores sobre sequestrado rade crianeas apareciam e summiam na periferia, mas em abril de 2014 comegaram a ganhar proporgdes inauditas © um elima de panico baixou sobre Morrinhos. Habituadas 2 inseguranga piblica ea auséncia da poticia, as maes co- ‘megaram a proibir os filhos de brincar na rua. Algumas

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