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A moda xerocada

Comércio popular copia as novas coleções de grifes famosas

Adalton dos Anjos e Bárbara Lisiak

A moda está relacionada à tendências que estão em contínua mudança a cada estação, ou até
mesmo num período de tempo menor. Entretanto, num país em que o rendimento médio por pessoa
(acima de 10 anos) é de R$ 498, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) em 2005, é impossível financeiramente que todos tenham acesso às novidades a cada nova
coleção. A indústria da moda voltada para classes mais baixas surge para suprir a necessidade de
consumidores que desejam vestir roupas de grandes grifes com um preço mais acessível. Antes
restrito as grandes feiras ou ruas exclusivas de comércio popular como em São Paulo e Brasília, as
roupas e acessórios falsificados agora também chegam em Salvador com cópias cada vez mais fiéis.
O desejo das pessoas de serem inseridas em determinados grupos, que se diferenciam
através daquilo que veste, é um dos motivos pelos quais as falsificações estão sendo cada vez mais
procuradas. Assim, apesar de querer “estar na moda”, de vestir aquilo que está exposto nas vitrines
de lojas de grandes marcas, para muitos é extremamente caro adquirir tais produtos, ainda mais
levando em conta a realidade econômica e social brasileira.
Hoje, é possível encontrar modelos de grandes estilistas, que ditam a estação, presentes
como inspiração desde em grandes lojas de departamento nos shopping centers até nos pequenos
estabelecimentos comerciais no centro da cidade. O tecido, as cores e as estampas podem ser um
pouco distintas, mas é possível reconhecer a semelhança com as roupas figuradas nas revistas de
moda.
As outras formas existentes de se aproximar a grandes marcas são prejudiciais ao comércio
legal: as falsificações. Podem acontecer através da cópia fiel de um determinado produto ou a
utilização arbitrária do nome ou logomarca, mas que garante grande peso e importância a peça.
Nesses casos, o símbolo da grife serve apenas de estampa para as roupas.
Apesar de saberem da existência das falsificações, a maioria das lojas que figuram grandes
marcas declaram que esse fato não prejudica suas vendas, pois, segundo eles, há uma parcela fiel
de pessoas que só compra os originais. “A loja tem um público especifico e por isso não há um
combate direto a pirataria, até por que ela não afeta nossas vendas.” fala Dione Cerqueira, gerente
de uma das filiais da surfwear Mahalo.
O cliente fixo é aquele que procura qualidade, não a marca. Ele é considerado um público
bem distinto daquele que compra a falsificação. “Quem realmente compra na loja está preocupado
com qualidade, em uma calça que vai durar cinco anos, diferente da falsa que dura em torno de dois
meses” explicita o gerente de uma das lojas Levi’s, Victor Nunes. A durabilidade é um argumento
bastante utilizado entre os vendedores, mesmo que hoje ninguém usa uma roupa por tantos anos,
afinal as pessoas geralmente buscam vestir aquilo que é considerado a moda atual.

Combate
Praticamente não existe um combate direto à pirataria de roupas e acessórios. Poucas marcas
têm alguma forma direta de lutar contra as falsificações. É o caso da Lacoste, em que as filiais
transmitem as denúncias para a matriz. “Os clientes comentam onde viram as falsificações e a gente
averigua. Após o registro fotográfico, a questão é passada para a Central de São Paulo que fica
encarregada do combate em termos jurídicos”, explica Vivian Curcio, gerente de uma das lojas da
marca. Mundialmente, a Lacoste gasta cerca de 3,5 milhões de euros no combate a pirataria.
Outras marcas buscam diferentes formas de combater a falsificação, como a Levi’s. “A
empresa tenta dificultar a cópia evitando utilizar o nome da marca em destaque, deixando de usar
etiqueta que identifica o produto na manga, além de usar materiais mais difíceis de copiar nos
bonés”, diz o vendedor Everton Assunção. Apesar de ouvirem muitos clientes comentando sobre as
imitações, Assunção afirma que não há uma ação efetiva, com exceção dessas praticadas pela
própria marca. Situação semelhante é o da Colcci. “A marca está sempre tentando mudar, para
dificultar a ação dos falsificadores. A posição e o material usado para a identificação da marca e as
estampas mudam periodicamente a cada estação” explica a gerente de uma das lojas, Isabela
Marques.
Engana-se quem acha que só classe baixa que busca produtos pirateados, pois “há clientes
que vem com armações de marcas famosas falsas da 25 de março para trocar as lentes, pessoas
esclarecidas, de classe alta” afirma Ana Paula Novaes, vendedora das Óticas Ernesto. Mesmo
sabendo do prejuízo que as falsificações trazem, além da falta de garantia e a não arrecadação do
estado, o status conseguido pelo uso de uma famosa grife de óculos de sol acaba sendo
determinante na compra de uma cópia pirata. Os óculos de sol de marcas famosas custam entre mil
e dois mil reais, enquanto que uma boa falsificação, “cada vez mais perfeitas”, segundo Ana Paula,
pode estar entre 20 ou 30 reais. O modo de convencer o cliente a escolher o produto original é
oferecendo algo de qualidade, com garantias, certificados e benefícios para a visão, incluindo
manutenção e ajustes sem custos adicionais na maioria das vezes.
Porém, é comum aparecer pessoas comentando do uso de óculos anteriores que causavam
tonteira e dor de cabeça e que acabaram indo na loja por indicação do oftalmologista.“Há quem
compre por falta de informação, não sabe da questão da proteção, acha que é a mesma coisa o
óculos no camelô e o da ótica” diz a vendedora Adriana Ferreira.
Uma situação semelhante acontece com os sapatos, em que vendedores esclarecem o cliente
das vantagens e como é melhor pra saúde o uso de produto original. “As grandes marcas promovem
cursos para nossos vendedores que aprendem a identificar e conhecer o produto e, assim, saber
passar informações ao cliente. Mas não com intuito de reconhecer falsificações” explica Antônio
Marcos, gestor de uma das lojas Centauro. O diferencial, como em lojas de outros ramos, é oferecer
a garantia dos produtos, a durabilidade (tênis que duram anos, em vez de semanas), as vantagens de
atendimento, de troca e serviços diferenciais de certas marcas.

Criatividade
Para competir ainda mais com os produtos originais, os vendedores de falsificados estão
começando a oferecer também vantagens para atrair o consumidor indeciso. Um vendedor de
relógio, que não quis se identificar, dá garantia de três meses ao cliente que adquirir um Rolex, um
Chanel ou ainda um Puma de 20 reais. “Normalmente não dá defeito, mas ele está aqui funcionando
há algum tempo e pode acabar a bateria. O freguês pode vir aqui e trocar, eu mesmo faço o
serviço”, afirma.
Outro vendedor, que se identificou como Junior, tenta convencer as clientes de outra forma.
Além de usar o argumento do preço, ao mostrar blusas com logomarcas de grandes grifes por
menos de 10 reais, ele afirma: “Essas blusas estão fazendo o maior sucesso nesse verão, com elas
mulheres podem ir a qualquer lugar sem passar vergonha”. A qualidade dessas peças eram
claramente inferiores, comprovadas através do tecido, da estampa e dos cortes.
As camisas de clubes do futebol brasileiro e mundial também não foram esquecidas pelos
falsificadores. Em uma loja da Baixa dos Sapateiros, a especialização é tanta que se oferece dois
tipos de camisas: “a original e a genérica”. Basicamente elas se distinguem por dois aspectos; o
primeiro, o preço e o segundo quanto ao tipo de material utilizado no símbolo do time. Ele pode ser
bordado, com qualidade inferior, ou emborrachado, que deixa a camisa mais parecida com a
autêntica. A “original” custa em torno de 30 reais e a “genérica” 20.
Para algumas pessoas com poder aquisitivo maior o uso de produtos falsificados se
justifica pela falta de segurança nas ruas. A estudante Ana Carolina Lima afirma que tem medo de
andar com relógios originais na cidade e por isso prefere comprar os falsificados. “Eu ando de
ônibus, estudo na Uneb, e tenho amor pela minha vida” declara.
Ana Carolina costuma comprar relógios e maquiagem no Feiraguai. O centro de camelô
em Feira de Santana é um dos locais mais conhecidos no estado que vende produtos falsificados.
Perfumes importados, roupas de grifes, relógios, tênis e óculos são algumas mercadorias
relacionadas à moda que são facilmente encontradas com metade ou até um terço do preço de um
original. “As cópias de algumas roupas de marcas como a Coca-Cola são muito bem-feitas e vem
até em embalagens especiais”, explica a estudante.
A moda popular é o caminho buscado pelas pessoas que querem usar roupas ou acessórios
com a marca da grife, mas não tem condições de comprar os originais. Cada vez mais procurados,
os vendedores e fabricantes buscam se aperfeiçoar nas cópias. As falsificações, apesar de ser um
problema para o governo, já que com elas o estado não arrecada, e para as próprias marcas,
promovem, de forma irônica, uma democratização da moda.

Olho 1: “Essas blusas estão fazendo o maior sucesso nesse verão, com elas mulheres podem ir a
qualquer lugar sem passar vergonha”. Vendedor de loja na Barroquinha que se identificou como
Júnior.
Olho 2: Mundialmente, a Lacoste gasta cerca de 3,5 milhões de euros no combate a pirataria.

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