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Furtado e os limites da razio burguesa na periferia do capitalismo Plinio de Arruda Samp: -<>, K. Marx, 2a, Teve de ‘Mars sobre Feuerbach Resumo * A economia politica de Celso Furtado é uma critica implacavel 4 modernizagao dos padrdes de consumo, baseada na cépia dos estilos de vida das economias centrais, processo que norteia a incorporago de progresso técnico nas regiGes subdesenvolvidas. Evidenciando 0 cariter perverso de uma sociedade elitista, incapaz de compatibilizar capitalismo, democracia e soberania nacional, seu pgnsamento representa a mais alta expresso das Possibilidades criticas da razdo burguesa na periferia do sistema capitalista mundial. O calcanhar de Aquiles desta reflexao € acreditar na possibilidade de que, com coragem ¢ criatividade, 0 subdesenvolvimento possa ser superado nos marcos da prépria ordem do capital. Ao.sublimar os antagoniismos entre 0 capital e 0 trabalho que caracterizam modo de produgao capitalista, Furtado desvincula 0 movimento histérico da lei do valor ¢ da luta de classes, deixando o futuro da sociedade completamente indeterminado. Alimenta-se, assim, ailusao de um capitalismo civilizado que nunca se cumpre. Palavras-chave: Modemizagdo, subdesenvolvimento; dependéncia; limites da razdo burguesa; imperialismo e reversao neocolonial Abstract The political economy of Celso Furtado is an implacable criticism of the modernization based in the copy of the patterns of consumption of the central economies, which guides the incorporation of technological progress in the underdeveloped regions. Putting in evidence the perverse character of an elitist society, which is unable to conciliate capitalism, democracy and national sovereignty, his thought represents the highest expression of the critical possibilities of the bourgeois reason in the periphery of the world capitalist system His Achilles heel though is to believe that, with courage and creativity, even in the bounds of the capital’s own social order, it is possible to overcome underdevelopment. By sublimating the antagonism between capital and labor that characterizes the capitalistic mode of production, Furtado disconnects the historical movement from the law of value and the class struggle. In so doing, he conceives the future of society as absolutely indeterminate and nourishes the illusion of a never realized civilized capitalism. Key words: modernization; underdevelopment; dependency; limits of bourgeois reason; neocolonial reversion. ' Plinio de Arruda Sampaio Jr., professor do Instituto de Feonomia da Universidade Fistadual de Campinas ~ IE/UNICAMP. Anigo preparado para a Revista da Universidade Federal de Ubertindia ~ UFU, julho 2002. i érica Latina ¢ mento na América Latina ¢ do desenvolvit / pa La 28 Gov a obstinada defesa da so Furtado sobr mento € Uh ‘ jesenvolvi a on ae ar fo democracia ¢ soberania nacional na Pen ei il apitalismo, ust tibilizar Seas refletem as esperangas © as | Fe goes eae ie ade fa das as tentativas “reformistas” de sup’ a ali nas época histérica marcada pela derrota de tod atv eeperverso dO capi alismo i ave carat é condicionamento responsavel pelo iter_particul terna. Até o final da arene dependéncia ex regides periféricas — 0 regime de segregagao social e a dept do pelo ime fesse ser substitui década de 60, Furtado acreditou que 0 subdesenvolvimento pud desenvolvimet italista nacional.” it m a constatagao de que a it jo, co st 7 0 al al? A partir de entdo, cional” solapava as bases do regime central de emergéncia de um “capitalismo posna vimento nos marcos de uma acumulag30, passou a propugnar a viabilidade do desenvolvime™” 1 Como Furtado, economia mundial interdependent. O objetivo deste artigo ¢ Come epancia entre um autor particularmente rigoroso, compatibiliza teoricamente a enorme “fevastador da a gravidade © a contundéncia de seu diagnéstico sobre © impacto ¢e) n aparente transnacionalizagao do capitalismo sobre as economias Jatino-americanas @, em apa 7 contradigao com as conclusdes de sua investigagdo, a Sua renitente insistencia viabilidade de uma solugao para o impasse do subdesenvolvimento nos marcos do regime capitalista. . : 1. Introdugao O pensamento de Cel uma_severa critica possibilidade de compat do sistema capitalista ™ ovimentos. Em primeiro lugar, na segdo 2, resumindo sua concepgao de olvimento. Neste momento, A exposigao sera desdobrada em quatro mi apresentaremos uma sintese de seu arcabougo analitico, desenvolvimento e seu modo de caracterizar 0 subdesenvi destacaremos sua forma de conceber a relagdo cftre estrutura centro-periferia, modemizagao dos padrdes de consumo e heterogeneidade estrutural — as categorias angulares que organizam a sua critica ao subdesenvolvimento. Em seguida, na segdo 3, mostraremos sua interpretagdo sobre a natureza do <> e seus reflexos sobre 0 marco histérico que condiciona o desenvolvimento das economias latino- americanas. Nosso propésito € explicitar como ele entende as conexdes entre integragdo da economia mundial, expansdo das empresas transnacionais, liberalismo e emergéncia de uma “nova dependéncia”. Na parte 4, apresentaremos uma breve sintese de sua concepgao do processo de superagio do subdesenvolvimento. Identificaremos aqui os principios epistemologicos que permitem a Furtado, independentemente da adversidade do momento historico, defender uma saida para o impasse do subdesenvolvimento nos marcos do regime capitalista, Por fim, na segdo 5, concluiremos com breves observagdes sobre o papel de Furtado no pensamento latino-americano € 0 significado da disputa ideolégica em tomo do. rico legado de sua Economia Politica. Apontaremos, entéo, os desafios tedricos que se colocam para a superagao dos limites de sua critica ao subdesenvolvimento. 2, Desenvolvimento e subdesenvolvimento como configuragdes histéricas jdade do capitalismo nacional 2 ‘ see : © diagndstico e © receituario que Jevam Furtado a advogar a necessi rojeto para o Brasil. encontram-se sistematizados em seus livros 4 Pré-Revolugdo Brasileira e Um Pi de i 1 asec =o a luta do Homem pelo controle do proprio destino e Furtado critica ¢ propane erial que impulsiona o desenvolvimento, o pensamento de Tealizagio das poteneials selene sbsoluto capaz de abrir novos horizontes para a conseqiiéneiag dor tan tes criativas dos ser humano. Sua reflexio sobre as causas ¢ as estabelecer as com if cesso de incorporagao de progresso técnico tem por objetivo controlar os fing ligdes objetivas e subjetivas que permitem 4 sociedade burguesa ae S © os meios das transformagdes econdmicas, sociais € culturais que vzam © capitalismo, Dada a auséncia de critérios éticos na légica que comanda a busca do lucro, a problematica do desenvolvimento se traduz na necessidade de restaurar a relagao de adequacao entre a busca da eficiéncia produtiva - 0 meio de aumentar o controle do Homem sobre a natureza - e 0 aumento da riqueza das nagdes — 0 objetivo que deve Presidir 0 processo de incorporagao de Progresso técnico, ou seja, trata-se de recompor a Telagao de subordinagzio da vida econémica aos designios da sociedade, relagdo pervertida Pela transformagao da produtividade econdmica em um fim em si.? Interpretando 0 a acumulagao Com uma metodologia baseada na construgdo de tipos ideais, de evidente inspiragio weberiana, Furtado associa 0 desenvolvimento capitalista autodeterminado a presenga de uma configuragao histérica muito particular, de acordo com a qual a concorréncia econdmica € a luta de classes dio lugar a uma dialética dé inovacdo e de difusdo. de Progresso técnico que combina movimentos sincrénicos e diacrénicos de aumento da eficiéncia econdmica com processos de distribuigao do excedente social que asseguram a socializagao dos beneficios do progresso pelo conjunto da sociedade, ampliando cada vez mais a capacidade de consumo da sociedade. A esséncia de seu modelo de desenvolvimento econémico foi sintetizada em Pequena Introdugdo ao Desenvolvimento nos seguintes termos: “A presso no sentido de reduzir a importincia relativa do excedente — decorréncia da crescente organizagao das massas assalariadas ~ opera como acicate do progresso da técnica ao mesmo tempo em que orienta a tecnologia para poupar mao-de-obra. Dessa forma, a manipulagao da criatividade técnica tende a ser o mais importante instrumento dos agentes que controlam o sistema produtivo, em sua luta pela preservagao das estruturas sociais, Por outro lado, as forgas que pressionam no sentido de elevar o custo de reprodugio da.populagao conduzem a ampliagao de certos segmentos do mercado de bens finais, exatamente aqueles cujo crescimento se apdia em técnicas ja comprovadas e abrem a porta para a economia de escala™. O tipo ideal construido por Furtado pressupde a existéncia de forgas produtivas portadoras de uma composigdo técnica do capital condizente com a conformagdo de um relativo equilibrio na correlago de forgas entre o capital e 0 trabalho que define a divisio do excedente social entre lucro ¢ salario. E a relagdo de adequagao entre as bases técnicas do aparelho produtivo e as estruturas sociais que moldam 0 mercado de trabalho que permite que a busca do lucro seja compatibilizada com a elevagao sistematica dos salarios reais e A concepeao de desenvolvimento de Furtado é examinada com detalhe nos seus livros, Desenvolvimento € Subdesenvolvimento, Teoria e Politica do Desenvolvimento Econémico, Preficto @ Nova Economia Politica, Criatividade e Dependéncia na Civilizagao Industrial e Pequena Introdugdo ao Desenvolvimento. * Furtado, C. - Pequena Introducdo ao Desenvolvimento, pp. 67-68. omizam trabalho e exigem ; econ : scnicas cada ver mais produtivas, oe ada de uma dindmica de gio, seja act mas de produgio, écnicas € inovagdes até 0 limite de suas potencialidades, enios © . amiva de trabalho e progressiva expansao cee sara o beneficio de todos, 0 objetivo des capitalists de faiores saldrios reais. s trabalhadores por ™ x 7 } capital ¢ 0 trabalho pela divisto do impulsionar 0 desenvolvimento que a introdugao de t crescentes escalas_minin acumulagdo que difunde a: econémicas, gerando escassez r nacional. Assim, Furtado concilia, para perseguir lucros crescentes ¢ a luta concorréncia econdmica e a luta de classes entre excedente social condicionam-se mutuamente para siomay nara de privilézios econémico. Nas suas palavras: “(...) as pressdes, tanto para mantel eects inerentes sociedade capitalista como para modificé-la, operam converzenciner | sentido de impuliionar 0 desenvolvimento das forgas produtivas. Essa conv’ ie es contudo, nao impede que haja periodos em que prevalecem as presses no senile i ‘ concentrar a renda e outros em que sejam mais fortes os impulsos em sentido contranio. AS contradigdes entre os interesses dos dois grupas de agentes que equipam o sistema produtivo .traduzem-se de um lado na dialética da luta de classes, de outro no desenvolvimento das forgas produtivas”.* 1 No’ arcabougo analitico de Furtado, a dialética que condiciona a relagdo de miitua determinagao entre inovagao e difusdo do progresso técnico constitui a referéncia heuristica fundamental que organiza a sua critica ao processo de modernizagdo desencadeado pela revolugao industrial no final do século XVIII. O desenvolvimento supde uma perfeita simetria entre as estruturas produtivas as estruturas sociais, o grau de desenvolvimento das forgas produtivas e 0 padrio de mercantilizagdo que condiciona a capacidade de consumo da sociedade. O processo de desenvolvimento’ econdmico é concebido como o movimento de aproximagao ao tipo ideal, cujo desafio primordial reside em vencer os obstaculos existentes entre a realidade concreta e o modelo ideal que se pretende alcangar. A pressuposto de tal modelo é que as mudangas econdmicas, sociais e culturais devem refletir prioridades sobre o modo de utilizar 0 excedente econdmico que sejam compativeis com as possibilidades da sociedade de gerar excedentes ¢ com o atendimento das necessidades e aspiragSes materiais do conjunto da sociedade: Qualquer desvio deste “tipo ideal” é tido como uma distorgdo que afasta a sociedade do desenvolvimento. Tendo como referéncia a dialética inovagao-difusao das técnicas, Furtado diferencia desenvolvimento e subdesenvolvimento, duas modalidades qualitativamente distintas do processo de modemizagao capitalista. Ele sintetizou a questéo nos seguintes termos: “A formagao do sistema econémico mundial apoiou-se, tanto na transformagao das estruturas sociais como no processo de modemizagao do estilo de vida. Desenvolvimento e subdesenvolvimento, como expressio de estruturas sociais, viriam a ser as resultantes da prevaléncia de um ou outro desses dois processos. Cabe, portanto, considerf-los como situagdes histéricas distintas, mas derivadas de um mesmo impulso inicial ¢ tendendo a reforgar-se mutuamente. Quanto mais ampla fosse a divisao internacional do trabalho, mais profundas seriam as transformagdes sociais no centro do sistema e mais intensa a modernizagao das formas de vida em sua periferia. Portanto, para compreender as causas da persisténcia historica do subdesenvolvimento, faz-se necessario observa-lo como parte que é de um todo * Furtado, C. ~ Pequena ..., p. 68. Para uma andlise detalhada sobre a dialética inovac0-difusio ver capitulo 5 SM Movimento, como ¢ xptessio da din belo capitalismo industri al, a econdmico mundial enyendrade la iniciativa privada como forga motti: 0, Furtado parte do principio de que nenhuma peinizaclo empresatial, por mais poder que seja, & indomita havendo, Portanto, nada que @ priori Possa impedir a submissto das transtormagdes GAPitalistas aos designios da sociedade. Dentro deste enfoque, 0 desenvolvimento depende da capacidade de 0 poder piiblico estabclos, Parfimetros institucionais que, ao eristalizar uma determinada situagao de mercado, delimttam o campo de atuagdo da concorrénc sconomica e da lta de classes, assegurando que a busea do luer -Ja compativel com a realizagao da vontade coletiva, Donde a importincia decisiva do Estado nacional como Gaimumento necessirio = ainda que insuliciente ~ para a eivilizaglo do capi pemiekao de que o capital pode ser sujeito a uma reiulagao, preventiva ou w posteriori, que Penmite conceber o desenvolvimento como a subordinagio do avango do progresso técnico & aspiragdes da sociedade nacional. © pressuposto do desenvolvimenta a presenga de Centos intemos de decisio capazes de Tecompor, sempre que necessario, as condigdes para aC process0 de incorporagao de progresso técnico coneilie a valorizayao de capital com Seaiendimento das necessidades basicas da sociedade nacional. “Um sistema econamicn afirma Furtado em Transformacoes e Crise na liconomia Mundial — “6 bem mais do que gual ast “taedo de mercados; pressupde a existéncia de um quadro institucional. dentro dg Qual atua uma estrutura de poder capaz de regular as atividades que qualificamos de econémicas. Entre a chamada ‘soberania do consumidor’ ¢ a Planificagao autoritéria, Tullos sto os critérios em que se pode fundar a ordenagao das chamsdas atividades ccondmicas. Mas sempre serd necessdrio, para que se dé essa ordenagao ¢ a fortiori exista produte ws Sronémico, que as decisdes individuais e coletivas dos ulilizadores frnare do Produto social guardem um certo grau de coeréncia, tanto sinerénica como diacronicamente, o que somente se obtém numa Sociedade politicamente organizada””. Dentro desta perspectiva, a problematica do desenvolvimento envolve Ao apenas o avango do capitalismo, mas também a sua obedincia aos designios da sociedern nacional. Quando examinada do ponto de vista estritamente econdmico, a questo se coloca em termos da Possibilidade de subjugar a incorporagao de progresso técnico a umm objetivo que transcende © Ambito estrito do eélculo econdmico do capital. Como expressao da vontade coletiva, qumpre a0 planejamento econdmico determinar 0 sentido, 0 ritmo e a intensidade das {ransformagdes capitalistas, compatibilizando-as com as necessidades e 8s possibilidades da Sociedade nacional. Furtado explicita o seu conecito de desenvolvimeny, de maneira bem precisa: “A rigor, a idéia de desenvolvimento possui pelo menos tres dimensdes: a do Imcremento da eficdcia do sistema social de produgio, a da satisfagdo de necessidades clementares da populagao ¢ a da consecugao de objetivos a que almejam grupos dom de uma sociedade ¢ que competem na utilizagao de a0 poder politico, nao lismo. fa ee AND . §- Furtado, C. ~ Pequena +P. 23. Furtado, C.- Transformagdes e Crise na lconomia Mundial, p. 220, so € alheia a sua estrutura social, ¢ tampou desenvolvimento de uma soviedade nao & alicia a sua estrutura social, © tampouco a formulagao de uma politica de desenvolvimento € sua implantagao sao conce' sem preparagiio ideoligica™ Na visto de Furtado, em sociedades de origem colonial, atrasadas no desenvolvimento das forgas produtivas ¢ portadoras de estruturas sociais tipicas de regimes de segregacao social, © repto do desenvolvimento envolve um duplo desafio. Trata-se nao apenas de fomentar o aparecimento © a expansdo de forgas produtivas ¢ de relagdes de produgao tipicamente ‘apitalistas como também de promover as condigdes para que o processo de acumulagao de ‘apital gere escassez relativa de trabalho — 0 elemento-chave para o funcionamento da dialética inovagao-difusdo das técnicas. O pré-requisito deste processo € a cristalizagao de centros internos de decisdo ‘capazes de introduzir “reformas” que aproximem a realidade Concreta das exigéncias do tipo ideal idealizado na dialética inovagao-difusdo das técnicas. Nestas regides, 0 desenvolvimento confunde-se com a problemética da formagao, entendida Como 0 processo de yénese das bases materiais, sociais, estatais e culturais de um Estado nacional com relativa autonomia econdmica e politica dentro do sistema capitalista mundial. Em Furtado, tal estudo & organizado em tomo dos dilemas da construgao de um sistema econémico nacional. A reflexdo articula-se tendo como referencia fundamental a Oposigdo entre as exigéncias do processo de formagao ¢ a’ dura realidade do subdesenvolvimento — uma forma de absorver 0 progresso que ndo coaduna com 0 interesse nacional. Por um lado, o subdesenvolvimento perpetua relagdes de dependéncia externa que Comprometem a autonomia da sociedade nacional, impedindo-a de controlar o seu tempo hist6rico. Por outro lado, o subdesenvolvimento implica a perpetuacdo da fratura social que bloqueia a plena integragao da sociedade ¢ do territério nacional. Visto por Furtado como produto de uma circunstancia historica e de uma vontade politica, © fendmeno do subdesenvolvimento é associado a conformacao de uma estrutura centro~ Periferia e a decisdo de “elites aculturadas” de priorizar a modemizagao dos padrées de consumo como norte do processo de incorporagao de progresso técnico. A estrutura assimétrica da economia mundial condiciona 0 subdesenvolvimento 4 medida que integra num mesmo padrao de transformagao produtiva e mercantil formages sociais que possuem fortes disparidades no grau de desenvolvimento das forgas produtivas e nas formas de organizagdo das relagdes de produgao. Ao abrir espago para a ampliagao do excedente social, a economia mundial permite que as economias periféricas participem dos fluxos de progresso gerados nas economias centrais. Ao cristalizar diferengas insuperaveis no ritmo de elevacao da produtividade do trabalho e dos salarios reais, a difusdo desigual do progresso técnico impede que o padrdo de eficiéncia econémica e 0 estilo de consumo das economias centrais possam ser replicados nas economias periféricas sem provocar grandes distorgdes no seu aparelho produtivo, nas suas estruturas sociais e na sua capacidade de afirmar a identidade nacional. A segmentagao da economia mundial em uma estrutura centro-periferia gera, assim, constrangimentos objetivos que limitam 0 campo de oportunidades das economias periféricas, impedindo-as de reproduzir as facanhas das economias centrais. Nesse sentido, 0 subdesenvolvimento deve ser visto como parte de um todo, condicionado historicamente pelo padrao de desenvolvimento capitalista endo como * Furtado, €.— Pequena..., p. 16. ' uina fase do des ' sociedade ieee culos determinantes dependem Unica e exclusivamente da incustnalfeimevanfemey ae aaa problema: “(...) a civilizagao surgida da revolugio pobres, disotomia gee eae anevitavelmente a humanidade a uma dicotomia de tcos ¢ muito acentuada. Senses entee paises € dentro de cada pais de forma pouco ou humanidad Segundo a logica dessa civilizagdo, somente uma parcela minoritaria da lade pode alcangar a homogeneidade social ao nivel da abundancia. A grande maior : u alot dos Povos terd que escolher entre a homégeneidade a niveis modestos eum lualismo social de grau maior ou menor”? © subdesenvolvimento surge qiuando, ignorando tais constrangimentos, elites aculturadas, descomprometidas com o destino da Nagdo, dao primazia a modemizagao dos padrdes de consumo como forma dominante de incorporagao das técnicas. Ao estabelecer prioridades matetiais em absoluto descompasso com 0 grau de desenvolvimento das forgas produtivas, a opgao pela copia dos estilos de vida das economias centrais marginaliza parcela expressiva da populagio das benesses do progresso, condenando-as a sobreviver em condigdes precarias, vinculadas a formas anacrénicas de produgao. Av tendéncia a concentragdo de renda e riqueza dai decorrente da lugar ao fenémeno da heterogeneidade estrutural que se manifesta nos gritantes desequilibrios setoriais, sociais e regionais que caracterizam o subdesenvolvimento. A relagdo de causalidade entre modemizagdo dos padrées de consumo e dualismo estrutural foi resumida por Furtado nos seguintes termos: “Realizando em grande parte sua reprodugdo no quadro de um sistema informal de produgao, as populagées ditas marginais so a expresso de uma estratificagao social que tem suas raizes na modemnizagao. A inadequagdo da tecnologia, a que se referiram alguns economistas, de um angulo de vista sociolégico traduziu-se na polaridade modemizagao- marginalidade”"°. Assim, estrutura centro-periferia, colonialismo cultural, inadequagao tecnologica ¢ “excedente estrutural,de mao-de-obra aparecem no arcabougo analitico de Furtado como - uma unidade - faces necessérias de um processo perverso de incorporagao de progresso técnico que, ao inviabilizar a dialética inovaga0-difusdo, compromete o controle sobre os fins e os meios do desenvolvimento nacional, perpetuando nexos de exploragao econdmica e dominagao politica em relagdo as economias centrais. “Foi o esforgo visando a unificar 0 quadro conceitual dessa problematica” - afirma Furtado resumindo a sua teoria do subdesenvolvimento — “que produziu a teoria da dependéncia. Esta se funda numa visio global do capitalismo ~ enfocado como um sistema econémico em expansdo vertical e horizontal e como uma constelacdo de formas sociais heterogéneas — que permite captar a diversidade no tempo € no espaco do processo de acumulagdo e as projegdes dessa diversidade no comportamento, dos segmentos periféricos. Gragas a esse enfoque, foi possivel aprofundar a andlise das vinculagdes entre as relagdes externas’e as formas internas de dominagao social nos paises que se instalaram no subdesenvolvimento, bem como projetar luz sobre outros temas de ndo pequena significagdo, tais como a natureza do Estado e o papel das firmas transnacionais nos paises de economia dependente™'. ° Furtado, C.—"A Teoria do Subdesenvolvimento Revisitada”, In; Economia e Sociedade, n.1., 1992, p.13 . "Furtado, C, — Pequena..., pp. 24-25. e 1 Furtado, C. — Pequena ..., p. 25. Furtado nao oculta 0 efeito perverso do desenvolvimento capitalista impulsionado pela modernizagao dos padrdes de consumo sobre as condigdes que regem a exploragao do trabalho. Reconhecendo que a correlagdo de forgas entre-o capital € o trabalho no mercado de trabalho nao pode ser desvinculada do modo de participagao da economia no sistema capitalista mundial, ele admite a existéncia de um nexo inescapavel entre dependéncia extema e superexploragao do trabalho, cuja base social repousa na reprodugao de uma enorme massa de mao-de-obra permanentemente marginalizada do mercado de trabalho. No seu livro O Mito do Desenvolvimento Econdmico a questi foi resumida assim: “O subdesenvolvimento tem suas raizes numa conexao precisa, surgida em certas condigdes historicas, entre © processo interno de exploragdo e 0 processo externo de-dependéncia. Quanto mais intenso 0 influxo de novos padrdes de consumo, mais concentrada tera que ser a renda. Portanto, se aumenta a dependénciaextema, também tera que aumentar a taxa interna de exploragao. Mais ainda: a elevagdo da taxa de crescimento tende a acarretar agravagao tanto da dependéncia extema como da exploragdo interna. Assim, as taxas mais altas de crescimento, longe de reduzir o subdesenvolvimento, tendem a agrava-lo, no sentido de que tendem a aumentar as desigualdades sociais””, 3. “Capit: mo posnacional” e a “nova dependéncia” Atento as mudangas que revolucionaram as bases técnicas, econémicas, empresariais € institucionais do capitalismo na segunda metade do século XX, desde meados da década de~ 70, Furtado alerta para a emergéncia de uma nova configuragao histérica — o “‘capitalismo posnacional” - que subverte as premissas historicas que sustentavam o padrao de acumulagao ancorado no espago econémico nacional. Sua analise enfatiza a relagdo de miituo condicionamento entre 0 processo de integragao dos mercados centrais, a difusdo do padrao de produgdo e consumo norte-americano € a tendéncia 4 concentragao de capital que alimenta a internacionalizagao do capital. A questdo fundamental reside no aparecimento de empresas transnacionais, produtivas ¢ financeiras, com um horizonte de acumulagaio que ultrapassa as fronteiras nacionais ¢-com um grau de autonomia financeira que foge ao controle das autoridades monetarias nacionais. “A integragdo dos mercados dos paises centrais” — diz Furtado — “constitui seguramente poderosa alavanca de accleragao do crescimento, porquanto abriu novas possibilidades 4s economias de escala ¢ intensificou a concorréncia, Contudo, sua mais duradoura conséqtiéncia foi criar condigdes para que as atividades produtivas se organizassem transnacionalmente. A concentragéo do poder econémigd ia, por essa via, tomar novo folego”"’. Para Furtado, o papel preponderante das empresas transnacionais como forga motriz do dinamismo capitalista tem sérias implicagdes sobre os fatores que condicionam as decisdes econdmicas, com reflexos de grande envergadura no plano institucional. Isto porque, no af de ampliar 0 circuito mercantil, encontrar novas oportunidades de negécios ¢ sobrepujar 2 Furtado, C.-O Mito do Desenvolvimento Heondmico. p94 23” Furtado, C.— Crise e Transformagao na Economia Mundial, p. 18! todos os obstaculos a acumula global langam ma 0 de t produgao, vnanio 0 de capital, 6s conglomerados que operam em eseala ena t expedientes imaginaveis para integrar seus citcuitos de politic pS © para aumentar a sua autonomia fa a imcioa ease a operacionais que transbordam as. fronteiras dos. Estados do capitalise Bo it ae que © liberalismo surge como a ideologia por exceléneia aoe ee oe As relagdes de mittua,condicionamento entre integraga es ras, fortalecimento das empresas transnacionais © hexemonia do ne Jam a0 paroxisme o processo de unificagdo produtiva, comercial \ceira € Monetaria que caracteriza a tendéncia globalizagdio dos negocios inerente ao Processo de transnacionalizagao do capital. Nao escapou a Furtado o papel protagonista do Estado norte-americano na reconfiguragao da economia mundial: “A reconstrugao do sistema capitalista, sob a tutela dos Estados Unidos, no tercciro quartel do século atual, fez~ se no sentido da integragao dos mercados nacionais dos paises centrais. Os sistemas nacionais, cujas rivalidades conduziram aos ‘dois conflitos_ mu diais, foram progressivamente desmantelados, passando as suas grandes empresas a estruturar-se globalmente. Esse proceso de umificagdo do espago econémico no centro seria o fator determinante da extraordindria acumulagio que ai ocorreria no periodo relerido, A nov orientagao tomada pelo capitalismo privilegiou a tecnologia que se havia desenvolvido nos Estados Unidos. E também acicatou a concentragaio do poder econdmico favorecendo as empresas com capacidade de ago global, Do ponto de vista da periferia, essas modificages adquiriram uma grande significagao, pois, enquanto 0 capitalismo dos sistemas nacionais, tutelados por estados rivais, era por definigao nacionalista, voltado para fa integragdo interna, 0 capitalismo das grandes firmas € naturalmente cosmopolita, orientado para o livre-cambismo e a livre transferéncia de recursos entre pai aH a0 poder 10 das Furtado adverte que a discrepincia entre as condigdes ideais prescritas na dialética inovagao-difusdo das técnicas ea dura realidade de um capitalismo posnacional comandado pelas empresas transnacionais gera um divorcio insustentivel entre as necessidades: da Sociedade nacional de submeter a racionalidade instrumental a racionalidade substantiva ¢ a légica de valorizagio do capital que preside os interesses das empresas transnacionais Sho desarticular os centros internos de decisto ¢ solapar o poder das forgas socials que se antepdem ao capital, a fratura entre meios ¢ fins provocada pelo afA de aumentar o lucro a qualquer custo nao pode ser reparada por uma intervengao do poder piblico destinada a Fecompor as condigdes que permitem compatibilizar a acumulagao de capital com a preservagao de am relativo equilibrio na correlagio de forgas entre o capital ¢ 0 trabalho. HS) A avaria nos mecanismos de regulagdo da concorréncia ndo permite que a racionalidade —_— 14 Furtado, C. -Pequena ..., pp. 131-132, 18 “wTudo leva a crer que 0 avango no processo de complexiticagdo das relagdes entre as econonilly capitalistes mais avangadas jé produzu uma estrutura com certo grau de autonomia, embrito de wm possivel aaeanitseongmico mais abrangente do que os atualmente existentes. Ora, essa evolugtio no correspond ¢ nv avango ne plano insttucional, o que explica a forma inadequada como ver sendo pratcada a reguagio no ambito da nova estrutura’”, Furtado, C. ~ Crise € ...P. 221 re A suposta racionalidade instrumental, mais abrangente, que emerge no quadro de uma empresa transnevionnloada, nao somente ¢ de nafureza estritamente instrumental, como também ignora custos oe aac crdens internalizados pelos sistemas nacionais em que ele se insere. Em realidade, a emprent TANS onal ndo. passa de um corte horizontal nas estruturas nacionais de poder, cuja capacidade de Wt venuleeao &, consequanca, eduzida, Sua iica leatimidade se funda no fato de que os servigos que ea Pret sea emam a oReiéncia dos sistemas aacionais em que opera”, Furtado, C.~ Transformagdo € .. . 256 Sere eee auma racionalidade substantiva baseada na preservagdo da aes ine entre as classes sociais. A faléncia das politicas econémicas € Aan i ms a nesiana é vista, assim, como um fenémeno estrutural cujas raizes ee eee condigdes objetivas e subjetivas para a promogao do Se bases nacionais. Neste aspecto, Furtado ndo deixa nenhuma eae eee a t -) assumida pelo desenvolvimento {nas economias centrais}, pais prod cenasgente da tecnologia originada nos Estados Unidos e soba tuela desse naciouais de poder, Os a cuja coordenagao intema tende a escapar aos centros ects steers Eaaey nacionais j4 nao dispdem dos meios necessarios para interna © extonee aa, Sultanea de objetivos como o pleno emprego, a estabilidade neler cies 7 regular dos niveis de consumo. ‘Aquilo que a revolugao aes endo uma conquista permanente a0 nivel da politica econdmica, ‘gura como algo inalcangavel. Foram de tal ordem as mudangas estruturais que a visio keynesian; ai Votes) fundada na observagao de sistemas nacionais com ampla autonomia de }0 plano internacional, fez-se totalmente obsoleta””. A impossibiidade ie estabelecer parimettosétcos para resrinsto mbito de atuago das Brandes empresas ransnacionais compromete toda ¢ qualquer propredade civilizadora do oes a nizagao impulsionado pela globalizagao dos negocios. Ao conceber a cionalidade, a instabilidade ¢ a injustiga social como caracteristicas inerentes a0 capitalismo posnacional, Furtado adverte para o risco de uma crise de civilizagdo que ameaga os proprios fundamentos da vida humana, Destacando 0 carter particularmente anti-social ¢ antinacional do capitalismo contempordneo, em um de seus iltimos escritos, Furtado alerta para os problemas gerados pela incapacidade de controlar o sentido a ser dado pelas novas tecnologias. “Os avangos espetaculares da biotecnologia também esto exigindo um reexame profundo das relagdes entre fins e meios no que conceme a criagio cientifica, pois o impacto desta no mundo real é cada vez mais imprevisivel. E notério 0 caso das experiéncias de clonagem de células animais e das que se anunciam de seres humanos. Os investimentos que se orientam nessa diregao sto de grande monta. Ora, 0 avango das ciéncias naturais, que tantos beneficios j4 trouxeram & humanidade, na fase fatual ameaga a propria sobrevivéncia desta, Reproduz-se de forma insidiosa a saga das conquistas espetaculares da fisica nuclear, cujo saldo é uma ameaga potencial de destruigao em escala desconhecida”™. : Expostas a um marco histérico particularmente adverso, as sociedades periféricas que ainda nae afirmaram a sua identidade nacional ficaram particularmente vulnerdveis aos efeitos nefastos do novo marco histérico, Acentuando o cardter assimétrico da economia mundial € reforgando os mecanismos de exploragao econémica e dominagao politica, a transnacionalizacdo do capitalismo agravou 0 hiato que separa desenvolvimento © subdesenvolvimento, Em meados da década de 70, muitos antes das mutagdes do processo de integragao do sistema capitalista mundial alcangarem as dimensdes hoje conhecidas, Furtado ja prenunciava os perigos que a nova ‘ordem representava para os povos latino americanos: “A enorme concentragao de poder que caracteriza 0 mundo contemporsiee = poder que se manifesta sob a forma de superestados nacionais ¢ ciclépicas empresas — 17 Furtado, C. ~ Crise e..., p. 130. 18 Furtado, C. - Km Busca de Novo Modelo, p. $1 iL transnacionais, uns técnica e da informs ae apoiados em imensos recursos financeiros, no controle da pam ‘agdo ¢ em instrumentos de intervengdo aberta ou disfargada em ambito ca a América Latina em posigdo de flagrante inferioridade, dado o atraso que acumularam as ni ‘ 4 econo a ‘ nacionaig"” ias da regido e as exiguas dimensdes dos mercados A ie oe das mudangas provocadas pela transnacionalizagao do capital fez. Furtado seg adicalmente sus interprets sobre as condigdes objetivas que determinam 0 fn 10 das economias periféricas. Diferentemente da situagao anterior, marcada pela intermacionalizagao dos mercados internos, na qual ele imaginava que a dependéncia Pudesse ser compatibilizada o desenvolvimento, a “nova dependéncia”, pos em xeque a capacidade de as economias latino-americanas subordinarem 0 rumo das transformagoes capitalistas aos designios da sociedade nacional.”° Sua interpretagao enfatiza basicamente dois aspectos: 0 efeito perverso da globalizagao dos negécios sobre os centros internos de decisao ¢ seu impacto regressive sobre as estruturas sociais. “A atrofia dos mecanismos de comando dos sistemas econdmicos nacionais” ~ escreve Furtado em Brasil: A Construcdo Interrompida — “néo € outra coisa sendo a prevaléncia de estruturas de decisdes transnacionais, voltadas para a planetarizagao dos circuitos de decisdes. A questao maior que se coloca diz respeito ao futuro das areas'em que 0 processo de formagao do Estado nacional se interrompe precocemente, isto é, quando ainda ndo se ha realizado a homogeneizagao nos niveis de produtividade « nas técnicas produtivas que caracterizam as regides desenvolvidas”™”' ‘Ao contrério daqueles que vislumbraram no novo contexto histérico “janelas de oportunidades”” que abriam horizontes promissores para as economias periféricas, Furtado destaca a mudanga qualitativa no cardter da dependéncia econémica e cultural que passava a condicionar a vida das sociedades latino-americanas. Num contexto em que as economias periféricas ficam sujeitas a processos de liberalizagio radicais, a integragao do sistema produtivo intemacional exacerba a dependéncia comercial ¢ tecnologica, Expostas as tendéncias que levam & especializagao das forgas produtivas, as cconomias da regiao, sem a menor capacidade de competir com as tecnologias de iltima seragao das economias eentrais, sao empurradas a assumit um papel subaltemo na divisto internacional do trabalho. O ajuste a0 novo marco histérico inviabiliza a continuidade do processo de industrializagdo por substituigdo de importagdes € incentiva a expansio de atividades exportadoras em que 0 pais detém vantagens comparativas no comércio internacional, revitalizando as atividades caracteristicas de economias de tipo colonial. A Tuptura dos elos de articulagdo da cadeia industrial que acompanha_ 0 aumento do coeficiente de importagao provoca a desarticulagdo dos nexos causais entre gasto € renda responsaveis pela expansio do mercado interno, deslocando 0 centro dinamico do op Furtado, C. - Preficio & Nova Economia Politica, p. 136. 20" Na medida em que a propagagao da técnica modema busca o caminho da transnacionalizagao, maiores lo an difieudades que se apresentam aos paises em desenvolvimento para conciliar 0 acesso a essa TON aa ieee is ccisao de que necessitam ao enfrentar os graves problemas sociais que os afg27 Rturtes desses problemas. surgem do. proprio desenvolvimento tardio, que combina um consumism? aeenespado com uma insufcignela estrutural de cragao de emprego”, Furtado, C.~ Crise €...P. 257 2 Furtado, C. — Brasil: A Construgdo Interrompida, p. 9. ° 12 crescimento para o exterior. Furtado resumiu 0 sentido da nova diviséo internacional do trabalho assim: “Independentemente das mudangas na configuragdo da estrutura de poder politico mundial, deve prosseguir a realocagdo de atividades produtivas provocada pelo impacto das novas téenicas de comunicagdo € da informagdo,.0 que tende a concentrar em areas privilegiadas do Primeiro Mundo as atividades criativas, inovadoras ou simplesmente aquelas que sao instrumento de poder”, Numa situagao em que a tendéncia estrutural a desequilibrios,externos & exacerbada e a liberdade de movimento de capitais alcanga os pincaros, 0 aprofundamento da integra¢ao do ‘sistema monetério ¢ financeiro intemacional leva a dependéncia financeira das economias latino-americanas a niveis extremos, elevando sua vulnerabilidade a pressdo da Comunidade econémica internacional. Nessas condigdes, as economias da regiao ficam sujeitas @ formas, mais ou menos. explicitas, de tutela sobre a politica econdmica Escrevendo no inicio dos anos oitenta sobre o significado do monitoramento da politica ¢condmica brasileira pelo FMI, Furtado adverte para 0 risco que significa a renuncia de um Projeto nacional: “O Brasil vive atualmente uma fase de sua histéria similar 4 dos anos 90 do século passado, quando, sob a pressao de desequilibrios financeiros externos, renunciou a ter uma politica de industrializagdo e acomodou-se na situagdo de economia exportadora de produtos primarios e importadora de manufaturas. Perderam, em conseqiiéncia, quarenta anos ¢ a fisionomia do pais foi marcada de forma indelével”™ Se nao bastasse a paralisia dos centros internos de decisio, 0 avango da transnacionalizagao do capital deixa o desenvolvimento das forgas produtivas 4 mercé das estratégias de concorréncia oligopolista_ das empresas transnacionais em escala_planetaria, comprometendo a possibilidade de politicas de investimentos que levem em consideragao as exigéncias do processo de integragao do territério’ nacional. Nessas circunstancias, a expansio do aparelho produtivo fica sujeita a um duplo movimento: 0 estimulo a0 regionalismo aberto, que permite uma maior racionalizag’io da presenga das empresas transnacionais no ambito das economias regionais, ¢ 0 incentivo ao livre coméreio, que atua no sentido da racionalizagao de sua operagdo em escala global. Referindo-se novamente ao caso brasileiro, Furtado alerta para o risco de fragmentagao do territério nacional que esta situagdo representa (tendéncia, diga-se de passagem, presente em praticamente todos os paises da América Latina). “Em um pais ainda em formagio, como é 0 Brasil, a predominancia da ldgica das empresas transnacionais na ordenagdo das atividades econdmicas conduzird quase que necessariamente a tensdes inter-regionais, 4 exacerbagao % _ Furtado, C. — “Globalizago das estrururas econdmicas e identidade nacional”, In: Estudos Avangados 6(16), 1992, A avaliagao de que a transnacionalizagio do capital desarticula as bases do processo de industrializagdo por substituigdo de importagdes nfo € contraditéria com a sua interpretagdo sobre a possibilidade de deslocamento de unidades industriais para a periferia, Donde a conjectura sobre a possibilidade de conciliar capitalismo posnacional, modernizagio dos padroes de consumo ¢ industrializagao periférica. A avassaladora ofensiva do neoliberalismo .nos anos 80 parece ter arrefecido 0 otumismo em TelagZo 4 importancia dos paises de industralizaglo recente ~ os chamados NICs ~ como atores capazes de contrabalangar 0 crescente poder das economias centrais, otimismo que tinha levado Furtado @ aventar possibilidade de uma reforma progressista da Ordem Econdmica Internacional. A retrada do capitulo XU das fltumas edigBes de Peguena Introdugdo @ Economia, no qual Furtado expde a sua intepretacio sobre & possibilidade de uma ordem intemacional menos desfavorivel aos paises periféricos, parece conti mudanga de opiniao. : ® Furtado, C.—A Nova Dependéncia, p.63. a3 de rivalidades. corpor inviabilizagao do Renee © a formagao de b como projeto nacional”, ar eee desta @ presenga de processos que atuam no plano dos valores ¢ que padres de cone entencia cultural, levando-a ao paroxismo. A difusdo acclerada ey transporte @ cms umOs Potencializada pelas transformagdes revoluciondrias nas areas de Sp Comunicagao, acitra a tendéncia das classes médias e altas a mimetizar os adres de consumo das economias centrais, A absoluta hegemonia do neoliberalismo como doutrina que orienta a ago do Estado, mum contexto de faléncia do projeto desenvolvimentista e de profunda crise de identidade nacional, implica pura ¢ simplesmente 8 inviabilidade pratica de qualquer tipo de politica piblica de carter republicano, tude Convergindo para a inviabilizagao do processo de formagio de economias nacionais. Donde a urgencia de Furtado de denunciar o neoliberalismo - a ideologia do capitalismo Posnacional ~ como a ideologia do desmonte da Nagao. “A luta contra as ambighidades da doutrina monetarista ~ afirma Furtado no inicio dos anos 80 ~ exige uma eritica da pratica do desenvolvimento periférico na fase de transnacionalizagao. O que est em jogo € mais do que um problema de desmistificagao ideolégica. ‘Temos que interrogar-nos se os povos da Periferia vao desempenhar um papel central na construgao da propria historia, ou se Permanecerao como espectadores enquanto 0 processo de transnacionalizagao define 0 lugar que a cada um cabe ocupar na imensa engrenagem’ qué promete ser a economia globalizada do futuro. A nova ortodoxia doutrinaria, ao pretender tudo reduzir a Tacionalidade formal, oblitera a. consciéncia dessa opgao, Se pretendemos reavivé-la, devemos comegar por restituir a idéia de desenvolvimento 0 seu conteiido politico. valorativo””*. olsbes de miséria, tudo apontando para a Em suma, da visao abrangente de Furtado surge uma devastadora critica da globalizagao dos negécios que associa capitalismo posnacional, nova dependéncia e tendéncia a reversdo neocolonial. Sua andlise explicita as relagdes inextrincdveis entre integracdo da economia mundial, emergéncia da empresa transnacional como forga motriz do capitalismo ¢ liberalismo como doutrina econémica dominante ~ processos constitutivos do capitalismo contemporaneo — com um eonjunto de tendéncias que, se ndo forem superadas, colocam em questo a propria sobrevivéncia das sociedades latino-americanas como Estados nacionais capazes de impor um sentido civilizador a modemizagao capitalista — a insergao hierérquica na divisio intemacional do trabalho, a crise da industrializagao por substituigay de importagées, a revitalizaga0 da economia colonial, o deslocamento do centro dinamico da economia para o exterior, o aprofundamento do desequilibrio estrutural no balango de Pagamentos, a mudanga de qualidade na instabilidade cambial, a tutela da comunidade financeira intemacional sobre a politica econémica, a adogio de programas de ajuste Tegressivos que subordinam todos os aspectos da vida nacional as exigéncias da ordem global, a acelerada desnacionalizagio da economia, o aumento das rivalidades inter- Tegionais que ameagam a unidade territorial da nagdo, o acitramento do mimetismo cultural que impulsiona a modemizago.dos padrées de consumo, a alarmante ampliagio do excedente estrutural de mao-de-obra que alimenta a crise social, a hegemonia do neoliberalismo, a desarticulagdo dos centros intemos de decisio, a americanizagao dos 3h Furtado, C.— Brasil: A... p35, * Furtado, C.- Nova... p. 132. la estilos de vida e a crise de identidade nacional, Em poucas palavras, a globaliza¢ao dos pericies aie as sinergias econdmicas, soca epolitcas que haviam dado coeréncia aos Fae oak lnsss enoradag| ue ttre caonémicos uasiousls ‘Com 0 avango da Tacenacionalizaio dos eieuitos econémicos,finaneiros © tecnolégicos, debilitam-se os soci s camtmicos nacionas. As atvidades estatais tendom a circunscrever-se ds reas See canals. Os paises mareados por acentuada heterogeneidade cultural ¢ econémica internacionalizagao aves —— Presses desarticuladoras. A contrapartida da as intl, amine avatiladora 6 0 afouxamento dos vinculos de solidariedade historica disparidades de niger Ce cetas acionalidades, populagdes marcadas por acentuadas ida”, diz Furtado.” 4. As. vias i Para o desenvolvimento nacional e os limites da teoria do subdesenvolvimento . : pation Bera do subdesenvolvimento como um ato soberano de vontade Caters oa yesséncia reside em vencer os obsticulos ténicos, ‘econémicos, sovais ¢ Gultrais due bloqueam 0 pleno controle das soviedaes latino-amerianas sobre 0s fins ¢ Feces do desenvolvimento nacional. O desafio € romper a dupla anticulagdo que distancia wolvimento do modelo capitalista ideal, baseado na dialética inovagao- jas técnicas. O no da questo consiste em enfrentar a situagao de dependéncia extema ¢ 0 problema do excedente estrutufal de mao-de-obra, Na sua visio, a mudanga decisiva, que desencadeia uma nova dinémica de incorporagio de progresso técnico, origina-se no plano ‘cultural. Visto como um processo de longa duragdo, o crucial é abandonar a, modemizagao dos padrées de consumo’ — a causa tltima do subdesenvolvimento — como prioridade que orienta a organizagao da vida econdmica. ‘A convicgao de que o capitalismo posnacional tomara-se uma realidade irreversivel ¢ a avaliago de que uma opgao pela desconexdo com a economia mundial provocaria custos econémicos indesejéveis levaram Furtado a abandonar a bandeira do desenvolvimento capitalista nacional como alternativa capaz de abrir novos horizontes para as sociedades subdesenvolvidas.2” Descartada a viabilidade de um regime de acumulagao centrado no ‘0 econémico nacional e afastada a conveniéncia de, uma solugdo socialista, Furtado, digo com a gravidade de sua interpretago sobre 0 carter da nova dependéncia, prega uma saida para o impasse do subdeienvolvimento nos marcos do proprio capitalismo posnacional. Passa, entio, @ propugnar a viabilidade de um Fesenvolvimento endégeno, cuja esséncia consiste no controle dos fins que orientam @ incorporagdio de progresso téenico (endo mais dos fins e dos meios do desenvolvimento ceondmico), Eserevendo no inicio da década de 80, quando a viruléncia da, conta, Fevolugao liberal ainda ndo havia se delineado claramente, no fecho de seu Tivo, Pequena Introdugao ao Desenvolvimento, cle explicita suas esperangas: “Condigdes se bpiad reunindo para que os paises do Terceiro Mando realizem efetivosprogressos ey fempenbo de modificar as regras do jogo, com vistas @ romper & tutela tecnolog espag em aparente contra an , arate ds ave ue fazem parte da periferia do 7 Ty irpeso ‘especifico do novo-contexto histérico sobre as sconomias que Ker a de puts OP Gsieme eoondmico mundial é diseutido em “Dependencia mun mune Charividade e Desenvolvimento, \ @ que atualm lente Ihes € im definitivos les € imposta, Mas os ga se um esforgo fas os ganhos que se obtenham somente sera 7 simultane fente serao desenvolvimento, cuja légica interna for realizado para modificar 0 atual modo de predatérias”*® 1a eng Ao contrati esarad aa fa =| peace imaginar quando se leva em consideragao as dificuldades desenvolvimento els ae Sstico, 8 supostos que fundamentam a sua crenga no supranacionais de female : Fi Partir de uma situago periférica ~ a criago de formas mundial baseada one m0 42 Concorréncia econdmica, a possibilidade de uma economia sobre seus conten icles de interdependéncia © o controle das sociedades perifericas tedricas e metodotan ens de deciséo ~ sto perfeitamente consistentes com as bases : odolégicas que fundamentam o pensamento de Furtado. A coeréncia analitica Enite 0 diagndstico © 0 receituario & dada pelo seu modo de interpretar a realidade como Ema Contingéncia historica, maledvel' a diferentes configuragdes, endo como uma necessidade histérica com sentido imanente, decorrente de contradigdes irredutiveis que regem © movimento do capitalismo. Nesta divergéncia, 0 que esté em questo é a magnitude do raio de manobra da sociedade burguesa para modelar o desenvolvimento ¢apitalista conforme as suas conveniéncias. Mesmo admitindo a presenga de grandes assimetrias na economia mundial, reconhecendo a cristalizagao de relagdes de exploragao econémica e doininagao politica entre o centro ¢ a periferia e interpretando o subdesenvolvimento como uma forma possivel da modemizagao capitalista, Furtado rejeita a idéia de que exista uma conexdo necessdria entre a prosperidade das economias centrais e a necessidade de mecanismos de transferéncia de renda das economias periféricas que repousam em ultima instancia na super-explorag3o do trabalho; nao aceita a nogao de que o desenvolvimento capitalista leve necessariamente ao aparecimento do imperialismo como superestrutura do capitalismo; e refuta a suposicao de que a condigdo periférica constitua um determinante inescapavel do subdesenvolvimento. Comentando a formagéo da estrutura centro-periferia, Furtado explicita sua visio contingencial da realidade hist6rica: “Impde-se, (...), uma visio global do sistema capitalista que tenha em conta 0 que é invariante em suas estruturas ¢ 0 que surge da Historia e esta em permanente transformagdo. A forma de apropriagao do excedente mediante transagdes mercantis e com base no controle de um excedente preexistente, ¢ invariante. Os reflexos dessa forma de apropriagao do excedente no sistema de dominagao social produzem-se historicamente, em fungao da relagtio de forgas vis-a-vis de outras, formas de aprapriagdo do excedente e do grau de integragao dos grupos sociais afetados. Que o sistema capitalista se haja estruturado na polaridade centro-periferia, desenvolvimento-subdesenvolvimento, dominagao-dependéncia é essencialmente um _ fato histérico, que a ninguém ocorreria considerar como uma ‘necessidade’, consequiéncia inelutavel da expansdo do modo capitalista de produgao””. % Furtado, C. - Pequena .., p. 161.4 2» Funade, G.- Pequena - p. 82. A convicedo de que 0 imperialism ndo 6 intinseeo 20 capitalism se baseia na idéia de que a economia industrial possui dinamismo endégeno, que dispense @ nevessicae © ‘conquista de mercados externos. A esséncia de seu argumento sobre a viabilidade de um capa em pais foi exposta com clareza em Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, wm de seus primeios tabuhos: (2) indicamos que esse avango da tecnologia abriu oportunidades aos capitis, em permanente scum sve ide reincorporar-se ao proceso produtivo. Dessas observagées depreende-se que a e 16 Antes de repr: 6 oo ae falta de rigor teérico, inconsisténcia metodoldgica, contradigao com a entre digendarg a tériea ou puro e simples abandono da raz8o como guia da agao, o nexo termos, poe om coins nto, perfitamente coerente quando avaliado em seus proprios “reformista™ ques eens © limite de sua eitca do subdesenvolvimento e 0 Horizonte sua ut petferia da economia mani? Utopia de um desenvolvimento capitalist civtizado na Preocupado em subbdesenvolvimente Panes, 98 desafios que se colocam para vencer a situagdo de a consttugto de tipos idea: qo bin® © método histérico-estrutural latino-americano com mais goral que define a esr yc Pirasd0.weberiana, para estabelecer o marco histérico ecificidade dos pardmetros que condicionam o desenvolvimento Ao cam A Gana ao ne ae numa sociedade polarizada entre o capital ¢ o trabalho nem todos mesma’ capacidade de controlar o seu destino, o alcance parcial arbitrario da abstragdo de Furtado ignora que a situagdo concreta da classe tratalhadors. implica necessariamente a sua exploragio e a sua alienagdo.” E tal procedimento que Ihe permite desvincular a lei de movimento do capitalismo e a luta de classes dos antasonismog gerados pelo processo de extragtio de mais valia, associando o dinamismo economice de decisdes tomadas no ambito do processo de circulagao que tém como pano de fundo o braco de ferro entre 0 capital e o trabalho pela divisio de um excedente econémico (cuja origem, diga-se de passagem, fica desvinculada do processo de produgao).*! ‘Afastado 0 contrério do que ocorria com as economias comerciais, nao necessita de uma fronteira geogrifica em expansdo: para crescer. O seu desenvolvimento opera-se, basicamente, em profundidade, isto é, traduz a intensificago da capitalizagdo no processo produtivo. Demais, o creseimento, na economia industrial, 6 imanente ao sistema e nao contingente, como ocorre com a economia comercial”, pp, 153-153. Em “As teorias marxistas do ‘capilalismo imperialista’”, Furtado sistematiza sua critica & teoria marxista do imperialismo, In: Teoria ¢ Politica do Desenvolvimento Econémico, pp. 257-262. 30°" A propésito convém lembrar a observacio de Herbert Marcuse a respeito dos efeitos do desporismo do, capital na vida dos operirios: “si el ejercicio del espiritu absoluto, el arte, la religion y ta filosofia constituyen la esencia del hombre, et proletariado esta excluido definitivamente de esta esencia, pues su existEncia no le yermite tener tiempo para dedicarse a estas actividades”, Razon y Revolncidn, p. 257. Ao citcunscrever a contradigio entre o capital €o trabalho ao dmbito das lutas econdmicas, Furtado acsba transformando a luta de classes no, “motor” do capitalismo. Em Jialética do Desenvolvimento, ele colocoy 2 {questo nos seguintes termos: “O desenvolvimento do capitalismo, na sua {ese mais avancads devs © Srineipal impulso dindmico da agressividade da massa trabalhadora, que uta para aumentar ue parieiper Fp produto social, Essa agyessividade, pondo em risco a taxa de Iuero da clase capitalist sus cor? © seu comportamento ee aguela um horizonte de expectativas que condicionaria antagonismo iredtivel une eee ee confrontagao de clases, mais do que um devem ser perdidos devise? operagbesttieas em que os intereses comuns mio A ee se uma teoria do excedente que estabelece as relagdes causais entre a geragao, reflexao scbre 9 yulizav40 do produto social como marco analitico para organizar a caDitaligg en ao Sesenvolvimento nacional perthite a Furtado associar 0 dinamismo do capitalismo a determinantes téonicos e culturaissubordinados ao livre arbitrio da sociedade Racional. A desvinculagao do excedente econdmico do processo de geragdo de mais valia desloca 0 centro da andlise do processo de produgdo para o proceso de distribuicao. Deste modo, o carater do desenvolvimento capitalista deixa de estar regido pela lei do valor. Ao Tejeitar a existéncia de regularidades “naturais” que funcionam como leis imanentes, 0 arcabougo conceitual de Furtado afasta a possibilidade de que as transformagdes que Caracterizam 0 desenvolvimento capitalista fiquem subordinadas a necessidades histéricas inexoraveis, determinadas pelas contradigdes que brotam como forgas tectonicas da propria realidade. Na auséncia de uma teoria do valor, o cardter alienante do processo de valorizagao do capital ¢ seus efeitos contraditorios sobre a sociedade passam a ser vistos ‘como contingéncias e no como necessidades histéricas. Ao rejeitar q idéia de que as taras do capital possam deriyar do proprio metabolismo do regime capifalista ¢ ao destacar as potencialidades progressistas da iniciativa privada como veiculo de progresso técnico, Furtado abre espago para a edulcoragao da sociedade burguesa. E tal construgao que Ihe permite conciliar a extraordinaria capacidade de criticar a realidade quando ela se afasta do “tipo ideal” ¢ a defesa do regime capitalista regulado como alternativa civilizadora. Sao inimeras as afirmagdes de Furtado reiterando a auséncia de leis de movimento que condicionam 0 formato do capitalismo e a sua grande maleabilidade a diferentes formas de combinagdes entre centro e periferia, Estado € mercado, modemo e atraso. E exemplar desta sua visio a crenga na possibilidade de uma configuragao diferente, com caréter construtivo, para 0 proprio capitalismo posnacional “(...) a intemacionalizagao do sistema produtivo, na forma assumida nos iltimos decénios, traduz muito mais os interesses das grandes empresas e.do capital financeiro do que uma necessidade engendrada pela prépria légica do sistema”. reagdo o interesse pelas inovagdes tecnolégicas que tendem a reduzir a demanda de mio-de-obra por unidade de produto”, Furtado, C. - Dialética do ..,p. 64 * Furtado, C. ~ O Mito ... p. 85. Em Preficio & Nova Economia Politica, ele define o capitalismo nos seguintes termos: “O uso de um excedente como instrumento para captacio de outro excedente, decorrés natural das operagdes de intercdmbio, ¢ a base das formardes sociais que chamamos genericamente de gpitalismo", p. 36. Seu modo de compreender 0 capitalismo esta resumido nas paginas 36 a 44 % Furtado, C.—Pequena... p. 154 ‘i An Elevando a criatividade cultural & condigao de categoria transcendental responsavel pela transformagao da sociedade, Furtado desvincula as decisdes cruciais que definem o futuro da Sociedade das contradigdes que impulsionam a luta de classes e que condicionam o seu devenir. Com este Procedimento, a forga motriz. da historia desloca-se da luta entre sujeitos historicos com interesses estratégicos irreconciliaveis para a lta entre atores sociais que se batem por valores discrepantes. A definigdo da situagao histérica que condiciona a agao do homem como uma estrutura composta de nexos parciais ¢ provaveis, unidos por relagdes de specs Stito, exclu totalidades dialéticas que expressem conexdes orginicas entre pater come de oportunidades que define as possiveis altemativas da sociedade pelo acirramente dag ons @eixa de estar relacionado a necessidades historicas, geradas sociedade, materialinan fe nts Para Vincular-se aos valores que regem as decisoes da modelos ideais qe tS M2 forma de uma reagao de insatisfagao pela distancia entre os 'esals que orientam a ago do homem e a sua realidade concreta.”" a desta Perspective © sentido da mudanga social fica indeterminado, pois ainda que se Surpresas historia ect! do passado no condicionamento do futuro, néo se descartam Fo ened que nao estavam inscritas no movimento anterior da sociedade. Como o Frese & concebido como uma diferenciagao do velho, mas como o resultado de uma Hovasao cultural, © pasado condiciona o futuro, mas nao se impde como determinante histérico inescapdvel, deixando em aberto um amplo leque de possibilidades historiocs Tel Procedimento permite a Furtado explicitar as: contradigoes do subdesenvolvimento (e do Proprio capitalismo) sem ter de considerd-las como realidades historieas que implicam a necessidade inexoravel de negar 0 capitalismo. Na auséncia de contradigdes que reflitam a unidade de contrarios, este marco analitico fica livre para imaginar solugdes por meio de mudangas nos termos da problematica, jogando toda a Tesponsabilidade pelo futuro do’ capitalismo na capacidade de inovagao da sociedade burguesa. A recusa em aceitar a idéia de que 0 processo histérico € portador de um sentido imanente ¢ explicitada na sua forma de conceber 0 futuro das sociedades subdesenvolvidas: “O subdesenvolvimento, como o deus Janus,” — afirma Furtado em seu artigo “O Subdesenvolvimento Revisitado” — “tanto olha para frente como para tris, nao tem orientagao definida. E um impasse histrico que espontaneamente nao pode levar senao a alguma forma de catastrofe social” A auséncia de nexos organicos necessarios entre as partes que compdem 0 todo abre espago para que Furtado trabalhe com a nogao de sociedade industrial, entendida como um padrao de civilizagao que dé primazia absoluta ao desenvolvimento das forgas produtivas. Ao 4 4 importincia crucial da criatividade, de reconhecida inspiragio em Nietzche, como mola Propulsora do desenvolvimento fo sintetizada por Furtado nos segunts teios: “Os concetos de esr (frm) de processo (causalidade) so ingredientes fundamentals no trabalho cognossitve, A epee 05 seus pontos de apoio basicos. O enfoque estrutural, porque pe an das descr morfolopieas ¢ exclu a nogéo de eausalidade, encura o horizonte Cogrositive Por outro lado, o enfoaue analitco condus a um determinismo localizado e oculta © quatatvo, Arsttelespretendeu near ests dos conceitos a partir do principio de jinaidade. Na metodologia das ciécias socinis¢ concebvel or eos integragao a partir da nopdo de cratvidade, admitida esta como a faculdade humana de evel Ae determinismo causal, enriquecendo de novos elementos um qualquer processo social Quando sean 278 ponderagdo, ou quando converge a arto de vérios deles, 0s los inovadores provocan, secon nt estratral. A faculdade inovadora (criatvidade) da qual existe plena ev assim estatuto no plano l6gieo”, Furtado, C~Criarendade € BVT 35 Furtado, C. -“O Subdesenvolvimento Revisttado”, in: Economia e § ; nl. 1992, p.19. 19 transform én denominador one da {neionalidade instrumental na orgahizagao da produgao como esta abordagem dilti a oponany (ous. 28 formas de organizagio da sociedade modema, entre 0 desenvolvinne Pr os42 dialética entre capitalismo © socialismo. A desconexao Subjctivas mane V MeM® capitalista e o processo historico que prepara as bases objetivas ¢ Matyas Para © advento do socialismo — um regime de transigao para o comunismo = deixa o caminho livre para transformar a altemativa entre capitalismo € socialismo num Problema moral, que depende das preferéncias e dos valores de cada um, completamente desvineulado das contradig: ‘Ses e dos antagonismos ineludiveis que brotam inexoravelmente do desenvolvimento capitalista Tal procedimento permite a Furtado distinguir as diferentes vias para a superagao do subdesenvolvimento em fungao das varias formas de combinar mercado ¢ Estado, maior ou menor desigualdade social, maior ou menor exposigéo & concorréncia intemacional. As estratégias para a endogeneizagao do desenvolvimento passam, assim, a diferenciar-se pela Prioridade relativa dada as seguintes alternativas: distribuigao de renda ou aumento da Tiqueza nacional; centralizagao ou descentralizacao do sistema econdmico; ¢ maior ou menor integragao comercial, produtiva e financeira no sistema econémico mundial Explicitando a sua preferéncia por uma saida “reformista” do subdesenvolvimento, Furtado resumiu as vantagens de uma solugao baseada no capitalismo civilizado: “As experiéncias (...) ensinam que a homogeneizagao social é condigao necessaria mas nao suficiente para alcangar a superagao do subdesenvolvimento, Segunda condigao necessiria’é a criagao de um sistema produtivo eficaz dotado de relativa autonomia tecnolégica, o que requer: (a) descentralizagao de decisdes que somente os mercados asseguram; (b) ago orientadora do Estado dentro de uma estratégia adrede concebida; (c) exposigao a concorréncia internacional. Também apreendemos que para vencer a barreira do subdesenvolvimento nao se necesita alcangar os altos niveis de renda por pessoa dos atuais paises desenvolvidos”™ Sob reconhecida influencia de Karl Mannheim, Furtado atribui um papel decisivo ao intelectual critico como artifice da ruptura com 0 circulo vicioso do subdesenvolvimento. A seu ver, a inexisténcia de uma burguesia nacional e 0 estado de anomia das massas trabalhadoras transformam a intelligentsia nacional em uma espécie de demiurgo da nagio, esponsavel - por cima dos interesses particularistas que a cercam - pela identificagao dos problemas do pais, pela definigdo de um receituério para resolvé-los © pela sua Imaterializagao em vontade politica, Ao enfatizar os valores que devem reger 0 desenvolvimento nacional ea importéncia crucial de uma relagio de adequagdo entre meios a fins, Furtado transforma a razao em parteira da Nagao. O equacionamento da luta politica a partir da contraposi¢ao entre elites dirigentes ¢ massas dominadas descarta o papel da luta de classes ¢ da violéncia revolucionaria na historia. O Teceitudrio para a superagao do subdesenvolvimento fica, assim, circunscrito aos marcos das solugdes institucionais, atendo-se ao horizonte republicano que orienta a sua visio de mundo, Escrevendo no calor dos acontecimentos que antecederam o golpe militar de 1964, em Dialética e Desenvolvimento, Furtado afirma: “A responsabilidade dos intelectuais em nenhuma época foi to grande como no presente. E essa responsabilidade vem sendo traida 2 % Furtado, C, ~ 0 Subilesenvolvimento .., p.A5. 20 Pela agao de uns a omissio de outros. (..) Nao se pretende que exista uma moral dos intelectuais por cima de quaisquer escalas de valores, as quais est30 necessariamente inseridas nalgum contexto social. Mas, nao se pode desconhecer qué 0 intelectual tem uma responsabilidade social particular, sendo como ¢ o tinico elemento dentro de uma sociedade que nao somente pode, mas deve, sobrepor-se aos condicionantes sociais mais imediatos do comportamento individual. Isto Ihe faculta mover-se num plano de racionalidade mats ~elevado ¢ Ihe outorga uma responsabilidade toda especial: a da inteligéncia. Porque tem Esp Fesponsabilidade, o intelectual nio se pode negar a ver mais longe de que Ihe facultam aise es de grupo © as vinculagdes de cultura, Seu compromisso, supremo é com a fa pessoa humana — atributo inalienavel do ser do intelectual” B Rexisténe'a de vinculos orginicos necessiios entre a consciéncia dos sujeitos historicos Shenae Ae ener de-existéncia, assim como entre 0 contetido das politicas cincepeae Gaara das classes sociis que controlam 0 provesso produtivo dé lugar a uma de caeeee insmumental do Esta, idea de um poder piblico que, desvineulado da luta dominantes aaa caren deixa 0 futuro a mercé da “vontade politica” das elites ee le que & perfeitamente possivel conceber uma -racionalidade ‘iva baseada na busca do “bem comum” faz a auto-superagao do subdesenvolvimento depender, em altima insténcia, da coragem dos governantes para enfrentar os desafios histéricos ¢ de sua criatividade para vislumbrar novos horizontes.** Ao considerar a possibilidade de um Estado dotado de racionalidade técnica, capacidade operacional e autonomia politica para pautar as suas-agdes por um Projeto Nacional, Furtado oculta 0 carater classista do padrao de dominagao burgués ¢ a sua limitada capacidade para “regular” e “reformar” o capitalismo. Em seu livro Um Projeto para a Brasil, Furtado explicita a esséncia de sua visio de Estado, de inconfundivel inspiragao weberiana: “Se se admite como, como doutrina pacifica, que a pequena minoria que controla a maior parte da capacidade produtiva de nosso pais dispde do poder e dos meios para opor-se com éxito a uma politica de desenvolvimento que implica reduzir sua participagao na renda nacional, a discussao do problema nos termos em que a fazemos aqui nao tem sentido pratico. Partiremos, entretanto, de uma hipétese diferente, ou seja, que sistema de poder em nosso pais nao se confunde, exatamente, com a estrutura social que controla 0 sistema produtivo (...) Em suma, ao negar a existéncia de nexos necessirios entre as forgas produtivas, as relagoes, de produgao e as complexas dimensdes que compdem a superestrutura de cada formagao social, a teoria do subdesenvolvimento de Furtado oferece uma interpretagio idealista do subdesenvolvimento. Recusando explicitamente a perspectiva do materialismo histérico, Furtado rejeita a idéia de que existam relagdes necessarias entre produgao e circulaga0, valores de troca e valores de uso, valorizagaio do capital ¢ antagonismos de classe, expansi0 do capitalismo e seu cardter desigual e combinado, geragao de mais valia e alienacao. 27 Purtado, C. - Dialética do ..., p. 9. - oa 38 Nao 6 outrg 0 motivo que levou Furtado a escother uma inspiradora exaltagio de Pericles como epiaw™ de seu livro Dialérica do Desenvolvimento: <>. * Furtado, C, — Um Projeto..., p. 47. : 2a capitalismo es impulsionam subdesenvolvin modemizacao ‘ocialismo, Dan © proceso 1 2 =ritnania aos determinantes técnicos e “culturais que nemto se restringe a pecrporato de progresso técnico, a critica ao odemizagao dos padrdes de sora ne oS valores de uso gerados pelo proceso de stribuigao de renda e sober: 10 € Scus impactos nefastos sobre a coesio social, a Conseqiiéncias da copia dog ene tacional. A mediagao entre a causa e o efeito destaca as composigag tecniee rans gstilos de vida e de consumo das economias centrais sobre a centios intemos de deo eB , 0 desenvolvimento das forgas produtivas ¢ a autonomia dos 20 mateiationes store. Em Dialética do Desenvolvimento, Furtado explicita sua critica elementos que copy ‘@ hipotese simplificadora como a que formutou Marx, grupando os Produtive) ese eeem A estrutura social em infra-estrutura (relacionados com o processo eas » 2 auperestratura (valores ideologicos) teve extraordinaria importancia como nao foi sub eet’ 9 estudo da dinamica social. Até o momento presente essa hipétese Substituida por outra de maior eficacia explicativa, ao nivel de generalidade a que foi formulada. Contudo, ¢ necessario reconhecer que a esse nivel de generalidade quase nenhum valor apresenta um modelo analitico como instrumento de orientagao pratica. E 0 objetivo da ciéncia é produzir guias para a agdo pritica”®. A. concepgao idealista do processo histérico abre brechas para solugdes utdpicas, completamente descoladas das condigdes objetivas ¢ subjetivas que determinam tendéncias efetivas da luta de classes. A esperanga de um capitalismo civilizado, que est sempre além da linha do horizonte, alimenta um “possibilismo” que nunca se cumpre € que nao encontra condigdes para se tomar forga politica real. Visto com o privilégio da experiéncia histérica, a fé na via capitalista de superagao do subdesenvolvimento faz. lembrar o personagem da literatura infantil alema que apregoa ter saido da areia movediga puxando-se pelo proprio cabelo. Ha muito tempo, em seu livro Miséria da Filosofia, Marx apontou os limites do utopismo como resposta aos problemas da sociedade capitalista: “O ideal corretivo que gostariam de aplicar ao mundo nao é sendo 0 reflexo do mundo atual. E totalmente impossivel reconstituir a sociedade sobre a base de uma sombra embelezada da mesma. A medida que a sombra vira corpo, percebe-se que 0 corpo, longe de ser 0 sonho imaginado, é apenas o corpo da sociedade atual”. ‘A comparagao entre a convic¢do do jovem Furtado em relagdo ao futuro do Brasil ¢ o ceticismo de seus iiltimos escritos, patente nas metaforas herdicas utilizadas para exaltar os homens de bem 4 a¢ao, indica que ele proprio nao desconhecia a baixa viabilidade de uma saida reformista para a tragédia do subdesenvolvimento (comparando-a, em certo momento, a0 desafio de “trocar as rodas do trem em pleno movimento”). Em respeito a absohuta integridade intelectual e moral de Furtado, cabe advertir, io entanto, que a sua insisténcia em encontrar uma solugdo para 0 subdesenvolvimento dentro dos marcos do regime burgués, longe de representar um sintoma de irracionalidade, que estaria em aberta contradigéo com a sua interpretagdo histérica, trata-se, na realidade, de uma conclusao perfeitamente coerente com a sua perspectiva weberiana de conceber a agao com respeito a um valor. ‘ * Furtado, C. - Dialética do ..., p. 22. ‘A propésito é oportuno lembrar a observagdo de Raymond Aron em relagdo a visto weberiana sobre a ado com respeito a valor; “El acto es racional, no porque tienda a alcanzar un fin definido y exterior, sino Porque no aceptar el desafio o abandonar un navio que se hunde seria considerado cosa deshonrosa. El actor 22 5. O que fazer como o rico legado de Furtado? eg voltado para a préxis, Celso Furtado vivew numa época de profundas traneformagdes'© grandes turbuléncias ‘econémicas, sociais ¢ politicas. Em sua trajetoria oe bistros bem distintos. Até a consolidagao da revolugdo burguesa Pile ees eyglusto) penumente, Furtado foi um dos principais arquitetos do décadas de 50 e 60. ene Organizada - que empolgou as lutas sociais e politicas nas intelectual sobre os ok endo em uma conjuntura marcada por um intenso debate Ftade deere 8 Aesafios da sociedade laino-americana, em suas primeiras formulagdes uperagao do subdesenvolvimento pela via do desenvolvimento nacional O aborto di - * idoa meiea vianuens oe femmeias de Estados nacionais democraticos e soberanos afastou-o mofoimista impedes ns ‘A falta de base social para impulsionar 0 projeto sricier san oteee Wasi fossem convertidas em forga material conereta capaz de Tanate mata cides sesntecintos Banido| da vida piblica, suas reflexdes se transformaram em uma espécie de residuocrtico que anunciava 0 spectro de uma tragédia Seas ae es Furtado ndo perdeu a fé na Consciente de que a Sreebacie' izada para os terriveis impasses do subdesenvol vimento. ecenivalvinents uasional cmcses do sspiteliomo posnacional nao deixava margem para desenvolvimento. eu eu cena possibilidade de combinar dependéncia ¢ Ao onto, do que se, podria spor, a subaiuiso dos governs militares por m implicou a volta de Furtado ao centro do debate piiblico. A institucionalizagao da contra-revolugao permanente manteve 0 veto ao pensamento criti Renegado pelo establishment, a medida que sua critica radicaliza, denunciando o ee particularmente perverso da nova dependéncia, aumenta 0 seu isolamento politico e seu dlijamento dos centros de decisio da politica econdmica, Nos seus altimos anos de vida seu prestigio intelectual e moral era inversamente proporcional 8 sua real influéncia sobre a opiniaio publica. A rejeigdo das idéias reformistas de Furtado pelas classes dominantes e sua marginalizagao do debate nacional revelam os estreitos limites da razio burguesa na periferia do sistema capitalista mundial. Sem ter a quem dirigit sua pregagao, Furtado amarga um longo ostracismo, De intelectual orgdnico das forgas que Iutavam pelas “reformas de base”, torna- se uma espécie de cavaleiro andante que, solitario, combate o absurdo de uma modemidade frivola que condena a sociedade ao circulo vicioso do subdesenvolvimento Na epigrafe de seu livro, Brasil: A Construgao Interrompida, escrito no inicio da década de 90, quando o Vendaval, neoliberal apatias comeqavt ma. devasinela, ele rovoniece’— nie Sam Oo elevada dose de auto-ironia — a extraordindria adversidade dos novos tempos: “Resistir & visdo ideologica dominante seria um gesto quixotesco, que serviria apenas para suscitar 0 riso da platéia, quando ndo o-desprezo de seu siléncio. Mas como desconhecer que ha -xtrinseco, sino para permancer no para obtener un resultado e» 5 ‘Sociologico, vol.'2., p. 224 actiia racionalmente al aceptar todos los riesgos, ™ Las Etapas del Pensamiento + fiel a la idea que se forja del honor”, Raymond A. 23 mprevistas, que requeren Jeuma lucider? E terre ¢ pureza de alma de um Dom Quixote ; Histéri 1 Serio imo ari ena a ainda nao terminou, ninguém A economia politica é 5 : significado de Furvats uma ciéncia fundamentalmente historica. Compreender 0 papel e 0 limites de sua teoria = E eee latino-americano é esclarecer as potencialidades e os desafios de um aceine : lesenvolvimento como interpretagao dos problemas e dos causas © a6 conseainen, momento historico. A forga de sua interpretagao sobre as clitista que eampnee eal subdesenvolvimento reside na critica de uma modemizagao See een a e qualquer possibilidade de conciliar capitalismo, democracia aT iia de sua formulagdo acreditar na viabilidade de auto- anes senvolvimento, na va suposigao de que existem bases objetivas ¢ Para um capitalismo civilizado na periferia da economia mundial siluagdes histéricas tao in Para enfrenta-las com al, Pode estar seguro de que Ausente da bibliografia dos cursos de economia e marginalizado do debate intelectual, nos. tltimos anos 0 pensamento de Furtado tem sido reivindicado por muitos que nao se conformam com o avango da barbirie e buscam uma alternativa a asfixiante hegemonia do pensamento tnico. Desvinculada de uma reflex3o que supere seus limites, no entanto, a reafirmagao pura e-simples de suas idéias corre o risco de se transformar num simulacro de critica. Sem condigdes historicas para converter-se em forga politica real, a utopia de um capitalismo civilizado perde todo seu carater progressista ¢ passa a cumprir o inglorio papel de camuflar a impoténcia de um pensamento incapaz de ir além dos parametros da ordem, bem como de dar um verniz de legitimidade ¢ credibilidade a um “melhorismo”, perfeitamente enquadrado na ordem neoliberal, que acena com a possibilidade de deter 0 avanco da barbarie sem questionar as causas estruturais que a determinam. Apés décadas de ilusio na possibilidade de uma saida para o drama latino-americano dentro da ordem burguesa, que resultaram em grandes derrotas politicas e no avango descontrolado do proceso de reversio neocolonial, uma sucessio de oportunidades perdidas e atores frustrados poe em evidéncia que 0 espago de reforma do capitalismo latino-americano é inexistente. Para honrar a tradigao intelectual de Furtado ¢ seu compromisso com a construgao de uma sociedade democritica dona de seu destino, ¢ preciso ir além da razio burguesa ¢ equacionar a necessidade inescapavel de superagao do tapitalismo. O grande desafio consiste em pensar a questo nacional como um problema de Classe que extrapola as fronteiras nacionais. Para tanto é indispensdvel recuperar a teoria do imperialismo como ponto de partida para a compreensao dos problemas-dos povos que vivem no elo fraco do sistema capitalista mundial. Sem colocar em questdo o papel central desempenhado pelo capital financeiro “como mola _propulsora do capitalismo contemporaneo e seu modo particularmente perverso de operar na periferia da economia mundial, nao ha como subordinar a vida econdmica aos designios da sociedade,

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