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1 Departamento de Abstract The authors describe the development of a preventive program focused on intravenous
Psiquiatria e Medicina Legal,
drug users at risk of HIV infection, using the Social Network Approach as the intervention mod-
Faculdade de Medicina,
Universidade Federal el. The authors describe the project’s steps in a large university hospital in southern Brazil, em-
do Rio Grande do Sul. phasizing the unique methods and techniques developed by the treatment staff. Problems en-
Rua Ramiro Barcelos 2350,
countered during the project development are discussed, aimed at identifying the reasons why
4 o andar, sala 400N,
Porto Alegre, RS the program only achieved partial success. The authors identify critical issues, such as the use of
90035-003, Brasil. a new technique not previously tried in Brazil, difficulties in maintaining IV drug users in treat-
fpechans@conex.com.br
2 Rua Vieira de Castro 150, ment, lack of infrastructure for walk-in treatment, and the challenge of motivating staff and pa-
sala 102, Porto Alegre, RS tients to continue treatment. The authors conclude by listing suggestions aimed at facilitating
90040-320, Brasil. the development of new projects based on the same conceptual model.
Key words HIV; Acquired Immunodeficiency Syndrome; Community Networks; Substance Abuse
parte integrante desta linha de atuação, o Pro- da no programa, sendo após submetidos a uma
jeto POAVHIVE se propõe a desenvolver e tes- série de instrumentos de avaliação padroniza-
tar métodos de recuperação social para estes dos, com a finalidade de mensurar o impacto
pacientes, incluindo tratamento psicoterápico do uso de drogas, a relação do sujeito com elas
em grupo com técnicas motivacionais, jogos em seus aspectos físico, psiquiátrico e social,
terapêuticos, psicofarmacologia, intervenções assim como seus potenciais comportamentos
psicossociais junto à rede do UDI e sua família, de risco para a transmissão ou infecção pelo
e a articulação do programa com recursos da HIV. Todos os pacientes receberiam as instru-
comunidade. ções sobre o preenchimento destes fomulários,
além de serem submetidos a procedimento pa-
drão de pesquisa com consentimento informa-
Principais objetivos do. Os diferentes componentes relativos à apli-
cação de instrumentos e identificação de situa-
Os objetivos principais do POAVHIVE, na sua ções de risco podem ser acompanhados atra-
concepção inicial, foram: (a) Identificar e regis- vés da Figura 1. Os pacientes seriam atendidos
trar características de 36 UDI e suas redes so- em fluxo contínuo sem marcação de consulta,
ciais na cidade de Porto Alegre; (b) estabelecer em um regime de atendimento rápido, desen-
características motivacionais e estágios de mu- volvido e já utilizado pelo programa de depen-
dança no UDI e em sua rede social; (c) conhe- dência química do Hospital de Clínicas de Por-
cer o impacto do uso de drogas nas principais to Alegre (HCPA). O programa previa um máxi-
áreas de vida do UDI e de sua rede: família, lei, mo de aquisição de quatro novos grupos de pa-
status físico, status emocional, uso geral de cientes por mês. As consultas teriam um tem-
drogas; (d) aplicar módulos terapêuticos e pre- po médio de 90 minutos e os paciente seriam
ventivos, desenvolvidos a partir das informa- testados sistematicamente para o HIV. A fre-
ções produzidas pelos próprios UDI, visando qüência proposta às consultas seria semanal
esclarecimento e mudanças de atitude com o nos dois primeiros meses do projeto, passando
objetivo de diminuir o uso de drogas em geral após para atendimentos bimestrais. Um super-
– particularmente o uso das injetáveis, e com- visor de campo e um de atendimento seriam
portamentos sexuais de exposição a risco; (e) responsáveis pela captação e atendimentos dos
buscar identificar modelos de reinserção fami- pacientes, servindo de elo de ligação com as
liar e social do UDI em seu meio; (f ) formar comunidades envolvidas no projeto. As ativida-
multiplicadores sociais e agentes de saúde trei- des de grupo iriam utilizar as técnicas de abor-
nados especificamente em técnicas grupais de dagem de rede social descritas por Latkin et al.
atendimento e prevenção; (g) descrever os pro- (1995) e Mandell et al. (1994), traduzidas e adap-
cessos e resultados obtidos ao longo do proje- tadas para a utilização em nosso meio. Esta me-
to; (h) formar uma base de dados detalhada so- todologia consiste de sessões de grupo utilizan-
bre características de uso de drogas e hábitos do o paciente-chave como ponto de referência
sociais de UDI e suas redes sociais na cidade de para a formação progressiva da rede no am-
Porto Alegre; (i) desenvolver e centralizar con- biente do POAVHIVE. A cada sessão o terapeu-
tatos entre profissionais especialistas e super- ta encorajaria o paciente-chave através de téc-
visão sistemática do trabalho por experts do nicas motivacionais a manter a sua rede social,
país, e discutir sistematicamente os achados desenvolvendo técnicas de negociação para se-
do projeto com profissionais especialistas. xo seguro e não compartilhamento de seringas,
em parte baseadas na experiência já existente
nos Centros de Orientação e Apoio Sorológico
Métodos e técnicas (COAS) de Porto Alegre, com os quais os auto-
res do projeto já trabalhavam previamente. Se-
O tempo total de duração do projeto foi de 13 ria realizado um inventário de necessidades so-
meses, com os três primeiros destinados à ins- ciais dos indivíduos e de cada rede social, utili-
talação do programa, e do terceiro ao quinto zando um modelo social de uso de substâncias.
mês a previsão de ampla reforma do espaço fí- Para cada indivíduo estava previsto o reforço
sico onde o programa iria operar. Devido a dos laços com membros da família que estives-
atrasos no cronograma os atendimentos tive- sem disponíveis para participar das atividades
ram que ser realizados dentro do hospital, o que do programa e auxiliar na recuperação do UDI.
modificou a logística do projeto. Os pacientes Este trabalho seria supervisionado sistematica-
encaminhados para o projeto seriam inicial- mente por uma assistente social com treina-
mente acolhidos por uma enfermeira psiquiá- mento específico na área. Também seriam rea-
trica, que explicaria o procedimento de entra- lizados grupos focais em que se registraria o dis-
Figura 1
Recepção Aplicação
Recrutamento
v
v
ao projeto de instrumentos
v
Identificação de
situações de risco
na 1a e 2a consultas
v v
Oficina de
Grupos focais –
prevenção ao HIV –
2a e 6a consultas
2a e 6a consultas
v
Levantamento
das necessidades
sociais – 1o trimestre
de atendimento
v v
Identificação da
Seminário sobre
rede de contato –
drogas – 5o e 11o mês
6o e 12o mês
v
Treinamento de volun-
tários e criação de catá-
logos de monitores –
5o e 11o mês
v v
Atelier de aptidões – Reuniões temáticas
6o e 12o mês com voluntários –
(encontros 6o e 12o mês
independentes)
sob forma preventiva, confirma que “a estraté- que não a de tratamento, também não foram
gia de utilizar sub-redes de compartilhamento incluídos no programa.
de drogas, que ocorrem naturalmente, como um Após o estabelecimento da rede de contato,
veículo para mudanças de comportamento é o programa propunha o desenvolvimento com
baseada em teorias de influência social, e que os pacientes de uma listagem de situações de
(...) normas e pressões de grupo são determinan- exposição e transmissão do HIV que se aplicas-
tes de práticas de injeção arriscadas e atividade se à sua rotina de vida, através de drogas e/ou
sexual desprotegida”, o que daria consistência circunstâncias que envolvessem relaciona-
a modelos de intervenção desta natureza. mentos sexuais, com o objetivo de conhecer as
Cada paciente, ou grupo de parceiros, era características peculiares de funcionamento de
convidado a comparecer ao ambulatório do uma rede de parceiros (Vide na Figura 1: Iden-
HCPA uma a duas vezes por semana para en- tificação da Rede de Contato). Um ponto teóri-
trevistas conduzidas por uma das psiquiatras co importante: mesmo que se estivesse traba-
do projeto, que ficava, a partir daí, responsável lhando com as redes de indivíduos, e com a
pelo atendimento do paciente e de sua rede. malha de interações existente naquela rede so-
Utilizou-se para a captação de pacientes um cial, o objetivo final da intervenção sempre se-
modelo de “amostragem por alvos” (targeted ria o de modificar as atitudes de cada indivíduo
sampling) (Watters & Biernacki, 1986; Inciardi que pudessem refletir em uma melhora nas in-
et al., 1997) e “bola de neve” (snowballing, ou terações de grupo. Para tal, buscava-se desen-
chain referral) (Inciardi, 1986). Estes modelos volver uma maior consciência crítica, associa-
foram utilizados porque os pacientes não são o da a um maior conhecimento sobre o “patamar
que se poderia chamar de uma população fa- de risco” em que cada indivíduo se encontrava.
cilmente identificável em seu meio natural, Desta forma, o grupo de terapeutas ensinava
sendo extremamente difícil a sua chegada a formas menos prejudiciais de injeção (como
serviços de saúde, conforme já descrito ante- por exemplo a assepsia prévia do local da pica-
riormente. A “amostragem por alvos” se carac- da) ou através de demonstrações práticas so-
teriza pela identificação inicial de um pacien- bre técnica de limpeza de seringas potencial-
te-chave (“alvo”) da temática em questão – fre- mente contaminadas através do uso de hipo-
qüentemente o UDI que procura o centro ou clorito de sódio. No que compete à transmis-
que apresenta grande intensidade de sintoma- são sexual, além dos ensinamentos básicos re-
tologia, sendo por isto facilmente identificável. ferentes ao uso de preservativos masculinos,
A partir deste indivíduo, busca-se esgotar a re- com a utilização de próteses penianas, tam-
de de círculos concêntricos de suas relações, bém era ensinado o uso e a função do preserva-
com o objetivo de estender a intervenção a to- tivo feminino, com o intuito de aumentar a
dos os sujeitos potencialmente envolvidos em adesão a este método. As técnicas clássicas de
seus relacionamentos pessoais. O objetivo aqui Prevenção de Recaída (Marlatt & Gordon, 1993)
é o de esgotar as redes conhecidas, seja por um e os conceitos de Redução de Danos e elemen-
indivíduo de uma rede só, seja por vários de tos de Entrevista Motivacional eram sistemati-
várias redes. Muitos sujeitos nos foram enca- camente utilizados pelas terapeutas. A aborda-
minhados assim, com o objetivo de esgotar a gem contou também com um componente só-
rede de conhecimento dos sujeitos-chave, e cio-familiar, trazido para a equipe através do
neste sentido estimulando a participação de in- trabalho das assistentes sociais do projeto, e
divíduos que não iriam buscar atendimento que é descrito em mais detalhes abaixo.
por iniciativa própria, portanto inacessíveis à A intervenção realizada pelo Serviço Social
sistemática passiva de amostragem por conve- dentro do POAVHIVE fundamentou-se no pres-
niência no seu formato convencional. Não se suposto teórico da Abordagem de Rede (Sluzki,
deve esquecer, entretanto, que apesar de todos 1997). Segundo Sluzki, a rede social inclui o
os cuidados com o método descrito acima, o conjunto de vínculos interpessoais do sujeito
uso de drogas é sempre uma prática ilegal ou como a família, amigos, relações de trabalho,
“para-social”, o que faz com que qualquer abor- estudo, inserção comunitária e práticas sociais.
dagem sobre o uso de drogas – em particular as Esta abordagem prevê colocar em movimento
injetáveis – esteja sujeita a uma subapreciação as forças, potencialidades e recursos dentro do
e distorção das características in natura dos sistema familiar que possam gerar suporte, sa-
casos existentes (Sorensen et al., 1991). Muitos tisfações e controle necessários para lidar com
pacientes que não apresentavam rede social os estresses, problemas e doença (Hartman &
foram triados, porém encaminhados para ou- Laird, 1983), gerando uma compreensão dos
tros programas de tratamento. Pacientes que à processos de integração psicossocial, promo-
triagem demonstrassem outras motivações ção do bem-estar, desenvolvimento da identi-
dade, consolidação dos potenciais de mudan- “Sexo seguro”– É jogado com um baralho de
ça e reinserção social e pessoal na comunida- cartas que descrevem situações de envolvimen-
de. Com a inclusão do serviço social, as neces- to sexual em diferentes níveis de risco para a
sidades foram levantadas e atendidas através transmissão do HIV. Participam seis pacientes
de ações que envolviam entrevistas com fami- mais o facilitador, em um tabuleiro com as al-
liares dos pacientes, no hospital ou em visitas ternativas: Sem Risco, Arriscado, Muito Arrisca-
domiciliares, contato com instituições e enti- do. O objetivo do jogo é promover discussões
dades, e identificando recursos comunitários a sobre a transmissão do HIV através do contato
serem utilizados por pacientes e suas famílias. sexual e maneiras de prevení-lo, utilizando uma
Observou-se que, contrariando a teoria inicial- estratégia lúdica. O facilitador deve ser um pro-
mente proposta, na maioria das vezes a rede fissional treinado em HIV/AIDS e ter algum co-
familiar era a única com a qual realmente o pa- nhecimento prévio em aconselhamento para de-
ciente contava, e mesmo assim os familiares se pendência química, uma vez que o jogo foi de-
descreviam como “em estado caótico”, desgas- senvolvido para usuários de drogas que se envol-
tados devido à patologia do paciente. A busca vem em comportamentos sexuais de alto risco.
constante de abordagens mais interacionais e “Céu e Inferno” – É jogado com 20 fichas de
criativas gerou a elaboração de alguns instru- texto por um grupo de não mais do que cinco
mentos que suscitassem uma participação mais indivíduos mais o facilitador. Dez fichas são
constante dos pacientes e suas redes. Vários ele- caracterizadas como “Céu” e dez como “Infer-
mentos com esta característica foram criados, no”, exemplificando as cognições contrastan-
e uma breve descrição destes é feita a seguir. tes e hipersaturadas que estão presentes no
tratamento de abusadores de drogas. As fichas
contêm expressões pessoais que contemplam
Elementos de facilitação das os riscos e benefícios do uso de drogas em di-
intervenções terapêuticas ferentes situações grupais e individuais. Para
cada carta “inferno” existe ao menos uma carta
• Vídeo sobre preservativo feminino “céu”, mas freqüentemente há cinco ou seis
cartas “sadias” parar cada carta “perigosa”. O
Foi criado, em parceria com a Faculdade de objetivo do jogo é o de gerar um grupo de res-
Comunicação da UFRGS, um vídeo educativo postas positivas, adequadas e potencialmente
sobre o Preservativo Feminino (Surratt et al., utilizáveis para cada uma das situações com-
1998). O vídeo mostra as circunstâncias que plexas que são apresentadas pelas cartas “in-
envolvem as decisões sobre utilizar ou não o ferno”, permitindo desta forma aos pacientes o
preservativo convencional e o feminino, além desenvolvimento de habilidades para prevenir
de divulgar, através de uma inserção de caráter recaídas. O papel do facilitador é o de promo-
mais técnico, as formas de infecção conhecidas ver a discussão e eliciar exemplos vívidos, per-
do vírus da AIDS. O mesmo foi desenvolvido sonalizados, dos membros do grupo para cada
como coadjuvante de uma intervenção preven- situação. O facilitador deve ter um treinamen-
tiva com mulheres usuárias dos COAS que esti- to prévio em aconselhamento para dependên-
vessem motivadas a experimentar este novo cia química, uma vez que esta é uma atividade
método contraceptivo e de prevenção das do- tipicamente orientada para terapia.
enças sexualmente transmissíveis, e que pode-
riam se beneficiar de elementos motivacionais
para sua tomada de decisão. Avaliação e críticas ao POAVHIVE
Logo no início do trabalho houve mudan- (Pechansky, 1994) é uma das causas pelas quais
ças substanciais na equipe devido à saída de não houve seleção dos pacientes que nos eram
alguns integrantes e à entrada de novos técni- enviados por outros centros ou profissionais
cos, que participariam em várias etapas do de referência.
processo terapêutico: o projeto passou para Outra questão importante a ser avaliada no
uma segunda fase com a entrada de assistente projeto diz respeito ao número de pacientes e
sociais, sendo então reavaliados algumas con- suas redes. São muitas as explicações que su-
dutas e objetivos do trabalho. Logo ficou evi- gerem o motivo pelo qual somente 16 UDI con-
dente que a magnitude proposta no projeto era cluíram sua participação, apesar de termos
inviável, o que motivou uma diminuição do avaliado um número bem maior de casos. Uma
número de casos atendidos e de objetivos a se- das primeiras dificuldades encontradas foi a
rem atingidos. Também foram evidenciadas pouca aceitação dos pacientes em trazer a sua
dificuldades inerentes à captação de pacientes rede à terapia, dificuldade comum a todos os
e na implementação metodológica do traba- casos. Entendemos que a estrutura adequada
lho, uma vez que muitos dos instrumentos do para atender a população de UDI não é a que
POAVHIVE eram simultaneamente criados e se insere dentro de um hospital, onde existe
testados, gerando insegurança nos técnicos, um policiamento presente dentro e fora da ins-
que lidavam com métodos ainda em desenvol- tituição, e uma sensação onipresente de que
vimento. Algumas características estruturais e este tipo de paciente não é bem vindo. Tam-
filosóficas do projeto também foram alteradas bém, o difícil acesso às salas de atendimento, a
neste momento para permitir ainda alguma necessidade de identificar-se ao entrar no hos-
factibilidade ao trabalho proposto. As princi- pital, o fato de não existir um local específico
pais modificações foram as seguintes: (a) Ma- dentro de um ambulatório com outras especia-
nutenção da existência de uma rede social jun- lidades para o atendimento deste grupo de pa-
to ao paciente, mas sem a obrigatoriedade de o cientes em especial, acabou estimulando an-
paciente comparecer ao hospital trazendo sua siedades que constrangiam os participantes
rede em um primeiro momento; (b) a obrigato- que eventualmente conseguiam chegar até o
riedade de trabalhar apenas com pacientes local de atendimento. Pensa-se que o indicado
motivados ou motiváveis para a intervenção, para esta população seja o modelo não hospi-
excluindo portanto casos em que este atributo talar, como hospital-dia, hospital-turno ou
não estivesse explicitamente presente; (c) a po- Centros de Atenção Psicossocial . Esta estrutu-
tencial inclusão de usuários não injetáveis, ra existe noutros países, mas ainda é pouco ha-
mas de grande risco para exposição ao HIV, e bitual em nosso meio. O trabalho de rede como
que tivessem algum tipo de rede de suporte, preconizado inicialmente acabou não tendo o
aumentando assim o escopo do programa. êxito desejado, apesar dos resultados indivi-
Como resultado destas modificações pro- duais terem sido bastante favoráveis aos pa-
postas, aos poucos foi se evidenciando que os cientes que se envolveram no programa. Por
pacientes que estavam sendo encaminhados parte dos terapeutas, é importante lembrar que
não vinham acompanhados de suas redes de o atendimento de redes sociais é prática inco-
parceiros de uso, mas sim de seus familiares e mum em nosso meio. As terapeutas envolvidas
cônjuges, que em alguns casos também usa- no projeto haviam recebido uma formação psi-
vam drogas. Outra observação importante da quiátrica voltada para o atendimento indivi-
equipe foi a de que os pacientes que chegavam dual, no máximo incluindo familiares. A falta
para atendimento estavam em situação muito de um modelo já padronizado de atendimento
grave de descontrole do uso de drogas, even- pode ter sido outro fator limitante no anda-
tualmente apresentando risco de suicídio e de mento do trabalho. Acredita-se que a insegu-
overdose. Como o HCPA não possui um pro- rança quanto ao método proposto, além do
grama de internação para dependentes quími- pouco treinamento dado aos terapeutas (ape-
cos, estes foram sempre internados dentro da nas o coordenador do projeto havia sido trei-
unidade psiquiátrica, sob a responsabilidade nado nesta técnica específica nos Estados Uni-
de um psiquiatra sênior especialista em depen- dos) possam ter sido fatores decisivos para este
dência química. Além da ansiedade natural ex- desvio de rota. Outro fator a ser considerado
perimentada por nossos pacientes neste mo- para a pouca manutenção do atendimento das
mento, os riscos de abandono de tratamento redes é o de que possivelmente o paciente-cha-
aumentavam nestas condições. A percepção ve, que era inicialmente identificado para o
dos autores é a de que a falta total de estrutura projeto, estivesse em um estágio de motivação
para atendimento de pacientes usuários de diferente do de seus parceiros, os quais não te-
drogas – injetáveis ou não – em nosso meio riam então o mesmo interesse em comparecer
ao centro de atendimento. Além disso, muitos doença psiquiátrica associada ao uso de dro-
dos UDI já tinham tido experiências prévias de gas, também é fundamental que o técnico te-
tratamento e, certamente, em nenhuma destas nha sido treinado no atendimento de comorbi-
foram incentivados a incluir sua rede para te- dades; (b) considerar a importância das ques-
rapia. Mesmo assim, todos os elementos clíni- tões geográficas e logísticas para o atendimen-
cos dos pacientes avaliados apontavam para to destes pacientes. É provável que o melhor
uma significativa redução do número de dro- local de abordagem desta população não seja
gas utilizadas, da quantidade de utilizações de um hospital ou mesmo qualquer ambiente mé-
cada droga, e em alguns casos a migração do dico, mas sim algum outro centro com caracte-
uso injetável diário para um consumo ocasio- rísticas mais de atendimento comunitário, e
nal, ou mesmo a interrupção total do uso de com uma identidade mais próxima à do pa-
drogas por via endovenosa. O resultado, neste ciente; (c) diminuir o tempo de espera para
sentido, parece encorajador, apesar de não ser atendimento, por fatores já previamente des-
mensurável sob um formato estandardizado, critos. Progressivamente, após as primeiras ve-
para este tipo de paciente submetido a tama- zes em que o paciente for recebido de forma
nho risco. quase imediata, sua capacidade de aguardar
seu tempo de atendimento irá aumentar; (d)
realizar estudos-piloto tanto no que compete à
Sugestões para projetos futuros sistemática de captação de pacientes quanto à
utilização de métodos inovadores; (e) certifi-
É possível considerar um amadurecimento ge- car-se da firmeza das relações entre a equipe
ral dos profissionais envolvidos neste tipo de assistencial e os diversos focos de auxílio para-
atendimento, em particular dos psiquiatras, me- lelo em projetos desta natureza: prefeitura, hos-
nos acostumados a abordagens generalizadas pitais, centros comunitários, grupos voluntá-
de pacientes em seu meio sócio-cultural, e pre- rios de apoio; (f ) inserir o projeto em uma ma-
dominantemente treinados para atendimentos lha de atendimento que inclui a opção de as-
individuais focados em sintomatologia clínica sistência ambulatorial, internação hospitalar
presente. Entretanto, é nossa vivência que o total e parcial, e projetos similares a interven-
eventual desenvolvimento de novos projetos ções terapêuticas da magnitude de uma hospi-
nesta área deveria acarretar um grande núme- talização em regime parcial (hospital-dia ou
ro de modificações, devendo obrigatoriamen- hospital-turno); (g) propiciar acesso facilitado
te: (a) Discutir e homogeneizar os conceitos e a outros serviços médicos especializados, co-
técnicas a serem empregados, no sentido de mo infectologia, que devem manter estreita re-
que todos os profissionais envolvidos estejam lação com o projeto, inclusive no que diz res-
de acordo com os modelos de intervenção pro- peito aos pressupostos teóricos e filosóficos
postos. Como é frequente a presença de outra que embasam o atendimento.
Agradecimentos
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