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| Armando Boito Jr. (ergonizador Claude Willard * Claudio H. M. Batalha + Danielle Tartakowsky Fernendo Lourengo * Francisco Foot Herdman Joo Quartim de Moraes * José Claudinei Lomberdi Luciano C. Martorano * Marco Aurélio Garcia Maria Stella Bresciani + Velério Arcary fy eal ASL OVE ‘So Paulo 2001 Cemarx IFCH-UNICAMP © Armando Boo Je 19 ecigdo ~ 2001 — Xamé Ecitors Edigéo: Expedito Correia Cope: Expecito Correis sobre gravure russa sovidtce ‘em comemoragto 20 anwversério da Comune Revisfo: Werbster G. Bravo 0 € tadugdo: Maryse Farhi 10580 EletrGrica: Xamé Echt ‘AComuna de Paris na histéria / Armand Boito Je ‘orgenizador, — Séo Paulo : Xems, 2001 Varios autores. ISBN 85-85833-89-0 1. Paris (Franga) - Historia - Comuna, 18717 2. Revolugées - Hist6ria |. Boito Kinior, Armando. 01-4906 co0.944.0818 Indices para catélogo sistemético: 1. Comuna de Paris: Franca :Histéria 944.0812 2. Paris: Comuna, 1871: Histéria 944.0812 ami VM Edltore © Grice Ue R Loefsreen, 943 ~ V. Marana ~ CEP 4040-030 ~ $80 Paulo-s> Telex: (011) $574-7017 e-mail amaed@uel comb Imoresso ro fast ‘Cuore - 2001 Apresentacio 7 A Comuna de Paris na histéria das revolucées Historia e vigéncia da Comuna de Paris Cloude Willard... 5 ‘As andlises tradicionais e a bibliografia recente sobre a Comuna Donielle Tartakowsky 29 Comuna republicana ou operéria? A tese de Marx posta 4 prova Armando Beito Jr... coer ee Elementos do Estado socialista na Comuna de Paris Luciano Cavini MartoraT0 ..smennnnnnenninneinnesnseennnneie OT A Comuna de Paris e © movimento operario Marx, Engels e Lenin perante a Comuna de Paris Joé0 Quartim de Moraes 83 Trés vises da Comuna de Paris: Benoit Malon, Louise Michel e Prosper- Claudio H. M. Batalha.... 109 A Comuna de Paris e a teoria da revolugéo em Marx e Engels: de 1871 a 1895 io Arcary . Pa ‘A Comuna de Paris como paradigma revolucionério? ‘Marco Aurélio Garcia sss 149 A educagao e a Comuna de Paris: contribuigéo ao debate comemorativo dos 130 anos fosé Claudinei Lombardi.s..nnsniisnneensee 157 Comuna [aplausos|. Mas na inauguracéo, ele foi vaiado quando se proclamou herdeiro da Comuna [aplausos]. Penso realmente que a burguesia no seu conjunto, incluindo a liberal, rejeita a Comuna, Prova disso € que, apesar de termos, desde 1981, um presidente ou um pr: Meiro-ministro socialista, a Comuna ndo existe nos livros didaticos of. ciais de Hist6ria, Ha uma pesada lépide de siléncio sobre o assunto, que ndo se deve ao acaso. Nossa principal luta é contra essa lépide de silencio, O liberalismo nao utiliza a Comuna, mas a ignora. So apenas as forgas de esquerda que, em sua diversidade, e muitas vezes mitificando-a, tentam perpetuar as lembrangas da Comuna de Paris, Volto a insistir que o importante é lembrar que, nas condigées da época, esses homens € mulheres puderam realizar uma obra que ins- Pira 0s combates dos dias de hoje em todo o mundo. Mas, repito, nas condigdes de entdo; eles nao tiveram de forma alguma a intuigéo de estar trazendo alguma coisa inteiramente nova. Porém mesmo que ‘no devamos idealizé-los, o fato € que eles trouxeram algo inteiramen- te novo, {aplausos prolongados] AS ANALISES TRADICIONAISE A BIBLIOGRAFIA RECENTE SOBRE A COMUNA Danielle Tartakowsky* G ostaria, em primeiro lugar, de me desculpar por ter de fazer a exposigdo em francés. Fazendo grandes esforcos, consigo enten- Ger um pouco 0 portugués, mas no o sei pronunciat. Gostatia igual mente de agradecer vossa universidade por sua acolhida, bem como ‘odos os departamentos que se mobilizaram em toro desse evento Antes de comegar, quero também dizer que para nds, franceses, & bas. tante surpreendente que se comemore com tanto brilho, em algum lugar do mundo, o aniversério dos 130 anos da Comuna, contraria- mente ao que acontece em Paris nesse momento. Pediram-me para falar sobre a historiografia da Comuna, Devo ressaltar que néo sou historiadora desse periodo. Ocupo-me prineipal- mente do século XX. Mas explicitarei, durante a exp. a relacéo de minhas pesquisas com a Comuna. Uma politicSloga francesa que trabaihou a questéo da meméria comunista propde que se faga a distingao entre dois tipos de meméria: 0 primeiro seria o que ela chama de memoria viva, aquela espontanea- mente mobilizada pelos militantes em seus discursos, enquanto o se. como € construida pela organizaco, A partir de um trabalho de pesquisa efetuado ha uns dez anos, com base em entrevistas, ela constatou enormes distorgées entre esses dois {i ade de Pacis Vi Eauoca stations en France. O testo gue seria doevemo (30 Ane a Camu de eicamos repuodua sconfxéncin protein pa 30 DANIELLE TARTAROWSKY Pos de meméria. Vejo nessas distorgdes um exemplo claro dos limites da pedagogia em matéria de politica. que essas mesmas distorgbes existem quando passa- . Quando se trata das organiza- ées poltticas, podemos dizer que elas alimentaram, ao longo de todo © século, duas formas de relacéo com a Comuna: uma politica - que pode ser assimilada & meméria viva ~ e outta comemorativa que, em- bora simultanea, ser totalmente contraditéria com a primeira. Creio que a essas duas posteridades, acrescenta-se uma terceira, que é a da historiografia contemporanea da Comuna e que nos coloca diante de uma leitura distinta, Essa ultima € bastante estanque em relacdo as duas outras interpretagoes da Comuuna, OS TEXTOS MILITANTES SOBRE A COMUNA Aqui, quero acrescentar algumas palavras sobre o que chamo de Hist6ria no presente de Histéria militante. A Comuna faz parte dos acontecimentos que produziram ou suscitaram uma importante pro: dugdo editorial no calor da hora, a exemplo de Marx, ou logo a seguir dos fatos, como a obra de Lissagaray.' Decerto, esses textos, que se referem a ardente atualidade daquele momento, ndo s4o textos com vocagao de anélise histérica, mas textos p Esses escritos toda uma literatura ante durante varias décadas. Essa matriz conti toriografia muito contemporanea. Vou procurar ” da Comuna, a dentincia da Comuna, da qual Maxime Vuillaume? foi 0 fundador, reencontra-se em textos supostamente psicanaliticos contemporaneos, que mol 1 Jonna pate dns barrieadas (Les sobretude, em 1876, 31 AS ANALISES TRADICIONAIS E A jOGRAFIA chamam de “retorno do reprimido". Existem escritos psicanaliticos, como a Nova histéria de Paris (Nouvelte Histoire de Paris) de Rials que, ainda hoje, explicam a Comuna de Paris como fruto da explosio do inconsciente ¢ de suas repressées Mas so certamente as leituras partidérias da Comuna que ti ram a posteridade mais duradoura, Novamente, devo apresentar al guns exemplos: +0 tema da Comuna como prottipo da Revolucao de 1917 na Rassia, que nasce de uma releitura de Marx por Trotski, em 1921, e que sera, de forma duradoura, empregado em toda a historiogeafia comu exemplo recente, o livro de Jacques Duclos A Comuna ao assalto do céu (La Commune 4 I’assault du ciel), de 1970: * muitas leituras ou releituras libertdrias da Comuna que se de- senvolveram a partir dos acontecimentos de maio de 1968 na Franca, Voltarel a essas leituras e releituras mais adiant turas “nacionais" da Comuna que tomaram duas direcoes muito distintas entre si: a Comuna como prefiguracdo da Resisténcia [francesa Contra o invasor nazista durante @ Segunda Guerra Mundiall, como é 0 caso do livro de Henri Guillemin, ou, no outro extremo do espectto pol Comuna como justificativa historica da OAS, organizacéo {colonialista] da extrema direita durante a Gu como registra a obra de Alfred Zeller, militar e dirigente da OAS, que escreve, em 1969, 0s homens cia Comuna (Les hommes de la Commune); * A Comuna como manifestagéo do avanco do feminism. Essa explosto, esse esfacelamento das lelturas ¢ interpretagoes militantes refletem-se numa fragmentacéo das comemoracées da Comuna. Pode-se dizer que essas comemoragées foram, quem sabe, ainda mais fragmentadas do que a historiografia, j4 que os socialistas franceses delas participaram sem terem sido os iniciadores de andlises destacadas sobre 0 tema. Em todos esses casos trata-se, para as organizagées ou as tendén- cias politicas, de interpretar de novo e retrospectivamente a Comuna, bara provar da fiiagao dos acontecimentos politicos - do momento - Comuna, Estou convencida de que esse forte trinsito de idéias ideals entre a Comuna e © que chamo de meméria viva con durante tempo na Franga, um freio objetivo para abordagens histéricas Nas, Enquanto preparava essa exposicao (na verdade preparava laneamente duas conferéncias, vima sobre as comemoragées [da 32 LE TARTAKOWSRY Dani Comuna] ¢ outra sobre a [sua] historiografa), deine conta, de repente, Glue havia sobreposi¢ao de duas datas, Foi em 1964 que ocorreu pu cago de um trabalho que vai cons da Comuna. Trata-se do livro de Jac: at. , a partir de 1965, que, pela primeir ‘vez, 0 jornal do Partido Comunista Francés, L“Humanité, deixou de not fesoso anual ds ceremoraao cs Comana no seg eon cm mca pina. Quem se tea so neces oe ee vr eres see conomos mi stds pan ie dee nova srt soe» sconce OS PRIMEIROS TEXTOS DA HISTORIOGRAFIA ACADEMICA Adu, inicio a expasigao da historiografia mais universitéria da Comuna, Como disse, 0 livro de Jacques Rougerie, O processo dos comu ‘ardos (Le proces des communards), de 1964, represeniou uma veda deita reviravolta historiografica, Ele empreendeu um estudo socmnnn co de todos os comunardos que foram julgados, sendo que muitos exccutados ou deportados. Esse estudo de historia social, junto com seni’s mals contemporaneos ~ de carster lexicalégico, mas que ten. dem a ir no mesmo sentido ~ levam & seguinte concluséo. a Comune ‘manteve relagGes muito fortes com a tradigéo e a memeéria da. come 2 chamamos na Franca ~ Grande Revolucéo de 1789. Os comunardos Sstudados do ponto de vista social, em sua ética e em seus diseurses cara ade, elas exam sociolégicas, Jacques Rougerie mostrou, apoe cBtudos aprofundados (que néo exporei por falta de tempo), que, sect clogicamente falando, o comunardo estava muito mals proxinns do insurreto de junho de 1848 do que do prolets © moderno, Grpora a designacéo ‘proletério” jéfosse constantemente empreye: da {pelos préprios comunardos), 33 AAS ANALISES TRADICIONAIS| E necessario ressaltar que, na Franca do Segundo Império, Paris no era uma cidade da indistria moderna. Naquela época, a industria moderna desenvolveu-se no norte € no leste da Franga, bem como na cidade de Lyon, mas no em Paris. O comunardo apatecia, assim, como 2 expresséo de uma Paris popular, de um povo de Pari Participamos, com uma série de colegas, incluindo Jacques Rougerie, de uma longa e extensa pesquisa sobre a nocéo de "povo de Patis’, Parece-me que essa nogéo de “pova de Paris” & uma categoria sociocultural muito particular. Juntamente com diversos colegas espe- -omo Danie! Roche, Maurice Agulhon e 0 pré- prio Jacques Rougerie, e outros especializados no estudo do século XX, procuramos entender por que essa nocio de "povo de Paris” cir- culou inalterada durante trés séculos, apesar de as tealidades sociais e urbanas de Paris terem se modificado tanto, No longo prazo de trés torna-se evidente que essa Paris € um lugar de intensa mescla © lugar em que a ascensao social é mais facil que alhures ~ pelo menos até a década de 1950 -, 0 lugar em que ocorre uma so precoce. Devido a esses fatores, Paris encontra-se na origem de uma verdadeira ética popular. Trala-se de uma moral do trabalho, para a qual 0 adversdrio € caracterizado como ocioso e preguicoso, m mais do que como capitalisia. Aparece nas obras de Maurice Agulhon € de Jacques Rougerie que houve uma homogeneidade moral muito intensa dese povo de Paris, tanto no periodo da Comuna quanto no da Revolugao de 1789, Os mesmos valores estavam presentes nas duas ecasides, a tal ponto que os dois autores propuseram a expressao ‘nacionalidade parisiense" Vou ampliar um pouco 0 aleance do trabalho de Rougerie, Numa formula que provocou ondas de choque a época, Rougerie conclui que “a Comuna foi a titima insurreigao do século XIX, um crepiisculo Iss0 ocorreu em 1964; pouco depois tivemos os acontecimentos de maio de 1968. Foi um periodo em que a meméria viva era, ainda, muito forte e a férmula de Rougerie suscitou intensas polemicas. A polémica entre a memoria militante e essa conclusio da obra de Rougerie manteve-se até a comemoragéo do centendtio da Comuna, Na Franga, esse centendrio constituiu 0 apogeu das come. moragbes, Apés o centenAtio, deu-se o declinio das comemoragies ¢ das discuss6es, embora os historiadores tenham continuado seu tra: 34 DaNieLLe TARTAKOWSKY balho. Parece-me claro que, apés o centenario, novas leituras graficas e partidérias da Comuna passaram a coexistir. Nao mantiveram polémicas umas com as outras, mas tampouco mantive ram qualquer tipo de relacoes TEXTOS MAIS RECENTES DA HISTORIOGRAFIA ACADEMICA Os novos estudos consagrados a Comuna, aos quais vou me refe- tir agora, deixam de estar condicionados pela urgéncia politica ou por questées pollticas. Eles deitam rafzes e se inscrevem na evolugdo medi- ana da historiografia francesa. Rapidamente, posso caracterizar tal evo- lugao da historiografia francesa contemporinea como 0 des que chamo Histéria das Idéias. Em contrapartida, deu-se muita énfase € verificaram-se multas contribuigdes a hist6ria social e a histéria urba- na. A primeira grande transformacao na interpretacao da Comuna veio com Rougerie. A segunda grande mudanga nessa interpretagéo pro- vém da histéria urbana e, mais especificamente, da sociologia urbana Trata-se, aqui, do texto fundador do socidlogo Henri Lefebvre, A Procla- ‘magdo da Comuna (La Proclamation de la Commune ), que é um texto de 1967, portanto ainda anterior aos acontecimentos de maio de 1968. Lefebvre vai mostrar, em seu trabalho, como a Comuna pode ser ‘ada pela vontade do povo de Paris de retomar uma cidade, da qual tinha sido expulso pelos trabalhos [urbanisticos] de Hausmann. Tinha ocorrido um fenémeno de segregacdo social em decorréncia das grandes obras urbanfsticas de Hausmann [em Paris]. Portanto, para Lefebvre, a Comuna decorreria de uma retomada, uma reconquista da cidade, Partindo. dessa premissa, ele desenvolve 0 tema da revolugio urbana como sendo uma festa, Esse mesmo tema terd um forte eco durante os acontecimentos de malo de 1968 ¢ nos anos que a eles se seguiram. Ele seré retomado por Rougerie num livro chamado Paris livre, 1871 (Paris lire, 1871) e por ou- tros sociélogos urbanos, em particular Manuel Castells, que descreveram a Comuna como o meio de devolver urbanidade a cidade de Paris, de restabelecer 0 senso do urbano. Simultaneamente ~ nés estamos falando do periodo de maio de 1968 e dos momentos imediatamente posteriores a ele ~ desenvolveram-se diversos estudos que focavam, principalmente, 35 AS ANALISES TRADICIONATS E A INL: Arta des do interior [da Franca). Essa ‘empo ignoradas, mas descobre-se que varias entre do a Comuna de Paris, com base na defesa repul Seq ana, iples enumeragao, 6 acons No tempo. As grandes inovacoes pass. toriografias americana ¢ i ‘OS quais voltarei num sentido nao-cr motivos a seguir. O ultimo a ser publicado, em Gould, Identidades insurgentes (Insurgent identities). Roget Gould in. {eressa-se pelos insurretos, como indica o titulo de seu livro, e qu hase acerca de quem eram aqueles que se insurgiram, por que esses € nao aqueles, por que em tal bairro de Paris e ndo em outro, Ele vai desenvolver todo um trabalho sobre as redes de sociabilidade. £ um trabalho muito minucioso, de micro-histéria social, que aborda rua Por Tua. A conclusdo de seu trabalho é que os habitantes dos baitros gue ergueram as barricadas - sobretudo os bairros periféricos — era, ‘moradores de lugares onde havia uma vida social muito particular, onde linham se estabelecido relagées de vizinhanga muito mais complexas erricas do que no centro de Paris, uma solidariedade de bairro que nao era somente baseada no oficio de cada qual, como era 0 caso no cen. tro da capital, mas com lagos de proximidade de moradia muito fortes, 'sso 0 conduz a dizer que os insurretos de 1871 tinham uma conscién, cia de classe muito menos forte do que em 1848, que a identidade nite eles se estabelecia menos em termos do lugar que ocupavam no Processo de producdo e mais em fun¢o do lugar em que habitavam e que sua consciéncia era mais diretamente politica, ente solidariedade comunitaria defesa dessa solidariedade comu) Entre a obra de Rougerie, bem como a dos diferentes socidlogos que mencionei, e esse dos esses autores enfatizam 0 carter determinante dos trabalhos ur. banisticos de Hausmann, de suas conseqiéncias, ¢ da forma com que 0s habitantes de Paris 0s vivenciaram, A partir dat, surgem algumas divergéncias. Alguns acentuam o cardter de classe das reacoes, outros enfocam a questo da exclusso, da sociabil foi o de Roger 3N. do E: Tratase do liv tnsurgent Ide (othe Comune Chess, Commi i and Protest in Pais fom 1848 36 DaMtece TaRtaKowsxy 0 autor, do qual gostaria de falar um pouco, € o historiador briténico Robert Tombs, que publica em 1980 um livro intitulado 4 guerra contra Paris (La guerre contre Paris). Em 1997, Robert Tombs Publicou na revista Le Mouvement Social uma longa critica ao trabalho de Gould.* inspirei-me um pouco nesse artigo e, como vossa bibl Possul essa revista (refere-se Biblioteca do Instituto de Filosofia Ciencias Humanas da Unicampl, aqueles que iéem iranets poderde fava levar em conta o importante papel das sociabil des loceis. Ele sublinhava o papel dese mpenhado pelas amizades, inhancas, dos lagos insttucionais e politicos que tinham sido eriados no decorrer do sftio de Paris, no interior da Guarda Nacional. De fato, ele eloma, Nesse aspecto, a andlise socioldgica muito avancada feita por Gould, barticada por barticada. Entretanto, ele levanta varias er Peso, Robert Tombs, que trabalhou naquilo que chamou de "guerra contra Paris", acentua a da conjuntura porque, no final das contas, segundo ele, a Comuna inscreve-se em 70 anos de re. folas sucessivas dentro de Paris. Poder-se-ia quase imaginar que as re. formas urbanisticas de Hausmann teriam permitido (mas nao se ecera, ve a Histéria com "ses") levar as insurreigées ao fim. Isso, ndo somente porque Hausmann fez grandes ¢ largas avenidas que, supostamente, impediriam as barricadas, mas também porque as obras empreendidas Por ele levaram a criacéo de empregos e ao crescimento economico, Gemolicao dos corticas, ao deslocamento de indiistias polventes, Emm conseqiiéncia, a questdo para Tombs nao é que tenha havido uma te: volta por causa das obras de Hausmann, mas como pode ter ocortido luma revolugdo, a despeito da realizacdo dessas obras Tombs propée transferir a énfase na andlise das causas da Comuna para a importincla decisiva da guerra e do sitio de Paris. A guerra que Griou um vazio politico dentro de Paris, ao mesmo tempo em que det Xou, enife as méos dos parisienses, uma enorme quantidade de ar. mas, € @ guerra @ 0 sitio que favoreceram os lacos de comunidade ¢ de solidariedade, dos quais falava Could. Para Tombs, oi a guetra que riou essa solidariedade urbana, diante da urgéncia do momento Fai « ee AI, da E Tas esto Les Communeux dasa vile des analytes rents éanger. ne Mouvement Soca, n. 179, sbiljunho de 1997, p. 93-108, 37 AS ANALISES TRADICIONAIS guerra que contribuiu para transformar a Paris de Hausmann num tue gar altamente explosivo, {sso me leva a algumas consideragdes sobre 0 trabalho de Tombs Sua originalidade reside no fato de que estudou a Comuna do ponto de vista de Versalhes e do ponto de vista do Exército de Versal baseando-se em arg das questoes que (0, que tinha sido derrotada em marco com a morte dos generais Lecomte e Thomas, conseguiu estar em condigées de ganhar uma batalha dois meses mais tarde. Quem eram esses soldados? Tombs, também, recorreu a uma anélise de hist6rla social extremamente avangada delalhada do Exército de Versalhes. Os resultados que ele obteve foram, por vezes, antagnicos 4 certas idéias preconcebidas. Algumas dessas idéias preconcebidas foram retomadas por Bertolt Brecht. Enquanto assistia A peca, ontem A noite (refere-se 4 encenagao da pega Os dias da Comuna, pela Compa- nhia do Latao, em Sao Paulo], eu me dizia que o texto de Tombs ica Brecht. Mas, como eles ndo pertencem ao mesmo ramo, isso € normal fim, 0 Exército que tomou Paris de volta nao era, principalmente, composto por antigos prisioneiros de guerra decididos a esmagar os Fevolucionatios. Decerto, esses estavam presentes, mas presentes entre m nenhum papel particular. Havia Muitos jovens recrutas do Exército de Defesa Nacional. Para Tombs, esse Exe fa uma amostragem perleitamente representativa da juventude com idade para ser convocada para o servico militar. De fato, nbs, havia muitos jovens provenientes da zona rural, imbuidos da desconfianga do campo com relagao a Paris. No entanto, mostra bem, hos detalhes de sua pesquisa, que existiam igualmente relagdes de sim patia entre aqueles jovens e os jovens de Paris, das quais Versalhes e seus generais tinham plena consciéncia. A grande virtude dessa consciéncia € que esses generais puderam preparar-se para a possibilidade de con- fraternizagao entre a tropa e 0 povo do Paris, como a que aconteceu em margo, Em decorréncia dela, também verificou-se uma grande prudén- cla do Estado-Maior, que s6 intervinha quando estava seguro de poder fazéo, com 0 minimo de baixas possivels e que preparava, ideologica- mente, tals intervengées. Portanto, para Tombs, 05 soldados que toma. ram Paris de volta o fizeram porque eram soldados, de forma indepen. 38 DANIELLE TARTAROWSKY dente das opinides que uns e outros podiam ter. Eles tomaram Paris de volta porque desfrutavam de uma nitida superioridade numérica e de organizacao. Ademais, curiosamente, seu sucesso militar decorreu do fato que eram dirigidos por generais que souberam travar 0 combate de ruas melhor que os parisienses. O DEBATE ENTRE A MEMORIA MILITANTE E A HISTORIOGRAFIA Para terminar, quero sublinhar que os resultados dessa minuciosa Pesquisa levaram Tombs a retomar o debate com outros autores, aos Quais j4 me referi, sobre os ideais, presumidamente socialistas, dos comunardos e os ideais e valores republicanos. Nese ponto, reencon- uma vez, o debate entre a memGéria miltante e a historiografia, Toda a historiografia posterior a Rougerie mostra que a Comuna marcou uma etapa decisiva muito mais na construcéo da repiblica na Franca do que na construcdo social e socialista. Rougerie escrevia que "a Comuna quer ser, indissociavelmente, democratica, social e republicana". A gran- de maioria dos comunardos acreditava na repdblica e tinha esperancas hela. Nao somente porque a forma republicana constitula uma etapa prévia da construgéo de uma democracia social, mas, porque, para eles, a repiblica em si era profundamente democratica e social. Antes de voltar a Tombs, quero dizer que reencontramos a mes- ma idéia num trabalho recente de um aluno de mestrado que reali- zou sua excelente pesquisa conosco, sobre o Banco da Franca e a Comuna. Ele se chama Eric Cavaterra e sua dissertagéo, que foi Publicada, baseou-se, em boa parte, nos arquivos do Banco da Fran- a. Novamente, hé uma renovagéo de Brecht. (De passagem, faco questéo de deixar claro que gosto muito da peca de Bertolt Brecht) Essa dissertacdo relata, dia-a-dia, as negoclacées entre os dirigentes do Banco da Franga e os representantes e delegados dos comunardos que iam negociar com eles. Constata-se que essas negociagoes eram essencialmente amenas e conciliatorias de ambas as partes. Os ‘comunardos obtiveram o que pediam, mas néo pediram nada de m: Fica evidente nesses arquivos consultados por Cavaterra que houve todo um conjunto de argumentos que os levou a nao pedir muito Sem entrar em detalhes, tais argumentos mostravam um apego A re- 39 AS ANALISES TRADICIONAIS E ica social. Os comunardos estavam convencidos que a repiiblica Social era a forma necesséria & emancipacdo dos trabalhadores. Para © Banco da Franca por alvo significay dir © paga- de guerra a Bismarck e, por conseguinte, apunhalar Outros elementos que eram levados em coi ‘ar o cardter extremamente politico daqual , Fetomando as i foi, antes de tudo, militar O que me uaz de vol a0. Tombs mas lta, ias de Tombs, a derrota da Comuna = no caso, exorcizou a violéncia revoluciona- Fa, Tombs tomou emprestado do historiador Alain Corbin, que trata da questdo das representacées na Franca, a nogao de “massacre funda: dor", de “massacre inaugural ipo de massacte leria sido neces. sitio pata a instauracdo do regime republican na Franca, Finalmente, & Comuna teria tido por resultado perverso de naturalizar a republieg conservadora, & medida que os republicanos mostraram que eran capazes de par fim a movimentos tevoluciondrios como os que se sucederam durante todo o século XIX. O esmagamento da Comuna idade aos republicanos conservadores aos nservadores. Isso teve reflexos sobre a es- querda revoluciondria, Nao somente a esquerda atia foi di Inada pelas mortes ou pela deportacao € pelo exilio de seus militantes, Como foi, igualmente, vitima de uma transformagéo irreve de entao, a insurreigéo na Franga tornou-se mera fantasinago lima lenda herdiea passa a ser um possivel objeto de comemoragio, mas deixa de ser um método politico, Inicialmente, eu havia dito que explicaria o motivo de minha pre- dado que nao sou historiadora da Comuna. Um dos prin. Gbals objetos de minhas pesquisas foi a historia das manifestagoes de rua na Franga. No sentido contempordneo do termo, a manifesta. sio de rua s6 pode nascer quando morre a insurreigio, Portanto, foh Partindo de uma indagacéo muito contempordnea sobre as manifes. lagées de rua e suas origens que acabei me deparando com a Comung Como momento fundador, momento inicial. Bis, entéo, a tiltima reve "uséo do século XIX, mas Tombs ~ que retoma essa conclusse 40 Danielte taxtacowsxy macscenta uma outra. Ele trabalhou muito sabre a repressdo da Se- mana Sangrenta, com seu modo minucioso de sempre. Ele marr dade ae massacre ndo foi fruto da ferocidade desconttolada de dados embriagados, de pulséo néo dominada dos tutals contra os Ghadinos. Mas, demonstra, de forma incontestével, que a Semana ean. Grenia foi uma matanca tia, impessoal, decidida e organisade pelo Ato Comando que criou cortes marciais. Intencionalmente; care ne eave aco Conduz a uma diluigéo das responsabilidades. Tombe des, fines «u Sficacdo de uma organizagao burocratica, impessoal ¢ clen. lifea da represséo, na qual tudo € feito para que ninguém posea ne or considerado pessoalmente responsdvel, Assim, para ele, esta ren seesnco,constitulu o primeito exempio de barbarie moderna, Fim deg IX, foi também a primeira manifestagéo da era moderna dos genoctdios. Mais uma palavra para concluir; ereio que durante muito tempo auemos dificuldades para criar um lugar para a Comuna, notadamente come nay Secundétio, sso nao acontecia por razées ideoldgicas. Mos, Frame, Me tiahamos muito tempo para ensinar a longa Historia de Franca e a Comuna era um acontecimento considerade rela amen: QUéncia inscrever a Comuna em tempora- dades mais longas e mostrar como essa histéria que durau 72 dias, nist pase confinado, estava permeada pelas temporalidades ds hist6ria social, da histéria urbana, da historia militer, ae histéria mrogemica... Dessa forma, ereio que chegamos a uma melhor integracdo da Comuna numa Hist6ria global que, ao meano tempo, abre as portas para um novo tipo de objeto da hi toriografia: 0 estudo (a historiografia militante, 0 estudo do mito revolucionatio ¢ estu- do da conservagao desse mito. A questéo dos mitos revolucion ios politicos é um dos meus objetos de estudo atuais e foi a esse t lo, que reencontrei a histéria da Comuna, Muito obrigada, [Aplausos] 41 AS ANALISES TRADICIONAIS & DEBATE (Comentarios de Danielle Tartakowsky as sentadas pelo publico) icas € perguntas apre- Revolugio, socialismo e democracia: a Comuna e as correntes politicas ¢ ideolégicas na historiografia contemporinea 0, diria que a escolha de tomar 0 co comemoragéo dos 130 anos da Comuna decorreu do propésito de centrar minha abordagem na historiografia universitaria, Parece-me erg fmatnos por base esta hstriograiaunversiia, notaremos que ela se desinteressou bastante dos debates ideolégicos internos & Comuna. Houve duas razdes basicas para esse desinteresse. Antes porém, é necessario frisar que a Comuna continua sendo objeto de ‘muilas publicagées. Existe uma bibliografia recente sobre o assunto de cerca de 600 ou 700 titulos. f evidente que se eu tivesse optado por trabalhar de um ponto de vista mais quantitative sobre tudo que se escreveu, em termos de livros, artigos ou edigées especiais de revisias sobre a Comuna, terfamos chegado a um panorama muito mais com Blexo do que aquele que tentel apresentar. Decerto, reencontrariamos todas as facetas politicas dos herdeiros da Comuna, Outta forma de abordagem da questio é através do que conhego melhor que s8o as comemoragées, Em 1971, isto €, és anos apos oe acontecimentos de maio de 1968, tratava-se de comemorar o centend- rio da Comuna, Registraram-se cinco cortejos d de Pere Lachaise. Registrou-se, to somente, uma obrigaléria unidade do lugar visitado: 0 Muro dos Federados {muro no qual foram fuzilados 68 ciktimos combatentes da Comunal, bem como uma quase unidade obrigatéria de tempo que foi 0 ultimo domingo do més de maio lank, versario da Semana Sangrental. Mas as cin vas acabaram se espalhando entre o sabado e 0 domingo, entre os Periodos da manha e da tarde, Uma dessas manifestacdes, pequena, mas a primetra desde a épo- ca da Comuna, reuniu os membros da maconaria [uma das correntes ia francesa participou da Comunal. Outra, bem mais n a, reuni ques toda a extrema esa 42 DANIELLE TARTAKOWSKY ~ € a razdo dessa escolha no se encontra nos livros, mas no espaco Parisiense, tao carregado de Hist6ria ~ percorrer 0 caminho que leva da rua Gay Lussac, a rua das barticadas de maio de 1968, até o cemité- tio de Pare Lachaise. 0 chefe de Policia néo concordou com o tracado dessa passeata ¢ as coisas se complicaram um pouco. Entretanto, esse trajeto em si representava uma leitura da Comuna que era a afirmagao iagdo [do Movimento de Maio de) 1988 a {Comuna de] 1871. Na época, falou-se da “Comuna estudan ue a “Comuna esta- va na rua’, 0 que demonstrava uma leitura especifica. Uma terceira leltura foi a da Confederacéo Francesa Democratica do Trabalho (CFDT), organizacao sindical que era inicialmente catdlica € se transformou depois, a do Partido Socialista Unificado (PSU), ala esquerda do Partido Socialista, além de correntes oriundas de maio de 1968 e de outras tendéncias, que escolheram realizar sua manifesta $80 indo do metrd Charronne ~ jé explicarei o sentido dessa opcao ~ até 0 cemitério de Pére Lachaise, A estacao de Charronne foi onde desembocou, de forma extremamente violenta, uma manifestacao durante a Guerra da Argélia, manifestagao que terminou com cito Mortes. A opcdo desse grupo indicava uma leitura da Comuna que Procurava denunciat 0 conjunto das forgas de repressao. Partido Socialista, junto com uma pequena parte da extrema es- querda, escolheu o percurso que partia da estétua de Léon Blum, o lider socialista do perfodo do governo de Frente Popular, até o Muro dos Federados, Essa era uma leitura social-democrata de uma Comuna asada, ou reinterpretada pela Frente Popular e suas conseqiiéncias, Por sua vez, 0 comunistas ~ a forca mais numerosa na come: moracao do centenario da Comuna ~ eram tradicionalmente consi- derados como os “donos do pedaco". 0 trabalho que procurei de- senvolver num livro sobre o cemitério de Pere Lachaise mostra que eles criaram um [uma espécie de] memorial comunista {na area do rio préxima ao], 0 Muro dos Federados, no qual foram enter- rando dirigentes antifascistas, dirigentes comut Resisténci lantes deportados, etc. Assim, escreveram nesse es- paco luro dos Federados] uma outra meméria da Comuna, Entretanto, nessas circunstincias, estavam sendo ameacades pelas outras correntes. Por mais que fossem “donos do peda¢o”, decidi- ram marcar claramente sua posicao e repatriaram, de Moscou, as cinzas do dltimo comunardo que ainda estava enterrado {na capital t 43 ‘AS ANALISES TRADICIONAIS & A BIRLIOGRAMHA da antiga Unido Sovigtical. Passado um século, um comunardo era fovamente sepultado, via Moscou, diante do Muro dos Federados Isso parece totalmente aned: Ga, em que as comemoracées tendem a ser frag controvérsias, Tomei esse de analise, mas todos os movimentos dos quais Prépria producdo editorial sobre o tema. Nessa pro. duséo, vemos leituras que permanecem libertétias, manecem marxistas, outras ma inistas © outras ainda as deixaram de se interp ua a exist, mas 0 debate entre elas nio se e Na €poca em que fiz meus estudos, podiamos ainda nos quase fisicamente, em sala de aula sobre a quesido. Isso porque Nalo tas I Pudessem levar a enfrentamentos. O que é certo € que nenhum fato de destaque se produziu nesse ano de come: moracio dos 130 anos da Comuna, na Franca, em termos de teoria, de ideologia ou mesmo em termos cientiicos sobre o tema. Existe a Avso. clacdo dos Amigos da Comuna que mantém o que chamamos de “pe. fegrinagéo ao Muro”. O simples fato de se falar de peregrinagso mostra claramente que 0 angulo de enfoque mudou. Hoje, ha uma dimenséo cultural, muito mais que pol comemoragao. De fato, até 1970, eram as organizagées politicas que fomavam as iniciativas das celebragées. Em algum momento da. Guela década, tais iniciativas passaram As maos de associagoes de ipo cultural ou agrupamentos de tipo histérico. Nem por isso se Gave pensar que a Comuna deixou de ter importancia. Na verdad, ha indimeros acontecimentos histéricos que deixaram totalmente de ser comemorados na Franca. No caso da Comuna e apesar de tudo, alguma coisa perdura ica, da Critica a tese de que a Comuna tetia sido o tltimo capitulo das revolugdes burguesas. Jacques Rougerie teria mudado de posigio sobre essa questao Tendo a concordar com essa int rretagdo da obra de Rougerie, Seu tltimo trabalho, que recomendo a fos 0s que léem um pouico 0 44 DANIELLE TARTAKOWSKY Frances, jé que é pequeno e pritico, foi o livto da colecao “Que sais 4? Inttulado A Comuna de 1871 (La Commune de 1871). Hé tamben: pedi mais recente ¢ ilustrado, na colegao “Petit Gallimard Pécouvertes", que levanta novos pontos de interpretacao, E evidente que insisti na obra de Rougerie de 1964, porque foi o de mento de transformagéo, 0 momento de um nove enfoque. A partir dle entéo, Jacques Rougerie passa a endurecer sua analise, principal: ‘mente em resposta a seus adversérios que o levam a enfatizar detetin Rados aspectos, Como eu néo tinha muito tempo de exposigéo, optel Por acentuar os momentos cruciais, de inflexéo, do trabalho de Rougerie, em particular nesses pontos em que a Peremptoria em funcao da polémica, Subscrevo inteiramente o lembrete apresentado sobre a andlise sociolégica e as mutagoes da interpretacéo de Rougerie. Mas, por ter discutido muito com Rougerie e ter participado de inimeres debe {es com ele no decorrer dos iltimos anos, parece-me que a contradi $40 nao entre ele @ eu, mas entre ele e alguns de seus interlocutores ~ Permanece ainda no fato de que ele ressalta muito que aquele mundo operdrio em mutacdo era um universo que lutava, em primel. 0 lugar, por uma repdblica democratica e social. A di blicana é, certamente, a determinante em sua andlise, Q © debate, ele se dé sobretudo com imensao social, ou até mesmo socialista, daquele acontecimento histérico, Eu tenderia a afirmar que, entre participantes universitat. Ps ne debate do assunto, podem ocorrer divergéncias sobre ques. {ses de deslocamento de énfase. Mas, de forma geral, formousse ay consenso sobre essas andlises. Entretanto, assim que a questo é abardada num ambito um pouco mais amplo, a polémica pode res. surgir com alguma veeméncia, © Ultimo exemplo ocorreu quando Rougerie foi apresentar seu ivro publicado na colegao “Que saisje?, no meu Centro de Estudos Tinhamos um piblico composto, principalmenie, de estudantes ¢ a colegas. Contudo estavam presentes, igualmente, diversos rn: gue colaboram na elaboracao de uma grande obra coletiva, 0 Dicion rio biogrdfico do movimento operdrio, © Metron ~ nao sei se voce. ouviram falar dele. © ponto mais problematico na discussi0 nao for "9 @ caracterizas4o do proletariado de entao — como classe operd 45 [AS ANALISES TRADICIONAIS E A fia de tipo moderno ou como trabalhadores artesanais -, mas print palmente, sua relacao com a Repiblica e seus ideais. Havia um antigo dirigente da Federacao dos Graficos, filiada a Confederagdo Geral dos Trabalhadores (CGT), que colabora muito conosco, que se levantou e disse: "Se meu avd soubesse que iria morter pela Republica, nao teria gostado nada disso". Em seguida, retirou-se da sal Repressio e fundagao de um mito conservador Essa é uma questéo complexa, porque abrange toda a histéria da franga do século XX. Vou responder sobre dois pontos, sem saber se estarei respondendo, de fato, a pergunta. Em primeiro lugar, a questao da relagao dos dirigentes do Partido Socialista com a repressao e as guerras coloniais, que me parece ser um dos eixos da pergunta, E ne- cessério ressaltar que o movimento socialista francés constituiu-se como movimento favoravel colonizagao. Quando Jean Jaurés de ‘Aunciava 0 colonialismo, era apenas porque este carregava a guerra em si. Ele denunciava a guerra e ndo 0 principio colonial. Ha uma idéia profundamente enraizada no movimento operatio francés, herdada da Revolugdo Francesa, de que a Franga ¢ o pais dos Direitos Humanos s Humanos. Kipling Na Franga, isso assume ®, por conseguinte, coloniza em nome dos chamava isso de “fardo do homem bi outro nome, mas néo deixa de ser o mesino, A ruptura ocorreu na década de 1920, com a criagdo do Partido ‘omunista, que, na sua constituicéo, era principalmente um partido anticolonial, Mesmo se, mais tarde, a historia mudou. Mas eu precisaria de muitas horas para desenvolver a questo. Na verdade, seria objeto de outra expo S6 uma palavra sobre a relagdo dessas organizagdes politicas com as comemoragées da Comuna, Em outra exposic4o que farei em Sao Paulo, pediram-me justamente para falar das comemoracoes, Se eu tivesse 0 tempo necessatio, poderia mostrar como, em conjun- luras similares, temos organizacoes politicas - sejam os soci sejam 0s comunistas ~ que organizam as comemoragées e que to ‘mam suas distancias, de forma explicita ou implicita, da Comuna como estratégia, Muito obrigada. [Aplausos} 46 DANIELLE TATAKOWSKY REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS: AGULHON, Maurice, La tradition aris de Waterloo 3 ls Commune. In: ROBERT, J. L. et TARTAKOWSKY, D. (dr). Paris le peuple. Paris, Publications de la Serbonne, 1999, BARROWS, Susanna. Miroirs déformants, réflexions sr la foule en France 8 i fin du XIKe side, Paris, Aubler, 1990, CASTELLS, Manvel. The city and the grass-roots: 3 cross-cultural theory of urban social ‘mouvement. 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ECO DO SECULO XVIII OU PRENUNCIO DO SECULO ue A tradigéo socialista apresentou a Comuna de Paris como o meio governo operdrio da Historia. Essa caracterizacao fora feita pelo proprio Karl Marx no calor dos acontecimentos, em textos reunidos osteriormente num livro intitulado 4 guerra civil na Franca, que se tornou célebre, Marx era teérico e dirigente da Associacdo Internacio- ‘al dos Trabalhadores (AIT), cuja segao francesa teve papel destacado ha revolugio e no governo da Comuna de Paris. Vinte e trés anos antes da Comuna de Patis, Marx e Engels haviam Prognosticado, no Manifesto do Partido Comunista, a iminéncia de uma fevolucdo operaria no continente europeu. Trés anos depois de terem escrito O Manifesto, Marx e Engels, nas andlises e balancos que fzeramn das revolugdes de 1848, prosseguiram afirmando que uma revolugao operéria estava em marcha, Na andlise que Marx faz da Revolugao de {848 na Franca, em seus textos O Dezoito Brumadrio de Luis Bonaparte ©As lulas de classes na Franca, o episédio da insurteigao operaria de * Mrofessor do Departamento de Cincia Pi 8 ds Unicamp ¢ editor da eves Critiea Marista,

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