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MATEMATICA UNIVERSITARIA n233 — dezembro 2002 — pp. 83-95 O Ensino do Calculo e da Andlise Geraldo Avila Quando introdusida na hora errada ou no lugar errado, a boa ldgica pode ser o pior inimigo do bom ensino. (G. Pdlya) Muitas das atuais teorias matemdticas surgiram da. ciéncia aplicada e 36 depois adquiriram aquele aspecto axiomdtico que tanto dificulta seu aprendizado. (V. I. Arnold) 1 Panorama do ensino até 1960 Até aproximadamente 1960 o ensino do Calculo em nossas escolas supe- riores — fossem Faculdades de Filosofia (cursos de Matematica e Fisica) ou Escolas de Engenharia — seguia os moldes dos livros europeus, co- mo 0 de autoria do francés Edouard Goursat ou o do italiano Francesco Severi, Os cursos entdo estruturados incorporavam © que hoje costuma- mos distribuir em disciplinas separadas, como o Calculo propriamente e a Andlise Matematica. Era o modelo dos famosos “Cours d’Analyse” das escolas francesas, nos quais se ensinava tudo o que hoje incluimos nas disciplinas de Célculo de uma ou mais varidveis, e mais ainda fungdes de uma varidvel complexa, boa parte das equagées diferenciais ordindrias e um tanto das parciais, geometria diferencial de curvas ¢ superficies e um pouco de andlise de Fourier. A geomeiria analitica figurava em disciplina 4 parte como acontece até hoje. O autor destas linhas, por exemplo, quando cursou a faculdade de 1953 a 1956, teve um curso de trés anos de Andlise Matematica, incluin- do todos os tépicos aqui descritos. E o curso comegava, logo no primeiro ano, com a teoria dos mimeros reais, nogdes de topologia na reta, fungdes eo 84 continuas em intervalos fechados, conjuntos compactos, etc.; juntamen- te com derivada e aplicagées, méximos e minimos, comportamento das fungées, e assim por diante. Aprendia-se o Célculo juntamente com a Andlise. E 0 curso nao inclufa nenhuma recordacdo de trigonometria, logaritmos ¢ exponencias, ou quaisquer oniros topicos que figuravam no ensino médio. 2 As mudangas A partir de 1960 as coisas mudaram rapidamente. Os livros americanos tomaram o lugar dos livros europeus. E assim surgiu entre nés 0 costume de ensinar o Calculo primeiro, ficando a Andlise Matematica para depois, numa. disciplina separada. Nos Estados Unidos j4 era habito corrente ministrar um primeiro curso de Andlise numa disciplina de “CAlculo Avangado”. Era assim também no ITA de S. J, dos Campos, desde o inicio dessa instituigao; isso por influéncia dos professores americanos que ld organizaram o ensino. Nao obstante essas mudangas, aquela insisténcia numa apresentagao rigorosa do Célculo desde o primeiro ano, que se havia instalado nas escolas do Rio e Sao Paulo por influéncia dos professores europeus, essa insisténcia persistiu por algum tempo, e persiste até os dias de hoje em certas escolas, como se vé em alguns livros de Calculo de autores brasileiros. A marca mais visivel disso é a introdugio, logo no in{cio do curso, da definicdo de limite em termos de ¢ e 4, e conseqiiente dedugio das propriedades do limite. Um livro assim “rigoroso”, que usamos logo no comego da Universidade de Brasilia no inicio dos anos sessenta, foi o texto de Johnson e Kiokemeister. Também nos Estados Unidos esse livro foi usado em varias escolas, tanto nos anos sessenta como na década seguinte. 3 Os novos textos © primeiro autor a marcar mudanga significativa no modo de ensinar Céleulo foi Serge Lang, cujo livro aparecen pela primeira vez em mea- dos dos anos sessenta, logo seguido pelo de Bob Secley. Fsses autores reconheciam que nao era, realista ensinar a teoria rigorosa do limite no inicio de um curso de Gélculo, e seus textos, principalmente o primeiro, 85 influenciaram muitos dos livros que tém sido escritos desde entao. Os livros desses dois autores foram traduzidos e publicados no Brasil. J& faz mais de uma década que se desencadeou nos Estados Unidos um movimento de reforma do ensino do Calculo, e, pelo menos um texto que essa reforma produziu ja foi traduzido e publicado no Brasil. Afora isso esse movimento ainda no teve influéncia significativa entre nds; de certo modo isso é bom, pois inovagées desse tipo levam algum tempo para corrigir rumos e se impor pelas vantagens que realmente oferecem, © que nem sempre € 0 caso; haja vista a famigerada reforma da “ma- tematica moderna” dos anos sessenta, que foi um fracasso, nao obstante os muitos ilustres nomes dos que a defendiam. 4 As melhores inovagées As pessoas mais velhas, quando se referem aos hébitos de seu tempo costumam apresentar as virtudes desses h4bitos, mas nem sempre falam de suas desvantagens. Nao ha de ser esse 0 nosso caso aqui. Alids, 6 por causa das dificuldades que enfrentamos como estudante do nosso velho curso de Andlise Matematica que reconhecemos 0 erro pedagdgico da orientacéio entao usada e das virtudes das mudangas que vieram com a separacao entre o ensino do Calculo e da Andlise. E temos plena con- vicgdo de que os fundamentos da Andlise, como a definigao e-6 de limite, nao deve figurar no inicio do ensino do Calculo. ‘As coisas devem ser assim, ndo somente porque os alunos que ingres- sam nos cursos superiores ainda trazem muitas deficiéncias de formagao basica, mas principalmente porque, sé depois de terem entendido bem o conceito de derivada e visto algumas de suas aplicagées, é que estarao devidamente preparados para prosseguir no estudo dos fundamentos. Para bern entender essa “ordem natural das coisas” 6 conveniente fazer uma digressao histérica. 5 Uma retrospectiva histérica Sabemos que Arquimedes (287-212 a.C.) lidou com as idéias do Céloulo Integral em seus estudos de areas e volumes (a propésito veja o excelen- te livro de G. H. Edwards, Jr [E], 0 capitulo 2 é sobre Arquimedes), no | 86 entanto o Célculo nao se desenvolveu na antigiiidade, ficou esperando mais de dezoito séculos para desabrochar por inteiro, o que s6 aconteceu nos tempos modernos. Foi se desenvolvendo aos poucos durante todo o século XVII; e foi s6 no final desse século que o Teorema Fundamental foi claramente reconhecido como elemento importante de ligacdo entre a derivada e a integral. Uma das razées por que o Cadlculo nao se desenvolveu com Arqui- medes, ou seus sucessores imediatos, foi a insisténcia exagerada no rigor das demonstragées e na preocupagéo em evitar o infinito a todo custo. Arquimedes lidou com situagdes que sugeriam claramente passagem a0 limite com um certo parametro n tendendo a infinito, mas recusava-se a fazer essa passagem. Contornava a situacio com o complicado método de “dupla redugdo ao absurdo”, gracas ao qual conseguia provar seus resultados {veja [A], onde descrevemos esse método). Mas como desco- bria seus resultados? Ele se valia de passagens ao limite, ainda que nao as pudesse justificar rigorosamente. Em outras oportunidades recorria a. raciocinios fisicos. O fato é que, feitas as descobertas, ele as apresentava. com demonstragées rigorosas, como explicamos em [A]. A mais significativa caracteristica da Matemdtica grega era precisa- mente essa insisténcia no rigor e no cuidado em nao utilizar o conceito do infinito, pelas contradicSes que poderia acarretar. Como varios aba- lizados historiadores da ciéncia j4 observaram, esse trago do pensamento grego foi a causa principal que levou a Matematica da época a uma com- pleta estagnagio. De fato, a descoberta dos incomensurdveis no século TV a.C. marcou a primeira crise de fundamentos, pois foi interpretada como significando morte certa ao ideal pitagérico de tudo explicar no mundo dos fendrmenos em termos do numero. Certamente era assim desde que por “mimero” se entendesse apenas os ntimeros naturais.’ Tivessem eles tido a coragem de alargar 0 concei- to de niimero, admitindo as fracées e os irracionais, e tudo prosseguiria muito bem, com o préprio ideal pitagérico enriquecido em sua inter- pretacSio, ao invés de descartado. Mas no, dentro daquela orientagao excessivamente rigorosa, os gregos encontraram uma safda para a crise na teoria das proporcées de Eudoxo. Essa teoria, descrita no Livro V dos Elementos de Euclides (e que tratamos em artigo na RPM 7), é re- 1Qs grogos nem consideravam 1 como ntimero; 1 era apenas a unidade a partir da qual se formavam os mimeros. | 87 almente genial, mas acabou enveredando a Matemdtica grega para um caminho excessivamente geométrico. Em conseqiiéncia, a Matematica numérica (Aritmética e Algebra) s6 veio a aparecer no Ocidente euro- peu a partir do século XIII da nossa era, importada da India através dos arabes. E foi sé em fins do século XVI que a Algebra alcancou a maturidade necessdria para o definitivo desenvolvimento do Cdlculo no século seguinte. E importante notar que esse desenvolvimento mais recente da Ma- tematica se deveu a duas causas principais. De um lado as obras clAssicas antigas, principalmente as de Euclides e Arquimedes, embora estivessem disponiveis em tradug6es latinas havia séculos, demoraram para ser de- vidamente assimiladas, coisa que s6 comecou a acontecer plenamente em fins do século XVI. E a partir de ent4o tiveram influéncia decisiva nos novos desenvolvimentos. Ao lado disso ha que se considerar a atitude dos matemdaticos da época, que nao se pautavam pelos mesmos padrées de rigor dos mateméticos gregos. Bonaventura Cavalieri (1598-1647), que popularizou bastante as técnicas infinitesimais dos indivisiveis, cui- dava de suas aplicagées ao cdlculo de dreas e volumes, deixando de lado qualquer preocupagdo com a demonstracio rigorosa dos resultados, coi- sa que, segundo ele, deveria, preocupar os fildsofos, nio 0s matematicos. Essa atitude pratica, seguindo raciocinios intuitivos e de visualizagio geométrica, predominou por cerca de 200 anos, até o comego do século XIX. Leonhard Euler (1707-1783), considerado por muitos 0 maior génio matematico de seu tempo, foi também o maior mestre dessa atitude pratica, que fez dele um verdadeiro desbravador das mais diversas 4reas da Matematica e da Ciéncia Aplicada. 6 Exemplos concretos Vamos mostrar agora, através de exemplos concretos, como é mais sen- sato apresentar os conceitos através de situagdes em que eles sao efeti- vamente solicitados. Comegamos lembrando que o conceito de derivada antecede o de limite. Para Leibniz, ainda em fins do século XVII, a derivada era entendida como raz&o de quantidades infinitesimais, ou se- ja, quantidades positivas, porém inferiores a qualquer nimero positivo, uma concepgio em si contraditéria, mas que frutificou, e muito. Foi d’Alembert, em meados do século seguinte, o primeiro mateméatico a in- 88 terpretar a derivada como limite de uma razio incremental. Ei por isso que ainda hoje continua sendo pedagogicamente mais adequado introdu- zir primeiro a derivada, o limite aparecendo de maneira natural através da derivada; sé depois que o aluno assim se familiariza com limites é¢ que ele estard preparado para bem compreender a defini¢ao precisa des- se conceito e poderd estudar suas propriedades de maneira proveitosa. Consideremos 0 problema de calcular o declive da reta tangente & curva y = f(x) = 2? em x = 3. Comegamos com o declive da reta secante pelos pontos (3, 9) e (x, x”): [@)-1@)_ v=? _ (+3) 3) 23 a3 zoe Esta iiltima expressio mostra claramente que o limite da razéo incre- mental é 6 quando # -+ 3; e o aluno nao tem dificuldade em compreender e aceitar isso. No entanto, se quisermos comegar primeiro com a nogao de limite, sem falar em derivada, e pusermos o problema de calcular o limite de 32 2-3 com 2 tendendo a 3, ai ndo teremos como explicar ao aluno por que estamos considerando essa expressio, por que nado comegamos logo com ela em sua forma simplificada 2 + 3. Exemplos como esse sao frustrantes para quem inicia o ensino pelo conceito de limite e nao o de derivada. Os primeiros limites interessantes que aparecem num curso de Calculo sao os limites de sense cos aE — e a £ E com 2 tendendo a zero. Eles sao necessdrios no célculo da derivada de senz. E s6 serio bem recebidos pelo aluno se foram apresentados nesse contexto de calcular a derivada de sen x; do contrario o aluno nao entenderd o rumo em que esté sendo conduzido, E uma das piores coisas do ensino é isso de ensinar conceitos com a recomendagao de que “vocé vai precisar disso mais tarde, n&o queira entender agora”. Certamente hi muitas coisas cujo aprendizado é dificil de ser explicado a cada momento; mas sempre que pudermos devemos preferir os caminhos que facilitam essas explicagdes. FO ] 89 | 7 A continuidade A continuidade é um conceito que faz pouca falta num primeiro curso de CAlculo, enquanto n&o temos de lidar com fungées descontinuas. A situacdo aqui é parecida com a nog&o de conjunto néo enumerdvel; que falta faria tal conceito, enquanto todos os conjuntos encontrados fossem enumerdveis, como 0 conjunto dos inteiros e dos racionais. Foi s6 quando Cantor demonstrou que o conjunto dos niimeros reais é nao enumerdvel que ele sentiu necessidade do novo conceito. A pouca necessidade do conceito de continuidade durante todo o século XVIII explica porque, naquele século, nunca ficou muito claro o que se entendia por func&o continua ou descontinua. O proprio Euler ora encarava a continuidade de um ponto de vista geométrico, ora de um ponto de vista analitico. Por exemplo, seria continua uma funcdo que fosse dada por uma tnica expressdo analitica, como 222 co gat mfg oe +t? Mas essa mesma fung&o possui também duas expressdes analiticas, f(z) =a se c 20; f(z) =—-a se 5 <0, sendo entdo descontinua! 1 A conceituagao definitiva de continuidade sé foi possivel depois que fungées descontinuas comecgaram a surgir naturalmente, como aconteceu nos trabalhos de Fourier sobre propagagio do calor. Nesses seus estudos Fourier lidou muito com séries trigonométricas, que deram origem a fungdes descontinuas a partir de fungdes continuas. Exemplo cldssico disso é a série 2 (_yyntt sen2a , sen3x senda 2 +3 et La sen ng. f(z) =sena — Os termos dessa série sfo todos eles funcées continuas; no entanto, a soma f é uma fungo descontinua, com saltos em todos os pontos 2 = nr (figura 1), e pode ser assim descrita: Se) =2/2 se —m 0, € 91 isto prova que f é continua em z = 0. Para derivar f em x = 0, devemos considerar a razéo incremental J@)- #0) _ #0) _ od z-0 x Ora, esta expressiio ndo tem limite com x — 0; logo, f nao 6 derivavel na origem. Geometricamente, 0 que se passa, quando « > 0, é que a re- ta secante OA fica oscilando indefinidamente entre OA, e OA_ (figura 2), nao existindo reta tangente ao gréfico na origem. Exemplo 3. Consideremos agora a fungdo fle) = sen 2 para r£#0 © f(0)=0, que, como a anterior, é continua, inclusive na origem; e que também 6 derivvel nesse ponto, pois #0) = im fo 10) = lim (sen ) =0. Entao, f’(0) = 0, provando, como queriamos, que a derivada existe na, origem. Geometricamente, vemos que, 4 medida que z tende a zero, a reta secante OA oscila infinitas vezes para cima e para baixo (figura 3), aproximando-se cada vez mais do cixo Oz, eixo este que é a reta tangente & curva na origem. Observe que essa tangente corta a curva numa infinidade de pontos em qualquer intervalo contendo a origem. Observe também que, para 7 4 0, , 1 1 f@= 2esen = cos =. Como esta tiltima expresso nao tem limite com « -+ 0, f’ é descontinua, na origem (embora esteja definida para todo z, inclusive a origem!). Ge- ometricamente, a reta tangente ao grafico de f(z) oscila infinitamente, sem ter limite com # + 0, como ilustra a figura 3. Com este ultimo exemplo exibimos uma funcdo f, definida, con- tinua e derivavel para todo « real. No entanto, sua derivada g = f’, embora definida em toda a reta, 6 descontinua em 2 = 0. E esta descon- 92. tinuidade surge de maneira natural, sem artificialismo, apenas porque derivamos a fungio f. Esse exemplo ilustra o que dissemos antes: 0 conceito de “conti- nuidade”sé adquire importancia com o surgimento natural de fungées descontinuas, como 6 0 caso da funcdo g anterior. Uma das dificuldades do ensino da continuidade logo no inicio de um curso de Célculo esta, justamente na impossibilidade de exibir uma fung&o descontinua que ndo tenha sido construida artificialmente. $6 depois de familiarizar o aluno com as funcdes sen e sen(1/x) ¢ que somos capazes de chegar, pelo processo natural de derivagao, a uma funcao descontinua. 8 Oconceito de fungao Os estudos de Fourier se iniciaram em fins do século XVIII, ¢ culmina- ram com a publicagéo de seu livro [F] em 1822. Ja nesse livro aparece também, pela primeira vez, uma concepgio de fungéo desgarrada da idéia de que fosse preciso uma “formula” para definit uma fungio. Fou- rier escreve: Uma fungio f representa uma sucesso de valores ou ordenadas arbitrdrias. (...) Ndo supomos essas ordenadas sujeitas a uma lei co- mum; elas s¢ sucedern umas 4s outras de qualquer maneira, ¢ cada wma é dada como se fosse uma grandeza tinica. Isso equivale praticamente & definigio de func&io que adotamos hoje em dia, segundo @ qual uma funcio f é uma correspondéncia que atribui, segundo uma lei qualquer, um valor y a cada valor « da varidvel independente. Foi no inicio do século XIX, depois de século ¢ meio de desenvolvimento do Célculo, quando suas técnicas j4 haviam sido bem dominadas, que os conceitos bésicos de limite, derivada e integral pu- deram ser devidamente esclarecidos. A definicao precisa de limite, por exemplo, tal como a conhecemos hoje, em termos de € ¢ 6, aparece pela primeira ves numa publicagéo de Weierstrass de 1874 (veja [H-W], p, 204). B verdade que ela surge nos escritos de Bolzano e Cauchy de 1817 e 1823, respectivamente, mas de forma ainda nio muito clara. Nao 6, pois, razodvel, esperar que os alunos possam tirar grande proveito de uma tal definigao no infcio de um curso de Célculo. FO 93 A nosso ver, um primeiro curso de Cdlculo deve levar 0 aluno a se familiarizar logo com as idéias e técnicas da derivada e da integral, in- : cluindo problemas de maxirnos e minimos, integragéo por substituigdo e por partes, regras de |’H6pital, comportamento das fungoes elementares, logaritmo ¢ exponencial, suas aplicacées, e exemplos simples de integrais impréprias. Bsses tépicos devem objeto de um curso de um semestre, no maximo um ano. Apés um tal curso os alunos deverao estar preparados para fazer com proveito um primeiro curso de Andlise. 9 O desenvolvimento da Andlise A conceituagao de fungéo dada por Fourier foi ainda incipiente. Também as definigdes de limite e continuidade dadas por Bolzano e Cauchy nao tinham a clareza encontrada em Weierstrass. Foi Dirichlet o primeiro a dar uma definico satisfatoria de fungio, como correspondéncia que leva elementos de um conjunto (o dominio) em elementos de outro conjunto (0 contradominio) E a definiggo que utilizamos até os dias de hoje. Peter Gustav Lejeune Dirichlet (1805-1855) quando jovem esteve em Paris, que era o grande centro matematico (cientffico e cultural) da época. Aiele se familiarizou com os problemas matematicos que estavam na ordem do dia, como o do desenvolvimento de uma fungiio arbitraria em séries de senos e co-senos. E em 1829 ele publicou um memoravel trabalho sobre esse assunto [D1]. Esse trabalho de Dirichlet e um outro de Niels Abel [Ab] so, por assim dizer, os primeiros marcos do novo espirito da Andlise Matemdtica que iria se desenvolver a partir de entéo. E no trabalho citado de Abel que encontramos a fungio do nosso primeiro exemplo atrés (3° (sennz)/x). Abel utilizou esse exemplo jus- tamente para mostrar que nado era correta uma. afirmagdo de Cauchy, { segundo o qual uma série de fungées continuas seria continua. Dirichlet, por sua vez, deu a primeira demonstragio satisfatdria de que uma fungdo satisfazendo certas condigées, pode ser desenvolvida em série de senos e co-senos. Ele termina seu artigo (j4 citado) dando exemplo de uma funcao que no satisfazia essas condicdes. Essa fungio, bastante citada nos cursos de Andlise, é aquela que assume um certo va- jor nos nimeros racionais e um outro valor nos irracionais. Ainda nesse artigo ele fala da necessidade de se fazer uma teoria dos nimeros reais, 94 prometendo voltar ao assunto futuramente, o que nunca fez. Mas, em 1837, num outro artigo, ele dé uma definicdo mais explicita de funcdo, que é a definig&o em termos de correspondéncia que mencionamos ha pouco. O desenvolvimento da Anélise intensificou-se progressivamente du- rante todo o século XIX, ndo nos cabendo aqui continuar narrando esse desenvolyimento. Q que dissemos j4 é suficiente para as consideragdes finais que desejamos fazer sobre o ensino. 10 O ensino do Caiculo e da Andlise Como jé tivemos, apds um primeiro curso de Célculo, de um semestre ou um ano, os alunos j4 devem estar preparados para fazer um curso de Andlise. E em tal curso que se deve ensinar a teoria da integral de Riemann, continuidade uniforme, convergéncia uniforme e aplicacdes. A nosso ver, tépicos como esses no caberiam num segundo curso de Calculo, que deve se preocupar com os tépicos adicioonais préprios do Calculo, como polinémio e séries de Taylor e MacLaurin, convergéncia de integrais impréprias, fungdes vetoriais e aplicagées, e uma introducao as equagées diferenciais. FE claro que esse curso necessitard da defi- nigdo ¢ propriedades de limite, continuidade e convergéncia de fungées, seqiiéncias e séries infinitas. Um terceiro curso de Calculo se ocuparia das funcées de varias varidveis. Referéncias [A] G. Avila, Arquimedes, o rigor e 0 método, Matematica Universitaria n? 4, Dezembro de 1986. [Ab] N. H. Abel, Recherche sur la série binomielle, in Oeuvres Com- plétes, 4. I, 219-60, Johnson Reprint Corporation. Di] P. L. Dirichlet, Sur la convergence des séries trigonometriques qui servent @ representer une fonction arbitraire entre des limites données, Journal de Crelle, 4 (1829) 157-69, Werke, Chelsea Publishing Co. {E] C. H. Edwards, Jr., The Historical Development of the Calculus, Springer-Verlag. [F] J. Fourier, La Théorie Analytique de la Chaleur (traducio inglesa da Editora Dover, em cuja pagina 430 aparece a definicéo de fungao que citamos). [H-W] B. Hairer e G. Wanner, Analysis by its History, Springer-Verlag.

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