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Programa editorial da LIVRARIA E EDITORA LOGOS LTDA “ENCICLOPEDIA DE CIGNCIAS FILOSOFICAS E SOCIAIS de MARIO FERREIRA DOS SANTOS. 1) *Fusofia e Cosmaviaéo” — 38 ed, 2) “Léglea e Dieéetcn” (ineluindo © Decadiaéctica) — 3% ed 3) “Psicologia” — 38 ed, 4) “Teoria do Comhectmente” ~ 38 ed. 5) “Ontologia Coumotogia” — 28 ed, 8) “Trotado de Simbélice” 1) “Pilesojia da Crice” (problemities) — 28 ed 8) “0 Home perante 0 Infinite” (Tealogia) 9) “Noologie Geral” 28 ed. 10) “Filosofia Conereta” M1) “Sociologia Fundamental” “Etica Fundamental” No. Przto: 12) “Filosofia Concreta doe Valoree” (COLECAO TEXTOS FILOSOFICOS — Sob a diregio de MARIO FERREIRA ‘DOS SANTOS. "Aviatételes¢ 8 Mutasées" — Com o texto tradunido ¢ reexposto,acompanha- do do comentéros, compendiadas por MARIO FERREIRA DOS SANTOS. "0 Um eo Miliplo em Pletio", de MARIO FERREIRA DOS SANTOS. A, Sam “Obras completat de Avistételes” ‘Obras completar de Plato’ = Acompanhadas de comentirios © notas. COLECAO "QS GRANDES LIVROS": “Don Quisote de {a Moncha”, de Miguel Cervantes — ilustada, com seavuras de Gustave Doré — $ vols. ene. Porniso Perdido, de Milton, com stustregsee de Gustave Doxé, em 2 vols “Rébulos de Le Ponteine”, com lustragiee de Gustave Doré, em 3 vot A Sum: ‘A Mada”, de Homer ‘A Odie", do Homer. ‘A Enelda”, de Virgilio, “A Divina Comédia”, de Dante, com Hustragées de Gustave Deré, em 3 vale Gil Blee de Sentithana”, de Le Sage, com tlustraées ANTOLOGIA DA LITERATURA MUNDIAL: 1) “Antologis de Contos © Novelas de Lingua Estrangeita” 2) “Antologia de Contos Novelas de Lingua Estranguita” 5) “Untologia de Contos « Novelas de Lingua Pertuguésa" 4) “Lendas, Fibulas @ Apélogos" 5) “Antolotia do Pensamento Mundial” 8) “Antologia de Famosos Discursos Brasileces” 7) “Antologia de Poetas Brasleres 8) “Aniologla de Poetat Eetrangeires 4 MARIO FERREIRA DOS SANTOS: TEORIA DO CONHECIMENTO (GNOSEOLOGIA E CRITERIOLOGIA) 38 EDICKO RNCICLOPRDIA DE CIBNCIAS FILOSOFICAS E SOCIATS vou 1 Livraria © Eprréra LOGOS Lyra. PRAGA DA Sf, 47 — 1° ANDAR — SALAS 11 ¢ 12 FONES: 92-3892 © $1-0288 KO PAULO 1 edigio — absll de 1954 28 edisio — setembro de 1056 38 edigdo — agosto de 1058 Todos os disiios reservados Obras de MARIO FERREIRA DOS SANTOS Prouscaoas: Fuosofia ¢ Coamoviséo" — 38 ed. ~ "Légion © Dieléeties” — 28 ed “Psicologia” — 88 ed, no pre. “Teoria do Conhecinento” —- (Gnoseoloaia © Critirilogiay — 3 eg “Ontologia @ Coomologia” — (As eifncias do Sex e do Cosmos) — 3. ea "0 Homem que Fot wn Canipa de Batalhe” — Préiogo de "Vontade slo Poténcia", od. Globo — Eegotada "Curso de Oratéria © Fetirics” — 84 ed, "0 Homem que Nescew Péstumo” “Assim Faleve Zeratutré Déliea — 38 ed, no prelo. ~ "Téenies do. Discurso Hedern” feos vietemton) — Yagtada Tpit de Mle com eit a9 ed. "Se a esfinge flasse,.." — Com 0 pscudénimo de Day Andersen — Bgotada ~"Realldade do Homem' ~ Com 0 pseuiénimo de Dan Andersen = Andlise Dieléctica do Merziemo” — Eagotada “Cureo de Integrasdo Pessoal” — (Estudes caractrolégloos) — 26 od —Tatado de Eeoomia” — (Edigéo mimeografada) — Esgotada —“Avistéteten © as Mutagies" — Reoxposieio analitico-diditieg do texto rstatélico, ecompanaia da eitiea dos mais famotos comentaristas “Pilosofia da Crise” — (Problemética filecéfica) ~ 2 ed = tratndo de Simbétics”™ = “mocioge Gerad” — Infinito (Tela) “0 Homem perunte — "Filotojta Concreta = SSocialogie. Fundamental” © “Etice Fundamental” = "Pritioas de Oratér” "0 Um ¢ 0 Maltiplo em Plotio” No Pasco: “Assim Deus falow aos homens” — Colotinea de trabathos pubicados com o peeudénimo de Mahdi Fezan “Filosofia Conereta dos Valores” AL Pumuican: “Os versot dureor de Pithgoras” “Pidgoras ¢ 0 Tema do Nimero” “Tratedo de Estétice” tratedo de Fsquematologia” “Teoria Gerth das Tensies” “Dicionéria da Filonefia”™ “Filosofia © Histérin da Cuttura” “Tratado Decadlaldetico de Economle” .- (Reedigia ampliads do tedo de Beanomis") “Filosofia da Afirmagio © da Negagio” “Temétice e problendtlea das Ciicias Sornis” As és enftoas de. Kant” “Heget « a Dislétien” “Diclonévia de Simbolos © Sinale” “Btetodotoaia Dialectica” “Diseurses © Conferéneias” ‘Tranogias “Wontade de Poténcie", de Nietzsche “Ald do Bem ¢ do Mal", de Nletexhe “Aurora”, de Nietzsche “Didvio futimo", de Amiel “Soudegio ao Mundo", de Walt Whitman INDICE Prefacio (Filosofia e Critica) Métode de suspicécia MA Art, ‘Art TEMA 1 Ast TEMA T Art Art TEMA IL Ast Art Art ast RMA UH Act ‘Tama 1 Act. Ast Art MBTAFISICA 1 — Conceito de Metaffsiea 2. — Método e divisio da Metafisica GNOSEOLOGIA 1 — Gnoseologia © Critétiologia PARTE SINTETICA 1 — Possibilidade do conhecimento (Dogmatis- mo e cepticismo) 2 — Critica do probabilismo 1 — Origem do conhecimente 2 — Problemética do empiriemo ¢ do racionalisino 3 — Locke e 0 eimpirismo moderne 4 —Tentativas de conciliacio 1 — Comentarios decadialécticos 1 — A essineia do Conhecimento (objectividade © subjectividade) . 2 — Realismo e idealismo 3 — Fenomenisme — Id — Existencialismo lismo critica absolute Ww MARIO FERREIRA DOS SANTOS! PARTE ANALITICA vexa v "Art. 1 — Gepticismo grego — crise do conhecimento ‘Att 2 — Do pecbabillsno © do ceptcisme =. ‘Art 3 — Do pitagorismo a Platio At 4 — O realimo arsttdico Ar 5 — A polémice dos universais .-- : ‘Art 6 — O realismo moderado de Toms de Aquino | 151 ‘Ark 7 — A posigdo gnoseolpca de Duns Sect 18 AN 8 — Ockame sun influgncia is PREFACIO A FILOSOFIA MODERNA. TEMA VI rmosorta & cnirica) "Art 1 — Nicolw de Casa este 18 ‘Art B= Dewearts e Spinoza 2000000000 95 Art = Lelbnite 201 ‘Um dos grandes males, quase inevtévels na fiosofia, ¢ Art. 4 — Do Empirismo (Locke, Bacon, Newton) .... 209 que promoveu falsificagées do pensamento, por meio de cari Ack §— Do Bhplrime Berkley ume) 21 atures (e famosa ignoraio clone), decorre mutes izes Arh 6 — A posi gneseoléeca de Kant (Filosofia das posigbos de escolas, que digladiando-se entre si, de porspec- . tivas angulares diversas, favorecem actualizagdes ¢ virtualiza- CRITERIOLOGIA es que provocam indteis desentendimentos. A eterna dispu- crema vit ta entre a homogeneldade do sr e a heteroyencidade do devir, ‘Art 1 — A verdade e o éero entra o Um e o Miltiplo, © as tentativas de sinteses coordena. Ae BO eeiéle da verdade |... floras, em cettos petiodos histérieos, no impodom sobrovenha Art 8 — Anilie decadaécticn da’ verdad a crisis, que abre abismos, aparentemente inflanquesveis. Nao podemos deixar de reconhecer que desde Ockam para cé, instala-se a crise na filosofia moderna, que a escoléstica, em seu segundo grande perfado, o da contra-reforma, néo péde evitar. A filosofia moderna caracteriza-se pela crise, pela sepa- racio das perspectivas, pelo predominio do Mltiplo, do devir, salvo naturalmente aquelas correntes que se firmam nos ssli- dos pedestais aristotélicos © da escolistica, esta tio pouco conhecida e carieaturizada ao sabor da afeetividade ¢ da igno- raneia de muitos. Sempre nos preocupou a procura de um método capaz de reunir as positividades das diversas posigdes filoséficas. ‘Mas como tom predominado a posigio exeludente do aut aut, da qual se libertou em grande parte a ciéneia, ¢ por isso MAIUO FERREIRA DOS SANTOS conheceu progressos, compreendemos a urgénela de um mé todo includente ¢ nio excludente, que concilie positividades. Em “Filosofia e Cosmovisio", compendiando as idéias fundamentals dessas duas diseiplinas, procaramos ressaltar desde logo que a oposico entre 0 sujelto e objecto (psicold- icamente considerado), entre intuiglio e razio, com seus es- quemas correspondentes (que permitem actualizagées e vir- tualizagées racionais e intuicionais), ¢ 0 exame do objecto sob ‘a8 antinomias da intensidade o da extensidade, de t2o ricas eon- sealiéneias, aproveitanda, assim, as contribuicées da fisien mo- derma (factores de intensidade © de extensidade) ¢ as actua- lizacbes e virtualizagGes que nos Jevam ao campo das oposigies entre possibilidudes reais © as chamadas nfio reais, bem como o olhar os factos em seu produzir-se como produtos, em busea dos variantes e invariantes, ressaltamos que essas oposigies podiam cooperar, como na verdade eooperam, para a visio glo- Dual dos factos, © até para a investigagao transcendental, Construimos, naquela obra, as bases da nossa Decadialée- tiea, que opera em dez campos, e da pentadialéctica, que os analisa nos cinco planos: o da unidade, 0 da totalidade, o da série, o do sistema ¢ 0 do universo, Nao se encerram ai as possibilidades dialéeticas, por nés compreendidas, que nfo excluem a lézica formal, monumento do pensamento aristotélico, pois a dialéetien permite, por exem- plo, no campo do conhecimento e do descontiecimento racional. categorinl e conceitual que Aristiteles to bem empreendeu. Assim, om face das posigdes do aut...aut (ow... ou...) edo ct... et, preferimos construir 2 posigio do etiam, do tam- bém, englobante, includente das positividades numa grande positividade conereta. Como o funcionamento noético do homem implica ainda a afectividade, que tivemos o maximo euidado de distingui-la da sensibilidade, para evitar tantas aporias, impunka-se natu valmente 2 compreensfo das Iigicas afectivas e conseqilente- mente da simbélica, cujos estudos empreendemos nos livros “Psicologia”, “Noologia Geral” ¢ “Tratado de Simbéliea”, onde ‘THORIA DO CONTECIMENTO ® construimos a dialéetica simbélica, em eooperagio com a deca: ialéctica, e, finalmente, uma “éialéctica noética”, como ponto We pattida, no 86 para a epistemologia, como para a captacée coneregio das positividades, Estas palavras vem & baila em face de certas eriticas que ns meus livros receberam. Entre as muitas (elogiosas todas), ulrumas, um tanto apressadas, afirmaram aspectos que mere- vem certos reparos. Costuma-se dizer que a filosofia “naseeu na Grécia”; & como nés, veidentais, julgamo-nos no 6 herdeiros, mas descen- dentes dos gregos, orgulhamo-nos dessa origem. (Spengler muito bem causticou ésse orgulho féustico). Egipeios, hindus, mesopotamios, ete., no tém pensamento ‘ilos6fieo © sim, e apenas, religioso. Admitia-se essa afirmativa quando era quase total o des comheeimento do pensamento filoséfico dos eutros povos. A filosofia nfo “nasce” aqui nem ali, com exclusividade mas onde o homem pensa sObre os grandes porqués, as primei ras e tltimas eausas, invade com o pensamento, ¢ apenas com le, através das configuragées do imanente (que 6 0 campo exclusive da eiéneia), 0 transcendente, para afirmé-lo ou nega- -lo, no importa, construindo iufzos de valor ao captar as sis nificagdes mais profundas das coisas, buseando a “collatio” que as conexiona, ete. E se tal se der em outro planeta, por outro ser inteligente, 1 também hé filosofia, como haveré matemitiea, onde qual- quer ser inteligente especular sébre mimeros, ete. Exsenciatmonte a filosotia 6 sempre a mesma, e a dos gre- 08, como a Ge outros povos, enquanto filosofia, dissemos, sie iguais. ‘Negar-se que filosofaram e filosofam os outros povos 6 apenas evidenciar ignorancia, que ainda poderia ficar bem no século passado, nao, porém, neste, depois dos eonhecimentos obtidos no sector da histéria e da arqueologia e no conhecimen- to das obras filoeéficas. “ MARIO FERREIRA DOS SANTOS Houve quem se opusesse tenazmente & nossa afirmagio de que é “muito mais ampla do que ge pensa” 2 contribuigéo do pensamento dos outros povos ao pensamento grezo. Admitamos que a tese por nés exposta ndo tivesse a abo- né-la nenhuma contribuiglo de autores e estudiosos, euja lista, se aqui féssemos fazer, tomaria colunas, Bastaria a prépria afirmagio dos gregos, a influéncia de figuras eomo as de Orfeu, Hermes Trismegistos, 0 “Thot” dos eipeios, Pitégoras, ete. Pode-se duvidar da existéncia historiea de tais figuras, e muitas, na historia, também sofreram essa dévida, Mas o orfis- “mo é uma realidade, o hermetismo é uma realidade, o pitago- rismo é uma realidade, que nie podem ser reduzidas as eariea- tures costumetras, Os gregos mantinham contacto com as culturas de Klet! (Creta), a siria, a egfpeia (recordem-se as viagens de Thales, do Platdo, de Péricles, de Demécrito, ete.). A semelhanga en- tre os “Versos dureos” pitagéricos e as especulagées anteriores do budismo, os einicos, os estdicos e os epfeurens € as seitar de outros povos, (que permite admitir nao apenas uma mera correspondéncia), os mitos gregos primitivos, os documentos encontrados iltimamente em Ras-Shamra, ¢ nas escavacoes de Biblos, 0 papel da atomistica do sidénio Moseos no pensa- mento de Demécrito, a influéncia sofrida por Euxédio de Cnido, quando de sua estadia em Heliépolis, o papel da revolugio almar- ina de Amendfis IV, ete., sio factos importantes que exigem. meditaedio e pesquisas, As culturas no soe nfo foram tao estanques para nio haver penetragées e influéncias entre elas, e se mantinham, naqueles tempos, turismo e bolsas de estudos,’ © intereémbio cultural (0 que nio é exclusive de nossa época). Se tudo isso for considerado, entre a eategérica afirmativa de que néo hd nenkuma influéncia de outro pensamento, no grego, e a nossa que “é muito mais ampla do que se pensa” (isto é do que pen- sam 08 que 0 negam),ver-se-ia que sobejam razées a nosso fa- ‘vor, como ainda 0 mostraremos em nossa obra "Filosofia Orien- tal”, que em breve editaremos, ‘TEORIA DO CONHECIMENTO 15 Os gregos oram de grande plasticidade (e os egipcios os neusuvam disso, ¢ até os proprios gregos). Sofreram influén- clas comprovadus na matemética, na ciéneia, na téeniea, na mt- ica, na arte, na religio, no ritual, no direito, em tudo. Menos na filosofia. Aqui nao! Aqui os gregos, deliberada e decidida- mente, renunciando & sua natural plasticidade, tomaram a de- cist irrevogavel e inabalivel de nfo se deixarem influir! Que tenha a avn peculiavidade o pensamento filosético gre- ko ninguém o nega, nas como esséncia, & filosofia € uma s6, No seu “compositum”, a filosofia grega se diferencia dius outras Um critico, a0 ler 0 titulo de nossa obra “Légiea e Dialée- tien", e como tem presente & meméria que os socialistas usam muito a palavre dialéetiea, concluiu apressadamente que é uma cobra socialists, Absolutamente néo: trata-se apenas de uma cbra de Vilosofia Adomais, a dialéetica nfo € propriedade dos socialistas, ‘ue nem sempre a souberam usar, e ainda mais a desvirtuaram ‘em muitos pontos Nessa obra, claramente expusemos que a dialéetiea, por nis aceita e usada, nfo é uma Jogica do absurdo, mas sim uma logien conereta, portanto includente ¢ no excludente, que no dispensa a ldgica formal de origem aristotétice, mas apenas ‘busca conerecioné-la, aproveitando, no eampo da existéncia, as andlises que foram realizadas no eampo formal Nem tampoueo 6 proudhoniana. Se Proudhon mareou para «8 dialéctics ocidental um rumo mais seguro, ¢ se chamamos & autoria a sua critica, fizemo-lo por honestidade intelectual, sem que nos cinjamos a0 campo proudhoniano, como nao nos incor- poramos no campo de ninguém, Procuramos nessa obra expor idéias nossas, genuinamente nossas, concrecionando o que de positive outras doutrinas ex- Puseram, mas obra, em sua arquitetinica, totalmente nossa, 1 MARIO FERREIRA DOS SANTOS afrontando, assim, o espirito colonialista passivo de muitos brs sileiros, que nlo erdera, nfo admaitem e nfo toleram, que alguns de nés tenkam a petulineia de formular pensamentos préprios. Mario Ferreira dos Santos METODO DA SUSPICACIA Para o estudo da filosofia, em seus campos mais comple- xoe, como 08 que inielamoe nesta obra, que abrem o camino aos estudos da Metafisiea, sempre aconselhiamos aos nossos alu- nos, om nossas aulas, ¢ hoje o fazomos ao leitor, que tem a bom ade de manusear nossos livros e lé-los, que chamamos 0 m: todo da suspicdcia, que é uma actualizagao da suspeita, da des- confianga, @ acentuaelio, em suma, de um estado de alerta no estudo, que 86 pode trazer bons frutos ao estudioso. Em face da hetorogeneidade das. idéins, das estérets, ou nao, disputas de escolas, da diversidade de perspectivas, que podemos observar em téda literatura filoséfiea, com a multipli- cidade de veetores tomados, impoem-se ao estudioso a maxima segurauya © o maximo cuidady para ui deiaarse arrastary em polgado pela sugestiio e até pela seducgio das idéias expostas, que o arraste, naturalmente, a cair em novas unilateralidades ou a prendé-lo nas teias de uma posi¢io pareial, que nao permiti- ria surgir aguela visio global e includente, que temos proposto fem todos os nossos livros. Sio as seguintes as regras da suspiedcia, que propomos I — Suspeitar sempre de qualquer idéia dada como defini- tive (idéia ou opinigo, ou teoria, ou explieagio, ete.). II — Pelos indicios, buscar o que a gerou, Ante um con- ceito importante procurar sua génese (sob todos os campos e planos da decadialéctiea e da pentadinléetica) a) Verificar se surge da experigneia ¢ ce se refere a algo exterior # nés, por nbs objectivado; b) ge surge, par oposigio, B MARIO FERREIRA DOS SANTOS (ou negagio), a algo que eaptamos ou aceitamos; ¢) se é to- made abstractamente do seu conjunto: d) se o seu conjunto esta relacionado a outros, e quais os graus de coeréneia que com outros participa. IL — Nao accitar nenhuma teoria, ete., que s6 tenha apli- cago num plano, e néio posse projectar-se, analdgicamente, 208 outros mais elevados, como principio ou postulado ontolégico. TV — Suspeitar sempre, quando de algo dado, que h4 o que nos escapa e que precisamos procurar, através dos métodos da aialéctica. V — Evitar qualquer idéia, ou nogio earfeatural, e busear 6 Zuncionamento dos esquemas de seu autor para captar o que tem de mais profundo ¢ real, que as vézes pouco transparece em suas palavras. VI — Devemos sempre suspeitar da tendéneia abstraccio- nista da nossa intelectualidade, que leva a hipostasiar o que dis tinguimos, sem correspondéncia com o complexo conereto do existir, ‘VII — Observar sempre as diferencas de graus da actua- lizagio de uma idéia, pois a Gnfase pode emprestar A esséncia de uma formalidade 0 que, na verdade, a cla nio pertence, Assim, o que € meramente accidental, modal ou peculiar, que surge apenas de um relacionamento, pode, em certos momentos, ser considerado como essenciais de uma entidade formal, permitindo e predispondo, que, posteriormente, gran- des erros surjam de um ponto de partida, que parecia funda- mentalmente certo, ‘Ao defrontarmo-nos com um absurdo ou com uma posigio abstraccionista absolutista, podemos estar eertos que ela parte de um érro inicial. Remontando as origens, aos postulados ini- cialis, nfio ser dificil pereeber 0 érro. ‘VIII — Na Ieitura de um autor, nunca esquecer de consi- derar a acopgdo em que usa os conceitos. Na filosofia moderna, euja conceltuaglo nfo adquiriu ainda aquela nitides e sexu- ranga da coneeituagho escolistiea, hé uma multiplicidade de ‘acepgies que péem em risco a compreensio das idéias. E muitas polemicas e diversidade de posigSes so fundam sdbre 2 mancira ‘WORIA DO CONHECIMENTO ~ pouvo clara de apanhar 0 esquema noético-eidético de um con- sito, o que decorre di auseneia da diseiplina, que era apandsrio escolistica em suas fases de fluxo, IX — No exame dos coneceitos, nunca deixar de considerar © ue ineluem eo que excluem, isto é, 0 positivo inelufdo no emer eoneeitual, e 0 positive, que a éle é recusado. X — Nunea esquecer de considerar qualquer formalidade em face das formalidades que cooperam na sua positividade, ont estarom inclusas na sua tensiio, Assim, por exemplo, a rationatitas, no homem, implica a Jimalitas, embora formalmente, no esquema essencial, 2 segrun- dls nio Inelua necessiviamente a primeira, enquanto a primeira implica, necessdriamente, a segunda. Mas, como esquemas formais, ambas se excluem, apesar de 1» primeira exigir a presenca da segunda para dar-se no compo- situ, isto 6, na kumanitas XI — Sempre euidar, quando de um raciocinio, a infhién- cin que possa ter, em nossas actualizagées ¢ virtualizagées, inGreia natural do nosso espirito, o menor esférgo, sobretudo nos paralogismos ¢ nas longas argumentagies, XIT — Toda afirmagio que apresente cumko de verdade, verificar em que plano esta se verifica: se no ontolégico, no tice, no lpieo, no formal, no gnoseolégieo, no material, no axioléxien, no simbélieo, no pragmético, ete. Fstabelecida a sua positividade, procurar as que exige para que se obtenha um critério seguro, Esta ditima providéneia, e 0 modo do seu processual, & a que se adquire pela matéria a eer examine- da nesta obra, Outras providéneias do método da suspicécia serio apre- sentadas nas obras posteriores desta Enciclopédia, & proporgio que se tornem necessérias. Nessa ocasifo, teremos 0 cuidado de tratar delas, expé-las com a exemplificagio que se tornar imprescindivel, vEMA METAFISICA Arico 1 CONCEITO DE METAFYSICA Muito tempo depois da morte de Aristételes, AndrOnteos le Rhodes, no 1.° século da era crista, tendo editado uma série slo fragmentos das obras do peripatético, que nfo constavam stay edigdes anteriores, aerescentou, loge apos a “Fisica”, certos studs, intitulando alguns de té meté td physid, isto 6, “eseri- tos que sobrevém ao livro da Fisica”. Como 03 objectos de que tratava ésse livro no eram prd= priamente os do mundo sensivel, como os da fisica, mas trane- sisicos, as palavras gregas foram latinizadas em metaphysica, home finalmente que tomou a diseiplina filoséfica, cujo objecto ‘io 0g ontos transfisicos, como so depara claramonte nesta fa mosa definigéo de ‘Tomas de Aquino: “Chamavse (esta ei vin) de metafisiea, isto é transfisiea, porque ela se apresenta sp6s a fisien e temos de nos clevar, x partir das realidades vensiveis, &s realidades que nfo 0 sia." Essa delimitacio clara do conceito e da actividade metafi- fea mem sempre foi bem compreendida, Analisemos a defi nigho tomista. 1) 6 transtisien, pois aborda, estuda e examina entes nio fsieos 5 2) em sua actividade deve partir das realidades senstveis. Bste segundo elemento é de magna importincia. A meta tisiea deve partir das realidades sensiveis para aleancar as rea- lidades ndo sensiveis. 2 MARIO FERREIRA DOS SANTOS Ora, as realidades sensiveis, objecto das ciéncias, perten- cem ao mundo do imanente, permitem que sdbre elas se construam juizos de existéncia, As realidades transfisieas, por nfio serem sensiveis, ultra- passam 0 campo da imanéncia, portanto transcendem-no, sho, pois, transcendentes. Se no mundo da imanéneia, mundo da ciéncia, podemos construir verdades materiais, fundadas no sensivel, no mundo da transcendéncia, as verdades serdo transcendentes, portanto, metafisicas. Mas destigar-se a metafisica, como estudo do transfisieo, das realidades sensiveis, seré eriar uma erisis (abismo, sepa- ragio) entre um mundo e outro, A metafisica seria um afas tar-se déste mundo, um desinteressar-se déste mundo, © que nfo propés Toms de Aquino, pois indieara como ponte étieo do metafisieo: partir das realitades sensiveis, E veremos em breve, como sera ffeil demonstrar, que, por niio se ter considerado assim, a metafisiea conhecou uma forma vieiosa, 0 metafisicismo, que pairou apenas no terreno das locubragées transfisteas, sem procurar ¢ sem considerar as res- sondncias novessérias que elas deveriam ter e encontrar no mando sensivel. ‘Vee, desde logo, que reivindicamos & metafisica um sen- tido dialéctico, em oposigo A maneira viciosa de alguns meta- fisieos menores, que pensaram que, para ser tais, precisariam desligar-se totalmente da realidade sensivel. Serve esta adverténcia para que desde logo se patentele ‘que a posigio de muitos opositores & metafisica encontra fun damento apenas na acgio dos metafisicos menor tudo desta importante disciplina logo revelard. Observa-se desde inicio, que a motafisica nfo é uma cons- trugto s0bre o véculo, nem 6 apenas um discursar s6bre con- ceitos inanes, vazios de contetido real, formas que expressem nossos desejos, nossos impetos ou a nossa ignoranels, como, porventura, tantas vézes se tem dito e repetido. TEURIA DO CONHECIMENTO 2 (0 ponto de partida da metafisica é 0 das diversas realidades, Hissas mesmas realidades sensiveis podem ser consideradas metafisicamente, isto é pelo emprégo de um método analitico melafisieo, que procuraremos, no decorrer de nossos trabalhos, tornar 0 mais dialéctico possivel. Eata a razo por que de antemfo (fazemos questio de sa- lientar) opomo-nos decididamente ao divéreio erindor entre a ciéneia ea metafisica, pondo uma ao lado da outra como se representassem, uma o polo da realidade, ¢ a outra, o polo da irvealidade. E 0 gesto displicente ou 0 sorriso irénico dos metafisieas para com os cientistas, ou déstes para com aquéles, compreen- dose apenas como produto de uma mitua incompreensio, que verviu somente para eriar uma crise no saber te6rico, no saber epistemico, Se éste se distinguiu em diversas disciplinas, nfo deveria tal distingdo considerar-se como uma separacao real, pois ainda mostraremos que esta é falsa, ¢ a ciéncia e a metafisica pode- riam cooperar, como na realidade cooperam, pois a ciéncia é, em certo modo, metafisica, como a metafisica € por sua ver, ciéncia, Portanto, a metafisiea no é nem deve ser considera- da totalmente A parte da cifneia, max a arquitetinien desta, um projectar-se desta além do seu ambito, nfo considerando ‘apenas como motafisica 0 que a ciéncia ignora, como o propdem alguns, mas 0 que nfo cabe & eiéncia, com seus métodes, tratar, ‘e que nio implica, por isso, negagéo. Desde © momento que & ciéncia reconhega os seus limites, afirmaré ela dialécticamente um além. E se ésse além escapa ‘208 estudos e aos métodos empregados pelas cigncias experimen- tais, nfo deve ser desprezado ou abandonado pelo homem. © reconhecimento do limite 6 um apontar dialéctieo para que fica além do limite, E tdda a dignidade da ciéncia esta em respeitar ésse limite, que aponta para a frontelra entre dois mundos de realidade, que implicam, por sua vez, métodos dife- rentes, mas andlogos. Reconhecer tal contingéncia 6 da digni- o MARIO FERREMA DOS SANTOS dade do sibio, E aqui servem perfeitamente estas palavras de William James: “Nao pergunteis a um gedlogo 0 que 6 0 tempo: isto o ultrapassa; nem a um profissional da mecénica como so pos sivels acgies ¢ reacgées: éle nfo poderé tratar delas. Muito tem 2 fazer um psiedlogo sem se ocupar da questio de saber como pode dle e as eonsciéneias que éle estuda eonhecerem ura mesmo mundo exterior, Ha bastantes problemas que nfo existem de- baixo de certos pontos de vista, os quais, sob outro ponto de vista, so problemas essenciais, e os quebra-cabecas da metati- siea sfio os problemas mais importantes que existem para quem quiser penetrar a fundo na intima eonstituiggo do universo visualizado como um todo." (Psicologia) Encontram tdas as eiéneias om seu objecto uma zona que escapa em grande parte 20 seu ambito, e aponta o que fiea além, como a fisiea ante o problema do movimento, das ordens enorgétieas, etc., como matemitiea ante o niimero, e a psico- logia ante o problema da alma, ¢ a biologia ante o da vida. Estio éstes grandes problemas a apelar constantemente ao fil6- sofo que trate déles, Bo préprio cientista, quando se poe a examiné-los, torna-se fildsofo, e suas hipsteses so quase sem- pre metafisicas. Mas se encontramos tais pontos de convergéncia entre & cidnoia e metafisica seria primarismo considerar que ambas se confundissem plenamente. Cigneia ¢ Filosofia, incluindo esta a Metatisiea, so disei- plinas de ordens diferentes. Se a eféncia tema por objecto 0 mundo sensivel; a metafi- sica tem 0 transfisico, Conseqtientemente, os métodos tém de iferentes, mas andloges. E dizemos anélogos, poraue & analogla é ume sintese da semelhanca e da diferenga, B se por trabalhar com entes corpérees, pode observé-los sensivelmente @ experimentar com instrumentos fisieos, © que n&o 0 pode a metafistea, precisa ainda trabalhar com a razfo, com a légiea, ‘THORIA DO CONHECIENTO 2 vw a Togistica, ou a dialéctica, para procurar 0 nexo que liga 4 factos uns os outros, ¢ elaborar suas teorias. (1) Néo 6 a Metafisien um penctrar em um mundo onde deve- mos nos despojar de todos os instrumentos deste, € que, neste, nermita-nos ebter conhecimentos. 0 modo de raciocinar me- fisico € © mesmo que o do cientista, E éste, quando medita sdbre as coi ine sempre, quer queira ou nfo, o terreno da metafisica que 0 va, exigente a solicitar-Ihe solugies, que éle muitas vézes tome afrontar, retirando-se a uma posigio agnéstica, que 6 ma verdadeira remincia A dignidade do saber humane. Rasta considerarmos a situagio do fisico ante as teorias

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