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cApiruLo Desenvolvimento Econémico # sem ptivina a partir de 30, ou, se quisermos ser mais exa- tos, € no decorrer dos anos trinta que tem inicio a decolagem do desenvolvimento brasileiro, é nesta década que o Brasil entra propriamente na fase de sua Revolucdo Industrial. As transformagées que irdo ocorrer a partic désse momento, toda- via, ndo surgem do nada, Embora, s6 a partir de 30 se veri- fique uma solugao de continuidade no processo histérico bra- sileiro, que da um salto para a frente, rompendo com suas bases agrarias, tradicionais e de carater basicamente colonial, € certo que a decolagem da economia brasileira tem antece- dentes bem definidos. Estes antecedentes podem ser encontrados, em primeiro lugar, no desenvolvimento da cultura do café, que tem lu- gar no Brasil a partir de meados do século XIX. O ciclo do café tem caracteristicas diversas do ciclo do agicar ou do ouro, Entre elas a diferenca fundamental, além da circuns- tancia de o ciclo do agicar e do ouro haverem ocorrido em pleno época colonial, esti no fato de que com 0 café comeca a ser usado em grande escala o trabalho assalariado, ao inves do trabalho escravo. Os grandes cafeicultores descobrem ra- pidamente que era mais econdmico pagar pelo trabalho dos colonos, geralmente através de um sistema de meacao, do que usar escravos, quando se tratava de produzir café. Surge, DESENVOLVIMENTO ECONONICO 29 assim, em grande escala no Brasil, fora dos centros urhanos, © trabalho remunerado, que permitira a formacio de um in- cipiente mercado interno. Abre-se uma brecha no sistema agrario tradicional brasileiro, de carater semifeudal, com as fazendas constituindo-se em centros relativamente auto-st cientes no que diz respeito ao consumo de seus escravos € agregados. Desenvolve-se 0 comércio interno. Comecam a surgit as condicées basicas para a instalacio de uma indus- tria nacional orientada para o mercado interno. A importéncia fundamental do surgimento de um mer- cado intemo, ainda que pouco desenvoivido, entre os ante- cedentes da industrializagio brasileira esti no fato de que esta £6 seria possivel na medida em que éste mercado interno existisse. A expansio da cultura e das exportages de café ea decorrente expansio do trabalho acsalariado constituiram- se na causa basica da emergéncia désse mercado. Decorréncia do café e da necessidade do trabalhador remunerado foi também a imigracao maciga ocorrida no Brasil a partir de meados do século passado. Bsses imigran- tes, com sua grande ambicao e com seus conhecimentos técni cos, os quais, ainda que reduzidos, eram muito superiores aos existentes nas populagoes tradicionais brasileiras, viriam a se constituir em uma das bases da decolagem da economia bra- sileira, Ainda no campo econémico, temos como antecedentes da Revolugéo Industrial Brasileira 0 desenvolvimento da indis- tria téxtil, a partir dos anos cingiienta do século passado; 0 surto industrial que ocorre nessa época € marcado pela fi- gura de Maud; a instalacao de um sistema de transporte ferro- vidrio, ainda que totalmente destinado a servir as necessida- des da exportacdo e nado as da integracdo econémica nacio- nal; © aparelhamento da infra-estrutura econdmica em geral do pais (nao sé ferrovias, mas portos, usinas hidrelétricas, sistema de comunicagées), tornado possivel com a prosperi- dade trazida pelo café; a tentativa ainda que fracassada, por ter sido meramente especulativa, de se criar uma indistria nacional ocorrida logo apés a proclamacao da Repiblica, com o Encilhamento; e em especial a Primeira Guerra Mundial, que possibilitaria um extraordinario desenvolvimento da nas- cente industria nacional. 30 DESENVOLVIMENTO R CRISE NO MRASIE, No campo politico e social, temos como antecedentes da Revolugio Nacional Brasileira, entre outros fatos, 0 surgi mento de uma classe média mais atuante a partir das trés tl- timas décadas do século passado; a constituicao do Exército Nacional, especialmente a partir da Guerra do Paraguai, como uma organizagio essencialmente de classe média, em opo: Gao as origens aristocraticas da Marinha; a Proclamagao da Repiblica, permitindo que durante uns poucos anos, até a eleigao de Prudente de Morais, a aristocracia agraria e co- mercial brasileira fosse substituida no poder por grupos de classe mé as revolugdes que nos anos vinte abalam a Pri- meira Repiblica, evidenciando a insatisfagao que grassava em amplas camadas da populacdo brasileira, e que resultaria na Revolucdo de 30. O Inicio da Revolugao Industrial Brasileica: 1930-1939 A Revolucdo Industrial Brasileira tem inicio nos anos trinta devido a conjugacio de dois fatéres principais: a opor- tunidade econémica para investimentos industriais, proporcio- nada paradoxalmente pela depressio econdmica, e a Revo- lucéo de 30. © significado fundamental da Revolugéio de 30, que Ihe confere uma importncia extraordinaria no quadro da histo- tia econémica, politica e social brasileira, ¢ 0 de ter apeado do poder a oligarquia agratio-comercial brasileira, que por quatro séculos dominou o Brasil, inicialmente em conjugacao com os interésses coloniais portuguéses e, a partir da Inde- pendéncia, em conjugagio com os interésses comerciais dos paises industrializados, particularmente da Inglaterra. Como a Proclamagio da Republica de 1889, a Revoludo de 30 foi antes de mais nada uma revolugdo da classe média, mas, 20 contrério daquela primeira revolugéo, a de 30 foi uma revo- luo vitoriosa no tempo. Depois dela, jamais a oligarquia agrario-comercial brasileira voltou a contar com uma parcela sequer do poder que detivera durante séculos. O Govérno que se instaurou a partir de 30 se identifi- cava com os ideais da renovagao da politica e da economia brasileira. Enfrentou desde logo a oposi¢ao feroz da aristo- cracia e das classes médias tradicionais brasileitas, vendo-se DESENVOLYIMENTO ECONOMICO a1 assim obrigado, especialmente a partir da Revolugio de 32, quando essas classes tentaram retomar 0 poder, a buscar apoio nas classes novas que emergiam, no proletariado urbano, a que atendeu com uma extensa legislagao trabalhista, nova classe média, 8 qual continuou a beneficiar com empregos piblicos, ena classe emergente dos empresirios industriais. Em rela- so a esta, o ndvo Govérno adotou logo uma politica nitida- mente industrializante. Devido ao desaparelhamento do Es- tado brasileiro de entéo para intervir na esfera econdimica, essa politica ndo teve efeitos benéficos de monta. Como vere- mos mais adiante, as medidas do Govérno que mais estimula- ram 0 arranque da economia brasileira e o seu desenvolvime to industrial foram tomadas por acaso. Entreianto, o simples fato de que 0 Govéro saido da Revolucao de 30 tivesse uma atitude positiva em relagdo & industrializagao, € néo negativa, como acontecera nos Governos anteriores, jé significava mui- to. Se a isto somarmos todas as pequenas medidas que o Go- vérno de entio tomou em favor da industrializacao, e que foram coroadas, no fim dos anos trinta, com 0 inicio da cons- trugdo da grande usina siderirgica de Volta Redonda, vere- mos que efetivamente essa Revolugaio é uma peca essencial da explicacao do inicio da Revolugdo Nacional Brasileisa, Nao estamos com isso fazendo a apologia do Governo Getiilio Vargas em sua primeira fase, que foi inclusive manchada com uma ditadura declarada, entre 37 e 45. E indiscutivel, todavia, que a Revolugéo de 30 marca uma nova era na his- toria do Brasil, havendo estabelecido as condigoes politicas necessarias para a Revolugao Industrial Brasileira. segundo fator fundamental a explicar o inicio da de- colagem da economia brasileira esté no surgimento inespera- do e paradoxal de uma imensa oportunidade de investimen- tos industriais devido a depressdo mundial dos anos trinta, Nao fora ésse fato, a Revolugao de 30 teria possivelmente deixado de vingar, e o pais voltaria a ser dominado pela oligarquia agrario-comercial de comportamento econdmico tradicional. Ao tenentismo da Revolugo de 30, que revela suas ligagdes com o Exército e portanto com a classe média reformista, era preciso somar o industrialismo bem sucedido cujo maior beneficiério seria a nascente burguesia industrial nacional. Em plena depresséo econédmica mundial, éste al mo fato foi possivel no Brasil devido a dois fatores funda- 32 DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL mentais: de um lado, a procura interna manteve-se relativa- mente constante, apesar da crise econémica mundial, que veio afetar diretamente nossas exportagdes; de outro lado, os pre- 08 dos artigos manufaturados cresceu verticalmente, na me- dida em que o poder aquisitive externo do pais reduzia-se, enquanto se mantinha © poder aquisitivo interno, Devemos a Celso Furtado a descrigao e andlise que jé se tornaram clissicas de como se manteve o nivel de procura nos anos trinta no Brasil. Embora essa anélise seja muito conhecida, dada a sua importancia faremos seu resumo aqui, usando sempre que necessirio as palavras do préprio autor. Observa éle inicialmente que, quando sobreveio a crise, 0 mecanismo classico de defesa da economia, através da taxa de cambio, embora tenha operado, néo foi suficiente. Com a crise, baixou 0 preco do café e desvalorizou-se a moeda. “A baixa brusca do prego internacional do café e a faléncia do sistema de conversibilidade acarretaram a queda do valor externo da moeda. Essa queda trouxe, evidentemente, um grande alivio ao setor cafeeiro da economia. A baixa do pre- 0 internacional do café havia alcangado 60 por cento. A alta da baixa cambial chegou a representar uma depreciagio de 40 por cento. O grosso das perdas poderia, portanto, ser transferido para o conjunto da coletividade através da alta dos precos das importagées".* A baixa dos precos do café per- ‘mitiu um aumento de 25 por cento das exportagdes em volu- me fisico. Bese aumento, porém, estava longe de ser sufi- ciente para absorver a produgio de café. Mesmo baixando © precos, os produtores continuariam a produzir e colhér café até o ponto em que o simples custo da colheita e atividades subseqiientes fésse maior do que o preco do café. Nesse mo- mento, estarfamos diante do caos econémico, Os cafeiculto- res deixariam de colhér café ¢ poderia restabelecer-se 0 equi- ibrio da oferta e da procura do produto. Fica assim eviden- te que “o mecanismo do cémbio néo podia constituir um ins- trumento de defesa efetive da economia cefecira deatro das condigdes excepcionalmente graves crladas pela crise”.* 1 Celso Furtado, Formagio Econémica do Brasil, Fundo de Cultura, 1959, Rio de Janeiro, pigs. 218 e 219. 2° Idem, ibid. DESENVOLWENENTO ReONOATICO 33 Impunha-se, pois, encontrar outra solusio para 0 pro- blema de forma a evitar que os estoques invendaveis conti- nuassem a pressionar cada vez mais para baixo os pregos do café sem que a quantidade vendida aumentasse correspon- dentemente, dada a baixa elasticidade-prego da procura do produto. A soludo encontrada foi a compra pelo Govérno € destruigao dos excedentes de café. Esta solucao era a nica possivel, tendo-se em vista 0 objetivo de defender a economia cafecica, possibilitando que o café continuasse a ser colhido. “A primeira vista parece um absurdo colhér o produto para destrui-lo,* observa Celso Furtado. Mas, “ao garantir pregos minimos de compra, estava-se na realidade mantendo o nivel de emprégo na economia exportedora ¢, indiretamente, nos setores produtores ligados ao mercado interno, Ao evitar-se uma contragio de grandes proporcées na renda monetaria do setor exportador, reduziam-se proporcionalmente os efei- tos do multiplicador de desemprégo sébre os demais setores da economia... O que importa ter em conta € que o valor do produto que se destruia era muito inferior ao montante da retda que se criava, Estavamos, em verdade, construindo as famosas piramides que anos depois preconizeria Keynes".* Em outras palavras, faziamos um investimento improdutivo em estoques que depois queimavamos. Isto, porém, era muito melhor do que nade. O problema nao era fazer investimen- tos para aumentar a produgdo, mas fazt-los para manter 0 nivel de emprégo, ¢ postanto o nivel da procura agregada. Nas épocas de crise e sempre que haja um excedente para © qual nao se encontra colocagao, investimentos desse tipo, improdutivos, sio essenciais. & evidente que seria melhor se pudéssemos encontrar um investimento produtivo, que nao 56 proporcionasse emprégo, mas também f6sse refletic indi- retamente no aumento da producdo e (ou) do bem-estar. Mas solug6es como essa no sio féceis. A economia capitalista nio € em geral flexivel a ésse ponto. Por isso € que podemos afirmar que estas economias ja conseguem uma grande vito- ria quando conseguem — como de fato o fizeram no pos-guer- ra — utilizar seu excedente na corrida armamentista e nas pes- quisas espaciais. Com isto desenvolveram uma arma poderosa 8 Idem, pig. 220, 4 Idem, pigs. 293 ¢ 294 34 DESENVOLVIMENTO R CRISE NO BRASIL, contra as crises e recessées. No Brasil, portanto, foi extre- mamente benéfico que o Govérno encontrasse uma formula tio facil e simples de realizar investimentos improdutivos em uma hora de crise, como a de comprar os excedentes de café. Nao importa que 0 Govérno, ao fazé-lo, nio tivesse a inten- cao de manter o nivel da procura agregada nacional, mas simplesmente a de tomar uma medida em defesa da cafei- cultura ameagada de colapso. A Teoria Geral do Emprégo. do Juro e da Moeda ainda nao féra escrita. Por acaso, to- davia, 0 Govérno brasileiro seguiu 2 politica de Keynes, per- mitindo que o nivel da procura agregada fésse mantido du- rante a depresséio econémica. Esta simples manutengo relativa da procura agregada teve uma importincia fundamental no surgimento de uma excepcional oportunidade de investimentos industriais no ini- cio dos anos trinta porque a ela se aliou um segundo fat subiram verticalmente os presos dos produtos manufaturados importados. De fato, entre 29 e 34, 0 preco em cruzeiros (ou mil-réis) da libra esterlina subi de quase 50%, apesar da desvalorizagio da libra em 33. Esta desvalorizagio da moeda brasileira esta diretamente relacionada com a crise do café, cujo prego, nos Estados Unidos, baixa de 22,5 centavos por libra em 29’ para 8 centavos em 1 devido a depressio. Confirmando-se a baixa elasticidade-preco da procura do café, suas exportacées aumentam muito pouco, de forma que tivemos entre 21 e 30 uma exportacéo de 8.371.920 toneladas contra 8.801.263 toneladas no decénio seguinte. Ao ligeiro aumento do volume fisico das exportacées, todavia, contra~ poe-se uma queda violenta do seu valor. Enquanto nos anos vinte as exportagoes brasileiras alcancaram 805,8 milhes de libras-ouro, no decénio seguinte nao atingiram senio 44% désse total, ou seja, 377 milhées de libras.* O resultado dessa queda vertical do nosso poder aquisitivo externo, ao mesmo tempo em que se mantinha o poder aquisitivo interno, gracas a politica de defesa do café. s6 podia ter como resultado uma alta de aproximadamente 50% nos precos dos produtos ma- nufaturados importados. E éste dado ainda € mais significa- tivo quando verificamos que nesse mesmo periodo (29 a 34) 5 Cf. Caio Prado Jr., Histéria Econdmica do Brasil, Brasiliense, 1958, Sio Paulo, pig. 297, ¢ Celso Furtado, op. cit, pig. 218. DESENVOLYIMENTO RcONOMICO 35 os precos interaos em geral no s6 ndo haviam subido como haviam caido aproximadamente 7%. Tornava-se assim proi- bitiva a importagéo de artigos manufaturados de consumo, e abria-se uma grande oportunidade para que os empresirios nacionais que entio surgiam realizassem investimentos alta- mente lucratives no setor industrial Esta oportunidade foi aproveitada. A capacidade ociosa existente nas emprésas nacionais foi rapidamente utilizada. Em marco de 31 0 Govérno Vargas, que ja contava em seu seio com representantes dos industriais brasileiros de entdo, baixa um decreto proibindo as importagées de maquinarias para tédas as indistrias consideradas em estado de superpro- dugio. Visava com isso proteger especialmente a indust téxtil, de ha muito instalada no Brasil. Novos investimentos, ‘em novos setores, foram instalados. As fibricas geralmente comecavam como oficinas. O pequeno capital necessario era na maioria das vézes levantado entre os membros da prépria familia. Com 0 reinvestimento dos lucros, porém, logo se expandiam. Dedicando-se inicialmente a indistrias de bens de consumo que exigiam equipamentos simples (indiistria ali- menticia, indistria de artigos de higiene e limpeza, perfuma- ria, indistria farmacéutica, industria metalirgica ligeira, etc.) muitos désses equipamentos ja podiam ser fabricado: Brasil. Dessa forma, em 35 a producio industrial brasil ja era 27 por cento maior do que a de 1929 e 90 por cento maior do que a de 1925.* Entre 20 e 29 foram criados 4.697 estabelecimentos industriais contra 12.232 no decénio seguin- te.” Estava lancado o desenvolvimento industrial brasileiro. no A Segunda Guerra Mundial: 1940-1945 Depois da conjugago de fatéres favoraveis, entre os quais salientamos a Revolucao de 30 ¢ a oportunidade de in- vestimentos industriais proporcionada pela manutengio rela- tiva dos niveis da procura interna, durante a depressio, en- quanto subiam violentamente os precos dos produtos impor- tados, fatéres ésses que permitiram a deflagragio da Revo- © CE. Survey of Latin America, 1949, cera, pig. 206. 7 Fonte: ice. 36 DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL luo Industrial Brasileira, um névo conjunto de estimulos vem, a partic de 40, condicionar © desenvolvimento indus- trial brasileiro. O fato fundamental da época é a Segunda Guerra Mundial. E a pergunta inevitavel é: até que ponto se constituiu ela em obsidculo ou estimulo ao desenvolvimento industrial brasileiro? A resposta mais comum a esta pergunta €a de que a guerra se constituiu em um estimulo poderoso 20 desenvolvimento brasileiro. Esta crenga parte provavelmente de um cliché, segundo o qual as guerras se constituiriam em um beneficio para 0 desenvolvimento capitalista. Por outro lado, conforme observou muito bem Celso Furtado, “a politica seguida durante os anos da guerra foi, na esséncia, idéntica & que se havia adotado imediatamente depois da crise”. E foi o que de fato ocorreu. Embora os saldos no balango de pagamentos pressionassem fortemente a taxa de cémbio para baixo, 0 Govérno brasileiro fixou-a, nao deixando que o cruzeiro se valorizasse. Isso constituiu-se, novamente, em uma forma de protegio do setor cafeeiro, pois mantinha sua renda em cruzeiros. Neste caso, também alia~ vam-se aos interésses dos fazendeiros os dos industriais li- gados ao mercado interno. Porque, mantendo-se a renda do setor cafeeiro, mantinha-se a procura dos produtos internos. Soma-se a isto que, entre 37 e 45, verificou-se uma melhora nas relagGes de troca do Brasil de 18%,* E mais, enquanto 03 precos dos produtos exportados cresciam nesse periodo em 116%, contra 82% dos precos das importacdes, os precos in- ternos brasileiros cresciam em 97%."° Pareciam, portanto, re- petir-se as condicées dos anos trinta. Nao s6 a procura in- terna se mantinha em seu nivel, gragas a politica cambial de taxa fixa do Govémo federal, como também crescia devido aos estimulos intrinsecos ao préprio sistema. Ea prépria de- manda externa aumentava, como bem demonstra o fato de que as exportagdes de tecidos chegaram a representar 13% das exportagSes brasileiras em 43. Por outro Indo, a oferta de produtos importados sofria um golpe severo face ao total comprometimento das economias dos paises industrializados com 0 esfézgo de guerra. Surgia assim uma nova oportunidade 8 Op. cit, pig. 290 © Survey ‘of Latin America, 1949, op. cit W “Fundagio Getilio Vargas, “Indice de Custo de Vila na Guanabara”, DESENVOLYIMENTO ECONOMICO 37 para a realizagio de investimentos, e poder-se-ia esperar névo surto do desenvolvimento industrial brasileira, Nao foi, todavia, 0 que ocorreu. A afirmagao de que a Segunda Guerra Mundial estimulou o desenvolvimento in- dustrial brasileiro carece de fundamento. A economia norte- americana, sem divida, recebeu um forte impulso com a guer- ra. Nada justifica, todavia, estender éste fato ao Brasil. Na verdade 0 que ocorreu no Brasil foi uma redugao do ritmo de seu desenvolvimento industrial durante a guerra. Enquan- to no giiingilénio anterior a produgdo industrial brasileira cres- cera 43%, entre 40 © 44 aumenta em apenas 30%. Se con- siderarmos também 45, teremos um crescimento de 37% du- rante a guerra contra 49% nos seis anos anteriores. E se a producao industrial ndo apresentou indices favoraveis duran- te a guerra, o mesmo poderemos afirmar em relagéo ao pro- duto real € ao produto real per capita, que entre 40 e 45 cres- cem, respectivamente, de apenas 23 e 8%.** A causa basica dessa redugao do ritmo de desenvolvi- mento, quando a procura interna em ascensio propiciava am- pla oportunidade nos investimentos industriais, pode ser en- contrada em um fato muito simples: 0 desenvolvimento in- dustrial brasileiro estava ainda na dependéncia quase total da importagio de equipamentos. Nossa indiistria de bens de capitais era ainda incipiente. Ora, face a guerra, os paises desenvolvidos haviam sido obrigados a reduzir drasticamente suas exportacdes nao s6 de artigos manufaturados de consu- mo como também de equipamentos industriais. Os empresa- tios brasileiros se viam assim na impossibilidade pratica de aumentar sua producdo na extensio que o mercado reclama- va. O limite de sua expansdo estava muitas vézes na utili zacéo plena de sua capacidade instalada. Um indicio do que afirmamos foi o desenvolvimento gigantesco da indiistria téx- til nesse periodo. Esse setor tradicional da indisstria bras leira, que ha muito vinha trabalhando em regime de capaci- dade ociosa. passa sibitamente a operar a todo vapor. pro- duzindo além da sua capacidade normal. Entre 40 e 43 sua 11 Fontes: cxrat. © aor. Op eéleulos do creacimento do produto real per capita encontram-se em Ary Bouzan, Problemas Atuois da Economia Buasicira, livto em preparacao a ser publicado pela Fundacéo Getilio Vargas. 38 DISENVOLVIMENTO CRIS NO RRASIL produgio aumenta 59%. Em 45, quando as exportagées de tecidos jé se haviam reduzido, a maquinaria das fabricas téx- estava trabalhando em média mais de 14 horas por dia.” © desenvolvimento industrial, portanto, sé foi possivel gra- Gas @ utilizagdo intensiva dos equipamentos existentes. Fal- fava ainda & economia brasileira um minimo de autonomia para se desenvolver sem 0 concurso da importagio de bens de capital. O Decénio do Pés-Guerta: 1946-1955 A guerra, todavia, deixou uma heranga que nos anos se- guintes facilitaria o desenvolvimento da economia brasileira. Referimo-nos aos grendes saldos em cambiais estrangeiros que se acumularam nesse periodo, face a drastica redugao das importacoes durante a guerra. Rsses saldos seriam em grande parte desperdicados com a importagéo maciga de bens de con- sumo e com a compra de algumas empresas europtias de ser- vigos publicos, face a recusa dos paises devedores, particular- mente da Inglaterra, de saldar seus débitos de outra forma. Esse uso itracional de nossos recursos cambiais reflete a ten- déncia liberal econémicamente e conservadora politicamente do Govérno de entéo. O fim da guerra coincidira com a queda de Getilio Vargas. Seu Govérno, embora ditatorial, tivera como uma de suas constantes 0 apoio a industrializa- cao brasileira. O Govérno provisério que se segue, vendo-se de posse de tantas divisas, abre nossas portas a todo tipo de importagdo. Em meio ao desperdicio, todavia, tem nessa épo- ca inicio 0 tao necessario reequipamento da indistria nacio- nal. E com éste fato comeca um periodo de grande desen- volvimento para a economia brasileira e para a indiistria em particular. A taxa média de crescimento do Produto Interno Real, que durante a guerra, entre 40 e 45, fora de 4.7%, sobe nos Cinco anos seguintes para 7.3%, e entre 51 e 55 mantém- se ainda no nivel elevado de 5.79% em média 20 ano. Durante @sse decénio, 0 crescimento médio anual foi de 65% e 0 crescimento total de 130%. Apesar do elevado indice de cres- 22 Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da F.G.V. 38 CE. Stanley J. Stein, The Brazilian Cotton Manufacture, Harvard University Press, 1957, Massachusetts, pag. 166. DESENVOLVIMENTO ECONOMICO 39 cimento da populacéo (que nesse periodo cresceu a uma taxa de aproximadamente 3% ao ano). o Produto Interno Real per capita também apresentou grande crescimento. Durante o de- cénio 46-55, foi de 3.5%. Confirmando 0 titulo geral de Re- volucéo Industrial Brasileira, que estamos dando ao periodo entre 30 e 60. o desenvolvimento industrial a partir de 46 ganhou também grande impulso, reforcando sua posicao de setor dindmico da economia do pais. O crescimento médio anual da producao industrial, que no periodo da Segunda Guerra Mundial féra de 6,2%, aumenta entre 46 e 50 para 8.9% e no qilingiénio seguinte ainda mantém-se a uma taxa de 8.1%. O crescimento médio da produgdo entre 46 55 € de 8,5% ao ano, 2% mais, portanto, do que o crescimento do produto.* O Quadro I sumariza os dados que acabamos de apresentar. Quadro 1 MoDvTO INTERNO REAL # PRoDUGRO INDUSTRIAL (taxa anual média de erescimento por perfodos) Periods Produto Intemo Real Produedo Industrial 1940-1945, 4.76 623 1946-1950, 7,38 8,98 1951-1955 5% BLE 1950-1991, 6.0% 11,08 11982-1085¢ 19% a0 © Estimativa para 0 primeiro semestre. Fontes: Fundagio Getilio Vargas © cxpat. O decénio imediatamente apés a guerra é portanto uma época de prosperidade econémica. Além dos saldos em di. visas estrangeiros, que se constituiria em um estimulo ao de- senvolvimento industrial brasileiro, na medida em que permi- tia a importacao dos equipamentos que a indiistria nacional tanto necessitara durante a guerra, a um preco baixo em cru- 14 Fontes: cept, estudos citados, © Fundagio Getilio Vargas, dados publicados ne Conjuntura Econdmica e Revista Brasileira de Economia. 40 DESENVOLVIMENTO E ERISE NO DRASHL zeiros, diversos outros fatores de maior importéncia iriam exercer influencia sobre a economia brasileira e explicar essa prosperidade. Em primeiro lugar, temos a melhoria das relagoes de tro- ca ocorrida nesse periods, Entre 46 ¢ 55 houve uma melho- tia das relagées de troca do Brasil de 151%. Se consideras- semos as relagées de troca como indice 100 em 46, em 55 te- riamos um indice 251. E observe-se que nao escolhemos 0 ano inicial e o final. Tomamos apenas os limites do periodo que estamos analisando. Se fossemos escolher respectivamen- te o ano de relacdes de trocas mais baixas, 48, e 0 de relacoes de trocas mais aitas, 54, dentro désse decénio a melhoria seria de 2049.1 Responsavel por ésse fato foi a grande elevagio dos precos do café. Enquanto em 46 0 prego médio da saca de café era 22,41 délares, em 55 tinhamos um prego médio de 61,62 délares.” Esta melhoria das relagées de troca teve grande importancia na explicagio do aceleramento da indus- trializacao brasileira, na medida em que proporcionaya ao pais as diyisas necessarias ao desenvolvimento, em um momento em que o pais nao atingiria ainda um grau minimo de auto- nomia no que diz respeito produgéo de equipamentos in- ternamente. A importancia dessa melhoria das relagoes de troca tor- na-se ainda mais acentuad se a relacionarmos com a politica cambial do Governo durante o periodo. Em 45 ¢ criada a Superintendéncia da Moeda e do Crédito, sumoc, que seria ‘a organizagao precursora do Banco Central Brasileiro, Com a derrubada do Govérno Vargas, 0 ndvo Govérno, provisé- rio, e em seguida 9 Govérno Dutra adotam uma politica cam- bial liberal, que teria conseqiiéncias ruinosas para o pais. Ja através da Instrucio 17 da SuMOc era extinto o mercado ofi- cial de cambio, A politica de portas abertas, entio adotada, tem como resultado 0 rapido esgotamento dos saldos comer- ciais no exterior. E ja em 47, depois de um névo fracasso do liberalismo cambial, 0 Govérno adotava um sistema de contréle das importacées rigido, através de um sistema de idades, ao mesmo tempo em que mantinha fixa a taxa do délar. Essa politica de contingenciamento executada pela 16 Fonte: Conjuntura Econdmica, F.C.V 16 Fonte: Instituto Brasileiro do ‘Café, DESENVOLYIMENTO ECONOMICO 4L Carteira de Importacio e Exportagio do Banco do Brasil, CEXIM, apesar da corrupsio em que ésse érgio se deixou en- volver, teria vital importncia no desenvolvimento industrial brasileiro. Por um lado, 20 estabelecer um sistema de pri ridades, as importagées de equipamentos ¢ matérias-primas foram facilitadas, a0 mesmo tempo em que a importaséio de bens de consumo, dependente de licengas de importagio, tor- nava-se extremamente problematica devido & sua baixa pi ridade. Dessa forma, © mercado interno de bens manufatu- rados de consumo era novamente reservado para os produto- ree nacionais, que, além disso, podiam importar maquinas matéria-prima a um cimbio desligado da realidade, fixado a uma taxa em que o cruzeiro ficava supervalorizado, tornando: irris6rio © prego dos equipamentos ¢ matérias-primas impor- tados. Com a Instrugio 70 da sumoc, ésse sistema é modi- ficado, estabelecendo-se um sistema mais flexivel de leil6es de cambio, com varias categorias de importasdo. Esse siste- ma, que prevaleceria, ainda que sofrendo diversas modifica~ Ges, até o fim dos anos cingiienta, mantinha a barreira cam- bial a importacdo de produtos manufaturados de consumo, 20 mesmo tempo em que garantia uma taxa cambial relativamente baixa para as importagoes de que necessitava a industria bra- sileira. Dessa forma, no perfodo de 46 a 55, e especialmente entre 47 e 53, o sistema cambial brasileiro ¢ transformado em um poderoso estimulo a industrializacao. Por outro lado, na medida em que o cambio de importa- ao e de exportaco era controlado pelo Governo, a melho- tia das relagdes de troca, ao invés de beneficiar os exporta- dores, particularmente os exportadores de café, era empol- gada pelo Govérno, que a redistribuia principalmente para © setor industrial. Funcionava assim 0 chamado “confisco cambial”, que permitia a redistribuigio da renda nacional em favor do Govémno e do setor industrial, que formavam o setor modemo da economia nacional, em oposi¢io ao setor tradi- cional, exportador, constituido especialmente pela aristocracia cafeicultora. Bsse “confisco cambial", que prevaleceria até hoje, fosse qual fosse a orientacdo ideolégica do Govérno, foi naquela época transformado em uma das questées politi- cas basicas. A éle muito deve o desenvolvimento industrial brasileiro. 42 DIESERVOLVIMENTO E CRE NO mlAstL Tivemos essim um grande desenvolvimento industrial durante © decénio imediatamente posterior & guerra. A pro- dugio industrial global, entre 46 © 55, aumentou 122%. & importante notar, todavia, que ésse crescimento industrial néo se produzia de forma homogénea entre os setores industriais. Como € proprio do proceso de desenvolvimento, a esirutura economica do pais se transformava. Ao findar a guerra, po- demos afirmar que a industria leve de consumo estava insta- lada no Brasil. A partir dessa época teria inicio o desenvol- vimento de industrias ainda de bens de consumo, mas ja mais complexas, como € 0 caso dos eletrodomésticos. Seria tam- bém dado mais impulso as indiistrias de base e as de bens de produgao. Em outras palavras, se fizermos uma distincio entre as indiistrias “tradicionais” e as "modernas", eram estas liltimas que mais se desenvolviam. Entre 48 e 55, por exem- plo, a producdo industrial global aumentou 879%, a producdo de dois setores industriais tradicionais, como a indiistria téxtil ea de alimentacdo, aumentaram respectivamente 61 e 77%, ficando ambas. portanto, abaixo da média, enquanto a pro- ducio da industria metalirgica e da indiistria quimica aumen- tava 172 e 608% respectivamente.** © grande desenvolvimento da industria guimica ¢ natu- ralmente devido ao petroleo. Depois de longa batalha poli- tica, em que as forcas do Brasil novo e do Brasil velho, do nacionalismo entao em plena expansao, e do colonialismo, minado pelo complexo de inferioridade nacional, se digladia- ram, fora finalmente fundada a Petrobras, em 53. Esta em- présa, que teria um papel fundamental no desenvolvimento econdmico do pais, produz nos seus primeiros trés anos de funcionamento trés vézes mais do que durante os 14 anos e sete meses anteriores em que a produgdo nacional ficara sob ‘© contréle do Conselho Nacional de Petréleo.'* O desenvol- vimento da industria de bens de producdo nesse periodo pode ser ilustrado com os seguintes dados: entre 47 e 54, a pro- ducao de bens de capital cresceu 147%. Embora nossas im- portagses entre 47 e 54 crescessem 105% (0 que foi possivel devido em grande parte A melhoria das relacdes de troca désse Gotilio Vargas, 38 CE. Geonisio Barroso, Acio da Petrobris no Recéncavo Baiano, Fo- rum Roberto Simonsen, 1958, Sao Paulo, pag. 45. DESENVOLVINENTO EcoNOMICO 43 periodo, conforme ja vimos), a participagio dos bens de capi- tais produzidos internamente nos investimentos totais, que era de 54,2% em 47, elevou-se para 72,9% em 54.°* A baixa par- ticipagaio dos bens de capital nacionais em 47 pode em parte ser explicada pela facilidade de importar equipamentos logo no pés-guerra, Assim mesmo, porém, ésse aumento de 54,2% para 729% da participagéo dos bens de capitais produzidos internamente, quando as importacoes totais mais do que do- bravam, revela bem o desenvolvimento da industria de bens de produgao do Brasil naquele periodo. A Consolidasdo do Desenvolvimento Industrial: 1956-1961 Tivemos, assim, no decenio que sucedeu a Segunda Guerra Mundial, um periodo de grande desenvolvimento no Brasil. Terminado ésse periodo, todavia, 0 Brasil viu-se ante trés grandes ameacas ao seu desenvolvimento, Em primeizo lugar, o processo inflacionario, que de 39 a 53 apresentara uma taxa média de elevagao anual de 11%, sobe em 54 a 26,2%.*" Em segundo lugar, a relagao de trocas do Brasil, que atingira em 54 um ponto alto, entra em declinio nos anos seguintes, com a baixa dos precos internacionais do café. De 54 para 60 temos uma reducao de 25% nas relacées de troca.** Finalmente, 0 desenvolvimento econémico nacional via-se ameacado pela crise da infra-estrutura econdmica do pais. Todo o desenvolvimento ocorrido até entao {6ra realizado sem maior planejamento, ao sabor de estimulos externos (funda- mentalmente nossa incapacidade cambial de importar bens de consumo manufaturados e a melhoria das relacées de troca) que se casavam com a manutengao e crescimento da demanda interna. Ocorre, todavia, ésse desenvolvimento em um ritmo acelerado. Era de esperar, portanto, que os investimentos de infra-estrutura no houvessem acompanhado ésse desenvolvi- mento e agora se apresentassem como verdadeiros pontos de 2° Fonte: Grupo Misto BNDE-cEPat, Andlise © Projecao do. Desencolvi- amenty Econdnico, Banco Nacional do Desenvolvinento EeonOmico, 1957, de Custo de Vida na Guanabara de dezembro a dezem- 44 DISENVOLVIMENTO E CHINE NO DRASIL estrangulamento da economia. No setor do transporte fer- roviirio tinhamos um sistema arcaico, deficitério, mal equi- pado, excessivamente burocratizado, e, por estar ainda volta do para o transporte dos produtos do interior para os ports de exportacdo, incapaz de atender as necessidades do merca- do interno. No setor da navegacéo, 0 quadro era também desolador, dominado por emprésas estatais deficitarias, mal equipadas e burocratizadas. No setor da energia, as empré- sas estrangeiras, que dominavam 80% da producao, desin- teressavam-se por realizar investimentos, dadas as tarifas bai- xas impostas pelo Govérno. No setor siderdrgico, a base da producao nacional era ainda a usina de Volta Redonda, cuja capacidade estava muito aquém das necessidades do pais. Nao bastassem ésses fatos, a taxa de crescimento do Produto Interno Real cai para 1,9% em 56, tornando o cres- cimento da senda per capita negativo, devido especialmente A reduzida safra de café désse ano”? E no entanto 0 periodo que se segue ao que acabamos de analisar, e que se estende entre 56 ¢ 61, constitui-se no periodo aureo do desenvolvimento econémico nacional. Nesse periodo consolida-se e encerra-se a primeira fase da Revolu- 40 Industrial Brasileira, termina 0 processo de decolagem de sua economia, que nos propusemos como tema deste ca pitulo, Conforme vemos pelo Quadro I, a taxa média anual de crescimento do Produto Interno Real sobe para 6%. Mais impressionante, porém, € © crescimento da producao indus- trial, que alcanca uma taxa media anual de 11%, quase 0 dobro, portanto, da taxa de aumento do produto. Bsse ex- traordinario desenvolvimento atinge seu ponto maximo em 61, para depois a economia entrar paulatinamente em crise, ‘como veremos no capitulo V. Ocorrem entéo transformacoes fundamentais na economia, nio s6 do ponto de vista econo- ico, mas também do ponto de vista politico e social, que analisaremos especialmente no capitulo IV deste livro, No campo econémico, a transformagao estrutural basica diz respeito ao crescimento da participagdo da industria ma- nufatureira no produto interno bruto, Em 50 essa participa- cdo era de 20%. Em 55, aumenta essa participagdo para Fonte: Instituto Brasileiro de Economia, F.G.V. 45 ois, um erescimento de 13% na parti snio seguinte, porém, a participagio da in- dastria manufatureira no produto sobe para 27,5%, impor- tando um aumento porcentual de 219% na participagio.*® Neste periodo o fendmeno econémico fundamental € a implantagao de uma poderosa indistria automobilistica no Brasil. Partindo praticamente da estaca zero em 55, 0 Brasil em 60 ja produzia 133.078 veiculos, com um indice de nacio- nalizagao superior a 90%. A importancia dessa industria € fundamental na explicagdo de seu desenvolvimento brasileiro nesse periods, néo so devido as economias de divisas que produz, mas especialmente face as economias externas que as emprésas montadoras trazem consigo. Em outras palavras, a presenga no Brasil das grandes fabricas de automovel signi ficou nao so salarios e lucros para seus empregados e acio- nistas, mas também um imenso crescimento das oportunida- des de emprégo e investimento para a industria de autopecas, para a indiistria de base, para o setor da comercializacdo dos veiculos produzidos, etc, Dessa forma, o fato de os lucros dessas emprésas irem beneficiar acionistas no exterior pouco significa em comparagao com 0 estimulo ao desenvolvimento econdmico do pais que representaram. Mas, por que todo ésse desenvolvimento, por que essa extraordinaria expansio em um momento em que, como vimos ha pouco, as condigées pareciam tio desfavoraveis? 22,69. ‘Tivemos, Vemos uma razdo basica para isso: a politica econémi- ca do Governo nesse periodo. Em 31 de janeiro de 56 tem inicio 0 Govérno Juscelino Kubitschek. Durante os cinco anos que se seguem o Govérno federal se transforma, pela primei- ra vez na historia do Brasil, em um instrument deliberado € efetivo do desenvolvimento industrial brasileiro. Antes da Revolugdo de 30 os Governos haviam sido sempre represen- tantes da oligarquia agrario-comercial brasileira, decorrendo daj atitudes governamentais em relacdo a industrializagao, que iam desde a indiferenca até a hostilidade aberta, Com a Re- volucao de 30 isso naturalmente mudou, especialmente durante os dois periodos de Govérno Getulio Vargas. Durante seu segundo periodo de Govérno, em particular, houve uma ten- 25 Fonte: idem. 46 DESENVOLVIMENTO E CRUSE NO BRASIL tativa séria de planejar a promosao do desenvolvimento in- dustrial brasileiro. Mas foi sé com 0 Govérno Juscelino Kubitschek que 0 Estado brasileiro se transformou em um instrumento razoavelmente eficiente de desenvolvimento do pais. ‘Trés fatos explicam essa aco positiva do Govérno. Em primeiro lugar, féra éle eleito pelas mesmas férgas politicas que desde 30 estavam no poder. E essas forcas, ainda que muitas vézes contraditérias, podiam ser definidas em suas li- nhas gerais como nacionalistas, industrialistas e intervencio- nistas moderadas (no capitulo IV discutiremos éste_assunto amplamente). Era de se prever, portanto, que 0 névo Govérno tivesse uma atitude decididamente a favor do desenvolvimen- to industrial brasileiro. O quadro politico em que éle operava era favoravel a isso. Apenas esta razio, todavia, nao seria suficiente para explicar o problema. Em segundo lugar, te- mos a personalidade do Sr. Juscelino Kubitschek. A historia, sem divida, nao é obra de lideres politicos ou militares, mas € indiscutivel que os lideres de personalidade forte dei- xam sua marca na histéria. Foi 0 que aconteceu com o Sr. Juscelino Kubitschek. Soube éle perceber com raro senso de oportunidade o momento histérico pelo qual o pais passava e deu a seu Govérno duas linhas mestras: a industrializagao forcada, a todo vapor, e 0 otimismo, a confianga nas poten- cialidades do pais e de seu povo. Seu industrialismo, 0 ex- traordinario apoio que deu a industrializacao brasileira, ocor- reu muitas vézes apesar dos industriais; seu otimismo ilimita- do era uma negagao frontal do complexo de inferioridade co- lonial em relacdo particularmente aos povos de origem anglo- sax, que entdo grassava no Brasil. Finalmente, como um ter- ceito motivo que explica o papel positivo desempenhado pelo Govérno no desenvolvimento econémico brasileiro entre 56 e 61, temos que 0 novo presidente soube rodear-se de uma equipe de técnicos, particularmente de economistas, que viera surgindo no Brasil a partir do fim da Segunda Guerra Mun- dial, em torno da Fundacéo Gettlio Vargas, da sumoc, do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda, Essa equipe de técnicos, muitos déles formados no exterior, e sofrendo muito a influéncia do pensamento econémico da CEPAL, cons- titui um fato novo no Brasil. O desenvolvimento da Ciencia Econ6mica com um minimo de autonomia e autenticidade DesENVOLVENENTO ReONdNtICO 47 acontecimento recente no Brasil. Na segunda metade dos anos cingiienta, @sse grupo de economistas, que se vinha consti- tuindo como uma verdadeira classe burocratica, estava em ‘Ses de assumir um contréle crescente da economia na- cional e de planejar seu desenvolvimento. Além da capaci dade técnica de seus membros, dispunham éles agora de um sistema de contabilidade nacional essencial para o trabalho de planejamento que a Equipe da Renda Nacional da Fun- dacao Getilio Vargas desenvolvera a partir de 47. O pre- sidente eleito em 55 apercebeu-se da existéncia désse grupo e de suas potencialidades. Entregou-lke a tarefa de elaborar 0 Plano de Metas. e depois conferiu-lhe um grande niimero de responsabilidades nos setores-chaves da economia do_ pais. Convem notar que ésse grupo, que evidentemente nao € ho- mogéneo, observando-se muitas vézes divergéncias sérias en- tre seus membros, caracteriza-se antes de mais nada pela com- peténcia técnica, pelo dominio de uma ciéncia complexa como a Economia. Isto, aliado ao fato de se haverem constituido em um verdadeiro grupo burocratico, inserido nos quadros do Estado e das emprésas paraestatais, permitiu-lhe sobreman- ter-se no poder independentemente dos Governos e de suas orientagées politicas. Sob a orientagio politica do Presidente da Repiblica, que assessoraram, ao invés de definirem a po- litica econémica, como aconteceu depois da Revolugao de 64, Gsse grupo constituiu-se em um fator de desenvolvimento ic pais. Por tédas essas raz5es pode 0 Govérno federal, apesar de suas muitas limitagées, apesar da heranca empreguista do Estado semicolonial brasileito ¢ da consegiiente ineficiéncia de seus setores tradicionais, ter uma acdo decisiva na promogao do desenvolvimento econémico do pais na segun- da metade dos anos cingiienta. O estimulo que propor- cionou a industrializagéo do pais, criando condigdes fa- voraveis aos investimentos privados nacionais e estrangeiros, € 0 crescimento dos investimentos governamentais constituem a explicagio basica do extraordinario desenvolvimento por que passou o pais nesse periodo. Alias, cumpre observar que, em relagao a criago de con- digdes favoraveis a0 investimento industrial privado, estas condigoes nao foram apenas de ordem economica, mas também politica. A grande habilidade politica do Sr. Kubitschek 48 permitiu que 0 periodo de seu Govérno transcarresse em rela tiva tranqdilidade, nao obstante os interéeses em conflito dos grupos sécio-econdmicos nao propiciassem tal trangiiilidade. Esta 36 foi possivel gracas, de um lado, a capacidade de com- promisso, de arbitragem entre os grupos revelada pelo pre- sidente, e de outro gracas ao fato de ter conseguido, em grande parte, unir 0 povo brasileiro em térno de uma ideo- logia particular fascinante, que praticamente nasceu e morreu (ou pelo menos perdeu vigor) com éle: o desenvolvimento. Uma segunda causa do desenvolvimento industrial bra- sileiro ocorrido nesse periodo, embora de menor importancia do que a primeira, € sem duvida significativa. Referimo-nos ao grande afluxo de capitais estrangeiros ocorrido no perio- do. Na verdade, constitui ésse fato um simples destaque da politica econdmica do Govémo, no qual se enquadrava, O Govérno federal incentivou a entrada de capitais estrangei- ros ditetos, seja através da Instrucdo 113 da sumoc, baixada pelo Govérno de transicao que sucedeu ao suicidio de Getilio Vargas, e que chegava ao exagéro de discriminar contra as emprésas nacionais em favor das estrangeiras, até os grandes incentivos cambiais, tarifarios, fiscais e crediticios que 0 Go- vérno federal proporcionou para a instalacéo da indtstria automobilistica, da indistria naval, da mecdnica pesada, etc. Nao cabe discutir aqui das vantagens dos investimentos diretos de capitais estrangeiros no pais. Dificilmente éle se constitui em condicao essencial e muito menos em causa ba- sica do desenvolvimento industrial de um pais. Muito pelo contrario, dependendo da circunstancia, os investimentos es- trangeiros diretos podem trensformar-se em uma causa de subdesenvolvimento. E indiscutivel que, se os investimentos diretos estrangeiros forem dirigidos & mineracao, ao comércio, agricultura, ou aos servicos piblicos, onde seus efeitos mul- tiplicadores so geralmente baixos; se a economia for tio subdesenvolvida a ponto de o investimento estrangeiro trans- formar-se em um quisto isolado dentro de uma estrutura eco- némica tradicional, de forma que os efeitos multiplicadores do investimento sio paralisados devido a inexisténcia seja de fornecedores nacionais (os suprimentos de equipamentos, pe- as, produtos semi-acabados e mesmo de certas matérias-pri- mas vém do exterior, importados), seja de trabalhadores na cionais (dada a inexisténcia de mao-de-obra especializada); ESENVOLVIMENTO FOONOMICO 49 se 0 Govérno, que pelo menos secebe os impostos, for o sim- ples representante de uma oligarquia agriria totalmente e des- vinculada do proceso de desenvolvimento industrial do pais, a qual gastard os recursos auferidos em consumo unitario de bens importados € viegens ao exterior; se 0 produto produ- zido destinar-se exclusivamente & exportagio, dada a inexis- tencia de um mercado interno razoavelmente deseavolvido: se houver uma conjugagio désses fatos, o que € comum em paises altamente subdesenvolvidos, que ainda ndo iniciaram Seu processo de industrializacdo, 0 investimento estrangeiro tera efeitos negativos sobre 0 desenvolvimento do pais. Mesmo se os investimentos forem realizados no setor manufatureiro, onde sdo grandes os efeitos multiplicadores, © investimento estrangeiro podera ser prejudicial a0 pais, de- vido ao 6nus que acarretara para o futuro com as remessas de lucros, se no setor em que éle foi aplicado o capital nao era escasso. Porque a escassez do capital nao € um dado absoluto nos paises subdesenvolvidos. Especialmente nos se- tores em que o investimento econdmico é pequeno e mesmo médio, onde nao so necessarios grandes capitais para se or- ganizar uma emprésa eficiente, 0 capital geralmente nao é escasso; pelo contrario, € abundante. Exemplo do que a mamos foi 0 caso da industria farmacéutica, que foi desna- cionalizada, nao devido a escassez de capital nacional, mas A superioridade técnica (defendida por patentes) dos labora- térios estrangeiros. Entretanto, se os investimentos estrangeiros forem rea- lizados em um pais j& com um certo grau de desenvolvimento, possuidor de um mercado interno, em setores em que o ca pital é realmente escasso, devido especialmente a sua dimen- sio, e se suas economias externas so poderosas, éstes inves- timentos transformar-se-io em um fator positive no desen- volvimento econdmico do pais. Foi 0 qué ocorreu no Brasil especialmente na segunda metade dos anos cingiienta. Histéricamente a luta do capi- talismo internacional, inicialmente inglés ¢ depois norte-ame- ricano, em relagdo ao Brasil fora a de dificultar seu desen- volvimento industrial, a fim de conservar 0 mercado para seus produtos manufaturados de exportagio. Dessa forma, os investimentos estrangeiros no Brasil eram especialmente di- rigidos aos servicos publicos, aos transportes (para facilitar sO DESENVOLVIMENTO E ERIE NO BRASIL ay exportagdes de produtos primarios), ao comércio. A partir dos anos cingiienta, e especialmente a partir do periodo que estamos analisando, todavia, as emprésas estrangeiras expor- tadoras de produtos manufaturados para o Brasil foram ob: gadas a modificar sua politica. Face ao surgimento de em- présas nacionais ¢ as barreiras cambiais ¢ tarifarias a entrada de seus produtos no Brasil, viram-se dionte da alterna va de ow realizar grandes investimentos industriais no Brasil ou perder 0 mercado brasileiro. H evidente que optaram pela primeira solugo. Bisse fato, aliado aos estimulos governamen- tais a que ja nos referimos, provecaram enormes investimen- tos estrangeiros no Brasil, como se pode observar pelo Qua- dro I]. O balango, entre entrada ¢ saida em forma de lucros, que tradicionalmente era deficitario no Brasil, produziu um grande saldo. Nao sé a indistria automobilistica, mas uma série de outras indistrias caracterizedas pela escassez do ca- pital ea amplitude dos efeitos multiplicadores receberam esses investimentos, que, propagando-se pelo resto da economia bra- leira, se constituiram em um fator indiscutivel de desenvol- vimento econdmico do pafs nesse periodo. Quadro I (milhges de délares) Periodos Entrada | Lucros Remetidos ‘Saldo 1947-1953 397 1954 - 1961 7a 269 Fonte: sumoc. T | 1 i i loa | | Teve assim o Brasil um grande desenvolvimento indus- trial, cujas principais causas acabamos de analisar, entre 56 € 61. Consolidou-se nesse periodo o desenvolvimento indus- trial brasileiro, impulsionado de modo decisivo pela politica industrializante do Govérno federal secundada pela entrada DESENVOLYIMENTO ECONOMICO St macica de capitais estrangeiros no setor manufatureito. O surgimento da industria automobilistica, ao qual ja nos refe- timos, constituiu-se no fato econémico dominante do periodo, a0 mesmo tempo em que nos fornece uma demonstracio per- feita das causas da rapida industrializacao ocorrida nesse pe- riodo e que acabamos de analisar: a indistria automobilistica foi antes de mais nada fruto da politica econémica do Go- vérno federal, exercida através do ceia, Grupo Executivo da Indistria Automobilistica. Por outro lado, foi resultado dos Wvestimentos estrangeiros estimulados pela politica gover- namental. Dizemos que nesse periodo de cinco anos consolidou-se © desenvolvimento industrial brasileiro antes de mais nada porque, depois do extraordinario surto industrial ocorrido néle. as oposicées e as dividas de carater fundamentalmente ideo- Iégico quanto as possibilidades de industrializacdo_do Brasil desapareceram, A crenca na vocacao agricola do Brasil per- deu qualquer substancia. Mas, além déste motivo, localizado na area dos valores sociais, para a consolidacéo do desenvol- vimento industrial brasileiro, temos outras razdes de ordem mais objetiva, ou pelo menos mais quantificaveis. A mais im- portante delas, além da taxa média de crescimento industrial, que nesse periodo atingiu a 11% ao ano, e da instalagéo da indistria automobilistica, foi o grande desenvolvimento da industria de bens de capital. O Brasil que ja atingira a um relativo grau de auto-suficiéncia global, dado seu baixo coe- ficiente de importacées (relacio das importagées sobre o pro- duto bruto interno), o qual em 60 era de apenas 5,7%,* co- mega nesse periodo a tornar-se independente em um setor fundamental: o da producio de equipamentos. Segundo es- tudo realizado pela CEPAL,"® o desenvolvimento da industria de maquinas-ferramentas nesse perfodo foi extraordinario, atingindo a taxa de 14.7% ao ano entre 55 e 61. O desen- volvimento recente dessa indiistria era ainda ilustrado pelo fato de que 55% das unidades produzidas tinham menos de dez anos (o estudo foi realizado em 62). Por outro lado, a participacdo das importacées na oferta de equipamentos, que 24 Fonte: Estudio Econdmico de América Latina, 1963, cera, pig. 54. 2 La Industria de Méquinas-Herramientas del Brasil — Elementos para 1a Programacion de su Desarrollo. CEPAL, Janeiro de 1963. 52 DESENVOLVIMENTO E RIE No DNASE. em 49 era de 52,7%, baixou para 32,8% em 58.** Em outras palavras, 67,2% da oferta em cruzeiros de equipamentos paca a industrializagao do peis, em 1958, era feita pela indistria nacional, De um modo geral pode-se dizer que éste foi o periodo de desenvolvimento da indastria automobilistica (a produgao da industria de matérias de transporte umentou, entre 56 € 61, 700% ), da industria quimica (aumento de 106%), da in- dastria ‘de maquinas-ferramentas (aumento de 125%), da industria metalurgica (aumento de 78%), e de algumas in- dustrias basicas, como 0 petroleo, o aluminio, 0 chumbo.* ‘Terminado esse periodo, ja se podia afirmar que o Brasil nao SO estava na pratica totalmente auto-suficiente quanto a im- portacao de bens de consumo leves e pesados, mas que fi- zeta enormes progressos no campo da industria de base ¢ na de equipamentos industrials. Bste fato, somado a crise em que paulatinamente mer- gulhou a economia brasileira a partir de 62, permitir-nos-ia afirmar, depois de uma andlise superficial, que 0 ano de 61 marca nao s6 a data da consolidagao do desenvolvimento industrial brasileiro, mas também 0 término da Revolugdo In- dustrial, da decolagem da economia brasileira. A partir désse momento o desenvolvimento econémico brasileiro, embora con- tinuasse sujeito as crises proprias dos sistemas neocapitalistas, ja se teria tornado automatico, necessario e independente. Automatico porque, havendo-se consolidado no Brasil um sistema de base capitalista (em substituigao a um sistema eco- nomico de base tradicional), o reinvestimento dos lucros em busca de mais luctos se institucionalizara, Necessario porque, havendo esse desenvolvimento capitalista tomado a forma de um amplo crescimento industrial (e nao meramente comer- cial), © reinvestimento tomava-se nao sO interessante, mas uma necessidade do proprio sistema, uma condicao de sobre- vivencia das emprésas em um regime de concorréncia e de desenvolvimento tecnologico. Independente, ou melhor, re- lativamente independente, porque a produsao dos equipamen- 20 Plano Trienal de Desenvolvimento Bcondmico e Social, 1963-1905, Presidéncia da Repiiblica, 1962, pig. 51 da Sinteve 31 Fontes: Conjuntura Econimica, Cera, Servigo de Estatstien da Pro- lugio. DESENVOLVIMENTO ECONOMICO 53 tos necessarios ao prosseguimento do desenvolvimento indu: trial ja estava sendo feita em sua maior parte no préprio Brasil. Veremos, porém, no ultimo capitulo déste livro, que esta andlise nao € correta, na medida em que procura sim- plesmente fazer uma analogia entre a revolucdo industrial dos paises hoje industrializados e 0 processo de industrializacdo ocorrido no Brasil entre 1930 e 1961. Na verdade, 0 que ti- vemos nesse periodo foi a primeira fase da Revolucao Indus- trial Brasileira, Um Modélo do Desenvolvimento Econémico Brasileiro Terminamos assim nossa breve analise do desenvolvi- mento econdmico do Brasil ocorrido entre 30 e 61. Nesse periodo transformou-se a estrutura econémica, politica e so- cial do pais, palco que foi de uma revolugio industrial na- cional. Antes de passarmos, nos préximos capitulos, a ana- lise do desenvolvimento social e politico, faremos agora uma tentativa de reduzir todo o desenvolvimento ocorrido a um modélo, a um esquema abstrato em que apenas aquelas ca- racteristicas fundamentais aparecam, estabelecendo-se entre elas relagoes de causas e efeitos e também relacées circulares, em que os fendmenos so a0 mesmo tempo causa e efeito uns dos outros, de forma a ocorrer 0 processo social em circulos. Em primeiro lugar, apresentaremos e examinaremos iso- ladamente cada uma das caracteristicas fundamentais do de- senvolvimento econémico brasileiro nesse periodo de revolu- ao industrial. Entre 40 e 61, 0 Produto Bruto brasileiro cres- ceu 232%, mais do que triplicou, portanto. Mais significa- tivo, todavia, € 0 fato que nesse periodo 0 Produto Interno Bruto per capita cresceu de 86%.** Ocorteu,, portanto, um am- plo proceso de desenvolvimento economico. Esse desenvol- vimento teve como caracteristicas fundamentais as seguintes: Industrielizacao. Foi éste praticamente 0 objeto de nosso estudo até agora. O setor dinamico do desenvolvimento eco- 28 Os dados completos sdbre 0 crescimento do Produto Interno, Bruto total © per capita, ano a ano, encontrase en, Ary Bovan, Problems Atuais da Economia Brasileira, op. cit, baseados em levantamentos “co Grupo Misto sxom-cera:, da Fundagio’ Getélio Vargas © do 1008. 54 DESERVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIE, némico brasileiro foi a indistria. Entre 30 e 61 0 crescimen- to da produgéo industrial brasileira foi de 683%. Se tomar- mos o periodo entre 40 e 61, para podermos comparar 0 aumento da produgio industrial com 0 aumento do Produto Interno Bruto (que jé vimos foi de 232%), temos que aquéle aumento foi de 479%. Em um periodo de 22 anos, portanto, a produsao industrial brasileira quase sextuplicou, e seu ritmo de desenvolvimento foi mais do que 0 débro do ritmo de de- senvolvimento global da economia, Substituigdo de Importagées. Todo 0 desenvolvimento industrial brasileiro no periodo em foco ocorreu fundamental- mente através de um processo de substituigio de importaées. Era esta, aliés, a tinica alternativa para o Brosil, dadas a mitagdes as possibilidades de aumento de nossas exportagées. © Brasil, durante o periodo de sua Revolugéo Industrial, vol- tou-se para dentro. A industrializagio ocorreu aproveitando- se 0 mercado interno j& existente para produtos industriais importados que eram substituidos por produtos fabricados no pais. Tivemos, assim, uma drastica reduce do coeficiente de importagées, que baixou de 12,6% no perfodo 50-54 para 8.6% no periodo 55-61.*° Isso significa que, & medida que cres- ia a renda, cresciam menos do que proporcionalmente as importacées, que iam sendo substituidas pela producio na nal. Os empresarios industriais, nesse perfodo, nao tinham dificuldades maiores em decidir em que setor investir, quais importar. A pesquisa de mercados de que necessi- estava pronta. Bastava que examinassem nossa pauta de importagdes para saberem onde investir. Limitago & Capacidade de Importar. Foi cla a causa de ter © processo de industrializagio brasileira ocorrido fun- damentalmente através de um processo de substituigéio de im- portagées. Por sua vez, a limitagio & capacidade de importar resultou de fatéres diversos. Nos anos trinta, a causa basica, ja por nés analisada, foi a depressio mundial désse periodo, a queda de noseas exportagées, e especialmente a deteriora- 80 da relagio de trocas provocada pela baixa do prego in- ternacional do café, No primeiro lustro dos anos quarenta 20 Fonte: cxpat. 3 Fonte: Desenoltimenty Econdnico da América Letina no Pér-Cuer- DESENVOLVIMENTO ECONDNICO 35 a guerra encarregou-se de limitar nossa capacidade de im- portar. A partir do fim da Segunda Guerra Mundial até o fim do periodo que estamos analisando, foi a incapacidade de aumentarmos nossas exportagées 0 principal fator limita- tivo de um aumento de nosca capacidade de importar. A pre- gos constantes de 53, em 47 exportamos 1.961 mil délares. em 61 exportamos 1.976 mil délares.*! Enquanto nosso Pro- duto Interna Bruto crescia, em térmos reais, 128% nesse pe- riodo, permaneciam estaveis nossas exportacdes. Tinhamos, portanto, que nos voltar para o mercado interno, produzindo no Brasil o que nfo podiamos importar, © substituindo as im- portacées. F certo que, devido a uma melhora geral em nossas relagées de troca ocorrida nesse periodo (nossas relagées de troca estavam em um nivel baixo em 47, subiram 186% até 54 e depois baixaram 25% até 61) € ao nosso crescente en- dividamento externo, foi-nos possivel nao limitar nossa ca- pacidade de importar tao violentamente quanto a estagnacao de nossas exportacbes sugere. Mas a pressio sobre nossa capacidade de importar foi suficiente para se transformar em um dos fatéres basicos que criaram oportunidades de inves- timentos industriais no Brasil a partir de 1947. Surgimento de uma Classe de Empresdrios Industriais. No Brasil surgiu durante essas trés décadas de revolucao in- dustrial uma poderosa classe ou grupo de empresarios indus- triais. Uma revolucio industrial em moldes capitalistas, alias, 86 pode ser realizada desde que surja um grupo de homens com espirito empresarial, com capacidade de inovacdo, com possibilidades de comandar o processo de investimento e com disposigéo para arriscar. No século XX, o Brasil foi um dos poucos paises onde surgiu uma classe de empresarios indus- triais capitalistas, ja que poucos outros paises de economia basicamente capitalista realizaram sua revolucao industrial, promoveram a arrancada de seu desenvolvimento neste sé culo. Os empresirios brasileiros, ou melhor, os empresarios paulistas, segundo pesquisa que realizamos,** eram em geral 31 Fonte: Programa de Ado Econdmica do Govémno, 1964-1966, rarc (Sintese), Ministério do Planejamento e Coordensgio Economica, Do- camentos Eres n.° 1, novembro do 1064, pag. 122. 82°°CE. Luiz Carlos Bresser Pereira, “Origens Btnicas e Sociais do Em- presirio Paulista”, em Revista de Administragdo de Empriscs, n° 11, junho de 1984. 56 DESEXVOLVIMENTO © CHUSE NO URASIE, imigrantes éles mesmos (50%), ou filhos e netos de imigran- tes, Apenas 16% dos empresirios tinham origem em fami- lias brasileiras, em que os pais e os avés eram brasileiros. Eram também em sua grande maioria origindrios da classe média. Segundo o critério que estabelecemos nessa pesquisa para classificagao dos empresarios em classes sociais, na épo- ca de sua infancia ou adolescéncia, em que foram levados em consideragio a profissio do pai, a situacio econémica da fa- milia, o ato de estar ligado ou ndo aos aatigos grandes fa- zendeiros e exportadores, a educago do pai, a educacio do Préprio empresario, a origem étnica do empresario, a idade com que éle comecou a trabalhar, temos que 57,89 dos em- presatios industriais paulistas se originaram da classe média (superior, média e inferior), 21,6% tiveram origem na classe alta inferior, constituida de familias ricas, mas nio tradic nais, 16,7% vieram da classe baixa e apenas 3,9% origina- ram-se da classe alta superior, da aristocracia brasileira. A revolugio industrial brasileira, portanto, foi realizada basica- mente por empresirios imigrantes, ou filhos e netos de imi- grantes, originarios da classe média. Esta constatacio é fun- damental para compreendermos 0 comportamento econémico, politico e social dos empresdrios brasileiros e 0 proprio pro- cesso de desenvolvimento do pais. Alta Relagdéo Marginal Produto-Capital. A alta relagao margina| produto-capital, ou seja, a alta produtividade dos investimentos realizados no Brasil, facilitou extraordinaria- mente o desenvolvimento economico do pais, Segundo dados cia Fundagao Getilio Vargas existentes para o periodo 47-61, tivemos uma taxa média anual de formacao bruta de capital relativamente modesta de 166%, e uma taxa de investimen- tos liquidos (excluida a depreciagio) de apenas 11,67%. Nao obstante, tivemos durante ésse periodo uma taxa média anual de crescimento do produto de 5,8%, © que significa uma re- laséo marginal produto-capital de 0,5%."* Pera cada unida- de adicional de capital (exclufda, porianto, aquela parte do vestimento destinada a substituir o desgaste dos equipa- mentos representado pela depreciegao) tinhamos meia unida- de de crescimento do produto. Essa € sem divide uma rela- 33 pane, 1954-66, pig. 18 DESENVOLVINENTO ECONOAIICO 37 So marginal produto-capital muito favoravel, que “ atribuida: ao carater extensivo da producio agricol: centracao de investimentos na indistria manufatureira, sobre- tudo em ramos industriais de baixa relagio capital-produto (ou seja, alta relagio produto-capital); 4 proporcio relativa- mente pequena de investimentos em habitagéo ¢ em certos servigos de utilidade publica; e, finalmente, 4 contabili dos equipamentos importados a taxas cambiais subsidiada: Em outras palavras, o investimento no Brasil foi realizado em setores de rentabilidade maior ¢ mais répida, nos quais um investimento relativamente pequeno permitia, seja direta- mente, seja através de economias externas, um grande cres- cimento do produto. & claro, porém, que ésse fator favori- vel teria ou ter que ser compensado, como veremos no ca- pitulo V, em um periodo subseqiiente, quando se tornar im- periosa a realizacéo em uma proporgéo maior de investimento de infra-estrutura ou de habitacao, que apresentam uma re~ Jago produto-capital mais baixa, Estatizacdo. Esta é uma caracteristica do desenvol ‘mento econémico brasileiro que_m s vézes tem sido apre- sentada em tom de denincia. E de fato, dentro do espirito de uma ideologia liberal, pura, qualquer estatizacio serA vitavelmente condenada. Na verdade, porém, © liberalismo como pratica econémica esta morto e enterrado ha muito tem- po. Nao podendo sobreviver como pratica econémica, man tém-se A tona apenas como ideologia. Mas mesmo como ideo- logia nao tem a longo prazo condigaes de manter-se. A esta tizagao, nao no sentido de dominio completo da economia pelo Estado, nao no sentido de abolicio da propriedade privada dos bens de producio (isso seria socialismo), mas de parti- cipaco crescente do Govérno no produto e no investimento nacional, é uma constante no processo de desenvolvimento capitalista em todos 03 paises do mundo. Os Governos néo 86 cada vez interferem mais na economia de forma indicativa, planejando seu desenvolvimento, estabelecendo prémios e pu- nigdes de ordem fiscal crediticia aos investimentos privados, controlando 0 crédito, como também realicam éles proprios uma parte cada dia maior dos investimentos necessarios. Na 4 Idem, pig. 19. 58 DEXENVOLVIMENTO F CRISE NO RRASIE. Franga, por exemplo, mais de 50% dos investimentos si0 realizados pelo Govérno e pelas emprésas sob contréle go- vernamental. No Brasil, “em face das modificagées estrutu- rais ocorridas na economia, um aumento rapido da urbaniza- sho e crescimento das indistrias pesadas, era perfeitamente natural que os investimentos infra-estruturais aumentassem em térmos relativos, exigindo-se maior esf6rg0 do Govérno, tanto na prestagio de servigos como no processo de forma- so de capital, e maior participagio do setor publico no dis- péndio total, 2 semelhanga do que ocorreu com todos os paises em ripida industrializagio” * Assim, 2 participagao do setor publico no dispéndio total, que era de 17,19 em 47, cresce para 23,9% em 56 e para 25,9% em 60. A partir de 56, quando o Govérno federal se transforma em um agente deliberado ¢ bem sucedido do de- senvolvimento econémico, 0 aumento da participagao do Go- vérno ocorre exclusivamente devido ao aumento dos investi- mentos (que sobem de 3,3% pata 5,7% do dispéndio total em 60) € ndo ao aumento do consumo piblico, das transfe- réncias e dos subsidios governamentais, que constituem as outras parcelas do gasto piblico.*® Esse crescimento extraordinario dos investimentos pi- blicos pode ser melhor ilustrado com os seguintes ntimezos: em 56 0 setor piblico, inclusive emprésas do Govérno, era responsavel por apenas 28,2% do investimento total, da for- magao bruta de capital do pais. Em 60 essa porceatagem al- cancava 48,3%.%" (Essa porcentagem continuaria a crescer, de forma que, em 64, 60% do investimento estavam sendo realizados pelo setor pablico.)** ‘Iransformava-se assim 0 se~ tor piblico, A medida que se tomnava responsivel por uma parcela crescente do fator estratégico do desenvolvimento, ou seja, dos investimentos, no setor dindmico désse desenvolvi- mento. Cada vez mais passava a caber ao Govérno nao sé ad fio da politica econémica a ser seguida, através do processo de planejamento econdmico, como também a pré- pria execugio dessa politica através de grandes investimentos 85 Plano Trienal, op. eit, pig. 39 88 Idem. i 37 Fonte: Fundacio Getilio Vargas. 88 PaBG, 1964-66, pig. 60. DESENVOLYIMENTO ECONOMICO 59 na indastria de base, nos transportes, na energia, no desen- volvimento regional, na exploragaio de recursos naturais e na educagéo; “a crescente participagao do Govérno como aloca- dor de recursos disponiveis do pais deve ser entendida como conseqiiéncia das préprias condicées nas quais atualmente se processa nosso desenvolvimento, baseado em modificagses es- truturais da procura de bens e servigos. A f6rsa propulsora dasse desenvolvimento esta longe de ser apenas o empre: rio, como na interpretagao schumpeteriana do desenvolvimen- to econdmico, Na maior parte dos paises subdesenvolvidos, © processo de desenvolvimento parece ser, atualmente, um pro- cesso social, nacional e nacionalista. Em maior ou menor grau, 0 Govérno € 0 seu agente mais conspicuo e ativo e, na maior parte dos casos, 0 Governo ¢, por sua vez, o portador de reivindicagdes populares intensamente sentidas. Atras dessas reivindicagdes encontra-se um desejo generalizado por padrées de vida mais elevados”.*” A estatizagio é portanto uma decorréncia do préprio pro- cesso de desenvolvimento. Nos Estados Unidos, @ participa so das despesas piblicas no produto nacional bruto era de 2.5% em 1880, subiu para 19.8% em 1957; na Franca era de 14% em 1913, passou para 32,3% em 1957; na Inglaterra era de 8,99% em 1890, passou para 36,6% em 1955.40 No Brasil ocorrex 0 mesmo proceso. Entretanto, ao contrario daqueles paises, 0 aumento da carga tributéria no Brasil néo foi suficiente para fazer face ao aumento dos gastos gover- namentais, situando-se ai uma das causas principais da infla- cio, como veremos em seguida. Inflacdo, Foi uma das constantes de nosso desenvolvi- mento. Entre 1930 e 1960, os precos subiram no Brasil 3.195%. Nos anos quarenta, a taxa de inflacio anual no Brasil girou em térno dos 10%: nos anos cinqiienta, em tor- no dos 20%, com excecio de 59, quando 0 custo de vida na Guanabara aumentou 52%. Nos anos sessenta, a inflagio atingiria uma média superior a 50% 89 Antonio Delfin Netto, Affonso Celso Pastore, Pedro Cipollart Eduardo Pereira de Carvalho, Aspectos da Injlagdo Brasileira e suas Perspectives para 1965, Associagio Necional de Progremacdo Econémica € Social, anes, 1965, Sio Paulo, pag. 17, edicio mimeografada, 40° Idem, pig. 82. 60 pusenvou Enguanto a inflagdo permaneceu em niveis razoaveis, enquanto seu limite era de aproximadamente 20%, nio ha divide de que constituiu-se em um fator mais positive do que negativo no processo de desenvolvimento econémico do pais. Certamente teria sido preferivel que todo 0 desenvolvimento ocorresse sem inflacdo, ¢ tedricamente isso € possivel. Para © Brasil, porém, pais subdesenvolvido passando por um re- pidissimo proceso de industrializacfo, o desenvolvimento in- flacionario era praticamente a unica alternativa. Ou teriamos @sse tipo de desenvolvimento ou a estagnacdo. Isso porque a inflacdo constituiu-se em uma valyula de escape para o de- senvolvimento do pais, na medida em que possibilitou 0 fi- nanciemento do aumento das despesas e investimentos go- yernamentais que analisamos anteriormente, Existem duas correntes que procuram explicar 0 processo inflacionario brasileiro: a corrente estruturalista, que atribui a inflagio A inelasticidade da oferta em certos setores da eco- nomia, especialmente o setor da produgio de bens agricolas de consumo interno ¢ as importacdes, que ndo responderiam adequadamente aos estimulos da demanda; e a corrente mo netarista, que atribui a inflago aos deficits governamentais € a seu financiamento através de emissées, Quando a infla- sao girava em témo de 10 € mesmo 20% ao ano, as causas de ordem estrutural, especialmente a limitagio a nossa ca- pacidade de importar, podiam explicar uma parte consideré- vel da inflacao brasileira, Mesmo naquela época, todavia, no se constituia em uma explicacao satisfatoria. Um dos pon- tos basicos da teoria estruturalista € 0 de que, segundo as palavras do Plano Trienal, “a agao conjugada dos fatores apontados — crescimento intenso da demanda de produtos primarios, conseqiiente a rapida industrializacao, e a relativa rigidez do setor primario — resulta numa elevagio dos precos dos produtos agricolas mais forte que a dos precos indus- triais”. E para sustentar sua tese presenta o plano o defla- tor dos precos dos produtos agricolas de mercado interno e dos produtos industriais, respectivamente 683 e 426,6, em 60, partindo-se de um indice 100 em 49. Bste deflator, tadavia, 41 Plano Trienal, op. cit, pig. 126. DESENVOLYIMENTO ECONSMICO 61 nao € merecedor de crédito. Conforme observa 0 PAEG, no setor dos pregos por atacado 0 preco dos produtos agricolas, partindo-se de uma base 100, em 52, subiu a 411, em 60, contra 520 dos precos dos produtos industriais.** H, portan- to, visiveis contradigdes entre os dois indices, os primeiros derivados das Contas Nacionais divulgadas pela Fundacio Gettilio Vargas e os iiltimos com base nos indices 46 e 49 da Conjuntura Econémica. Essa contradi¢ao ji havia sido observada por Antonio Delfim Netto. que. depois de subme- ter ésses indices a um longo proceso de andlise. conclui que “possivelmente existe um érro no deflator da renda indus- trial, érro que de fato produz uma subestimacao dos aumen- tos de precos verificados a partir de 54... até, portanto, que seja demonstrado como foram obtidos os resultados, parece- nos legitima a diivida quanto a éles e quanto ao diagnéstico (que pensamos incorreto) de que ‘a relacdo de precos de intercambio é crescentemente favoravel a agricultura, em seu conjunto, a0 longo de todo o periodo’ (afirmagio do Plano Trienal). Nesses térmos, resta como ponto de apoio para a teoria estruturalista a limitagdo nossa capacidade de importar, Mas evidentemente ésse elemento apenas nao seria suficiente para explicar 0 processo inflacionério brasileiro. Teremos en- tao que ficar com a teoria monetarista? Esta é a primeira im- pressao que temos, quando lemos o melhor trabalho realizado até hoje no Brasil sébre a inflagdo: Aspectos da Inflacao Bra- sileira e suas perspectivas para 1965." Declaram os autores nesse livro que “quatro sao as variiveis explicativas da in- flagao brasileira: os deficits do setor piblico e sua forma de financiamento; as press6es de custo derivadas dos reajusta- mentos salariais; as pressdes de custo derivadas das desvalo- rizagées cambiais; e as pressdes derivadas do setor privado da economia’.** Tédas essas causas sd a0 mesmo tempo in- terdependentes e independentes. O proceso inflacionario pode comecar por qualquer um dos quatro fat6res, mas “uma vez iniciado tem condicoes para criar a sua perpetuacao e a sua 42 ran, op. city, pig. 5. 43 Antonio. Delfin Netto, “Nota sdbre alguns aspestos do Problema Agririo”, em Temas ¢ Problemas, primeito caderno, 1954, pigs. 22 23. ‘4° Antonio Delfim Netto e outros, op. cit. #8 Idem, pig. 16. 62 DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL aceleragio"."" O. processo inflacionrio pode comecar pelos deficits. que sao financiados em sua maior parte por emissdes, pode ser estimulado por aumentos salariais (inflagio de custos) superiores a taxa de desvalorizagio da moeda, por pressées do setor privado, seja no sentido de obter mais cré- ditos, seja visendo reduzir sua liquidez e conseqiientemente aumentar a velocidade-renda da circulagio da moeda, e final- mente pelas desvalorizagées cambiais. Apenas em relagio a estas Gltimas existe um componente estrutural, na medida em gue as elevagses da taxa cambial forem derivadas de uma oferta de cambiais condicionadas pelas limitagées a0 aumento de nossas exportagées. Com base nessas quatro variavei construicam 0s autores uma equagio, que Ihes permitiu atin- gir a um coeficiente de determinagao de 92,7%, ou seja, uma equagio cujas variaveis explicam 92,79 das flutuagses da taxa anual de inflagio entre periodo de 45 a 63. Além disso, através de seu modélo foram éles capazes de em 64 prever, com dados de 63, a taxa de inflagéo de 64. Previram um aumento de 82%, e a taxa afinal verificada foi de 87%." Ve- mos, portanto, que nesse estudo os componentes monetaristas 950 predominantes. Entretanto, uma leitura mais cuidadosa do texto nos le- vara a outra interpretacéo, Em sua analise das duas teorias explicativas da inflagdo, salientam os autores, com muita pro- priedade, que “a maior divergencia entre as duas explice- Goes esta nas implicacdes economicas que decorrem dos diagnosticos. Para a corrente estruturalista, a inflagdo € um fenomeno quase normal no processo de desenvolvimento eco- nomico... para a explicacao monetarista, a inflacdo nada tem a ver com © desenvolvimento, devendo mesmo ser eliminada em razao das distorgdes que provoca no sistema”. Ora, embora sem chegar ao exagéro de considerar a in- flagio uma condiedo do desenvolvimento, os autores estao Jonge de condend-la totalmente e jamais cometem a ingenui- dade de atribui-la a irresponsabilidade dos governantes, como fazem muitos expoentes da teoria monetarista. Reconhecem éles 0 papel fundamental do Govérno na criagio de uma pou- 45° Idem, pigs. 26 ¢ 99. £2 Hem, pigs. 26 6 29. 48 Idem, pag. 15 DESENVOLVIMENTO EcoNdMICO 63 panga forcada e na promogio do desenvolvimento econémico, nio 86 através da definigio da politica econémica, mas tam- bém através de investimentos. “Do exame das condigées ine- rentes ao desenvolvimento das nacées econémicamente atra- sadas no século presente, verifica-se que dificilmente 0 pro- cesso pode ganhar momento pela aco unilateral de uma classe de empresirios schumpeterianos. O conflito entre o consumir agora e o consumir mais no futuro faria com que a tentativa de uma maior acumulagio de capital resultasse em pressdes inflacionarias suficientemente amplas para inibir 0 préprio processo. O impulso para a industrializagio passa a ser, nes- tes térmos, um dos fins iiltimos do préprio Estado. Os cen- tros de decisio politica que comandam a sociedade passam, necessariamente, a interessar-se diretamente e a ser respon- saveis, em grande parte, pela performance do sistema eco- némico”.*? Em outras palavras, 0 Govérno tem uma funcdo funda- mental no proceso de desenvolvimento econdmico. Barrei- ras institucionais de diversas ordens, todavia, as presses dos empresdrios por maiores lucros, as pressées dos operarios por maiores salarios, em virtude do chamedo efeito de demons- tragio (imitagéo dos padres de consumo dos paises indus- trializados), a pressio demogrifica, a assimilagao de técni cas de produgio inadequadas aos paises subdesenvolvidos, © proprio comportamento dos mercados internacionais, a0 qual ja nos referimos, todos ésses fatsres pressionam a econo- mia no sentido da inflagio."® A solugio teérica seria 0 Govérno, ao ver suas fungdes aumentadas, aumentar correspondentemente sua carga tribu- taria. Foi o que realizaram os paises desenvolvidos. Existe uma clara correlacéo entre o nivel de desenvolvimento dos paises € sua carga tributaria em relacao ao Produto Interno Bruto, Quanto maior o desenvolvimento, tanto maior sera a carga tributaria. Eis alguns paises e sua respectiva carga tri- butaria: em 1960: Noruega, 31,4%; Suécia, 31,39: Holanda, 30,3%; Italia, 28,8%; Gra-Bretanha, 28,2%; Estados Unidos, 27,7% (desenvolvidos); contra Honduras, 19,2%; Costa 40 Idem, pig. 10. 50 Idem, pigs. 6 a 9. 64 DESENVOLVIMENTO E CRISE NO BRASIL Rica, 148%: Equador, 14.5%: Colombia, 11,39: Indi 9.1% (subdesenvolvidos) ‘No Brasil, em 60, a carga tributaria era de 22,9%, con- tra 14,7% em 47. Verificou-se, portanto, um aumento con- sideravel de carga tributaria. Bste aumento, todavia, nao foi correspondente ao aumento dos encargos governamentais, de forma que, a partir de 56, 0 deficit de caixa da Unio passa a girar em téno de 3% do Produto Intemo Bruto, decorren- do dai poderosa pressao inflacionaria. Em outras palavras, quando foi preciso que 0 Govérno assumisse uma quantidade erescente de responsabilidades na promogao do desenvolvimento econdmico nacional, nio foi possivel aumentar correspondentemente a carga tributaria, de- vido aos obstaculos inerentes ao sistema. Para o estagio de desenvolvimento do pais a carge tributéria era adequada, € no entanto insuficiente. Era adequada porque proporcional & renda per capita do pais, era insuficiente porque os encargos do Governo eram muito'maiores do que a receita tributari E seria dificil sair desse beco sem saida, ja que essa carga tibutaria recai apenas sobre aproximadamente a quarta parte da populacao brasileira, que participa regularmente do mer- cado interno € paga impostos, especialmente impostos indire- tos. Aumentar a carga tributaria désse grupo, para inclusive promover, através de investimentos governamentais, a inte- gracao no mercado das outras tres quartas partes da popula sao brasileira, seria, portanto, perigoso, podendo resultar em um desestimulo aos investimentos privados. Nao havia outra alternativa para a economia senao encaminhar-se no sentido da inflacao, que, além de possibilitar 20 Govérno realizar os gastos programados, funcionava como instrumento promotor de poupanga forcada ao mesmo tempo em que mantinha ele- vada, ainda que sob muitos aspectos artificialmente, a de- manda. Ao contrario do que pensam os monetaristas, portanto, a inflagdo, pelo menos uma inflacdo moderada, é um processo inerente ao desenvolvimento dos paises subdesenvolvidos. No Brasil constitui-se em uma forma de tributagéo indireta, que permitiu resolver o problema das crescentes responsabilida- 51 Centro de Estudos Fiscais, Fundagio Getilio Vargas, em Revista Brasileira de Economia, margo de 1963. DESENVOLVIMENTO FOONSMICO 65 des do Estado em relagio a economia, Enquanto nfo atingiu os indices extraordinarios dos anos sessenta, constituiu-se no s6 em um fendmeno natural, mas necessario ao processo de desenvolvimento do pais. Urbanizacao. % um fendmeno que surge como uma cons- tante dentro do proceso de desenvolvimento econdmico do pats. Segundo 0 Censo de 40, 31,24% da populagdo brasi- leira era urbana contra 68,76% rural; em 60, a populagdo urbana ja havia atingido a 45,08% da populacéo total; antes de 70 devera ser superada a marca dos 50%. A urbanizacao tem em geral trés origens: o processo de industrializacdo, que exige constantemente um maior nimero de obras nas indis- trias e servigos auxiliares localizados nas cidades; 0 desenvol- vimento do sistema de transporte, principalmente do transpor- te por caminhées, que permite aos trabalhadores das cidades habitar nas pequenas cidades interioranas e trabalhar no campo (esta tendéncia, alias, foi intensificada devido a exten- sio da legislagdo trabelhista aos trabalhadores do campo, de- sincentivando os fazendeiros a manter colonos); e finalmen- te a urbanizacao pode ter origem no na demanda de empre- gos pelo setor urbano, mas simplesmente pela impossibilidade de sobrevivéncia no setor rural, Em Sao Paulo, foram mais tipicos © primeiro e mais recentemente também o segundo tipo de urbanizacéo. No Nordeste, 0 terceico tipo de urbanizagao foi muito comum. Os dois primeiros tipos esto diretamente relacionados com 0 processo de desenvolvimento econémico © podem ser considerados naturais. O terceiro tipo € uma aberragéo. Ameacado pela fome, 0 trabalhador rural procura as grandes cidades, onde, através de expedientes, poder me- ramente sobreviver, ainda que em condigées miseraveis, Aumento da Taxa de Crescimento da Populagio. & outra constante do processo de desenvolvimento econdmico brasileiro. A medida que se elevam os padrées de consumo, melhoram as condigées de higiene, estende-se o ambito da medicina preventiva. A propria medicina curativa comeca a abranger cada vez maior nimero de pessoas, através da me- dicina institucionalizada, seja de origem estatal, seja de ori- gem privada, nas grandes emprésas. Ea medida que ésses fatos vao ocorrendo, reduz-se a taxa de mortalidade da po- pulacéo, Entretanto, enquanto uma porcentagem considerd- 66 DESENVOLVIMENTO A CHISE NO BRASIL, vel da populacéo nao atinge a padroes de consumo proprios da classe média, enquanto 05 gastos da grande maioria da populagéo com os filhos so relativamente reduzidos, limi- tando-se a alimentacao € a um minimo de vestuério, j& que os servigos de educagao € assisténcia médica ou so gratuitos ou no sio prestados, quando essas condigées prevalecem em uma determinada sociedade (6 0 que ocorre no Brasil), a taxa de natalidade nao se reduz. Nesses casos, os estimulos a redu- so da natalidade continuam pequencs, enquanto os estimulos a familias grandes, inclusive a idéia de que “seguro de pobre & filho homem”, continuam a prevalecer. Dessa forma, re- duzindo-se a taxa de mortalidade e mantendo-se a de natali- dade, o resultado @ 0 aumento da taxa de crescimento da populacao. No Brasil, a taxa anual de crescimento da populacéo, que foi de 1,5% entre 20 e 40, subin para 2.4% entre 40 € 50. e para 3.1% na década seguinte, admitindo-se uma taxa proxima a 3.5% nos anos sessenta. Esta altima, alias, foi a taxa de crescimento da populacdo ativa nos anos cingiienta. Um crescimento tao extraordinario da populagéo traz consigo uma série de problemas. Aumenta a necessidade de investimentos em setores assistenciais e na educagéo. Cresce relativamente a porcentagem da populagao inativa, O cres- cimento anual do produto em térmos porcentuais tem que ser maior para que ndo seja prejudicada a taxa de crescimento do produto per capita (ja que éste é igual & taxa de cresci- mento do produto menos a taxa de crescimento da popula cao). Criam-se problemas para a absor¢ao anual da mao-de- obra. No Brasil, por exemplo, estima-se que, com um cresci- mento de 3,5% a0 ano da populacgo ativa, sejam somadas anualmente & forca de trabalho 1.100.000 pessoas. Ora, du- rante 0s anos sessenta, apeser do extraordinario desenvolvi- mento industrial, a industria de transformagao teve o ntimero de seus empregados elevado a uma taxa anual de apenas 3%, © que se explica pelo uso de tecnologia capital intensiva, eco nomizadora de mio-de-obra. Basse crescimento de 3%, quan- do comparado com os 3,59% de crescimento da populagao ati- va e com 0 5,4%% de crescimento da populagio urbana, re- velou-se claramente insuficiente. 2 pauc, op. cit, pigs. 22 © 96. DESENVOLVIMENTO ECONOMICO 67 Distribuigio Desequilibrada da Renda. Em relagio a dis- tribuigo regional da renda, sé temos dados para o periodo 50-60. Manteve-se 0 desequilibrio regional. Para térmos uma idéia désse desequilibrio, tomemos a renda per capita das ferentes regides do pais como porcentagem da média nacio- nal, em 60. A renda do Nordeste nesse ano era 50,6% da média nacional, contra 133% do Centro-Sul e 177.7% de Sao Paulo. O estado mais pobre da Unido, 0 Piaui, tinha uma renda per capita de apenas 28,8% da média nacional. Nao houve, todavia, uma agudizacio dos desequilibrios regionais. Conforme nos mostra 0 Quadro III, 0 Nordeste, em 50, tinha uma renda per capita de 48,5% da média nacional e em 60 essa porcentagem subira para 50,6%. 1 verdade que, em 55, essa porcentagem havia caido para 42.9%. Entretanto a Petrobras, a Companhia Hidrelétrica do Sao Francisco e a aco da sUuDENE fizeram com que aquela tendéncia fsse mu- dada. Entre os fatéres que influenciaram aquela perda rela- tiva de renda para o Nordeste nos primeiros cinco anos da década de cingiienta salienta-se a politica cambial do pés- guerra, que penalizando as exportacées e favorecendo as im- portagses. especialmente as importacdes de equipamentos e matérias-primas. prejudicou as regides do pais tipicamente exportadoras, como € 0 caso do Nordeste. Aumento de Saldrios. Entre 47 € 60, os assalariados au- mentaram sua participaggo na renda de 56 para 65%.” Bste dado, todavia, deve ser encarado com reserva, Esse aumento ‘ocorreu especialmente a expensas da reducdo da participa- 40 dos profissionais liberais, administradores de emprésas e proprietérios de emprésas individuais, cuja participacao se re- duziu de 26 para 18%, enquanto a participacéo do grupo capitalista (lucros, juros e aluguéis) aumentava de 18 para 20% . Ora, ésse aumento de participacao dos assalariados a expensas particularmente dos profissionais liberais explica-se em parte devido a0 fato de que muitos déstes tornaram-se assalariados. Além disso, enquanto a cacga de impostos di- retos aumentava de apenas 21%, entre 47 € 60, a carga de impostos indiretos, que atinge mais fortemente a renda dos 53 Fonte: Idem, pig. 40. 68 DESENVOLVIMENTD E CIISE NO BRASIL, Quadro IL DISTHUSUIGAO MEGIONAL DA HENDA “PER CArIEA” (por cento da média nacional) Regives e Estados 1950 1955 1058 1957 1958 1959 1960 NORTE ....... 651 56,7 653 67,7 616 588 00,7 Amazons ... 763 628 151 781 723 668 68,3 Pari 58,5 53.1 594 614 551 539 56,1 NORDESTE ... 485 429 447 466 447 18,4 50,6 Maranhio ... 94,0 293 286 90,2 310 337 344 Pinu 2.01. 28,7 29 272 282 265 290 388 Gear 470 358 307 415 301 418 449 R.G,do Norte 53,0 446 538 486 404 530 567 Paraiba ..... 48,5 416 434 42.7 386 464 53.9 Pernambuco :. 6L1 539 567 614 GLY 6L4 60,4 Ahgoas ...1. 43,8 990 439 48,6 50,7 49,9 80,5 Sergipe | 489 463 517 541 559 571 Bahia mL 847 see 497 486 475 48,8 502 S17 557 CENTRO-SUL . 1403 1411 1985 1974 1374 1354 133,5, Espirito Santo 78,7 772 721 771 673 858 64,5 Minas Gerais 74,5 789 788 814 742 73,9 70,9 Rio de Janciro 101,8 93,5 1007 89,4 96,9 96,8 95,0 ruanabera .. 3340 3082 9261 3194 3260 3165 201,0 Sao Paulo ... 1886 187.2 1785 1771 1805 1773 17,7 Parané ....1. LIT7 1165 893 96,4 103.1 1079 110,7 Santa Catarina 63,9 68,9 902 88,0 89,5865 89,6 R. G. do Sul 1119 127.2 1322 1267 1189 117,89 120,0 CENTRO-OESTE 59,9 73,6 692 638 668 60,9 59,3 Mato Groso . 724 97,4 031 847 944 TIA 78,1 Goiis oo...) 545 629 SBA BLS 543 562 512 Fonte: Plano Trienal, 1963-1965, pig. 86. DESENVOLYIMENTO ECONOMICO io} assalariados, crescia 72%," de forma que, na realidade, * participagio da remuneracio do trabalho cresceu muito me- os em relacio ao produto a precos do mercado do que em relagio ao produto a custo dos fatéres”* Houve, todavia, aumento do salario real, conforme po- demos observar pelo Quadro IV, especialmente entre 45 ¢ 60. © aumento da renda per capita foi assim distribuido pela populacdo, pelo menos a populacio urbana. Apenas os fun- cionarios publics teriam tido seu salario real reduzido. Esse dado, todavia, pode ser discutido. A baixa apresentada pode ser atribuida ou a escolha de um momento desfavoravel para a realizacdo do levantamento inicial, ou final, ou ao fato de haver-se modificado a escala de salarios do funcionalismo piblico. Os assalariados mantiveram assim sua participacdo na renda relativamente estavel; seus salarios, todavia, cresceram, acompanhando © crescimento da renda per capita. Segundo calculos do Plano Trienal, 0 salatio médio real do trabalha- dor brasileiro teria crescido entre 50 e 60 taxa anual de Quadro 1V (Estado da Guanabara) Ano Operério Operirio Funciondrio Comum Quali. Padiao E 1998 100 100 100 1945 69 69 101 1960 5 ut ” Fonte: Desenvolvimento ¢ Conjuntura, julho de 1961, pig. 75. 51 Fonte: Centro de Estudos Fiscais, F.G.V., Revista Brasileira de Economia, maroo de 1963, pig. 23. 88° anc, op. cit, pig. 41. 70 DESERVOLVIMENTO E CRUSE No BRASIL 2.7%. fsse crescimento dos salirios permitiu um aumento médio anual, entre 47 ¢ 45, de 2,59 para o consumo privado. © consumo piblico, por sua vez, aumentou nesse period & taxa de 5,59 ao ano, de forma que o consumo total cresceu & taxa de 3% ao ano, ou seja, & mesma taxa de crescimento da renda per capita nesse periodo, 0 que significa que o de- senvolvimento foi realizado sem que fosse necessério aumen- tar a taxa de poupanca,"* que durante todo o periodo girou em térno de 16% do Produto Interno Bruto,** O Modélo de Desenvolvimento Depois dessa anilise que acabamos de realizar das ca- racteristicas fundamentais do desenvolvimento econdmico bra- sileito — industrializagao, processo de substituicdo de im- portacdes, limitagSes A nossa capacidade de importar, esta- tizagio, alta relagdo marginal produto-capital, inflagéo, ur- banizaco, aumento da taxa de crescimento da populacao, manutengao dos desequilibrios regionais, aumento dos salarios reais ¢ do consumo — estamos prontos para montar um mo- délo do proceso de desenvolvimento do pais. Na Figura 1, temos uma esquematizagao grafica désse modélo. Como nao poderia deixar de ser, trata-se de um esf6rgo de abstracao, em que apenas 05 elementos fundamentais e as relacdes ba- sicas entre ésses elementos sio representados. A Revolugao Industrial Brasileira, que procuramos ana- lisar neste capitulo, teve dois grandes agentes fundamentai os empresérios industriais e o Govérno. Durante as duas pri- meiras décadas, a iniciativa coube especialmente aos primei- ros. Ao Govérno cabia fundamentalmente criar estimulos a industrializagao, 0 que foi possivel gracas a Revolucao de 30, que apeou do poder a velha aristocracia agrario-comercial ani industrialista. Esta predominancia dos empresérios permitiu que o pais se desenvolvesse fundamentalmente em moldes ca- pitalistas, Foi s6 nos anos cingiienta, e especialmente a par- tir da segunda metade dessa década, que o Govérno tomou parte mais ativa e direta na realizacao dos investimentos ne- cessirios ao desenvolvimento do pais. Esta maior participa- 58 Plano Trienal, op. cit, pigs. 23 a 29. 87 Idem, pig. 44. tot [a Soe Pod fe cot sate [| me | [aceon Figure 1-Modél> do Desenvolvimento Brasisiro, 1990-61 R DESENVOLVIMENTD E CHISE NO. BMASIL. go do Govérno teve como énus a aceleracio da taxa de in- flagao, j& que o Govérno nao tinha condigées politicas nem as emprésas condigées econdmicas, um para impor, as outras para suportar, um aumento da carga tributaria maior do que © que ocorreu. A oportunidade de investimentos que permitiu o surgi mento de uma classe de empresarios industtiais no Brasil re- sultou fundamentalmente de trés fatéres: existéncia de um mercado interno ainda que incipiente; limitagdes & capacidade de importar, as quais a economia brasileira foi submetida a partir dos anos trinta, provocando 0 aumento des precos dos produtos importados, especialmente dos bens de consumo ma- nufaturados, € permitindo sua produgio internamente; € os estimulos governamentais, seja mantendo a demanda interna, como aconteceu nos anos trinta, com a compra dos excedentes de café, seja subsidiando a importacao de equipamentos, como aconteceu no pés-guerra, seja transferindo renda da agricul- tura para a indiistria, como aconteceu através da politica cam- bial, seja protegendo a industria nacional contra a estrangei- ra, como foi feito através da politica cambial e tarifaria. Esses tés fatos abriam uma possibilidade de substituig4o de impor- tagoes, e podemos afirmar que foi fundamentalmente através desse processo que ocorreu a industrializacdo brasileira. Os investimentos do setor privado foram realizados fundamen- talmente tendo em vista a substituicdo de artigos manufatu- rados importados. Ja os investimentos governamentais desti- naram-se a infra-estrutura, ao petroleo, ao sistema de trans- portes e comunicagdes, a energia, a industria sidertrgica, criando assim condigoes para o investimento privado. A realizagio de investimentos pelo setor privado e pelo piblico, todavia, nunca chegou a niveis extraordinérios, de forma a exigir um esférco de poupanca muito grande da po- pulagio. O que permitia uma alta taxa de crescimento do produto sem um grande esférco de poupanca de investimen- to foi a alta relaggo marginal produto-capital, ou seja, a alta produtividade dos investimentos realizados. Como resultado disso, 0 pais passou por um amplo pro- cesso de industrializacéo, instalou toda a sua indistria de con- sumo tanto leve como pesada, e féz extraordinarios progres- sos no setor da indistria de base e de de equipamentos. A DESENVOLVIMENTO ECONONICO 73 industrializacio trouxe consigo a urbanizacao e 0 aumento da taxa de crescimento da populagao. Antes de mais nada, to- davia, a industrializagio significou desenvolvimento econdmi- co, que se expressou nio $6 pelo aumento da renda “per ca pita” como também pelo aumento dos salirios reais ¢ dos pa- drdes de consumo. Além disso, porém, a industrializagio e ‘© desenvolvimento econémico foram acompanhados de trans- formagées estruturais de ordem social politica. Sébre essas transformagées falaremos nos dois préximos capitulos.

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