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sócio etnográfico)
(...)
nota 913: J.M Pereira da Silva, Segundo Período do Reinado de Dom Pedro I no Brasil
-- Narrativa Histórica., B.L. Garnier, Livreiro-Editor Rio de Janeiro, 1871, pág.
289.
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Com o passar dos tempos e cada vez mais crescente a sua fama de lutador e de
implantar grandes desordens em fração de segundos, sem possibilidade de ser
molestado, conseqüentemente ficando oculto, para quem estava a serviço, o capoeira
passou a ser a cobiça de políticos. Serviria de instrumento de luta ora para a nobreza,
que dava os seus últimos suspiros, ora para os republicanos, que lutavam
encarniçadamente para obterem a vitória sobre o trono, daí os graves acontecimentos
que abalaram o país, nos fins do século passado, já anteriormente estudados neste ensaio
e registrados por Gilberto Freyre, ao fazer a história da decadência do patriarcado rural
e o desenvolvimento do urbano. Com isso, a capoeira, um folguedo por propósito,
começa a sofrer mudanças de caráter etnográfico, em sua estrutura -- a luta que era um
acontecimento passou a ser um propósito. Por outro lado, isso acontecia justamente num
período em que a sociedade brasileira chegava ao auge nas suas transformações de base
por que vinha passando e "com essa transformação verificada nos meios finos ou
superiores, deu-se a degradação das artes e hábitos mestiços que já se haviam tornado
artes e hábitos da raça, da classe e da região aristocrática, em artes e hábitos de classes,
raças e regiões consideradas inferiores ou plebéias. Foram várias essas degradações; e
algumas rápidas". Como se vê, a capoeira, por uma determinação sociológica, não
poderia estar imune a essas transformações.
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Esse estado de coisas veio se arrastando e se desenvolvendo até 1929, com o advento
de Mestre Bimba, que tira a capoeira dos terreiros e a põe em recinto fechado, com
nome e caráter de academia, onde os ensinamentos passaram a ter um cunho didático e
as exibições possibilitaram a presença de outras camadas sociais superiores. Desse
modo os quadros da capoeira passaram por modificações profundas. A classe média e a
burguesia para lá acorreram, a princípio para assistirem às exibições e depois para
aprenderem e se exibirem a título de prática de educação física, daí a 9 de julho de 1937
o governo oficializar a capoeira, dando a Mestre Bimba um registro para sua academia.
Um status social superior ao dos capoeiras invade as academias e os afugenta. Os que
resistem, por minoria, se esforçam para se enquadrarem no modo de vida do invasor,
porém sendo tragados por ele, começando assim a sua alienação e decadência como
capoeira. Forçando uma compostura de rapaz-família, exibem-se somente em recintos
fechados, salões burgueses, palácios governamentais e jamais onde primitivamente se
exibiam, como por exemplo, nas festas de largo. Como já tive oportunidade de salientar,
em virtude de nenhuma academia querer exibir-se nas festas populares, o órgão oficial
de turismo municipal da Bahia convidou várias academias para comparecerem às
referidas festas pagando-lhes as exigências. Então houve um cafuzo, mestre de uma
academia, que, ao saber da finalidade do convite, declinou, alegando ser sua academia
freqüentada por uma casta já referida, não podendo misturar-se com o povo de festa de
largo.
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