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FRANZ VICTOR RUDIO INTRODUGAO AO PROJETO DE PESQUISA CIENTIFICA FICHA CATALOGRAFICA CIPBrasit Catalogagdo-na-fonte Sindicato Nacional dos Baltores de Livros, RJ Ral, Franz Vicor RAZ nkrodugto wo projet de psguisa cetica / Franz Visto Rudo. 34. el.~ Petropolis, Vors, 2007 Apendice: Um modelo dito para o projeto ISBN 978859260027-1 Bibligraa. 1 Pesquisa. L Tilo ‘COD - 001.43 y EDITORA COU - 001891 VOZES Petrépolis © 1078, Baltora Vozes Lida. Rua Frei Luis, 100, 2589-900 Petrépolis, RI Inweres: hip: /wnwwvozes connor ‘ods os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra podera ser reprodusida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (cltrénico ou meednico, incluindo forocdpiae wavaglo) ‘ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissio escrita da Editor, ISBN 978-85-326-0027-1 Eat liv fi cornposto impress pela Editors Vores Lid Ra re bus, 100, Petropolis, RJ ~ Basil CED 25689.900 ‘Caixa Postal 90028 Tel: (24) 2233-9000 Fac: (24) 2231-4676, SUMARIO INTRODUGAO, 7 ‘CAPETULO I: O PROBLEMA METODOLOGICO DA. PESQUISA, 9 1. Nogdes preliminares, 9 2. Conhecimento da realidade empfrica, 9 3. Caracteristicas do método da pesquisa cientifica, 16 CAPITULO Il: COMUNICAGAO E CONHECIMENTO CIENTIFICO, 22, 1. Nog 2. 0 uso de termos, 24 preliminares, 22 3. A definigao de termos, 29 CAPITULO It: A OBSERVAGAO, 39 1. Nogées preliminares, 39 2. A observagao assistematica, 41 3. A observagao sistematica, 44 4. A observagaio documental, 48 CAPITULO IV: 0 PROJETO DE PESQUISA, 53 1. Nogies preliminares, 53 2. Como elaborar um projeto de pesquisa?, 55 3. Populagao e amostra, 60 4, Exemplos de modelos para projetos de pesquisa, 65 CAPITULO V: PESQUISA DESCRITIVA E PESQUISA, EXPERIMENTAL, 69 1, Nogdes preliminares, 69 2. Distingdo entre a pesquisa descritiva € a experimental, 71 3. O experimento, 75 CAPITULO VI: © PROBLEMA DA PESQUISA, 87 1. Nogies preliminares, 87 2, O tema da pesquisa, 89 3, Formulagzo do problema, 93 CAPITULO VII: © ENUNCIADO DAS HIPOTESES, 97 1. Nogdes preliminares, 97 2. A hipétese: guia para a pesquisa, 98 3. A hipotese estatfstica, 105 CAPITULO VIII: COLETA, ANALISE E INTERPRETACAO DOS DADOS, 111 1. Nogies preliminares, 111 2. Instrumentos de pesquisa, 114 10 dos dados, 122 3. Anallise ¢ interpretag CONCLUSAO, 130 APENDICE: MODELO DE UM PROJETO DE PESQUISA, 132 BIBLIOGRAFIA, 143 INTRODUGAO iets a: ec aos innate We GUE ‘tio se iniciando no estudo de métodosetéenicas de pesquisa clentifica, E seu objetivo € servir de roteiro para ajudar os slunos a acompanharem as explcagées e outras orientagSes ddadas pelo professor. © nosso intuito é apresentar, de maneira simples, as nogoes basicas necessérias a elaboragao de um projeto de pesquisa. Faremos continuamente indicagdes de como se executar uma pesquisa; entretanto este procedimento tem. apenas a fungio de mostrar como se prepara um projeto, Talvez, devéssemos ainda acrescentar: o meio mais eficaz de alguém realizar uma boa pesquisa € elaborar um bom projeto da mesma, Deve ser permanentemente lembrado pelo leitor 0 cardter introdut6rio deste nosso estudo e que esté lidan- do com nogdes elementares, cuja finalidade € serem ultrapassadas pela reflexao e experiéncia, em busea de maior profundidade. No comego, este trabalho foi mimeografado, Alguns colegas tiveram a delicadeza de utiliza-lo em sala de aula, Tanto destes como de outros, que tiveram a bondade de le-lo, recebemos valiosas eriticas e sugestes que serviram para refundi-lo e apresenté-lo, tal como aparece agora, esperando novas eriticas € sugestdes. Como se torna im- possivel, em to pequeno espago, dizer da contribuigaio de cada um, manifesto a todos, de maneira global, os meus inceros agradecimentos. E se for verdade, como disse- ram, que este livro sera atil aos alunos (e de fato para isto foi feito), penso que tima das mais gratas recompen- sas € saber que os esforgos de colaboragao beneficiaram a quem se desejava AUTOR CAPITULO! O problema metodoldgico da pesquisa 1. Nogies preliminares “Pesquisa”, no sentido mais amplo, é um conjunto de atividades orientadas para a busca de um determinado conhecimento. A fim de merecer o qualificativo de cient fica, a pesquisa deve ser feita de modo sistematizado, utilizando para isto método proprio ¢ técnicas especificas € procurando um conhecimento que se refira & realidade empirica. Os resultados, assim obtidos, devem ser apre- sentados de forma peculiar, Desta maneira, a pesquisa cientifica se distingue de outra modalidade qualquer de pesquisa pelo método, pelas técnicas, por estar voltada para a realidade empirica ¢ pela forma de comunicar 0 conhecimento obtido. Vejamos agora, numa visio resumida e de conjunto, ‘6 que significa cada um destes conceitos: a) comhecimento da realidade emptrica © b) caractertsticas do método de pesquisa cientffica. E, no capitulo seguinte, veremos ¢) co- ‘municagao e conhecimento cientifico. 2. Conhecimento da realidade empirica © termo “realidade” se refere a tudo que existe, em oposigao ao que é mera possibilidade, ilusao, imagin © mera idealizagao. “Empirico” refere-se a experiénei Chama-se de “realidade empirica” tudo que existe e pode ser conhecido através da experiencia. Por sua vez, “expe- rigncia’ € 0 conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos ¢ pela consciencia. Fala-se de “experiencia exter- na” para indicar 0 que conhecemos por meio dos sentidos coxpéreos, externos. A “experiencia interna’ indica 0 co- nihecimento de estados e processos interiores que obtemos através da nossa constiéncia. Denomina-se “introspecyo” ’ ago de conhecer pela experiéncia interna o que se passa dentro de nds, A realidade empfrica se revela a nds por meio de fates. Este termo ~ “fato” ~ possui diversos significados. Nos 0 usaremos para indicar qualquer coisa que existe na reali- dade. Assim, por exemplo, este livro € um fato. Mas, também, € um fato que o leitor esta lendo este livre. AS palavras que se encontram escritas neste livro sao fatos, Mas nao sao fatos as idéias que elas contém, pois ndio existem na realidade. Quando 0 leitor, vendo as palavras, age mentalmente para transformé-las em idéias, a ago que est realizando, de elaboragao mental, torna-se um fato, O livro, as palavras que o livro contém ¢ o leitor esta Tendo este livro sao fatos percebidos pela experiencia exter~ na, A elaboragao mental, pela qual as palavras se transfor mam em idéias, € um fato que pode ser percebido pela experiencia interna. Utiliza-se freqiientemente a expressdo “isto €um fato” para se afirmar que algo € verdadeiro. Ora, na cigncia um ae nao é falso € nem verdadeiro: ele € simplesmente 0 Nao tem sentido, por exemplo, alguém dizer que é fhlso ou verdadero o fato de que a 4gua do mar ésalgada (© que, no entanto, pode estar certo ou errado é 0 conhe- cimento ow a interpretago que alguém tem de um fato, p- ex., supondo que a Agua do mar era doce quando, real- mente, é salgada ‘Ohomem pode produzirfatos eisto acontece intimeras vezes na rotina de cada dia como, por exemplo, cumpri- 10 mentar alguém, vestir-se, alimentar-se, ete. 0 homem. muitas vezes cria fatas com a nica finalidade de estudé- los, como acontece, por exemplo, nas situiagdes experi- mentais de laboratério. Entretanto uma grande parte dos esforgos, realizados pela ciéncia, destina-se ao conheci- mento de fatos que jé existem, produzidos pela natureza, que o homem ainda desconhece ou, pelo menos, nao sabe todo o alcance de suas implicagdes. Neste caso, a pesquisa € utilizada para fazer “descobertas”. Revelagdes como estas foram manifestadas, por exemplo, quando se deu a conhecer que a terra é redonda, que gira em torno do sol, {que hd organismos microscépicos causadores de fermentagao ede doengas infecciosas, ete. Kohan lembra que “0 objetivo principal de uma cié ia, mais do que a mera descrigao de fendmenos empiri €0s, € estabelecer, mediante leis ¢ teorias, os princfpios gerais com que se pode explicar e prognosticar os fend- menos empfricos” A preocupagio da cigncia gira em torno de fendmenas ‘empiricos, Para alguns o termo “fendmeno” indica apenas um sindnimo para “fato’. Entretanto, pode-se estabelecer ima distingio, dizendo-se que “fendmeno” € 0 fato, tal como € percebido por alguém. Os fatos acontecem na reali~ dade, independentemente de haver ou nao quem os conhe- a. Mas, quando existe um observador, a pereepgdo que este tem do fato € que se chama fendmeno, Pessoas diversas podem observar, no mesmo fato, fendmenos diferentes. Assim, por exemplo, um jovem viciado em drogas pode set visto por um médico como um fendmeno fisiolégico, por um psicblogo como fendmeno psicolégico, por um jurista como fendmeno juridico, ete 1. Nuria Covtado de li anal pan a emote.» p 13 Pode-se falar em “fendmenos ocultos” ou “sobrenatu- rais’, mas estes nao interessam a ciéncia, pois nao fazem parte da rcalidade cmpiriea. Oa que intcressam cabem numa faixa muito ampla e sdo, por exemplo, os fendmenas {fisicos (como 0 frio, © calor, etc.), 08 fisioldgicos (como a secrecao glandular, a contrago muscular, etc.) os sociais (como interago, migragao, etc.), os psigiticos (como per- cepede, emogao, ete.) ¢ qualquer outro suscetivel de ser observado, quer direta ou indiretamente. Pode alguém dedicar-se & pesquisa cientifica apenas para verificar a presenga ou auséncia de um determinado fenémeno ou ento com o intuito de compreendé-lo me- Ihor a fim de deserever adequadamente stias caracteristi- cas, natureza, ete. Assim, por exemplo, um cientista social pode estar interessado em estudar o casamento entre esquimds para dizer em que consiste ¢ como se faz, para identificd-lo ou ndo com um determinado modelo, O trabalho cientifica, no entanto, assume geralmente uma outra dimensdo. Ogburn ¢ Nimkoff lembram que “uma {grande percentagem (destes trabalhos) é mais do que uma simples descrigio de fendmenos. Grande parte se refere & rclagio entre dois ou mais fendmenos, como, por exemplo, as relagdes entre condigdes econdmicas e indices de casa mento”. E dizem, ainda: “um problema corrente sob este aspecto é determinar a cauisa do fendmeno”? Quer procurando descrever 0 fendmeno ou, entdo, tentando explicar a relagao que existe entre eles, a ciencia no esta preocupada com casos individuais mas sim com generalizagdes. Dedica-se aos casos particulares, no intuito de compreender o conjunto de individuos que participam da peculiaridade do caso estudlado. Este modo de proceder € denominado, pela ldgica, de “indugao”. Consiste numa 2. Wiliam F Ogburn e Meyer F Niko, Saco, p. 19. R operagio mental em que, a partir de fatos observados na realidade empirica, chega-se a uma proposigo geral que se enomina “Ie”, que € uma condensacao de conhecimento, determinando como os fatos acontecem e sdo regidos. Mas, neste processo de elaboragao, a citncia precisa também utilizar, além do procedimento indutivo, outro modo de operar lgico, que se denomina “dedugdo”, Esta € uma forma de raciocinio em que se parte dos principios para conseqiiencias logicamente necessdrias, ou seja, do geral para 0 menos geral ou particular. £ dedutivo, por exemplo, ‘0 raciocinio que se faz assim: todos os alunos desta classe so estudiosos, Jodo € aluno desta classe. Logo ele € estudio so. Eé indutivo o que se faz. desta mancira: Pedro é estudioso © € aluno desta classe, Antonio é estudioso e ¢ aluno desta classe, Joaquim € estudioso ¢ € aluno desta classe, José... Logo todos 0s alunos desta classe so estudiosos.. Através das leis que procura estabelecer, a ciéncia pretende construir, de forma dinamica, um modelo inteli- _givel ¢, ao mesmo tempo, o mais simples, preciso, completo € verificével do mundo em que vivemos. Este modelo deve ser também eficaz no sentido que ajude a fazer previsdes © a utilizar meios apropriados para controlar os fenome- nos. E, para estabelecer as eis, a ciéncia formula hipsteses, {que so suposigdes para orientar 0 pesquisador na busca ena descoberta dos fatos das relagdes que existem entre cles. Se a formulagdo da hipétese preencher determinadas condigdes e se for verificada, transformar-se-4 entdo em lei. Diz. Bunge que “uma hip6tese cientifica é uma formu lagao de lei se e somente quando: a) € geral sob algum aspecto e com algum alcance; b) se foi confirmada empi- ricamente de modo satisfatorio em alguma area; ¢) per~ tence a algum sistema cientifico”.? 3. Maio Bunge, La iveligactn cet, p. 393. 1B Um conhecimento mais amplo a respeito de fatos ou de relagao entre fatos jé nao € mais lei mas é uma feoria Este termo ~ tcoria ~ € treqiientemente utilizado na lin ‘guagem vulgar para se opor ao que é “pratico” e poss portanto, conotagdes especulativas. Na ciéncia ndo é a sim. Ele se refere a um modo de organizar os fatos, explicando-os, estabelecendo relagdes ¢ dando oportuni- dade de serem utilizados para previsdo e prognéstico da realidade. Dizem Selltiz.¢ outros que, de modo geral, ‘a intengdo de uma teoria na ciéncia contemporanea ¢ suma- riar 0 conhecimento existente, apresentar a partir de principios explicativos contidos na teoria, explicagao para relages ¢ acontecimentos observados (fatos) bem como predizer a ocorréncia de relagdes € acontecimentos ainda nao observados”.' ‘Na citagdo acima de Ogburn e Nimkoff foi dito que um dos mais importantes interesses da ciéncia ¢ determinar a causa dos fendmenos. Convém explicar 0 que este termo significa na ciéncia, Geralmente, no sentido vulgar, acausa se refere a um s6 fator, que supde-se ter “Forga” suficiente para produzir determinado efeito. Assim, por exemplo, diante de um jovem neurdtico, alguém perguntava: “a causa disto nao ¢ 0 fato de ele ter perdido a mae, quando ainda era muito pequeno”” Na ciéncia nao se espera que uma causa, sozinha, seja suficiente para produzir fendmenos. Mas necessirio haver uma conjuncao de causas que, influenciando-se mutuamente, criem uma situagdo onde o fendmeno € capaz de manifestar-se. Assim, um dos trabalhos muito importantes, em plano de pesquisa, é definir 0s fatores que estdo presentes ¢ influenciam a situagdo. Para que 0 assunto seja melhor compreendido, vamos aproveitar um. 4. Selle, Jahoda, Deutsch, Cook, Metados de essa,» 540. u exemplo dado por Selltiz e outros a respeito de um fend- meno — vicio com entorpecentes —a fim de considerarmos {as causas que criaram a situagao.? ‘uma causa é necessdria quando, sem ela, 0 fendmeno no pode ser reproduzido; p. ex.: experimentar o entorpe- cente ¢ causa necesséria para 0 vicio, pois sem experimen- ta-lo 0 individuo nao pode ficar viciado. A causa suficiente €aquela que, colocada, produ inevitavelmente o fenome- no, p. eX.: 0 vicio prolongado em entorpecentes produz disttrbios psicolégicos. Uma causa pode ser necesséria sem ser stficiente. Assim, p. ex., experimentar entorp cente nao leva o individuo necessariamente ao vicio, po hd pessoas que © experimentaram, sem ficarem viciadas, Outros tipos de causas sdo contribuintes, contingentes © alternativas. As primeiras sio as que aumentam a probabilidade (contribuem) do aparecimento do fendme no, sem garantir que inevitavelmente surgira. Estudos feitos com familias de viciados constataram que a ausén- cia da figura paterna no lar, durante a infancia, € causa ‘ontribuinte para 0 aparecimento posterior do vi filo. As condigdes favordveis, criadas para que a causa contribuinte possa attiar, constituem a causa contingente do fendmeno. Assim, constatou-se que o vicio em entor- pecentes, dos jovens que tiveram ausencia paterna no lar, 56 acontece quando, nos bairros em que eles moram ou. freqiientam hé disseminacao de entorpecentes e nfo acon- tece quando 0 uso nao esté difundido. As causas alterna- tivas sa0 as diversas modalidades de causas contribuintes que tornam provavel o fendmeno. Assim, se a causa contribuinte ¢ a auséneia da figura paterna no lar, as causas alternativas que apareceram no estudo feito sobre © vicio de entorpecentes foram: a) jovens que cresceram 5: ii, p. 93.097. 15 sem pais; b) filhos que tinham pais, mas que foram tratados por estes com hostilidade. © modo proprio que a cen mento da realidade empirica €a pesquisa, E, entre as diversas formas de fazé-la, as que vao nos interessar neste estudo so a descritiva e a experimental. A primeira tem por objetivo obter informagao do que existe, a fim de poder descrever © interpretar a realidad. A segunda, a experimental, esté in- teressada, nao tanto em descrever os fendmenos tais como ji existem na realidade, mas em criar condigdes para interferir ‘no aparecimento ou na modificagao de fatos a fim de poder explicar 0 que ocorre quando dois ou mais fendmenos so relacionados. A pesquisa experimental inclui os objetivos da pesquisa descritiva indo, no entanto, mais além tein para obter couhec 3. Caracteristicas do método de pesquisa cientifica Van Dalen ¢ Meyer lembram que “0 trabalho de pes- quisa ndo € de natureza mecénica, mas requer imaginagaio criadora e iniciativa individual”. E acrescentam: “entre tanto, a pesquisa ndo € uma atividade feita a0 acaso, porque todo 0 trabalho criativo pede o emprego de proce- dimentos e disciplinas determinadas’.* Talvez uma das maiores dificuldades, de quem se inicia na pesquisa cientifica, seja a de imaginar que basta um roteiro minucioso, detalhado, para seguir € logo a pesqui- sa estard realizada. Na verdade, 0 roteiro existe: sa0 as diversas fases do método. Entretanto, uma pesquisa devi- damente planejada, realizada e conclufda, ndo é um sim- ples resultado automético de normas cumpridas ou seguido. Mas deve ser considerada como obra de criatividade, que nasce da intuigao do pesquisador ¢ recebe 6. eo Vandalene Wiliam J. Mayer, Manual de Tenia... 143 16 a marca de sua originalidade, tanto no mode de empreen- dé-la como no de comunicd-la, As fases do método podem ser vistas como indicadoras de um caminho, dando, po- rém, a cada um a oportunidade de manifestar sta inicia- tiva e seu modo proprio de expressar-se. Fazer uma pesquisa cientifica nao € fil. Além da inicia- tiva e originalidade de que jé falamos, exige do pesquisador persistencia, dedicagao ao trabalho, esforgo continuo © pa- ciente, qualidades que tomam sua feigdo espectfica € s reconhecidas por cada um em si mesmo, quando alguem Vivencia a sua propria experiencia de pesquisador. E, no entanto, é uma das atividades mais enriquecedoras para 0 ser humano ¢, de modo geral, para a ciencia. Embora enfatizando o valor da criatividade, convém Iembrar que a pesquisa cientifica nao pode ser fruto apenas da espontaneidade ¢ intuigao do individuo, mas exige submissdo tanto aos procedimentas do método co- mo aos recursos da técnica. © método € 0 caminho a ser percorrido, demarcado, do comeco ao fim, por fases ou tapas. E como a pesquisa tem por objetivo um problema 4 ser resolvide, 0 método serve de guia para o estudo sisterndtico do enunciado, compreensiio e busca de solugio do referido problema. Examinado mais atentamente, 0 meétodo da pesquisa cientifica nao € outra coisa do que a claboragao, consciente € organizada, dos diversos proce- dimentos que nos orientam para realizar 0 ato reflexivo, isto ¢, a operagdo discursiva de nossa mente. Whitney nos recorda que costumamos utilizar 0 pro- cesso reflexivo quando nos encontramos diante de uma situagdo, que consideramos problema e sent géncia de resolvé-lo. Em atos mais simples, como 0 de amarrarmos os cordées do sapato, barbearmo-nos, pro- cedermos diante de amigos, estrankios ou inimigos, 0 nosso procedimento € espontiinco e reagimos sem reflexdio ‘ou quase sem reflexao. Estes mesmos atos, hoje to faceis "7 € familiares, foram considerados por nés, em outros tempos, como problemas mais ou menos complexos, que tivemos de resolver. (© mesmo autor faz referéneia a Kelly para dizer que um ato completo do pensamento relexivo compie-sedas seguintes fases: a) uma dificuldade ¢ sentida; b) procura-se entao com- preender e definir esta dificuldade; ¢) dé-se para a mesma uma solugio proviséria; d) elabora-se mentalmente uma soluea0 (elaborando-se, também, se fornecessério, solugies provissrias complementares) da qual se ter; e) a convicedo de ser a slug ‘correla; f)comprova-se experimentalmente a. mesma: g) procu- ra-se avaliar adequadamente os dados experimentais, que con- dduzem a aceitagdo da solugaio mental e a wma decisdo sobre a concluta imediata ou ao abandono ea retficagdo da necessidade sentida, donde nasceu a dificuldade. 0 processo se repete até que seobtenha una solugae comprovada, imediatamente utilizavel 1) procura-se ter wna visdo de futur, ou seja, a formagao de wm quadro mental de situagées futuras para as quais a situapao é pertinente.” As fases do método de pesquisa sao semelhantes as que acabamos de indicar, compreendendo: A) formulagao do problema da pesquisa (correspondente aos itens a ¢ b); B) enunciado de hipdteses (correspondente aos itens 6d ¢ @); © coleta ds dados (correspondente ao item f}; D) andlise ¢ interpretagio dos dados (correspondente aos itens g ¢ h). Embota sejam estas.as fases do método, nao se apresentam, semapre necessariamente em niimero de quatro. Alguns autores preferem desdobrar, p. ex., uma em duas ou, en- to, sintetizar duas em uma. Assim, a primeira fase pode aparecer desdobrada em duas: enunciado do problema ¢ definicao dos termes do problema. Ou, entdo, a terecira € quarta podem surgir sintetizadas numa s6: coleta ¢ inter= pretagao de dados. 17 Frederick Lamson Whitney, Elemento de invesigacin, p29 13 18 A primeira fase do método € a formutagdo de wm pro- blema, Algum principiante, ansioso por *comecar logo a pesquisa”, pode supor que © inelbor € pensar imediata~ mente na elaboragdo de questiondrio. Nao ha civida que € muito comum encontrar pessoas que confundem pes~ quisa com mera aplicagdo de questiondrio. Este procedi- mento, porém, pertence a coleta de dados que, na ordem por nds colocada, encontra-se na terceira fase. Na verdade, nio se pode fazer pesquisa sem ter um problema, devidamente enunciado, para resolver. Diz, Dewey que “nao formular 0 problema é andar as cegas, no escuro. A maneira pela qual concebemos o problema € que nos leva a decidir quais as sugestdes especificas a considerar ou desprezar; quais os elementos que devem ser selecionados ou rejeitados ¢ qual © critério para a conveniéneia e importancia ou ndo da hipétese e da estruturagao dos conceitos”." Formulado 0 problema, 0 método pede que 0 pesqui- sador enuncie as hipdteses, que so tentativas de solugbes, para posterior aceitacdo ou rejeicdo. A fungdo da hipotese €afirmar que, numa determinada situagao, um fendmeno se encontra presente ou ausente, que possui tais caracte- risticas ou natureza, que existe (ou nao existe) tal relagsio specifica entre fendmenos, ete,, devendo, aafirmagio, ser ‘ada na realidade empirica. Verificar & confrontar a afirmagiio da hipétese com informagies obtidas na reali- dade empirica, Se existe concordancia, a hip6tese foi com- provada ¢ pode ser aceita. Caso contrario, a hipétese foi rejeitada. Para obteras informagGes, 0 pesquisador observa a realidade. Como resultado da observacao, 0 pesquisador registra determinadas informagoes, que sao os dados ob- tidos. E, a0 processo de aleangi-los, denomina-se “coleta de dados” £8, Jon Dewey, Inti ivestigago. p 245, 1” Mas o simples fato de obter dados nao resolve 0 problema da pesquisa. Para isto, torna-se necessério dar fas mesmos uma forma de organizagio, que possibil serem examinados ¢ avaliados, transformando-se, assim, em material util a verificagao das hip6teses. Ao conjunto destes procedimentos denomina-se “analise de dados” ‘Teremos, em seguida, a “interpretagao de dados”, que consiste em dizer a verdadeira significagao que os dados obtidos possuem para os propositos da pesquisa, genera- lizando-se, depois, os resultados, no ambito que a pesqui- sa permite ea ldgica consente. Costuma-se terminar o relatério da pesquisa com uma “conelusdo’. Embora 0 assunto fuja ao dmbito deste tra- balho, que visa apenas dar as nogdes basicas para a claboragiio de um projeto, convém, no entanto, de passa gem, lembrar algumas indicagoes. Castro diz. que “na conclusio deve-se retomar a visio ampla apresentada na introdugao e tentar avaliar o impacto da pesquisa sobre aquela perspectiva... buscando destilar as contribuigdes mais importantes da pesquisa, bem como avaliar-Ihes 05 pontos fracos e controvertidos... Em termos formais, a conclusio apresenta um sumério comentado dos princi- pais resultados, realgando sua contribuigao a disciplina. Uma pesquisa sobre novas perspectivas sugere dreas em que nosso conhecimento € precario e abala convicgdes antigas; tais implicagées devem ser exploradas no capitulo das conclusdes”.” Em cada uma das fases do método, o pesquisador deve usar certos recursos, que sdo apresentados na forma de procedimentos téenicos, como o de selecionar a amostra, construir e aplicar instrumentos de pesquisa, ete. ¢ que sero vistos por nés em lugar oportuno, mais adiante. Para analise ¢ interpretagao dos dados recorre-sea técnicos +9. Clsuio de Moura Castro, estrturag apresentagdo, p11 € 12 20 de estatistica. Além disto, durante todo 0 processo da pesquisa devem ser usadas, pelo menos implicitamente, tecnicas de raciocinio légico. Antes de concluir este capitulo convém lembrar que método, acima descrito, nao € apenas um conjunto de procedimentos formais ou um complexo de normas cuja finalidade ¢ ser usado unicamente na pesquisa. Jé foi dito {que ele constitui a orientago bisica do pensamento refle- xivo. Além disto (ou por causa disto) € considerado tam- bem eficaz para o aumento de saber, no individuo que o utiliza, e meio adequado para ampliar o conhecimento, na direa da ciéncia Popper diz que “o problema central da epistemologia sempre foi ¢ continua a ser o problema do aumento do saber”, Eo método eficiente para aleangé-lo consiste “em ‘nundar elaramente um problema e examinar criticamente 4s varias solugSes propostas. Importa realgar: sempre que propomos uma solugao para um problema devemos tentar, do intensamente quanto possivel, por abaixo a mesma solugo, ao invés de defende-la. Infelizmente poucos de ios observamos este preceito, felizmente outros fardo as eniticas que nés deixarmos de fazer. A critica, porém, 36 sera frutifera se enunciarmos o problema tao precisamen- te quanto nos seja posstvel, colocando a soluigao por nds proposta em forma suficientemente definida — forma suscetivel de ser criticamente examinada’ Em conclusio, podemos utilizaro métode como condigao necessdria para realizarmos uma pesquisa. Ou, fora desta, podemos também usé-lo quando quisermos adquirir algum conhecimento pessoal. Num ¢ noutro caso, a sua eficacia depende de nosso estado de espfrito: uma atitude de desa~ pego, para que a critica, propria e de outros, possa lapidar ‘© nosso pensamento até encontrar a verdade. 10, Kol Popper, igi da pesquisa, p. 536. a CAPITULO I Comunicagao e conhecimento cientifico 1. Nocdes preliminares Nos livros de metodologia da pesquisa, o titulo deste capitulo pode servir para tratar de assuntos como, por exemple, da forma que deve ter um relatério de pesquisa Mas a perspectiva que vamos ter para abordé-lo ¢ outra: focalizaremos 0 aspecto do uso e da definigao das termos ‘que, na verdade, ¢ tao siti e importante para a elaboraco de projetos, como é para a execugio da propria pesquisa, € tao imprescindivel para o individuo produzir os seus proprios pensamentos, como para comunicar os resulta- dos a que tiver chegado. Comegaremos lembrando que toda experiencia, exter- na ou interna, deixa em nés um sinal do que aconteceu, denominado idéia ou conceito. Estes dois termos, sindni- mos, indicam a forma mais simples do pensamento ¢ pela qual conhecemos as coisas ¢ estas ficam representadas em nossa mente. Para melhor compreensio, vejamos um exemplo. Quando conhego uma pessoa, posso “guardar” a imagem de sua fisionomia, tornando-se esta imagem a pessoa representada dentro de mim. Pois bem, quando eu falo em “conceito”, que tenho da pessoa, nao ¢ a esta imagem que estou me referindo. De fato, a imagem pode oferecer-me a “representagio” da pessoa sob diversos as- pectos. Assim, por exemplo, fechando 0s thos, posso recordar sua fisionomia (imagem visual), sua voz (ima- 2 gem auditiva), ete. © conceito é menos sensivel do que a imagem, digamos que ¢imaterial. Aparece como resultado de um trabalho da nossa mente, procurando aprender 0 ‘quea pessoa é, enquanto que a imagem indica apenas como {al pessoa se manifesta. O conceito € uma atividade mental que produz. um conhecimento, tornando inteligivel nao apenas esta pessoa ou esta coisa, mas todas as pessoas € coisas da mesma espécie. Além de ser a representacao da coisa em alguém, 0 conceito € 0 meio que o individuo tem, para reconhecer esta coisa (ou outra qualquer da mesma espécie), compreendendo-a, tornando-a inteligivel para si. © conceito € diferente do juiz0. Quando, por exemplo, alguém diz o que entende por aluno e por bom, esta emitindo conceitos. Mas quando afirma: “0 aluno ¢ bom", esta formulando um juizo (mais apropriadamente esta apresentando uma proposi¢do, que €a manifestagao visivel do jufzo, formulado em sua mente). O jufzo, portanto, € uma relagdio entre conceitos. Os conceitos, que alguém atualmente possui, apareceram de repente, de uma s6-vez, mas foram forn los progressivamente e o processo de sua formagao con- tinua. Assim, por exemplo, a idéia que tinhamos de alunos quando éramos criangas foi gradualmente se modificando € hoje j4 € bem diferente. No comego era muito simples € ementar. Mas a nossa propria experiéncia como alunos € a que tivemos com os outros nos deram novos elemen tos, fizeram-nos perder outros ¢ transformar alguns, purificando, ampliando e enriquecendo © conceito ant rior: Para isto, além das experiéncias, foi necessdrio tam— hem que utilizassemos a nossa capacidade de reflexio,, comparando ¢ relacionando os novos elementos, que iam sendo adquiridos, com os antigos, que ja possufamos. Um dos pontos mais fundamentais para 0 desenvolvimento intelectual do ser humano consiste no alargamento, aper~ feigoamento ¢ aprofundamento dos conceitos, dando a0 23 indivaduo uma visio, cada vez mais precisa e adequada, de si e do mundo em que vive. Sob este aspecto, compreen- -sc, ent, que, para alguém definiro conceito de alguma coisa, néo € apenas reptir palavras talvez ja decoradas, mas E manifestar 0 que sabe sobre esta coisa e que foi aprendido, sobretudo através das experiéncias. Sob este aspecto, a alidade do nosso curso €ajudar o aluno a ter um conceito cada vez mais adequado de um projeto de pesquisa. 2. O uso dos termos ‘home, porque € capaz de conceituar, pode utilizar a linguagem falada ou escrita para se comunicar com os ‘outros homens. Pela linguagem, o homem pode transmitir ‘5 seus conceitos através de sons ¢ tragos (palavras) con- vencionais ¢ pode, por meios idénticos, saber 0 que os outros pensam ou sentem a respeito das pessoas, coisas, acontecimentos, ete. Se perguntarmos qual o conceito que alguém possui de aluno, poderemos receber, por exemplo, as seguintes respostas: a) “é aquele que aprende”; b) “€ 0 individuo do sexo masculino ou feminino, matriculado em estabeleci- ‘mento de ensino, com o objetivo de realizar uma apren- dizagem’. Temos, entao, duas formas (¢ poderiam ter sido apresentadas muitas outras) de se enunciar 0 conccito de aluno, Assim, 0 mesmo conceito pode ser apresentado de maneiras diferentes. Os elementos que alguém distingue mum conceito © utiliza para explici-lo denominam-se “notas” ou “earac~ teristicas” do conceito. Assim, no exemplo acima, 0 con~ ceito de aluno possui as seguintes caracteristicas no item by: individuo - sexo masculino e feminino ~ matriculado ~ estabelecimento de ensino ~ aprendizagem como objetivo a realizar, £ pela apresentagao de suas caracterfsticas que chegamos a compreender um coneeito. Desta forma, de- 4 nomina-se “compreensdo de um conceito” a apresentagio das caracteristicas que o constituem. Geralmente, quanto mais caracteristicas forem apresentadas, melhor sera compreensao que s¢ teré do coneeito, Chama-se de “ex- tensio de um coneeito” a aplicagio que se pode fazer dele ‘40s individuos, coisas, acontecimentos, ete. Quanto maior a compreensio menor a extensdo e vice-versa. Quando se diz, por exemplo, que professor € todo aquele que ensina deu-se ao conccito uma extensdo muito ampla e, em conseqiiéncia, uma compreensdo muito pequena (apenas sma caracteristica: que ensina). Quando se diz. que profes- sor é portador de um diploma de curso superior, devidamente provado por um departamento universitdrio, com a finali- dade de ministrar aulas de uma determinada disciplina e orientar os alunos em atividades discentes deu-se ao concei- to uma compreensdo grande mas diminuiu-se muito a extensao (comparando-se, no primeiro caso — professor é 0 que ensina ~, 0 conceito se aplicava a muita gente e, agora, restringiu-se muito esta aplicagao). Na ciéncia no basta apenas individuo saber, mas ‘eonsidera-se de grande importaneia que 0 seu conheci- Jnento seja constituide por conceitos adequados, claros e dlistintos. Lm conceito € adequado quando nele se encon- tram todas as caracteristicas proprias, que o compoem. Caso contrario ¢ inadequado. Assim, por exemplo, concei tuar bom alunocomoo que “tira boas notas” € inadequado, pois faltam outros elementos como “dedicagaio aos estu- dlos", “participagao em atividades discentes", “responsabi- lidade em sua propria formagao profissional”, etc. Um coneeito € claro quando, por ele, entre diversas outras coisas, pode-se reconhecer a coisa a que ele se refere. Caso contrario, ¢ obscura. No exemplo dado acima, de que bom aluno € equele que “tira boas notas", esta caracteristica leva a confundit, pelo menos em certos casos, born aluno com aluno que cola, aluno de sorte, ete. Um conecito & distinto quando, levando-se em consideragao as suas pr6- 25 prias caracteristicas, € capaz de distinguir umas das ou- tras. Caso contrério, € confuso. Assim (aproveitando a prépria definigsio de conceito para darmos o exemplo}, se dissermos que conceito €a representacdo mental das elemen- tas que compéem a coisa estamos dando, sobre o mesmo, uma idéia confusa. Para torné-la distinta, precisamos explicar melhor: que 0 conceito representa somente aquetes elementos que sao absolutamente essenciais & coisa ¢, por- tanto, comuns a todas as coisas da mesma espécie, deixando fora os elementos que so apenas particularizadores ¢ indi- vidualizadores de wma coisa A condigdo para nos comunicarmos bem com os ou tros € apresentarmos convenientemente os conceitos ¢ utilizarmo-nos apropriadamente das palavras ou termos Estes, como sabemos, so constituides por um conjunto de sinais visiveis que podem tomar a forma de sons (palavras ou termos orais) ou de tragos (palavras ou termos escritos), A palavra € empregada com a finalidade de transmitirmos aos outros o que se passa dentro de nos: nossos pensamentos e sentimentos. Para que 0 proce comunicagao seja eficaz € necessdrio que as palavras sir vam realmente para ajudar © outro a representar na mente o que estamos representando na nossa ¢ que dese~ jamos transmitir. Assim, por exemplo, penso num deter~ ‘minado instrumento que marca o tempo, Utilizando uma série de tragos, escrevo a palavra *religio”. Neste caso, 0 meu desejo € que a pessoa, lendo o que escrevi, represente também na sua mente 0 mesmo instrumento que pensei. A ciéncia nao esta interessada nas palavras em si. E nem as utiliza apenas para embelezar as frases ou para hes dar toques emocionais. A ciéncia rejeita, como espt- ria, qualquer forma de psitacismo, isto €, da utilizagao de palavras sem idéias correspondentes. Mas, pelo contrario, como as palavras devem servir sempre de meios para revelar uim pensamento.e/ou para mostrar algo na realidade, 26 a.atengio da ciéncia se localiza, de modo especial, no signi- ficado e no referente que a palavra pretende indicar, Sabe-se hoje que a relagio estabelecida entre a palavra e a coisa que cla designa € meramente convencional. Os povos primitives imaginavam que a palavra fazia parte da propria natureza da coisa, como se fosse, digamos, um “pedago” dela. Na ‘magia, supunha-se que alguém pudesse ser prejudicado pelo simples fato de se utilizar a palavra, que indicava seu nome, para se fazer nela, ou com ela, a “maldade” que se desejava para o individuo. Mas isto pertence a uma época pré-cien- Uifica. A cigncia no tem o culto da palavra ¢ utiliza-a somente como instrumento eficaz para a elaboracao do pensamento e para a comunicagao. Assim, dentro de certos limites, o cientista pode inventar uma palavra ou modifi- car outra para indicar mais adequadamente 0 conceito que cle pensae deseja manifestar. (© mesmo conceito pode, as vezes, ser indicado com polavras diferentes, p. ex: perito, experimentado, prético, sabedor, et., designa “alguém que possuii conbecimento & ‘exercicio para a execugao de determinaca abilidade”. Mas, por outro lado, acontece que conceit clerentes podem ser Indieados com a mesma palavra. Assim, por exemplo, 0 termo pé pode se referit-a uma parte de uma pessoa, de uma, mesa, de uma drvore, ao vento, a altura da parede, ete. Para ewvitar qualquer ambigiiidade, procura-se, na citnda, fazer 4 comunicago na base dos significados ¢ dos referentes € hndo apenas da propria palavra. Por isso, a compreensio deve ser procurada nas definigdes, sendo-o mais importante do que perguntar: “o que foi que cle disse?” e saber: “0 que foi que ele desejou significar com 0 que disse?” Embora a utilizaggo de palavras seja fundamental, dlevemos estar sempre prevenidos para as confusdes que cla possa ocasionar: Weatherall diz que, para evité-las, duas providencias devem ser tomadas: a) estar ciente da possibilidade de que a mesma palavra seja usada para 7 indicar referentes diversos ou de que uma palavra scja em- pregada sem qualquer referente; b) estabelecer exatamente qual o referente de determinada palavra, em dado contexto, ‘emanter constante a conendo entre oreferente ea palavra’."! Para ajudar a estabelecer o referente de determinadas palavras talvez, ajude a distingaio que se coloca entre significado extensional e intensional. O mundo extensional €aquele que podemos conhecer através de nossa propria experiencia. © significado extensional € aquilo que cle aponta no mundo extensional. Assim, por exemplo, quan- do alguém diz. “cadeira',o significado desta palavra € algo existente na realidade e que pode ser conhecido pela expe- rigneia, Diz Hayakawa que “um modo fécil de nos lem- brarmos disto, consiste em taparmos a boca e apontar o objeto com 0 dedo, sempre que alguém nos pedir um significado extensional’. Um termo qualquer que possa “apontar” um objeto no mundo extensional € chamado *denotativo". Por exemplo, cadeira € um termo denotati vo. O significado intensional é aquele que, pronumciada a palavra, € sugerido na forma de diversas idéias que sur- gem na mente de cada um. O termo que sugere estas idéias se chama “conotativo”. Assim, por exemplo, nesta frase: durante 0 sono aparecet-the um anjo, a palavra somo € denotativa porque podemos apontar uma pessoa dormin- do. Mas anjo no possui significado extensional: ndo pode ser visto, ndo pode ser tocado, sua presenga ndo pode ser detectada por nenhum instrumento cientifico. Para expli- car 0 que significa, cada um tem que fazer apelo a sua propria idéia, que tem de anjo. Pode ser até que nem existam anjos e, neste caso, uma palavra estd sendo usada sem referente algum 11M. Weatherall, Método inti, p26 12,54 Hayekave, inguagem no pensarento, 47,38. 28 Estudamos, mais acima, a compreensao e a extensao do conceito. Agora, podemos dizer que os termos denotativos tem referencia com a extensdo e os conotativos dizem respeito a compreensao. Mas 0 mesmo termo pode ser apresentado com significado extensional, quando 0 possui {p. ex: a cadeira, explicada tal como existe na realidade), € com 9 intensional (p. ex.: a cadeira explicada de acordo com um ponto de vista pessoal, isto €, 0 modo proprio pelo qual alguém "ve" uma cadeira, podendo nao coincidlr com ‘© que existe na realidade), No primeiro caso, 0 termo foi tomado no seu sentido peculiar, denotativo e, no segundo, assume um sentido conotativo. A pesquisa cientifica tem como referentes os ferdmenos ‘que podemos apontar, ver, tocar ou cuja presenga pode ser captada através de dispositivos cientificos. Na medida do possivel devemos usar termos denotativos para os fe hhos com que estamos trabalhando em. nossa pesq dando-lhe o significado que possui no mundo extensional. Mas, como toda pesquisa tem seu ponto de referéncia num. quadro conceitual, comumente traduzido na forma de ‘uma teoria determinada, as conotagdes que dermos aos fermos devem servir, apenas, para inseri-los adequada- mente nesse quadro conceitual a que pertencem 3, A definigao de termos 0s termos se tornam mais claros e compreensivos a0 serem definidos. Definir € fazer conhecer 0 conceito que temos a respeito de alguma coisa, é dizer 0 que a coisa é, sob ponte de vista da nossa compreensao. Evidenteme le, para que a nossa definigao seja certa e verdadeira é condigaio imprescindivel que © nosso conceito da coisa esteja de acordo com o que ela realmente é. Assim, tanto mais estaremos aptos a fazer definigdes corretas, quanto melhor conhecermos e compreendermos o que desejamos Uma das exigéncias muito importantes para rea- 29 lizarmos uma pesquisa € estudarmos com profundidade e experienciarmos o tema, a fim de que as nossas definigoes sejam sempre corretas. Quando definimos, dizemos 0 que a coisa do-a do que nao é. Podemos definir assiduo a Igreja como istir aos cultos com determinada regularidade, Assim, estamos dizendo o que a coisa é. Nao entra nessa definigao nada que se relacione com a presenga ou auséncia de bondade para com os filhos, a felicidade conjugal, a ho- nestidade ou desonestidade de praticas comerciais, etc. (0 quea coisa nao ¢). Entretanto, diz Hayakawa: ao afirmar- se que alguém € assfduo a Igreja, logo se vincula ao individuo uma série de conotagtes, que ndo Ihe pertencem, como ser bom cristo; bom cristo sugere fidelidade & mulher e ao lar, bondade para com os filhos, honestidade nos negécios, etc.” Ora, separando 0 que a coisa é do que a coisa nao € (isto €, deixando fora as conotagdes que nao Ihe pertencem), podemos identificar no mundo extensio- nal, sem enganos, 0s individuos aos quais devemos a © conceito. Assi, por exemplo, se definimos assiduo Igreja como assistir aos cultos com determinada regularida- de sabemos que 0 conceito convém a Pedro, José, Emen- garda c Pac6mio, embora Pedro tenha severidade excessiva com os filhos, José seja desonesto nos seus negécios, Emengarda cometa adultério e PacOmio seja alcodlatra. Entretanto, nenhuma destas conotagdes pertencem a0 conceito. De fato, severo com os filhas, desonesto nos negs- ios, cometer adultério e ser aleoblatra sao conotagbes que nio pertencem ao conceito de assiduo a Igreja. A definigao de um conceito serve, portanto, para tornar claras € reconheeiveis suas caracteristicas, separando-as de cono- tagdes que nao Ihe pertencem. , separan- 13.51, Hayakawa, op et p21 30 Pascal enunciou trés regras para uma boa defini¢a0: a) nao deixar qualquer idéia obscura sem definir; b) empre- gar na definicao apenas termos suficientemente claros por si ‘mesmas ou ja definidas (nao incluir, portanto, na definigao, a palavra que se quer definir, isto é, ‘nao explicar a palavra pela propria palavra’ e nunca definir o termo pelo seu contrério); ¢) nunca pretender tudo definir, porque a defi- cao € essencialmente uma andlise, devendo necessaria- mente deter-se nos elementos simples, suficientemente claros por si”™ Aproveitando 0 exemplo dado acima, de assiduo a Igreja, vejamos como se aplicam estas regras. Esta expres- duo a Igreja ~ndo pode ser definida: a) por aquele que vai a Igreja com assiduidade, porque seria explicar a palavra pela propria palavra (assiduo = assiduidade); b) por: aquele que nunca falta a Igreja, pois seria explicar a palavra pelo seu contrario (assiduo a Igreja = nunca faltar ‘ Igreja); ©) e nem mesmo, como ja foi definida, por: Aasistir ao culto com determinada regularidade. Reparando cm atengao veremos que determinada regularidade € um ermo obscuro, pois ndo permite identificar ao que se Fefere, no mundo extensional. Melhor seria entao dizer {que significa todos os domingos e dias santos. Neste caso, a definicdo completa de assiduo a Igreja sera assistir aos auiltos todos os domingos e dias santos. Carosi também apresenta 0 que denomina de “Ieis da definigao” € que sao as seguintes: a) a definicdo deve ser conversivel a0 definido, isto é, deve valer para todos os sujeitos que se incluem no ambito da coisa definida e 36 para estes sujeitos; b) a definiedo deve ser clara, ao menos deve ser mais clara do que o objeto definido; c) a definicao 14. Apu V de Magaes Vite, que Manat de lesa, p- 286 a” deve ser breve, do contrério, em vez de ser definicao, teremos uma exposi¢o ou um tratado."* ‘Uma das partes mais signifieativas da pesquisa con siste na defini¢ao dos termes, especialmente, no que s¢ refere & formutlagao do problema e ao enunciado das hipéte- ses, por serem 0 comego ¢ oferecerem a maioria das. palavras com as quais vamos lidar durante toda a pesqui- sa. Evidentemente nem todos os termos precisam ser definidos. Necessitam definigdo os pouco usados, os que poderiam oferecer ambigitidade de interpretagao, ou os. {que descjamos sejam compreendidos com um significado bem especifico, etc. A primeira vista pode parecer fécil selecionar os que devem ser definidos. Entretanto, ha muitas dificuldades para se fazer a discriminagao. Assim, por exemplo, para o pesquisador que ja conhece bem sua rea de estudo e vive em contato permanente com o ‘assunto de seu trabalho, todos os termos, ou pelo menos ‘a maioria deles, podem ser considerados como nao ofere- cendo dificuldade para a compreensao. Diz Bachrach: “Se vocé perguntasse a um psicoterapeuta o que entende por esta palavra, ele poderia dizer: bem, todos sabem 0 que melhor significa...” Eo autor acrescenta: “Dizer que todos sabem é repetir a pergunta e evitar o assunto principal da Glareza e precisio da definigao. Conforme Quine sugeriu, ‘a suposigao mtitua de compreensdo € uma abordagem imatura do método cientifico”."° Nao existem regras padronizadas para alguém saber, ‘com certeza, quais os termos que devem ser selecionados para definigao. Isto depende do discernimento do pesqui- sador. Mas alguns pontos podem ser indicados como sugestio, por exemplo, tentar ler 0 que escrevemios com 15, Pao Corsi, Curso de losofi, vol | 272. 46, Arthur J Bachrach, Introd a Pesquisa, p. 5S. 32 ‘0s olhos dos outros’, isto €, como os outros poderiam ler ecompreender. bom também lembrarmo-nos dos esfor- ‘08 que fizemos para chegar a entender certos termos, que hoje nos parecem simples e claros, mas que, antigamente, hos pareciam. obscuros ¢ confusos. Precisamos, ainda, levar em consideragao a divergéncia relativa a certas palavras € expressdes, cujos significados sao discutiveis de acordo com as teorias, areas de conhecimento, etc, Sera de {grande valor, além da nossa reflexdo pessoal e autocritica, Consultarmos determinadas pessoas, especializadas ou entendidas no assunto € outras que, por algum motivo Inais sério, julgamos poderem ser titeis € nos ajudarem. Bachrach referindo-se a definigao, considerada em si mesma, diz que “estamos de tal modo acostumados as Uefinigdes de dicionsrio, que temas a tendéncia de consi derd-las claras, inequivocas e reais. Neste ponto eu gosta- via de observar que um dos maiores erros do método cientifico €0 de transferirem definigdes de dicionario para © método cientifico sem fazerem critica, ja que as defini- (Ges de dicionario nao sao elaboradas de modo cientifico. nunca ¢ demais frisar que um dos maiores erros do método cientifico é usar definigdes quotidianas”."” Um dos principais objetivos da definigao, na pesquisa, € ajudar a observacao da realidade. Desta manera, ser30 melhores as que mais servirem para a identificagao de oisas, pessoas, acontecimentos ¢ situagdes, existentes no inundo extensional. As definigSes de dicionario ~ ndio- cientificas e, geralmente, vulgares e quotidianas ~nao siio suficientemente elaboradas para especificar fendmenos € hem para nos ajudar a discrimind-los pela observa¢ao. 17.1h,p 58053. \Vejamos um exemplo. Nos Estados Unidos foi realizada ‘uma pesquisa para verificar se havi discriminagio no modo de 2¢ tratar os fregueses pretos dos restzmrantes de Noval Iorque."® Bravo utiliza 0 fato para um exercicio sobre as definigdes de “fregueses pretos” e “discriminagao”."” Se procurarmos 0 termo preto no Novo Dicionério Aurélio, iremos encontrar: “que tem a mais sombria de todas as cores; da cor de ébano; do carvao. ~ Rigorosa~ ‘mente, no sentido fisico, o preto € austncia de cor, como. 6 branco € 0 conjunto de todas as cores. ~ Diz-se do individuo negro. Diz-se da cor da pele destes individuos. ow da cor da pele queimada pelo sol, ete.” Evidentemente, nenhuma destas definigdes serve como indicadora para que um observador possa identificar fregueses pretas que. estejam presentes num restaurante. Em Bravo, preto é definido como sendo “toda pessoa que, pela cor da pele € por seus tragos fisicos, estima-se pertencer a raga negra”. O ‘autor nao explicita quais os trapos fiscos, pertencentesa raga negra, supondo-sc naturalmente que o individuo, realizan- do a pesquisa no Ambito das ciéncias socias, tenha conhe~ ‘cimento suficiente para saber de que caracteristicas trata Podiamos, como exere‘cio, completar a definigao e dizer que: _fregueses pretos & qualquer pessoa que entra no restaurante e ‘pede uma refeigao, caracterizando-se por ter a pele escura, os labios grossos, nariz chato e cabelo encarapinhado. ‘Vejamos agora o outro termo: discriminagdo. O mesmo Dicionario diz que ¢ “desigualdade de trato”. Bravo acres~ centa que € “qualquer desigualdade no modo de tratar comensais pretos ¢ brancos, a menos que haja razao para. crer que a diferenga no trato € devida a fatores diferentes da raga’. Podemos também completar esta definigao, di- 18, sli, Jahoda, Deutsch, Cook, op cit, p78 19. Siera Bravo, Tenens de Investigacn,p. 58 34 vendo que discriminacao (no contexto da pesquisa) esté em ‘que 0s fregueses pretos so tratadas pelos garcons e demais pessoal de servigo do restaurante de modo diferente do que Wo atendidas os outros fregueses, ndo sendo observada, para ‘a diferenca do atendimento, outra razo a néo sera diferenca de cor existente entre as fregueses. Agora, um outro exemplo muito simples que tivemos m nossa experiencia de professor. Um grupo de alunos dlesejava realizar uma pesquisa, para saber até que ponto o stendimento, dado pelos funcionarios de um supermercado {chamemo-lo de supermercado X), estava agradando as mu- Theres que costumavam ir até Is fazer compras (na pesquisa, mulheres aparecia como consumidores do sexo feminino. Sabendo que um dos procedimentos mais importantes numa pesquisa € a definigao dos termos, os alunos procu- raram explicar o que entendiam por consumidores do sexo feminino. Mas fizeram-no da seguinte maneira: a) “con- sumidor” ~“aquele que compra para gastar no seu proprio uso”; b) “sexo” — “conformagao particular que distingue © macho da fémea”; ¢) “feminino’- “o que € proprio da mulher”. Evidentemente, esta definigao, tirada do dicio- nario, no servia para que um observador pudesse iden- tificar, no supermercado X, os consumidores do sexo femninino. Os alumos talvez.tivessem esquecido que definir, para uma pesquisa, nao € apenas um cumprimento me- cAnico de um dever escolar, mas um procedimento cujo resultado deve ser funcional. £ - digamos numa compa- ragdo muito elementar ~ como alguém que prepara um, bindculo, com o objetivo de poder utiliza-lo para enxergar { realidade. Assim, os alunos deviam ter definidoa expres- siio inteira (consumidores do sexo feminino) e nao cada uma de suas partes. Podiam, entio, ter dito, por exemplo, que 4 expressao significava: mitheres de qualquer idade ou condi¢do social que vao, pelo menos uma vez por semana, Jazer compras no supermercado X. Notem que mutheres niio 35 precisa ser definido: é um termo denotativo de facil vag. Fazer compras €0 mesmo que; entrar no super para adquirir qualquer genero que esteja a venda. Além di acrescentou-se, na definigio, pelo menos uma vez por se porque, na pesquisa, se desejava saber se os funcionarios supermercado estavam agradando as mulheres que ‘mavam ir fazer compras. Portanto, a palavra costumas foi definida por: pelo menos wma vez por semana. Por diversas razdes, uma definigao filoséfica € difer te da cientifica, e uma delas € que a filos6fica pretende {inica e definitiva. Assim, por exemplo, na escoldstica, dizqueohomem é“um animal racional’ Hé muito te que isto € afirmado como certo ¢, por isso, nao sol modificagio. Na pesquisa € diferente, Como ja foi dit anteriormente, o mesmo termo pode ser definido de neiras muito diversas. Mas, aqui, convém distinguir di situagées. Na primeira, o termo faz parte de uma Teot Cientifica. Neste caso, recebe a definigzio que ai se encor tra, Portanto, quando fazemos alusdo a uma Teoria podemos “inventar” definigdes para os termos que, nel jj se encontram definidos. A outra situagio € aquela que devemos, por iniciativa nossa, claborar uma defink (a0. Neste caso, embora sendo cocrente com as ba teGricas adotadas para a pesquisa, a definicio depende nnossos conhecimentos ¢ da nossa inventividade. E, co vai servir para indicar que observagdes devem ser feita a definigao pode variar, de acordo com o contexto as observado (mantendo-se, no entanto, para o mesmo con. texto, as mesmas definigdes). Voltando ao exemplo dad acima, por conveniéncia de observacao, foi definido qui consumidores do sexo feminino sao: mulheres de qual idade e condigao que vio fazer compras no supermercado X. Imaginemos, agora, outra situagao observacional, a de. tum fabricante de fumo, que deseja langar no mercado um produto caro para consumidores do sexo feminino. Neste! caso, a expressio poderia ser definida, por exemplo: mu: 36 que funam pelo menes 10 (dez) cigarras por dia e que win a classe média-alta e classe alta. Ivém fazer uma observagao a respeito da insistén- ile que o termo deva ser denotativo, “apontando" ima coisa na realidad empfrica. Na verdade acontece Aleterminados conceitos, usados pela ciéncia, ndo sio imente observaveis. © procedimento mais freqiiente ‘itncia € utilizar, entao, outros termos que possuem incia empirica ¢ aos quais os termos nao observaveis ‘oncontram ligados. Neste caso, a compreensdo do termo lede sua ligacdo ligica com ode referencia empirica. , por exemplo, na orientagdo nao-diretiva, a expres- fendéncia ao desenvolvimento indica que, na auséncia “We titores perturbadores graves, o desenvolvimento psi Joldgico se dirige espontaneamente para a maturidade. ‘Of, isto nao pode ser observado diretamente do ponto de ‘isla psicol6gico. Entretanto, a afirmagao se baseia num, Jiaralelo estabeclecido entre o desenvolvimento psicolégico € observagao direta que se faz do desenvolvimento fisiold- eo dos organismos. ‘Afi de assegurar a preciso e referencia empirica das Mefinigdes, evitando que esta se redurza a um simples jogo. de palavras, sustenta-se, as vezes, que o melhor modo de efinir € descrever as operagdes que sao observadas, me- das ou registradas de um determinado fendmeno. Diz, Weatherall: “Diante de qualquer palavra equivoca € con- veniente considerar 0 que alguém faz para representar faquilo a que ela se refere. © que este alguém faz pode ser lenominado operagao e esta forma de agir € freqtiente- mente denominada definigao operacional”.*® Assim, para \lefinir operacionalmente a inteligencia podemos dizer que la € resultado medido pela execucdo de tarefas comumente 20, M, Weatheral opt, p28. 37 chamadas de intelectual’ como o céleulo aritmeético, comple- tar relagdes verbais, etc. Nao hi ddvida: nenhuma que a definigio operaciona, quando pode ser usada, ajuda a compreender um conceito, orientando-nos para determinada experiéncia no mundo extensional. Entretanto, € bom nao exagerar 0 seu valor. De fato, muitos conccitos cientificos podem nao servir para ser observados, medidos ou registrados através de operagdes”. Além disto, a “operacdo” apresenta um valor relativo, no sentido de que o modo de operar de um individuo nao é exatamente igual ao de outro. Finalmente, a0 invés de a “operagio” determinar o conceito, podemos suipor que € 0 contrério: alguém precisa ter primeiramente 6 conceito para depois definir os modes de operago que Ihe so aptos. Para concluir o que foi dito neste capitulo, convém Tembrar que 0 pesquisador nao ¢sté interessado direta: ‘mente nas palavras mas nos conceitos que elas indicam € nos aspectos da realidade empirica que elas mostram, Para alcangar o significado ¢ o referente o pesquisador necessita ddas definigdes. A adequagao no uso dos termos € a utiliza~ Gao de definigdes corretas so meios de que dispSem o pesquisador para fazer raciocinios apropriados e desven~ dar para si mesmo e para os outros o conhecimento que tem do mundo em que vive. CAPITULO II A observagéo 1. Nogdes preliminares © campo especifico da ciencia € a realidacle empirica. tem em mira os fendmenos que se podem ver, sentir, tocar, te, Dafa importancia que tem a observacio. Deve- mos considerd-la como ponto de partida para todo estudo, Cientifio e meio para verificar e validar os conhecimentos axdquiridos. Nao se pode, portanto, falar em ciéncia sem fazer referencia a observagao. Mas 0 termo ‘observagao’ deve ser tomado aqui num sentido bem amplo. Como diz Minon: *Nao se trata apenas, de ver, mas de examinar. Nao s¢ trata somente de entender mas de auscultar. Trata-se também de ler documentos, (livros, jornais, impressos diversos) na medica em que estes nao somente nos informam dos resultados das ob- servagdes © pesquisas feitas por outros mas traduzem também areagdo dos seus autores’. E, por ser tao amplo,, podemos dizer que, de modo geral, a observagao abrange, dle uma forma ou de outra, todos os procedimentos utili- zados na pesquisa. Na vida quotidiana, a observago € um dos meios mais freqitentemente utilizado pelo ser humano para conhecer © compreender pessoas, coisas, acontecimentos e situagdes, 24 Paul Mino, tnliation aux métodes, p20 39 Nas pessoas, poclemos observar diretamente suas palavras, gestos e agbes, Indiretamente, podemos também observar 605 seus perismiiitos ¢ sentimentos, desde que se manifes- tem na forma de palavras, gestos ¢ ages. Da mesma forma indireta, podemos, ainda, observar as atitudes de alguém, isto é, o seu ponto de vista ¢ predisposicao para com determinadas coisas, pessoas, acontecimentos, ete. Entretanto, no podemos observar tudo ao mesmo tempo. Nem mesmo podemos observar muitas coisas a0 ‘mesmo tempo. Por isso uma das condigdes fundamentais de se observar bem é limitar e definir com preciso 0 que se deseja observar. Isto assume tal importancia na ciéncia, {que se torna uma das condigdes imprescindiveis para sgarantir a validade da observagao. No sentido mais simples, observar € aplicar os sentidos a fim de obter uma determinada informagao sobre algum ‘aspecto da realidade. Existe uma observagao vulgar, da qual ‘acima jé falamos, que € fonte constante de conhecimento para o homem a respeito de si mesmo ¢ do mundo que o Grcunda, Assim, pela observagao ele conhece e aprende 0 que € til e necessario para sua vida, desde coisas muito simples como, por exemplo, qual 0 6nibus que 0 leva a0 trabalho, qual o ponto em que deve tomar o nibus e deve saltar, qual o estado de humor do “chefe”, pela fisionomia que apresenta, ete. Estes conhecimentos nos ajudam a dis- ceri as reagGes que devemos ter diante de cada situagao. ‘Através da observago vulgar chegamos, ainda, a um certo ‘conhecimento e compreensao «lo mundo, da natureza que, embora imprecisa ede certa forma inadequada, nos ajudam, no entanto, a explicé-la ¢a fazermos previsoes. O pescador, pela “pritica’, €capaz.de conhecer as muvens ¢ ventos que ocasionam chuva ¢ pode prever se esta vai acontecer ou pao. E ainda capaz. de explicar as circunstancias marfti- mas, que favorecem ou prejudicam a pesca ¢, deste modo, dizer se o dia sera piscoso ou nao, Entretanto, a observago vulgar, além de oferecer compreensao previsdes muito limitadas e superficiais, esta suyjeita a freqtientes enganos ‘ea ertos crassos. Podemos ver as das coisas — 0s beneficios 0s danos da observagao vulgar ~ no conceito que o povo simples tem, por exemplo, de doengas ¢ no modo de curd-las através de ervas ¢ benzimentos. Aobservagao cientifica surge, ndo para destruir e negar © valor da observacao vulgar, mas para valerse das possibilidades que ela oferece, completando-a, enrique- cendo-a e aperfeigoando-a, a fim de Ihe dar maior valida- de, fidedignidade € eficécia. E, para estudé-la, vamos dividi-la, agora, em dois aspectos: a observagdo assiste- matica € a sistematica, 2. A observa assistemati A observacao assistemdtica ~ chamada também de ‘ocasional”, “simples, “no estruturada” ~ é a que se realiza, sem planejamento ¢ sem controle anteriormente claborados, como decorréncia de fendmenos que surgem de imprevisto, Imaginemos que um psicdlogo esteja pas- Jo por uma rua ¢ veja um prédio ser atingido por um_ incendio de grandes proporgdes. Ele pode transformar 0 evento, a que por acaso assiste, em oportunidade para estudar, por exemplo, 0 comportamento dos individuos diante de uma tragédia. Para continuar o seu estudo pode, depois, completar a observago com fotos, filmes, grava- (Ges, noticiarios de jornais, etc. Para as ciéncias do comportamento humano, a obser~ vagao ocasional € muitas vezes a tinica oportunidade para estudar determinados fendmenos. Muitos destes nao po- dem ser reproduzidos para serem verificados numa situa- gio de controle, porque isto seria impossivel ou imoral ou. -gal, ou teria, ao mesmo tempo, todos estes impedimen- tos. Assim, por exemplo, além de ser ilegal € também,

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