Você está na página 1de 13
Copyright © Antonio Gomes Penna, 2006 Capa Julio Moreira CIP-Brasil. Catalogagao-na-fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RV. Pasot Penna, Antonio Gomes, 1917- Os filosofos e a psicologia / Antonio Gomes Penna, — Rio de Janeiro: Imago, 2006 236 pp. ISBN 85-312-0992-7 1, Psicologia e filosofia |. Titulo. 06-1199, CDD — 150.195 CDU — 159.9:1 Reservados todos os direitos. Nenhuma parte desta obra poderé ser reproduzida Por fotocdpia, microfilme, processo foto- mecAnico ou eletrénico sem permissdo expressa da Editora, 2006 IMAGO EDITORA Rua da Quitanda, 52/8° andar — Centro 2001-030 — Rio de Janeiro-RJ Tel.: (21) 2242-0627 — Fax: (21) 2224-8359 E-mail: imago@imagoeditora.com.br www.imagoeditora.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil NOTAS DE PSICOLOGIA SOCIAL APLICADA A EDUCAGAO Instituto de Psicologia 1. A Psicologia Educacional entendida como Psicologia Social Aplicada. Renovagao da problematica Embora nao se possa identificar inteiramente a Psicologia Geral com a Psicologia Social, tal como pretenderam Krech e Crutchfield em sua classica Psychologie Sociale, é certo que a maior parte dos problemas psicolgicos esta, hoje, incluida no campo da Psicologia Social. Na realidade, excetuadas, como assinala Klineberg, em sua Social Psychology, certas reagoes de puro sentido biol6gico, como indiscutivelmente 0 sao as de formagao de imagens consecutivas e processamento de ilusdes 6ptico-geométricas, a maior parte delas reflete a atmosfera social em que se produzem. Mesmo aquelas que se apresentam em individuos artificialmente isolados, traduzem influéncias de processos sociais anteriores e indiretos e se convertem, assim, em processos Cujo sentido exato impoe a consideragao do grupo. Isso significa que, no plano das aplicagGes, teremos 213 que lidar sempre com instrumentos conceituais tirados da esfera da Psicologia Social e, a rigor, s6 podemos falar em Ps cologia Social Aplicada. De resto, essa é uma posigao teérica que vem tendo recentemente aceitagao firmada, como 0 com- provam as referéncias a Psicologia Social Aplicada ao Traba- Iho, 4 Medicina, ao Crime, as Forgas Armadas ete. Assinale-se que essa énfase concedida ao equipamento conceitual tirado da Psicologia Social tem implicagdes muito profundas no sen- tido de uma renovagao quase completa da problematica psico- l6gica, se nao quanto ao contetido, pelo menos quanto a forma pela qual ela 6 colocada e apreciada, Exemplos que exprimem essa nova posigdo nds os encontramos na obra de Sprott Social Psychology, no capitulo em que esse autor esboga algumas apreciagdes sobre as mais recentes conquistas nas areas do trabalho, da medicina e do crime. Extremamente significativo foi, por exemplo, 0 experi- mento realizado no primeiro desses setores — 0 do trabalho — pelo autor. Tratava-se, no caso, de se apurar os efeitos produzi- dos sobre o rendimento individual por fatores de sentido pura- mente fisico, tais como: temperatura, ventilagao, luz ete. (Experimentos realizados pela Western Eletric Company, em Hawthorne). Surpreendentemente, a eficiéncia do grupo de controle colocado sob condigdes em extremo negativas equi- parou-se ao do grupo experimental, explicando-se esse resul- tado como conseqiiéncia do alto indice de coesdo e moral reve- lado por ambos os grupos, por forga do prévio conhecimento de que estavam sob observagao. Ficava registrado, portanto, a maior importancia das condig6es sociais, representadas pela mobilizagao do espirito de competigao e necessidade de apro- vagao social, quando comparadas com a influéncia de fatores puramente fisicos. Com relagao a area do crime foi verificado — conforme depéem Shaw e Me.Kay (Juvenile Delinquence in Urban Areas, 1942). — que a delingiiéncia ocorre, sobretudo, em funcao da Pparticipagao em gangs, embora outras condigdes, dentre as quais ainda se incluem as de sig ado social, possam igual- mente interferir. De resto, no trabalho de Martin II. Neumeyer 214 intitulado Juvenile Delinquency in Modern Society, New York, 1949, encontramos uma relagao desses fatores, a qual inclui, além da jd mencionada participagdo em grupos de atividades agressivas, a influéncia das condigdes decorrentes da comuni- dade em geral, da distribuigdo e composigao dos grupos huma- nos ¢ da situagéo econdmica predominante. No que se refere a medicina, as aplicagées sociais tém alcangado uma extraordi- naria cobertura, envolvendo ndo s6 a fixagdo da etiologia na base de fatores socioculturais, mas também estabelecendo técnicas terapéuticas que essencialmente se definem por uma intensa mobilizagao dos processos de interagao no interior dos grupos. Em ambos os casos, os maiores méritos correspondem aos psicanalistas, nao s6 os ortodoxos e classicos, como os modernos, de orientagio claramente cultural, que sempre puseram énfase, todos, nas influéncias decorrentes da atmos- fera cultural. Na realidade, j4 em Freud era o drama parental, com sua solugao adequada ou nao, que funcionava como fator privilegiado em relagao ao desenvolvimento normal ou neuré- tico da personalidade Por outro lado, toda a técnica da andlise ficava absolutamente condicionada a qualidade do processo de transferéncia. Entretanto, 6 entre os psicanalistas modernos que registramos maior empenho em exaltar a influéncia dos fatores que decorrem da agao do grupo. Assim, por exemplo, acontece em E. Fromm, para quem a integragao social produz efeitos autenticamente criadores, como, de resto, acontece com A. Kardiner, K. Horney, Harry Sullivan etc. No setor das téenicas de terapéutica destacam-se, especialmente, os recur- sos fixados por Jesssie Taft mobilizando elementos relaciona- dos e definindo o tratamento em termos de uma relagao con- trolada. Igualmente, ganham relevo os que cultivam as chama- das formas de terapia de grupo, como ocorre com Moreno (psicodrama) e, sobretudo, com K. Lewin, terapia que, de resto, incorpora-se 4 técnica diddtica e se converte em parte do equipamento de todos os mestres em atuagao no interior dos grupos de estudos. Estes, na realidade, nao tém apenas obrigagdes situaveis no plano do intercdmbio cultural, mas tarefas de reeducagao e recuperagdo de unidades em proces- 215 sos de desajuste, tarefas que, portanto, exigem deles uma atuagao terapéutica. Nenhuma referéncia se encontra na obra de Sprott as con- quistas realizadas na esfera da educagéo — como nao as encontramos também no texto de Georges A. Heuse (Hléments de Psychologie Générale). Nao obstante, esta fora de divida que esta é uma das reas que mais se tem beneficiado com as aplicagdes sociais. Tais aplicagdes nao s6 respondem por um tratamento mais extenso dos problemas de Ajustamento, Higi- ene Mental e Relagées Humanas (antes ocupando nos manuais especializados, conforme pesquisa relatada em 1945 por Glenn M. Blair, no Journal of Education Psychology, vols. 40 e 41, n°* 5 e 8, respectivamente, apenas, 20% do total das paginas impressas), como por uma subordinagio dos classicos temas referentes a aprendizagem, diferengas individuais ¢ niveis de evolugao as influéncias que decorrem da propria qualidade com que se processam as relagées interindividuais. Especial- mente com relagao a aprendizagem, concede-se que a eficién- cia na aquisigéo de habitos, conhecimentos e atitudes vai depender de sua maior ou menor integragao e da natureza das relagdes que se consumam no interior das salas de aula. Mesmo as atividades de criagdo parecem beneficiar-se das influéncias produzidas por coletividades altamente estrutura- das, conforme ficou demonstrado pelos experimentos realiza- dos por Murphy e mencionados por Mary A. Obren, Leonard A. Sibley e Ernest M. Ligon, em trabalho coletivo que aparece reproduzido nas Readings in Educational Psychology editadas por Crow and Grow. A presente série de notas subordinadas a moderna conceituagao da Psicologia Educacional como Psico- logia Social Aplicada fixara alguns dos principais problemas de relagdes humanas em processamento no interior dos grupos de estudo, procurando indicar suas repercussdes, com relagao quer ao adequado desenvolvimento do educando, quer a sua integragao na vida coletiva. Igualmente, com relagao a figura do mestre, 0 nosso interesse se fixard no estudo dos recursos capazes de conter ¢ reduzir 0 desgaste emocional que 0 atinge, 216 garantindo, desta forma, a conservagao de suas condig6es de trabalho e o seu eficiente aproveitamento. 2. Importancia do grupo e das relagdes humanas que se registram em seu interior com relagéo a qualidade do comportamento individual Os objetivos aos quais se subordina a agao coletiva no Ambito dos grupos de estudo sao do género dos que somente se alcangam mediante um processamento comunicativo. Na rea- lidade, quer a aquisigéo de conhecimentos, quer a de habitos e atitudes supdem a construgdo de um sistema de relagdes, sem o que nada poderd ser transmitido ou adquirido. Tal sistema funciona, obviamente, como basico e, de sua qualidade, depen- derd a qualidade dos contetidos comunicados. A edificagao de um cficiente sistema comunicativo esta na dependéncia de uma série de fatores que nem sempre admitem controle facil e cficaz. Tais fatores subordinam-se, de um modo geral, a dina- mica do préprio grupo, entendido este como um grupo mais ou menos unificado por uma finalidade comum que é 0 estudo. Da atmosfera emocional que nela se consiga produzir e do grau de integragao alcangado pelos seus membros decorrerao conseqiiéncias capazes de beneficiar ou desfavorecer a plena realizagao dos objetivos visados pelo trabalho coletivo. Assina- le-se que os processos de intercomunicagao em curso no inte- rior dos grupos sao, normalmente, dificeis, dado o nimero de cus integrantes e suas diferengas individuais, e consideradas, ainda, as suas condigdes de imaturidade, derivadas da faixa evolutiva em que estdo situados. A plena integragao do grupo, por conseguinte, vai exigir um esforgo coletivo de adaptagdo mitua, que sera tanto maior quanto mais profundas as diferengas de carater e mais diversos Os motivos em processo de atuagao sobre cada um de seus inte- grantes. Por outro lado, na faixa evolutiva em que todos estao incluidos (coma normal exclusao do mestre), tal esforgo é pre- judicado pela prépria imaturidade que se observa, quer no 217 plano social, quer no emocional, justificando as agress6es que se deflagram ou se esbogam no interior da coletividade e que nela instalam condigées de desagregagio. Especialmente os Srupos parentais refletem suas qualidades nos processos de intercomunicagao em curso no interior dos grupos de estudo, valendo registrar que esse reflexo nao sé atinge os educandos, como 0 proprio mestre. Na realidade, todos possuimos uma carga emocional que, em sua maior parte, provém do ambien- te da familia. Outros grupos, todavia, influem na dinamica social, através de disposigées de conduta que acabam por se fixar em todos os seus integrantes. A referéncia deverd incluir sobretudo, os chamados grupos de vizinhanga e grupos de recreagao, os quais exercem influéncia tanto mais vigorosa quanto mais reduzida é a agéo da familia. Somando-se tudo isso, temos os eventos puramente acidentais, representados por frustrag6es inevitdveis, suscitadas na érbita da vida cole- tiva que também projetam seus efeitos no interior dos grupos de estudo, concorrendo para aumentar o indice de fricgao social e dificultar 0 ajuste recfproco entre os seus membros. De resto, essa dificuldade ainda reflete 0 préprio ambiente social, considerado este em sua mais ampla extensao. Tumultuado como, com freqiiéncia, ele se encontra, s6 por excepcionais medidas de seguranga ¢ bloqueio é que os grupos poderao revelar um funcionamento ordenado e descontrafdo. Claro esta que o grupo atingido por todos esses fatores pode sofrer sério impacto em sua unidade, caindo a um nivel de coe- sao extremamente inferior e liberando, conseqiientemente, cada um de seus membros das obrigagées que decorrem das finalidades para as quais se constituiu e que a estes devem ser impostas através de processo de pressdo. Contidos e bloquea- dos esses fatores, poderao ser aleangados altos padrées de coe- sao, com uma eficaz integragdo da maioria dos componentes do grupo. Casos de isolamento e marginalizaga4o sempre deve- rao ocorrer envolvendo total enucleagéo de determinados membros. Psicologicamente estes poderdo sentir-se liberados das exigéncias coletivas, de nada valendo punigées ou ameagas 218 de punigdes que, no caso, poderao, apenas, acentuar o pro- cesso de isolamento e afastamento social. Areintegragao de tais membros poder ser alcangada atra- vés da distribuigéo de tarefas fundadas na mobilizagao da auto-estima e, sobretudo, na necessidade de participagao, esta em extremo poderosa em todos nés. FE de notar que a identi cagéo dos membros psicologicamente enucleados do grupo poderé ser facilmente feita, quer pela andlise da conduta indi- vidual, deteriorada em seus aspectos essenciais, quer pela sua posicdo no espago do grupo, considerada a heterogencidade com que este se define ¢ apresenta. Discriminadas neste, as zonas centrais e as zonas periféricas, realmente se observa a atragao que estas exercem sobre as unidades disponiveis e em processo de fuga, embora, excepcionalmente, elas se possam enquistar nas areas centrais, desde que, no caso, sejam partici- pantes de subgrupos com finalidades agressivas. 3. O grupo como estrutura unificada pela finalidade comum de aprendizagem. Influéncia de sua coesdo sobre a con- duta de cada um de seus membros integrantes. Fendme- nos de isolamento em seu interior e formagio de subgru- pos com finalidades divergentes. O primeiro fator mencionado nas notas anteriores a influ- enciar poderosamente o rendimento individual foi a propria natureza do grupo. A referéncia esta justificada pelo principio de que, de um modo geral, os padrdes de nossa conduta refle- tem a estrutura coletiva a que estamos vinculados. Tal reflexo, evidentemente, sera tanto mais vigoroso quanto maior for 0 grau de integragao no grupo e absorgao das finalidades que este se propée alcangar. De resto, desde que nao ocorra esse processo de integragdo coletiva nio se poder, psicologica- mente, falar em grupo, € apenas teremos 0 que comumente chamamos estruturas aditivas. Neste caso, o comportamento individual ficara, essencialmente, subordinado a problematica jaconstruida, refletindo as influéncias persistentes projetadas 219 por outras estruturas sociais. Dentro desse quadro, 0 controle das diferentes unidades se tornara mais dificil, j4 que perma- nece inteiramente alienada a coagao social que a realidade do grupo possibilitaria exercitar-se sobre cada um de seus mem- bros, com a conseqiiente absorgao por estes de suas finalida- des principais. A rigor, no esquema em anidlise nao chega a se consumar uma relagao comunicativa, dado que esta exige uma certa proximidade mental ¢ social entre as varias unidades dis- postas no espacgo de conduta. Tal deficiéncia prejudicara, evi- dentemente, nao s6 0 teor da aprendizagem em processo no interior do grupo, como também o equilibrio emocional de cada unidade, pelo desgaste produzido através de tentativas de intercdmbio intelectual inteiramente frustradas. Todavia, 0 que surge como realmente grave, na eventuali- dade mencionada, é a desmobilizagao coletiva ¢ a liberagao de cada individuo a sua problematica, ¢ a agio, que podera ser desvantajosa ¢ lesiva, de outros grupos sociais. No caso de uni- dade com dramas de familia, por exemplo, abrem-se flancos enormes a sua intervengao perturbadora e a deflagragao trans- de descargas emocionais sobre 0 alvo privilegiado que podera ser 0 mestre, ou, por motivo de mais facil esecoamento, as chamadas vitimas propiciatérias do grupo. Igualmente gru- pos de vizinhanga e clubes de recreagéo que, em certos casos, possuem condigées e objetivos de verdadeiras gangs, podem projetar suas influéncias no grupo, tornando-o inteiramente deteriorado quanto as possibilidades de realizagao de seus objetivos. Considerando a freqiiéncia com que estes grupos se constituem e a omissao da fungao fiscalizadora da familia, em processo de grave crise, a sua influéncia devera ser sempre estimada em alta conta. Bde notar que mesmo nos grupos com boa coesao, como ja adiantamos, ocorrem fendmenos de isolamento com os conse- qiientes processos de destituigdéo funcional. Em tais casos, as unidades envolvidas nesse processo sentem-se desobrigadas dos vinculos que congregam as demais ¢ nao s6 tém rendi- mento precdrio como, eventualmente, se convertem em fato- res de diluigao social. A possivel recuperagao de tais elementos 220 devera ser realizada mediante mobilizagéo de recursos sociais, convindo a sua enucleagio definitiva nos casos em que tais recursos se revelem inteiramente ineficazes. Tudo isso mostra 0 cuidado especial que o mestre devera dedicar a preservagio da unidade do grupo, ele proprio perce bendo-se como parte privilegiada do mesmo, € tudo reali- zando no sentido de melhor garantir-se nele. Atente-se para o fato de que sao muitos os fatores que podem atingi-lo, afe- tando sua propria integragao social, destacando, entre ou- tros, o da possivel exacerbagao de seu sistema de auto-estima que, no caso, 0 conduzira a entender sua participagao no grupo como uma diminuigao de status. De resto, essa dimi- nuigdo poder4 ser vigorosamente experimentada pelo mestre que ja se integrou em quadros docentes de nivel superior ou que aspira a integra-los. O ensino secundario, na circunstan- cia, seré apenas visto ou como um setor de atividades suple- mentares de expressao nitidamente reduzida, ou como uma 4rea de trabalho puramente transitéria, em qualquer dos casos sendo precaria a possibilidade de se realizar nele uma eficaz integragao. O problema é basico ¢ deveré merecer apreciagao mais prolongada em outro espago. Fique, no momento, sublinhada asignificagao do grupo como fator realmente atuante no pro- cesso educativo e se ressalte a necessidade de periédicas con- sultas com 0 objetivo de Ihe medir a unidade. A mobilizagéo dos recursos da Sociometria sera aqui absolutamente impres- cindivel, desde que s6 a edificagao de sociogramas permitira exercer-se continua vigilancia sobre as condigées do grupo, detendo os casos ocorrentes de isolamento, quer descendente e negativo, quer ascendente ¢ positivo, estes definindo as figu- ras em processo de lideranga e que, por forga dessa condigao, poderao ser mobilizados como unidades coadjuvantes na agao educativa. Ainda por seu intermédio, estaremos em condigao de controlar os subgrupos em processo de formagao e que, pela subordinagao a objetivos estranhos aos visados pelo gru- po, sempre se convertem em instrumentos de desagregagao social. Assinale-se que a presenga desses subgrupos ser tanto 221 mais freqiiente quanto mais heterogénea for a composigao da coletividade, essa heterogeneidade sendo avaliada em termos de diferengas culturais e sociais. A obtengao de um alto nivel ce. coalescéncia social sera, em tais condigdes, em extremo dificil. 4. A interferéncia das condig6es individuais no processa- mento comunicativo. A influéncia do equipamento de cada unidade e do nivel evolutivo em que elas se dispdem. Vimos, no esquema exposto em notas anteriores, que, além das influéncias que decorrem da prépria natureza do Srupo, entendido como realidade que se super-ordena com relagao aos individuos que o compéem, outros fatores inter- ferem no processamento das relagdes em curso no interior do grupo, tumultuando-o. Assim 6 que citamos: 0 ntimero ele- vado de unidades em contacto, suas diferengas de tempera- mento e carater e 0 nivel evolutivo em que as mesmas se dis- poem. O fato de serem em extremo numerosos os participan- tes do grupo em conexao com a diversidade de caracteres que os definem ¢ individualizam, realmente implica que os conta- tos que se devem estabelecer para 0 adequado ajuste coletivo girdo um nivel de esforgo, que poucos, ainda, estarao em oes de despender. Na realidade, nao é facil lidarmos com individualidades que, por forga de equipamentos em extremo diferenciados, com freqiiéncia nos surpreendem pela exibigdo de reagées para cuja recepgao ou bloqueio nao chegamos a nos preparar. A situagdo ainda se agrava quando consideramos 0 nivel evolutivo das unidades em contato, pre- cisamente caracterizadas pela intolerancia social e pela pre- cariedade dos recursos de reajustamento. Dispondo de car- gas agressivas imensas, resultantes, quer de processamentos frustrativos originados no lar, quer da necessidade de auto- afirmagao, tais individualidades se revelam muito pouco pre- paradas para a vida coletiva. Ressentem-se de melhor resis- téncia as frustragdes, condigao que, afinal, s6 a maturidade poderd outorgar. 222 Considerando que os trabalhos do grupo, tal como subli- nhamos antes, exigem como condigéo basica um excelente contato social, tais fatores convertem-se em dificuldades que terao que ser pronta e adequadamente removidas. I. de notar que esse quadro ja nos adianta o suficiente para pereebermos os enormes encargos que correspondem ao mestre e que nor- malmente consomem a totalidade de suas reservas. De fato, 6 sobre ele que recaem as maiores obrigagées, dado que nele se revela como inaliendvel o dever de firmar contatos com todas as unidades do grupo e amortecer, tanto quanto possivel, os golpes que se descarregam em seu interior. Nem é outra a raz4o pela qual se registram, com freqiiéncia, processos de deterioragéo de sua individualidade, exposta, como realmente ela esta, a uma profunda e persistente ago lesiva. Fique, como observagao, a surpresa que nos assalta ao anotar a presteza com que o ser humano sempre se preparou para lidar com os objetos do mundo fisico ¢ sua inteira displicéncia com relagao a mobilizagao de recursos capazes de melhor prepard-lo para lidar com seres humanos — tarefa que a experiéncia, afinal, j4 nos deixou claramente perceber ser de ordem muito mais ele- vada. De resto, essas dificuldades podem atingir niveis perigo- sos em fungao da problematica de cada um, e ainda aqui a sur- presa nos ha de assaltar ao vermos que nenhum sistema de seguranga aparece mobilizado, embora os mesmos atinjam niveis técnicos consideraveis, quando objetivando o bloqueio de possiveis lesdes de procedéncia fisica. A mobilizagdo de adequados programas de Higiene Mental impGe-se diante de tudo isso, convindo assinalar que eles tanto deverao visar os mestres quanto os alunos, dentro do objetivo basico que devera ser o de reduzir a fricgdo social e deter os seus efeitos deteriorantes. Thorpe, em seu excelente livro Psychology of Mental Health, sugere, como medidas que deve- rao integrar um plano de higiene mental, as seguintes que aqui reproduzimos: 1) valorizagéo do esforgo de cooperagao e redu- gao dos métodos autoritdrios de ensino; 2) flexibilidade de programas que permitam o reconhecimento das necessidades individuais, dando margem a que clas se realizem; 3) coorde- 223 nagao das atividades do grupo com as do lar e da comunidade em geral, de modo que 0 educando se defronte com um ambi- ente integrado e homogéneo; 4) desenvolvimento de oportuni- dades de éxito ¢ redugdo do insucesso através de tarefas pla- nejadas adequadamente e apropriadas para cada educando; 5) ambiente fisico favoravel nos termos das praticas modernas de higiene; 6) encorajamento de métodos de ensino fundados numa importancia maior concedida as atitudes basicas do educando; 7) liberagao de tensées e criagdo de uma atmosfera descontraida e receptiva, com oportunidades positivas para 0 individuo de tipo introvertido e maior controle social para o tipo agressivo; 8) reconhecimento do significado relativo dos varios tipos de comportamento sintomatico, por parte do edu- cando. Adiante-se que tais medidas se enquadram no conjunto de recomendagées que encontramos na maior parte das obras especializadas. 5. O comportamento agressivo nos grupos e sua variedade de expresso. Objetivos privilegiados e fatores de des- carga Ja sublinhamos a significativa relevancia dos processos de relacionamento humano no interior dos grupos de estudo, e chegamos a indicar os principais fatores que atuam no sentido de deterioré-los. No curso desses comentarios, mencionamos a freqiiéncia com que s4o liberadas certas reagdes agressivas, as quais, acentuando disténcias, acabam por aniquilar as estruturas sociais e por destruir o proprio esforgo de comuni- cagao e intereambio cultural que tem provimento nelas. Dado 0 excepcional significado de que essas reagées se revestem, e considerada a quase normalidade com que elas se sucedem no interior dos grupos, ser4 conveniente fixarmos alguns comen- tarios acerca de suas causas e da versatilidade de suas formas de expressao. A presenga desse tipo de comportamento, tal como ficou demonstrado na série de pesquisas feitas por Mil- ler, Dollard ete. supde sempre e necessariamente um processa- 224 mento frustrativo. Obstrugées no lar, em outros grupos sociais ena propria instituigdo de ensino, podem desencadeé-las. Sua finalidade sera, no caso, heterodestrutiva, no sentido de que ela objetiva o aniquilamento do obstéculo. Freqiientes vezes, todavia, substitui-se a finalidade destrutiva por uma de natu- reza puramente auto-afirmativa, este caso sendo, de resto, em extremo freqiiente no nivel da adolescéncia. O ideal de virili- dade e a necessidade de atingi-lo funcionam nessa idade como um dos mais enérgicos motivos de instigagéo da conduta. Observe-se, ainda, que esse trago pode conjugar-se com pro- fundos sentimentos de inferioridade, justificando-se a des- carga agressiva como mecanismo de pura compensagao. Vale registrar que, quando se trata de reagGes que tém curso no interior do grupo, j4 adiantamos que o mestre fre- qiientemente se converte em alvo privilegiado, inclusive por- que, diante de sua condigaéo, sempre lhe cabe absorver as car- gas que deveriam ser escoadas na diregao da figura paterna. Alvo, entao, que se define como privilegiado, o préprio mestre pode funcionar como forga destruidora, considerados os casos em que sua problematica o predispée para esse tipo de agao. A contra-reagao podera, por outro lado, dota-lo de condigées de hostilidade e, entéo, teremos 0 espetaculo desagregador de uma continua e persistente troca de agressGes entre mestres e alunos. O processamento dessas agressdes pode assumir as- pectos requintadamente dissimulados com os quais 0 que se pretende é reduzir a possibilidade de respostas punitivas. Importa assinalar que essas sao as formas usuais, uma vez que os ataques dirctos ¢ abertos sao desfavorecidos pela necessi- dade de se acatar, pelo menos formalmente, certos valores de natureza ética. Os ataques de tipo camuflado atingem formas em extremo variadas que incluem desde atos de indisciplina, na aparéncia sem alvos especificados, até a inferiorizagao do rendimento intelectual, este em choque com a qualidade do equipamento mental do educando que poderia justificar me- lhor indice de trabalho. Note-se que a finalidade podera ser 0 descrédito do mestre, embora freqiientemente possa exprimir um protesto contra a situagao predominante no lar, este caso 225 consumando-se em individuos com profunda caréncia afetiva. O objetivo em vista scré o de canalizar 0 interesse dos pais para a Escola, desde que, com bastante freqiiéncia, com ela pouco ou nada cooperam. Note-se que, em face dessas descargas, a propria atuag4o dos mestres sofre graves deteriorag6es, con- vertendo-se, ela propria, em fontes de ataques. A explicagao dbvia funda-se, no caso, nas obstrugées vio- lentas que sofrem suas atividades, dado que, na circunstancia, nao chegam a cumprir a finalidade de comunicagao intelec- tual que se propuseram alcangar. O requinte, também deste lado, é mobilizado, ¢ nos defrontamos com formas de conduta que, aparentemente, nada traduzem como instrumentos de ataque. Nao obstante, podem estar altamente impregnadas pelo desejo de desforra. A excessiva elevagao dos niveis de exi- géncia (colocados muito acima das possibilidades de realiza- cdo do grupo) corresponde a uma dessas taticas de combate. Assinale-se que esse tipo de reagdo produzira resultados con- traproducentes, desde que provocara, nas unidades atingidas, vigoroso esforgo de contra-agressao, tumultuando-se, de for- ma irremediavel, a atmosfera dominante no grupo. Isto sem falar nos aspectos depressivos e inferiorizantes que se desenca- dearao como conseqiiéneia da continuidade das experiéncias de fracasso. Estas, de resto, respondem por uma das causas de isolamento no interior dos grupos e, sobretudo, por fatores poderosos de fuga. Igualmente desfavoraveis sao os efeitos que se produzem por forga da proposigao de tarefas cuja ¢ eqiiibili- dade revela-se em evidente conflito com o tempo disponivel. A situacao criada recorda a produzida experimentalmente por Zeigarnick quando explorou os efeitos da brusca interrupgao de tarefas. Também nelas se observa a necessidade de um esco- amento brutal das tensdes acumuladas pela presenga do pro- blema, tens6es que, afinal, nao obtiveram o beneffcio de uma liberacdo adequada. Propositada ou n4o, consciente ou incons- ciente, o fato é que se tera comprometido, através desse sis- tema, a atmosfera dominante no grupo, predispondo seus inte- grantes para agoes de baixo nivel, como costumam ser os atos expressivos de intensas emogées. Tudo isso justifica, da parte 226 do mestre, uma vigilféncia permanente com relagao aos seus proprios atos, objetivando, através dela, o expurgo das formas de conduta que nao sejam rigorosamente fundamentadas no proposito da comunicagao intelectual. Honestamente, 0 mes- tre deve reconhecer que, como ser humano, também ele esta exposto a pratica de atos lesivos e que 0 seu vigor € capacidade de mando nao poderao ser provados através de formas hostis de comportamento. Afinal, estas apenas exprimem um enfra- quecimento em seus sistemas de resisténcia e tolerancia as frustragdes e, como tal, traduzindo um quadro de derrota. 6. As relagdes entre mestres ¢ grupos de disefpulos ¢ as for- mas de condugio liberal e autoritaria. Efeitos sobre 0 comportamento coletivo A diregio do grupo é tarefa que compete, essencial- mente, ao mestre. Sua fungao é, portanto, de lideranga, enquadrando-se no tipo que Krech e Crutchfield designaram como estatutario. Decorre de uma disposigéo legal, desde que sua autoridade é proclamada por lei e por ela garantida. Lideres estatutdrios, todavia, devem os mestres alcangar a lideranga auténtica, nao imposta, antes resultante da propria dinamica do grupo. Tal conquista vai, exclusivamente, depen- der de sua capacidade de estabelecer relagoes altamente posi- tivas com 0 grupo de discipulos que lhe couber dirigir e, obvia- mente, de um elevado grau de conhecimento cientifico que deverd transmitir, em nivel de exceléncia, aos integrantes do grupo que lhe couber orientar. Vale ressaltar que 0 exercicio da lideranga nos permite dis- criminar duas formas principais, com discrepancias profundas em suas modalidades de expressdo: a autoritdria e a liberal. A primeira se caracteriza pela maior soma de poderes que se encontra nas mos do lider. Na realidade, eabe-lhe, por exclu- sdo, fixar as normas que devem reger a conduta de todos os integrantes da coletividade, acentuando-se as relagdes de dependéncia destes para com cle. Também os contatos interin- 227 dividuais se reduzem de modo a se aprofundar a agao influente do mestre. Esta é sentida como provinda do exterior e imposta por coagdo, reduzindo-se possiveis resisténcias em virtude de continuas ameagas de punigdo. Em estruturas sociais muito amplas assiste-se a formagao de guardas pretorianas constitui- das de elementos que, em regra, absorvem maiores vantagens da situagao, gragas a persistente esforgo de incensamento. Scu recrutamento, de resto, é feito entre as piores unidades do grupo. Ja a lideranga liberal ou democrata define-se pela dis- tribuig&o de responsabilidades. As normas ou estatutos que disciplinam o grupo sao fixadas mediante consulta prévia e dis- cussao livre. As relagGes sociais sfo intensas e todos partici- pam dos planos de trabalho, cujas finalidades sao por todos conhecidas e desejadas. Enquanto na lideranga autoritaria a presenga do chefe é absolutamente necessdria (tanto mais que ele cultiva essa necessidade e a faz imperiosa), na lideranga liberal ela é indiferente, e, inclusive, sua eficiéncia se mede, precisamente, pelo grau em que o grupo dele se revela inde- pendente. Coube a Kurt Lewin e a alguns de seus discfpulos, dentre os quais Lippitt, realizar extensas pesquisas com 0 objetivo de apurar os efeitos de cada uma das formas de lideranga com relagao a conduta coletiva. Os resultados foram assim protoco- lados, consoante a exposigdo de Krech e Crutchfield: (1) Os grupos autoritdrios manifestavam tendéncias mais agressivas ou mais apaticas do que os gupos democratas. Por outro lado, quando os impulsos agressivos se expressavam, dirigiam-se mais contra outros membros do grupo do que con- tra o proprio lider. No grupo autoritario, duas vitimas foram alvo da hostilidade concentrada dos demais membros, sendo obrigadas a abandond-lo. Nos grupos autoritdrios apdticos parece que a auséncia de agressao era, apenas, uma resultante da influéncia repressiva do lider, tanto mais que, quando ele temporariamente deixava 0 grupo, desencadeavam-se explo- ses de agressividade. 228 (2) Nos grupos autoritdrios verificaram-se contatos de submissdo com referéncia a personalidade do lider, ao mesmo tempo que as relagGes se manifestavam formalizadas. As rela- des com 0 lider democrata, por outro lado, eram mais amisto- sas ¢ francas. (3) Nos grupos autoritdrios, as relagdes que se processa- vam entre os seus membros tendiam muito mais para a domi- nagao e agressividade do que nos grupos democratas. (4) Os sentimentos de coletividade eram, também, muito acentuados nos grupos democratas, enquanto nos grupos autoritdrios predominam os sentimentos de exaltagdo egocén- trica. A unidade do grupo aparecia muito concentrada nos gru- pos democratas e os subgrupos tendiam a ser muito mais esta- veis do que na atmosfera autoritaria, onde eles tendiam para a desintegragao. (5) O trabalho construtivo decrescia acentuadamente quando ocorriam eventuais afastamentos do lider autoritario, enquanto nas auséncias do lider democrata os decréscimos de rendimento eram quase nulos. (6) Sob o efeito de frustragdes experimentalmente induzi- das, com referéncia as situagdes de trabalho, o grupo demo- crata respondia por uma intensificagéo no esforgo de resolu- cdo das dificuldades, enquanto os grupos autoritdrios tendiam a se tornar explosivos e desintegrados através de recrimina- gdes pessoais. Embora esses resultados nao tenham sido obtidos através de experimentos realizados no setor da educagéo, nada con- tra-indica sua transposigdéo para essa rea. De fato, as situa- gdes de intercomunicagéo sao andlogas as pesquisadas pelos autores citados. Também aqui se observa a superioridade da lideranga democrata por scus efeitos superiores de aglutina- gao da classe e pelas conseqiiéncias que decorrem deste resul- tado. Também aqui se registrarao melhores contatos indivi- duais desde que expurgadas as predisposigdes agressivas ¢ 229 tumultudrias. A independéncia sera a norma no processa- mento das reagées coletivas ¢ a presenga do mestre tanto mais desnecessdria quanto mais eficiente foi sua atuagao no sentido da motivagao do grupo e desenvolvimento da autoconfianga de seus integrantes. Em tais circunstancias ocorre que o grupo tem os seus movimentos livres, no sentido da realizagéo dos ideais ¢ finalidades que se propds conquistar. Em atmosferas autoritdrias, o quadro é 0 oposto, Culti- va-se a dependéncia e a inseguranga e se propicia que os piores se projetem, diante da exaltagao vaidosa do chefe. A guarda pretoriana forma-se, assim, 4 base de um recrutamento que mobiliza unidades de baixo nivel e logo as vemos rodeando a mesa do mestre ¢ acentuando a distancia que o separa do resto do grupo. A qualidade do trabalho revela-se m4 e inferior a motivagao do grupo. Claro que tudo se faz em fungado de amea- ¢as punitivas. Convém assinalar que a escolha de um dos siste- mas nao chega a ser expressao de um ato livre, mas uma conse- qiiéncia da problematica presente no mestre. Tipos inseguros, necessitados de uma continua demonstragdo de forga, serao recrutados para a lideranga autoritaria, 0 que equivale a dizer que nao alcangarao nunca uma ascendéncia que possa expres- sar a dinamica de grupo. Por outro lado, tipos seguros, amadu- recidos, ajustados, exibirao sempre formas liberais de condu- go ou tenderao para elas. A reeducagdo evidentemente tem aqui um importante papel e se pode, pela mobilizagao de recursos terapéuticos favorecer a conversdo de uma lideranga autoritéria em uma lideranga liberal ou democrata. 7. A atuagao dos mestres e os efeitos da homogeneidade ou heterogeneidade de seus sistemas de trabalho O fato de cada grupo ter contato com varios mestres pode produzir conseqiiéncias capazes de comprometer a sua coesd4o0 ¢ afetar, de modo severo, a estrutura individual de seus inte- grantes. Isto se explica pela atuagdo discrepante dos mesmos com relagao as normas e estatutos que se pretende possam 230 servir de base para efeito de disciplinar o comportamento cole- tivo. Considerando que no regime comum cada mestre se isola dos demais e imprime a sua conduta critérios estritamente pessoais, realmente sucede que se produzam conflitos quanto aos valores consagrados na atmosfera do grupo e, sobretudo, quanto aos contetidos que definem a ordem do que é estimado e permitido e a ordem do que é indesejavel e proibido. A situa- cdo, equivoca e intensamente conflitiva, reproduz, em escala reduzida, caracteristicas que definem as grandes e complexas culturas que, por forga da inclusaéo de tragos discrepantes, convertem-se, como assegura Horney, em fatores atuantes de -se, rigorosamente, na sala de aula, uma desajustamento. G situagdo semelhante a que se produz em laboratério para estudo do chamado fendmeno de neurose experimental. O comprometimento mais sério, de quantos possam ocorrer em tais circunstancias, é 0 que atinge 0 conceito de justiga, dado que para o grupo, certas repressées, fundadas em critérios res- tritos e limitados a certos mestres, nao sio acatadas como jus- tas, sobretudo quando em choque com o sistema de condugaéo de outros mestres. As contradigdes ocorrerao tanto mais fre- qiientes e intensas quanto maiores as diferengas de lideranga em aplicagdo no grupo. Turmas em contato com personalida- des autoritarias, rigidas, inseguras, ao mesmo tempo que diri- gidas por personalidades liberais, flexiveis, maduras, estarao, de fato, em condigées bastante onerosas para seu adequado ajustamento. Na realidade, podera ocorrer que sejam punidas por exibirem condutas perfeitamente admissiveis em algumas de suas atividades. Importa assinalar que nao so, apenas, os educandos que se prejudicam com as discrepancias nos modos de condugaéo das atividades docentes. Na realidade, os préprios mestres se prejudicam em face de sua ocorréncia, € os maiores prejudica- dos so os que dispdem de personalidades menos vigorosas e mais dispostas, por isso, a receberem descargas agressivas. Tais personalidades absorvem a fungao de vitimas propiciaté- rias do grupo, pagando por males que, afinal, foram desenca- 231 deados por outros, os quais, em raz4o de sua capacidade puni- tiva, furtam-se aos ataques desfechados pelo grupo. Tudo isso justifica a necessidade de se estabelecer um sis- tema homogéneo de diregao, que estaré subordinado a forma- ao do espirito de equipe. O objetivo sera o de evitar a canaliza- gao de hostilidades na diregéo de unidades isoladas, assim como 0 de reduzir os efeitos negativos provocados pela atua- gao de cada mestre sobre os demais. 8. As distorgdes perceptivas de situagées sociais A questao que aqui colocamos é das que mais afetam 0 pro- eesso intercomunicativo em curso no interior dos grupos. Tra- ta-se de problema que, a rigor, s6 recentemente teve seu estudo efetuado na esfera da psicologia social. Nao obstante, esta em conexdo com alguns dos mais sérios problemas no Ambito das relagées humanas, como, por exemplo, o da discri- minagao, e é sobre ele que repousa toda a séria questao dos estereétipos, tao vivamente pesquisada na época atual. Escla- rega-se, para que desde logo fique delimitado o problema, que a distorgéo perceptiva nao é mais do que uma forma assumida do fenémeno da ilusao. Tal fendmeno sempre foi fartamente estudado no Ambito da psicologia, definindo alguns dos varios aspectos de nossas relagées com 0 mundo fisico. Na realidade, todos sabemos que nem sempre conseguimos realizar um ade- quado contato com o meio que nos envolve. Freqiientes vezes resulta que a realidade aparece distorcida, apresentando mo- dificagGes essenciais em suas formas e, entdo, falamos em rea- Ges ilusérias. Todavia, o fendmeno sempre foi estudado den- tro de limites muito reduzidos, uma vez que se excluiam as suas formas relacionadas com as situagdes humanas. Coube aos psicélogos sociais mostrar que os fendmenos de ilusdo também ocorrem diante de realidades sociais, repousando, mesmo, nesta base a maior parte das incompreensées que marcam os processos intercomunicativos. De fato, muitos dos conflitos em eclosao nas coletividades resultam de uma inade- 232 quada visualizagao dos sistemas de comportamento, visualiza- ¢4o essa que tem a sua preparagéo determinada, quer pela interferéncia de fatores objetivos, quer pela projegao de in- solada desses fatores ou a sua con- fluéncias subjetivas. A agéo jugagao é que explica por que atribuimos, muitas vezes, um énificado inteiramente discrepante a um certo tipo de com- portamento e, em seguida, procedemos como se ele fosse 0 correto. Dissemos que sua ocorréncia pode ser determinada por fatores objetivos ¢ por cles queremos entender os que decorrem da conduta de outras unidades do grupo. Considerando-se que em qualquer coletividade ha sempre componentes figurais e componentes moldurais, definimos, como influéncias objetivas, as que defluem dos componentes moldurais e que se incorporam, por impregnagao, na estrutura reacional das unidades dotadas da condigao de figura. O exem- plo de que aqui nos utilizamos para efeito de obter melhor caracterizagao desse tipo de influéncia, nds o retiramos de uma situagao de grupo. A procedéncia do exemplo é tanto melhor quando é precisamente o estudo do problema nesse nivel que mais nos interessa. No caso, 0 mestre resolve ler e comentar trechos de um documento histdrico e literario. © documento em questo era a carta de Caminha. Ha, nos tre- chos lidos, um em que se encontram dados sobre a nudez dos indigenas. Logo sobrevém, e em pouco se generalizam entre os alunos, reagées de sentido intensamente malicioso. O mestre interrompe a leitura e faz comentarios acerca da imaturidade do grupo. Todavia, isso nao modifica, da parte de uma aluna, a distorg4o perceptiva que jd entao se processara e em fungao da qual é 0 mestre e nao o grupo dos alunos que lhe parece malici- oso. A explicagao, logo a detectamos quando se recorda que é proprio dos componentes figurais (no caso, o mestre) absor- ver, em certas circunstancias, as influéncias interferentes ori- ginadas nos componentes que funcionam como fundo (0 gru- po). B claro que o exemplo no exclui, antes sugere, a partici- pagao de condigées subjetivas de grande forga a se exprimirem na aluna, por processamentos ansiosos. A conjugagao, por- tanto, de fatores subjetivos com os objetivos parece, aqui, 233 muito clara. Assinale-se que 0 elemento subjetivo é freqiiente- mente representado pela ansiedade e pela inseguranga. De fato, estes sio os fatores que mais interferem nos processos perceptivos, deformando-os. Vemos 0 perigo onde ele nado existe, porque abrigamos em nés mesmos o temor que ele nos causa. O medo de sermos atacados desperta violenta ansie- dade e tudo que vemos ganha, entao, um sentido de hostili- dade que realmente nao existe.De resto, toda a importante questao das reagées de discriminag4o, em qualquer das dreas em que clas se revelam encontra, exatamente, nesses fatores emocionais as suas bases de sustentagao. O problema é rele- vante porque suas projegdes nas coletividades escolares sao, em extremo, freqiientes, envolvendo nao s6 os integrantes do grupo de alunos como os préprios mestres, todos manifes- tando deformagées mais ou menos graves em suas reagGes per- ceptivas. & precisamente esse fator — a distorgdo produzida pelo impacto de condigdes emocionais — que explica como pequenas faltas podem ser captadas como graves comprometi- mentos dos principios que regulam a propria dindmica do grupo. Desde que a agdo que se desenvolve em seguida é rigo- rosamente regulada pelo modo com que se efetua o processo perceptivo, fica, absolutamente claro, que a deformagio deste responde pela deformagéo daquela e temos entao, formas de agdo inteiramente desproporcionadas. As punigdes surgem, assim, desajustadas, excessivas, até injustas, embora fenome- nologicamente paregam adequadas. Fixada essa desproporgéo entre as faltas e as punigées, todo o quadro social se deteriora, nao se detendo mais a inferiorizagao progressiva das relag6es humanas. Tudo isso justifica um rigoroso controle das reagdes perceptivas, por clas ficando, igualmente, sob vigilancia as for- mas reacionais a que dao origem. Bibliografia DOLLARD, J. € Miller. N. ete. Frustration and Agression. New Haven: 1039. HEUSE Georges A. Elements de Psychologie Sociale Générale. Paris: 1954. 234 HORNEY. K. La personalidad neurotica de nuestro tiempo. Buenos Aires: 1945, KLINEBERG, O. Social Psychology. New York: 1954. KREGH, D. e Crutchfield, R.S. Psychologie Sociale. Paris: 1952. MILLER, James Grier. Experiments in Social Process. New York: 1950. NEUMEYER, Martin. H. Juvenile Delinquency in Modern Society. New York: 1954. SHAW e Me Kay. Juvenile Delinquency in Urban Areas. New York: 1942. SHERIF, Muzafer e Carolyn W. Sherif. Groups in Harmony and Tension. New York: 1953. SPROTT, W.J.H. Social Psychology. Londres: 1942. SYMONDS, PM. Problems Faced by Teachers. Journal of Educational Re- search, 1941, . The Dynamics of Human Adjustment. New York: 1946. THORPE, Louis P. The Psychology of Mental Health. New York: 1950. WEINBERG, S. Kirson. Society and Personality Disorders. New York: 1952. 235

Você também pode gostar