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Fundamentos do servigo social a partir de uma perspectiva dialético-marxiana Inez Rocha Zacarias Jane Cruz Prates Thaisa Teixeira Closs 1 Introdugao O contexto contempordneo é, para usar uma expresso de Chaui,' 0 contexto do espeticulo ¢ do narcisismo. Estas duas caracteristicas bem refletem as refragdes de uma construgio que, a partir de bases econémico-sociais, cria a cultura do consumo e subverte todos os valores humano-genéricos, cultuando aparéncias, o individualismo, os fragmentos, episédios. A autora complementa alertando que este contexto empobrecido e egoista acaba por frustrar a expectativa dos sujeitos gerando violéncia, competigo desmedida, despreocupa geragdes futuras. Vivemos um contexto, portanto, marcadamente contraditério, aleangamos um nivel de desenvolvimento tecnolégico que nos permite comunicago imediata com qualquer parte do planeta em segundos, Permite-nos 0 acesso e a circulagdo de dados informages sobre os temas mais diversos, numa velocidade nunca antes vista, mas por outro lado os conhecimentos ndo se sedimentam, a sensago de ndo acompanhar a velocidade dos tempos nos angustia e faz com que nos sintamos quase sempre defasados, desinformados. Mas os recursos ¢ a evolugo teenoldgica embora tenham revolucionado a vida humana, propiciando a cura de doengas ¢ o dominio até mesmo do tempo e da distincia, nfo trouxeram ao homem comum, que habita a maioria do planeta, a redugdo da jornada de trabalho, por exemplo. Ao contrario, vivenciamos um contexto de desemprego estrutural e, em nossos locais de trabalho, cada vez mais somos exigidos em miiltiplas Areas, de modo polivalente; vemos os postos de trabalho se reduzirem, em quase todas as dreas, 0 que ndo é diferente nas universidades, A redugdo de custos, 0 enxugamento da maquina, um gerenciamento aparentemente moderno e empreendedor, tém por tras a ampliagdo do lucro, que sempre, em qualquer circunstncia, se pauta na explorago e na expropriagdo. Ampliago que, mesmo ocultada por discursos apresentados como inovadores, acaba por impactar negativamente na qualidade dos produtos do trabalho e na qualidade de vida dos trabalhadores. jo com © outro © ameaga a preservagio das " CHAUI, Marilena Ftica. O drama burgués/ética das aparéncias. DVD, Gerd Bornheim, 2005, 10s 2 A formagao em Servico Social: desafios e prioridades © contexto contemporineo, a era informacional, da robética, do virtual, em que pese os avangos possibilitados por esses saltos da inteligéncia humana, nao reverteram as mortes pela fome e pelas chamadas doengas da pobreza, como as de veiculagio hidrica, no terminaram com o analfabetismo, com o trabalho infantil, ou com o trabalho precario e até escravo As prioridades, decisées humanas sobre aquilo que deve ser sustentado, ainda privilegiam 0 econdmico e colocam o humano, 0 ecoldgico, a ética, a vida digna, como opgdes e compromissos caudatérios. As mazelas objetivas, que impactam a vida dos sujeitos, seja pela falla de habitagdo, de acesso 4 satide, a assisténcia, a insergo produtiva, e que seguramente repercutem na sua subjetividade, no raras vezes ja fragilizada, desmotivada, desvalorizada, exatamente em razio de suas condigdes objetivas, so o resultado de desigualdades sociais cada vez mais acirradas. Ou seja, refragSes de um capitalismo que se renova e se metamorfoseia para mascarar a subordinago imposta aos que vendem sua forga de trabalho, a partir das velhas formas de exploragdo apresentadas como inovagées gerenci naturais. Mas como contraponto os sujeitos e grupos que sofrem essas perdas reagem e resistem, as vezes de forma pontual, buscando alteativas para sobreviver ou se fortalecer a partir de redes informais. As vezes de modo mais organizado, através de articulagdes coleti organizagies, sindicatos, associagées, ¢ outras formas de mobilizagao pela defesa de is ou movimentos evolutivos via movimentos e lutas sociais ou instituindo-as em direitos © Assistente Social soffe essas refragdes e trabalha nesse tensionamento; seu objeto, a matéria-prima de seu trabalho, ¢ a qu I que se materializa no confronto entre um conjunto diversificado de desigualdades expressas na vida dos sujeitos ¢ as formas de resisténcia, por eles empreendidas para enfrenti- espago sécio-ocupacional onde desenvolvemos nosso trabalho a questo social pode expressar-se de modos diversos, mas é a mesma questo social, ou seja, resultado da contradigo entre 0 capital (como relagdo social, de poder, de dominio, de compra, de coisificagdo) e 0 trabalho (construgdo © expresso humana concreta, elemento que possibilita a humanizagao). ‘A nés cabe — resguardadas as particularidades de cada campo, os limites das condigdes e contextos nos quais realizamos nosso trabalho — buscar reduzir desigualdades © potencializar resisténcias, no como superespecialistas, messias ou artistas, mas construindo com parceiros de outras profissdes ¢ com os sujeitos usudrios de nossos servigos a possibilidade de mediar experiéncias ¢ leituras que alonguem seus olhares, fortalegam sua capacidade critica e estimulem sua autonomia ¢ organizagio. Ou, dito de outro modo, que instiguem o desenvolvimento de processos sociais emancipatérios, na perspectiva do reconhecimento e da garantia de direitos. jo so . Em cada 10s Quanto ao ensino, precisamos formar para isto, ou seja, para a leitura intervengao na realidade. Logo, precisamos ter a competéncia de desvendéela, ou sendo mais explicitos, precisamos responder: Que realidade é esta? Por que € assim? Que fatores esto agindo de forma inter-telacionada para condicioné-la? Quais os preponderantes em cada momento de seu desenvolvimento? Quais foram os momentos cujas mudangas foram marcantes? Que dados coneretos so contraprova dese processo? E preciso reconhecermos que ensino e pesquisa nio podem ser separados, como também nfo o é nosso trabalho profissional. Este no pode prescindir de movimentos investigativos, sob pena de perder aleane; substéncia politica. Para intervirmos, reconstituimos histérias — de sujeitos, de instituigdes, da profissdo, do pais, das politicas -, pois s6 assim podemos entendé-los, explicd-los ¢ isto pressupde um movimento sistematico ¢ transversal de investigagdo e problematizagio, ou seja, de pesquisa. Mas problematizar ndo basta. Numa profissio interventiva precisamos agir, para isso, temos de gerir, com diregdo social clara, nosso trabalho € incidirmos na organizagdo dos processos de trabalho em nos inserimos. Planejé-lo (plano, execugio, avaliagdo) de modo que nossas leituras (pautadas em investigagdes) nos subsidiem para realizar diagnésticos consistentes sobre a realidade, articulados aos contextos singulares que so foco de nossa anilise © que Ihe so interconectados (Gituagdes de violéncia, exclusio, drogadigao, discriminagao). Logo, podemos descer ao fragmento e decodificé-lo, mas nunca perdendo de vista sua intima relagdo com o contexto, com os demais elementos, sob pena de reduzir-Ihe o sentido ou inversamente de atribuir-lhe uma forga maior do que a que realmente possui, negando outros elementos que uma visio fragmentéria ndo permite ver. Ou seja, a leitura da realidade pautada na totalidade se constitui num fundamento da dimensio investigativa do trabalho profissional, Contudo, para realizarmos diagnésticos, utilizamos técnicas diversas que nos aporta a ciéncia, tradicionais ou alternativas, ou ambas, como a entrevista, a observagiio, a grafia, etc. No entanto, podemos fazé-lo de modo centralizador ou envolvendo os sujeitos intensamente no processo; podemos fazé- lo de modo focal ou ampliando-o para outros espagos que potencializem a conseiéneia critica e atuagdo dos sujeitos. Como aponta Prates,” esta diferenga fundamental é dada pelo método ou pelo modo como apreendemos os sujeitos, a sociedade, a ciéncia, a profissio e pelo conjunto de valores que fundamenta este modo de ver e intervir; na verdade, é isto que faz a diferenga, Formar pressupée dominio técnico, mas para além do manejo de técnicas e instrumentos, pressupde 0 dominio de teorias explicativas da realidade, Pressupde a apreensio de um método, que deve ter substancia e densidade suficientes para aportar elementos que permitam a busca da génese dos fenémenos, a sua leitura critica ¢ contextualizada. Ou seja, um método que possibilite articular os miltiplos fatores que e efetividade, bem como 2 ot al. Possbilidades de mediagdo entre a teoria marviana € 0 trabalho do Assstente Social. 2003. Tese (Douiorado) - PUCRS, Porto Alegre, 2008. 107 os conformam e que contemple no seu movimento investigative 0 desvendamento das contradigdes inclusivas que so inerentes a0 movimento de constituigdo humana, bem como as formagies sociais ¢ histéricas dela decorrentes. Por fim, ou antes de tudo, pressupde a opgdo por prineipios éticos, fundamentados em valores que direcionem as escolhas, juntamente com o compromisso em assumi-los efetivamente. Ao assumir-se como trabalho, essa profissdo reconhece ndo s6 que os assistentes sociais participam de processos de trabalho, mas também que sdo condicionados pelo contexto no qual se inserem e como trabalhadores sofrem todas as refragdes oriundas das metamorfoses do mundo do trabalho. Em sintese, 0 que precisamos investigar ¢ o que privilegiar na formagdo em tempos de flexibilizagdo e precarizagio do trabalho e da propria vida e dignidade humana? Antes de tudo precisamos lutar por uma formagio solida e critica que no se deixe iludir pelos modismos que reeditam formas conservadoras travestidas de inovadoras. Isto pressupde capacidade de desvendamento da realidade, com base na investigagfo. Precisamos garantir a manutengZo de uma formagio generalista que viabilize a realizagdo de intervengdes consistentes ¢ eticamente comprometidas nos mais diversificados espagos s6cio-ocupacionais. Para tanto, entendemos que é fundamental privilegiarmos a efetiva apreensio do método dialético materialista ¢ histérico de modo mais aprofundado, do processo de trabalho com base em seus elementos, da anilise dos condicionantes histéricos contemporéneos © da relagdo destes elementos com a constituigdo da identidade profissional, Contudo, privilegiando a dimensdo genérica, ou seja, conhecimentos comuns que podem ser mediados em qualquer espago si estratégias que viabilizem desvendéclos, apreendé-los, problematizé-los ¢ propor sobre eles, sempre potencializando re estaremos fazendo Servigo Social, como o conformamos hoje coletivamente. cio-ocupacional e de ferramentas e téncias © buscando reduzir desigualdades, ou nao 3 As contribuigses aportadas pela teoria ¢ 0 método marxiano para o Servigo Social Marx tem a preocupagio de interpretar a sociedade de seu tempo, sociedade esta mareada por um modo de produgdo capitalista que reduz toda a extetiorizago e produgao humana a mercadoria. Procura mostrar, a partir de um mergulho nas formas de organizagio, instituigdes © relagdes estabelecidas na sociedade capitalista, os processos contraditérios que lhe so constitutivos e insuperiveis no contexto da sociabilidade por ela engendrada, Para tanto, utiliza um método de exposigdo que apresenta uma forma légica, linguagem e modo de aparis validado pela sociedade capitalista, buscando por traz daquilo que aparece de forma imediata, as conexdes e a verdadeira génese que lhes altera 0 sentido, usando a histéria social como contraprova histérica. utilizando-se da prépri 08. Desvendar a sociedade capitalista e consequentemente 0 necessario processo de alienago humana expresso pelo trabalho abstrato, a partir da economia politica, foi a forma ou o método utilizado por Marx para buscar uma altemativa de resgatar © homem como ser social que se desenvolve e se cria através do trabalho conereto, Como sinaliza Prates,? consciéncia e trabalho, na medida em que a consciéncia é objetivada através do trabalho, so, portanto, categorias centrais em toda a sua obra, desde os Manuscritos de Paris ao Capital. Desta forma, verificamos aproximagées entre a teoria marxiana e o Servigo Social que justificam a opgdo hegeménica da categoria pelo paradigma que se inspira em sua ‘obra, entre as quais podemos pontuar. Primeiramente, destacamos a identidade de objeto: a questio social e suas refragdes na vida dos sujeitos; a preocupagio com a intervengo a partir do movimento dialético reflexdo-ago com base na interconexdo de miltiplas determinagGes; 0 reconhecimento da investigago permanente como processo necessirio e um método que possibilite a leitura e intervengo no real, nao de forma dicotomizada.* Sao elementos comuns também o reconhecimento de que os fendmenos sociais io multicausais © somente podem ser explicados A luz da totalidade, a partir de sucessivas aproximagées; do desvendamento de sua pscudoconcreticidade de suas contradigdes, as quais por serem histéricas so passiveis de superago. Outro elemento & © reconhecimento de que a clareza teleolégica é fundamental a uma intervengao que se queira transformadora, ou seja a importancia de uma diregdo social definida.* Ambos, o Servigo Social ¢ a teoria marxiana, negam a neutralidade da cigncia e dos processos interventivos, reconhecendo 0 carater ético-politico da agdo investigativo- interventiva. Do mesmo modo, ambos assumem compromisso de lutar pela superagio dos processos de exploragao, exclusio, expropriagio, subjugagdo, alienagao.* Tanto a teoria marxiaa quanto o Servigo Social reconhecem, através do conhecimento produzido, que para enfrentar a questio social & necessario mobilizar 0 desenvolvimento de processos sociais emancipatérios no intuito de estimular o protagonismo e¢ fortalecer a autonomia dos sujeitos. Assim, ambos reconhecem a centralidade da categoria trabalho ¢ da existéncia de processos de trabalho que condicionam e caracterizam as profissées inseridas na diviso sociotécnica do trabalho.’ 40 método marxiano O método marxiano caracteriza-se pela concreticidade e historicidade. Diz Marx: Nao se parte daquilo que os homens dizem, imaginam ou representam, e to pouco dos homens pensados, imaginados ¢ representados para, a partir dai, Stdem “ders, * Idem. * Idem. Idem. 109 cchegar aos homens em carne e osso, parte-se dos homens realmente ativos e, 4 partir de seu processo de vida real, expde-se também o desenvolvimento dos reflexos ideolégicos e dos ecos desse processo de vida, ® Portanto, parte-se da realidade humana, da prixis humana, Porém, conforme ressalta Kosik,’ a realidade nao se apresenta diante de nés de forma transparente, explicita, mas & preciso desvendé-la, compreendé-la, realizar um detour para superar a sua representagio e chegar ao conceito. Pois no trato pritico-utilitario com as coisas, quando a realidade se revela como “mundo dos meios, fins, instrumentos, exigéncias ¢ esforgos para satisfazer a estas”; os homens criam suas proprias representagdes, fixando apenas o aspecto fenoménico da realidade. Mas esta praxis fragmentéria ndo consegue interpretar as leis ¢ a estrutura do fendmeno, portanto ndo chegam ao seu “nucleo interno essencial” e ao seu conceito correspondente. Ao complexo de fendmenos que constituem o ambiente cotidiano da vida humana que, com sua “regularidade, imediatismo e evidéncia”, assumem um aspecto natural ¢ independente ao penetrarem iéncia dos sujeitos, Kosik os denonima de “mundo da pseudo-concreticidade”. A dialética € 0 pensamento critico, que se propde a superar a pseudoconereticidade para atingir a concreticidade. Trata-se de um processo, “{...] no curso do qual sob o mundo da aparéncia se desvenda o mundo real; por tras da aparéncia externa [...] a lei do fenémeno, por tras do movimento visivel, 0 movimento real, interno; por tras do fenémeno a es conceito de praxis é fundamental no método marxiano, como atividade humana objetiva, sensivel, eapaz de modificar a realidade e o proprio homem. Ressaltam Marx ¢ Engels: na cons F na praxis que o homem deve demonstar a verdade, ito é, a realidade eo poder, 0 cardier terreno de seu pensamento [..J. A coincidéncia a Imodificagio das circunstincias com @ alividade humans ou alteraglo de si proprio s6 pode ser apreendida © compreendida racionalmente como prixis revolucionéria. '' Marx, antes de compreender na esséncia o trabalho, inserido e determinado num periodo histérico, sob as condigdes de um sistema de produgdo — o capitalista -, sistematizou sobre o trabalho enquanto esséneia humana, que o diferencia dos demais animais, que 0 coloca sob a capacidade de dominar ¢ manipular a natureza para satisfazer suas necessidades, desenvolvendo a sua histéria atrelada & hist6ria da propria natureza, Por conseguinte, abstraindo © conceito de trabalho do modo de produgio capitalista, isto é, tratando 0 trabalho de modo genérico, na sua realizagdo humana em geral, o trabalho para Marx é a prépria utilizagio da forga de trabalho, é desprendimento humano de forga sobre a natureza, direcionado a um fim, O trabalho ocorre quando 0 "MARX, K; ENGELS, Fd ideologia alema. 9, ed, Si Paulo: Hueitec, 1993, p. 37. ° KOSIK, Kare. Dialética do concreto, Sdo Paulo: Paz e Tera, 1989. . 9-10, "thidem, p10. " MARX; ENGELS, 1989, p. 11-12, no homem emprega suas forgas, sua mente e miisculos, quando desgasta seus nervos e suas cenergias na transformagdo de um determinado objeto. Antes de tudo, 0 trabalho é um processo de que participam © homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua prépria ago, impulsiona, regula ¢ controla seu intercdmbio material com a natureza. Defronta-se com a natureza como uma de suas forgas. Pde em movimento as forgas naturais de seu corpo — bragos e pernas, cabega e mios -, a fim de apropriar-se dos recursos da natureza, imprimindo-Ihes forma util a vida humana,'* A sua especificidade mais importante est4 quando o homem desenvolve esta ago referenciada ndo somente na sua intuigdo, mas em um objeto no qual ele projeta previamente a intengdo de sua criagdo e transformagdo na sua mente. Marx, para exemplificar, compara o trabalho de uma abelha com o de um arquiteto, A abelha o supera em preciso ao construir sua colmeia, a diferenga esta que o arquiteto antes projeta teleologicamente 0 que pretende construir, sendo que a abelha age sob sua intuigdo animal, Dessa forma, 0 homem se diferencia dos demais animais por sua consciéneia. Ao se diferenciar dos demais animais por sua capacidade teleolégica, 0 homem produz e transforma a sua vida e a dos demais homens, pois o trabalho é atividade coletiva, realizada em sociedade, que sofre influéncia das formas de produgio do passado e, ao produzir, influencia as sociedades futuras. E assim que o homem se faz ser social." Assim, a préxis compreende - além do aspecto laborativo — também o momento existencial: ela se manifesta tanto na atividade objetiva do homem, que transforma a natureza e marea com sentido humano os materiais naturais, como na formagio da subjetividade humana, na qual os momentos cxistenciais como a angistia, a nausea, o medo, a alegria, o tiso, a esperanga, ctc., nfo se apresentam como “experiéncia” passiva, mas como parte da luta pelo reconhecimento, isto é, do processo da realizagio humana." Marx, em Teses sobre Feuerbach,'* j4 acentuava a centralidade da praxis como critério da verdade, ou seja, a praxis, enquanto meio de transformagio, de realizagio ¢ de libertag: um mero contemplador da vida, ele tudo, o seu protagonista. A 3° Tese expressa este carter revolucionario da praxis, pois quem pode revolucionar © mundo s6 pode ser o homem através da sua prixis: consciéncia da modificagio das circunstancias e da atividade humana s6 pode ser 6 humana, O homem nao antes de concebida e entendida racionalmente como pritica revolucionéria. MARX, K. 0 Capital: eritica da economia politica. 29. ed. Livro I~ © Processo de Produgio do Capital. Rio de Janeiro: Civlizagdo Brasileira, 2011, p. 211.1 B'LESSA, Sérgio; TONET, Ivo, Inroducto @ flosofia de Marx: debates e perspectivas, So Paulo: Expresséo Popalar, 2008 "'KOSIK, K. Dialética do conceito. So Paulo: Paz ¢ Terra, 2011. p. 224. "S MARX, K_ As teses sobre Feuerbach. In: ‘A ideologia alema, Sto Paulo: Expressdo poplar, 2009 " thidem, p28 un Marx" afirma a esséncia pratica da vida social que contém em si a solugdo racional para os mistérios que levam a teoria para o misticismo. A solugdo encontra-se precisamente na compreensio da praxis humana, Porém, ressalta Marx, nfo basta interpretar © mundo, mas sim transformé-lo, reafirmando o carter prético-operacional de sua reflexdo: “[...] no é a critica, mas a revolugio a forga motriz da histéria [...]"!* Em. sintese podemos destacar como principais caracteristieas do método marxiano: * 0 seu humanismo e historicismo absolutos, 0 seu materialismo e a sua concreticidade; a dialética, 0 seu movimento como proc de miltiplas dimensées que constituem a totalidade, ndo exaurindo-a_ mas problematizando-a de forma inter-relacionada; + sua teleologia, a centralidade atribuida a praxis, 0 seu cardter pratico- operacional, pois “nao basta interpretar é preciso transformar”; + a perspectiva de transformagdo a partir do desenvolvimento de processos sociais emancipatirios, do trabalho concreto, da prixis revolucionétia, que desvenda os fetiches; & por fim, seu cardter revoluciondrio, o reconhecimento da possibilidade histérica de superagdo das contradigdes constitutivas da natureza humana, das formagées sociais, do modo de produgio. ria interconexiio 0, ane 4.1 O método de investigacio Quanto ao proceso investigative, inerente ao método marxiano, alguns movimentos so fundamentais devem ser ressaltados, em especial tendo em vista a formagao ¢ o trabalho do assistente social. Portanto, poderfamos pontuar os movimentos que seguem: + a andlise da estrutura como ponto de partida, ou seja, buscar as conexdes temporais, as realidades em movimento, dos homens em came e osso, na sua atividade pritica, concreta, contextualizada, apoderando-se da matéria nos seus pormenores, o que pressupée profunda investigagao empirica. + logo, busca da génese e da evolugdo, das transformagdes sofridas pelo fenémeno, no intuito de superar a pseudoconcreticidade através de um movimento de “detour”, regressivo-progressivo, desvendando _contradigdes, _instigando 0 desenvolvendo de processos de mobilizago e consciéncia, buscando remontar os movimentos que 0 constituiram © as condigdes que o engendraram a partir de sua historicidade. + a superagdo da reflexdo pela andlise dialética, que identifica grupos, relagdes, utilizando as categorias (que compéem o real) para anélise ¢ intervengdo de modo intrinsecamente relacionado, articulado. "MARX, K. A tdeologiaalema. 9. ed. Sto Paul: Hucitex, 1993, p14 " thidem, p36. 2 4.2.0 processo de exposicao Marx distinguia 0 método de investigagdo do método de exposi¢ao. Retomemos o trecho contido no posficio da segunda edigdo de O Capital, jé citado anteriormente, em que Marx,'® apés referir-se ao método de investigagao, diz: “Sé depois de concluido esse trabalho & que se pode descrever, adequadamente, o movimento real, a vida da realidade pesquisada, 0 que pode dar a impressio de uma construgio a priori.” (grifos 1nossos). Segundo Kosik,”” 0 método de exposigio, mais do que uma forma de apresentagao, € um método de “explicitagao, gragas ao qual 0 fendmeno se toma transparente, racional, compreensivel”, razo pela qual o método de exposig@o assume posigdo significativamente relevante. Esclarece Kosik’! que, diferentemente do inicio da investigagio, quando a problematica ainda nao ¢ suficientemente conhecida, a exposigao ja é resultado de uma investigagio e de uma apropriagao critico-cientifica sobre a matéria, portanto deve ter um infcio mediato, “que contém em embrido a estrutura de toda a obra”. Por esta raziio, Marx inicia O Capital, a partir da andlise da mercadoria, célula da sociedade capitalista, 0 “embrido de todas as contradigcs” ,” que durante o desenvolvimento da exposigio iro sendo aprofundadas de acordo com a propria necessidade da exposigio, Diz Kosik: © inicio da investigagdo é casual ¢ arbitritio, ao passo que o inicio da exposigdo é necessério [...] sem um inicio necessério, a interpretag20 nunca & desenvolvimento, explicitagio [..]. © método de explicitagdo ndo € um desenvolvimento evolucionista, 6 desdobramento, manifestagio ¢ ies” das antiteses, ¢ desdobramento da coisa por intermédio das antiteses.”” Mas para Marx, diz o autor, 0 método ndo é a forma de autoexposigao da coisa, mas 0 “modo de exposigdo critica de uma ciéncia social (grifos nossos)”, e através dela, de uma realidade cuja determinagdo iiltima & uma contradigdo real e nao a “auto- manifestagao da razio”. continua o autor, ressaltando que Marx pressupde um trabalho de investigagao critica anterior que assegura a penetragdo racional do objeto em suas determinagdes essenciais. Diz Miller: E preciso que o “método de pesquisa” assuma o Gnus idealista da légica cespeculativa apropriando-se analitica ¢ criticamente do conteddo, antes que a exposigo possa exprimir seu desenvolvimento conceitual, prescindindo de ” MARX, K. O Capital. 13. 69, Rio de Jmero: Bertrand, 1989, p. 16 2% KOSIK, op. cit, 1989, p. 31 21 idem, p31 ® MARX, op. cit, 1989, p16 2 thidem, p. 31-32. hipéteses que analista ou o critico trariam consigo, para melhor espelhar cexclusivamente 0 seu movimento efetivo, Haguette”® salienta que é a partir de materiais “empiricos/histéricos ¢ estatisticos” que a interpretagio dialética emerge, porém a sintonia entre a sistematizagao categorial, abrangendo 0 modo ligico ¢ histérico, deve ser realizada pelo método de expo: a autora®® que, para realizar a “totalidade orginica”, 0 método de exposigdo utilizado por Marx nio pode ser aplicado do modo histérico (sequéncia cronolégica de acontecimentos), mas do modo légico (conforme as relagdes internas de suas determinagdes essenciais). Na verdade a relevancia do método de exposigio parte do proprio entendimento de que, conforme expée Lefebvre,’ a realidade, na investigagao dialét reconstituida pela exposigao sintética. Porém, Lefebvre” adverte que 0 método “proporciona apenas um guia, um quadro geral, uma orientagao para o conhecimento de cada realidade”, salientando que a forma légica do método deve “subordinar-se ao contetido, a0 objeto, & matéria estudada”. E complementa esclarecendo que Marx afirma ser 0 método a ideia geral, nfo podendo dispensar a apreensdo, em si, de cada objeto, portanto jamais a pesquisa cientifica pode ser substituida por uma construgdo abstrata, Portanto, realizando mais uma breve sintese diditica, poderiamos destacar quanto a0 método de exposigdo: que ele deve ter um inicio necessirio — 0 embrifio; que deve constituir-se como desdobramento, explicitagio, complicagio das antiteses; que na exposigio busca-se descrever 0 movimento real, a vida da realidade e que a explicitagio desse processo deve ter um modo légico e histérico. Expomos 0 produto de nosso trabalho em estudos, diagnésticos, pareceres, laudos, em projetos, relatérios, em prontuérios institucionais quando sintetizam as anélises Ancia do aporte de categorias que emanam da realidade ¢ a cla retomam para auxiliar nos processos de desvendamento ¢ intervengao 6 fundamental para o exercicio profissional, So muitas as categorias dialéticas, mas trés em especial podemos considerar imprescindiveis: a historicidade, a totalidade ¢ a contradigao, Poderiamos incluir a hegemonia que na verdade decorre da contradigo, mas visto a luta de classes e as relages de poder estabelecidas especialmente com o Estado, esta categoria assume uma importincia também significativa, Os estudos gramscianos foram fundamentais para o seu adensamento. Contudo & fundamental que a articulagdo destas categorias ndo ocorra de modo fragmentado ¢ mecdnico, atribuindo maior ou menor relevéncia a uma ou outra ou deslocando-as do contexto ¢ das relagdes que as conformam. a, é sociais realizadas. Portanto, destacar a rele % tbidem, p. 166 2 HAGUETTE, T. M Fota (Org). Dialéica hae, Rio de Janeito: Vozes, 1990. p. 167. "dem ay VRE, 1. O Marxismo, 3. ed. Sio Paulo: Difusdo Buropéia do Livro, 1963. p. 33 > thidem, p. 35, na 5 Os instrumentais téenico-operativos na mediagio dos processos interventivos Conforme destacamos anteriormente, 0 Servigo Social ¢ uma profissio que se caracteriza por ser interventiva. Contudo, para intervir € preciso, como destaca Netto”? analisar com profundidade as contradigdes que se ocultam ou se fetichizam na realidade, superando a pseudoconcreticidade para propor uma intervengio que tenha alcance ¢ efetividade. E falar em andlise de realidade como primeiro, constante continuo movimento significa interpreté-la a partir da totalidade com suas miltiplas ¢ articuladas determinagdes, que envolvem aspectos politicos, sociais, culturais econdmicos. Somente a partir de uma anélise conjunta podemos ressignificar espagos, pensar coletivamente alternativas de enfrentamento, redescobrir potencialidades, associar experiéneias, buscar identificagdes, dar visibilidade as fragilidades para tentar superd- las, desvendar bloqueios, processos de alienagdo, revigorar energias, vinculos, potencial organizativo, reconhecer espagos de pertencimento, E esta andlise, realizada pelo processo de reflexdo, seja ela com sujeitos ou grupos, néo pode ser descontextualizada, muito menos aprisionada em leituras estéticas ou atomizadas que no contemplam o movimento constitutive do préprio sujeito ¢ do real. Portanto, a andlise deve ser um proceso dindmico, permanente, durante toda a intervengao. Muito mais relevante, nesta perspectiva, do que sugestdes para bem realizar uma entrevista, importa a qualidade das cadeias de mediagGes que dispomos para provocar processos.reflexivos, Portanto, 0 conhecimento acerca da realidade estrutural conjuntural, as formas de alienagao, as refragdes da questo social no cotidiano da populagdo usudria, a expresso dos sujeitos em suas lutas contra hegeménicas, conhecimento de recursos sociais, dos direitos sociais, das redes ou espagos de articulagao e organizagéio da populagdo usudria, 0 conhecimento de dados sobre sua existéncia, consciéneia e vida social, do significado atribuido pelos suj histérico, seus valores, sua cultura dio consisténcia as mediagées que poderdo ser construidas historicamente na relago, e somente na relago, com os sujeitos, sejam eles usuarios ou técnicos que compéem nossa equipe de trabalho, ‘A relevincia dada as estratégias coletivas de intervengdo deve-se a0 reconhecimento da efetividade da dinamica grupal, da possibilidade mais significativa de desenvolver processos sociais a partir de identificagdes entre sujeitos que vivenciam situagSes similares, de fortalecer alternativas de organizagdo ¢ enfrentamento conjunto, de possibilitar processos de miitua ajuda, partilha de sofrimentos © estratégias de superagdo, cooperagio, solidariedade, veiculagio de informagdes. No entanto, privilegiar determinadas estratégias de abordagem nao significa recusar a utilizagao de outras formas, tais como a entrevista ou a visita domiciliar, ou mesmo a utilizagdo de um recurso social como, por exemplo, uma cesta bisica, A simples distribuigio do jos a seu viver » NETTO, J, Paulo, Palestra em video: Encontro Nacional de Assstentes Sociais, CFESS, nov. 1997. us recurso néo caracteriza uma intervengdo profissional; no entanto existem situagdes em que & necessiria a utilizagio de um recurso desta ordem, 0 que nfo dispensa o profissional de estabelecer vinculos, provocar reflexes, realizar mediagSes ou 0 apoio social, Referindo-se & necesséria condigdo humana e histérica para a transformasio, dizem Marx e Engels: [uo] somente & possivel efetuar a libertagio real no mundo real ¢ através de meios reais [..} ndo se pode superar a escravidio sem a méquina a vapor. hem a servidio sem melhorar « agriculture.) ndo é possivel lberar os homens. enquanto rem em condiges de obter_alimentagio, habitagdo, vestimenta, em qualidade e quantidade adequadas. A libertagao & tum sto histérico © ndo um ato de pensamento e & efetivada por condiyies historicas [..]. Sem diivida ao realizar-se, por exemplo, uma visita domiciliar ndo serio observadas apenas as condigdes de vida dos sujeitos, mas procurar-se- aprender o seu modo de vida, -xpresso no cotidiano de sua vida familiar, comunitaria, no seu trabalho, nas relagdes que estabelece, no significado que atribui a estas relagdes, na sua linguagem, em representagdes, com vistas sempre a construgdo de novas sinteses. Para conhecermos o “modo de vida” dos sujeitos diz Martinelli:*! “[...] temos que conhecer as pessoas [.... E onde 0 sujeito se revela? No discurso © na agdo. [..] Conhecer © modo de vida do sujeito pressupde o conhecimento de sua experiéncia social.” Numa entrevista, por exemplo, a buscarmos conhecer a histéria de vida dos jo cronolégica, mas a histéria a partir de fatos significativos, contextualizados, na tentativa de realizar o que Lefebvre chama de movimento de “detour”, um retorno ao pasado que, reencontrado e reconstruido por suces limitagdes, superado, no sentido dialético. E importante acreditarmos, apesar das adversidades estruturais e conjunturais, nas possibilidades de luta contrachegeménica ou expresses de resisténcia dos sujeitos sociais, especialmente diante de uma realidade cada vez mais excludente e assustadora, sujeitos usuétios, privilegiaremos no uma reconstitu vas reflexdes, volta mais aprofundado e libertado de suas interpretada pelos paradigmas da crise com um negativismo paralisante, que expressa 0 absoluto ceticismo quanto As possibilidades humanas de transformagio. Temos a clareza de que néo ¢ negando ou desconhecendo a realidade que podemos modificd-ta amos conhecer profundamente aquilo que queremos transformar, identificando espagos, relagdes de poder, possibilidades de aliangas, reconhecendo o carter politico de nossa agdo profissional, Segundo Palma: , mesmo porque pre: ™ MARX; ENGELS, op. cit, 1993, p. 65 °! MARTINELLI, M. L. O'wo de abordagens qualitatvas na pesquisa em Servigo Socal. Nicleo de Estudos & Pesquisas sobre Identidade 2. ed. Sio Paulo: PUCSP, 1994, p.13.n.1 LEFEBVRE, H. Sociologia de Marx, Rio de Janeiro: Foren, 1966, us A institucionalizagio democritica ndo representa um jogo de cartas ‘marcadas, no qual as classes subordinadas estio, desde o inicio, fatalmente condenadas a perder, Ao contririo, [..] se trata de uma arena contraditéria, dindmica, onde se abrem e fecham espagos e alternativas segundo as iniciativas — sempre relacionais e opostas dos sujeitos coletivos que nela se cencontram ¢ confrontam. Jogar este jogo, ganhar forgas para apoiar 0 proprio projeto, debilitar a vigéncia do projeto contrério, ampliar e controlar espagos = isto € fazer politica.” Mesmo aqueles segmentos mais excluidos podem nos surpreender ressignificando espagos e reencontrando forgas para lutar por seus direitos. Verificamos, a partir de nossa experiéncia acompanhando a supervisiio de um trabalho com moradores de rua," resultados significativos em termos de desenvolvimento de processos sociais, 0 que a um primeiro olhar parecia, pela caréncia de referéncias sociais, que poderiam ter maiores dificuldades de encontrar estimulo e motivagao para organizar-se. Sujeitos que apresentavam histérias que tinham em comum a vivéncia de sucessivas perdas — do emprego, da casa, da familia, baixa autoestima, atitudes de apatia frente a sua situagdo de vida — mas que, a partir do apoio social e estimulo a processos organizativos, iniciados por uma pesquisa ¢ reforgados por acompanhamentos grupais, constituiram a “Comissao de Rua”, para pensar um equipamento social que atendesse as suas necessidades e caracteristicas; grupo representative que posteriormente foi transformado no “Movimento de Moradores de Rua”. Este movimento passou a lutar por politicas publicas para atendimento deste segmento populacional, fazendo-se inclusive representar como delegados em Conferéneias Municipais de Assisténcia Social de Porto Alegre ou em Plendrias Temiticas do Orgamento Participative. Com um desenvolvimento que nio é linear, mas que apresenta avangos € recuos, como em qualquer grupo organizativo, os representantes do Movimento de Moradores de Rua mostram que, apesar do profundo processo de exclusio social a que estio submetidos, sdo capazes de expressar sua resisténcia, porque homens, descobrindo-se como sujeitos A pesquisa realizada nesta perspectiva, com clareza de finalidade, de seu cardter politico, ¢ do retomno que deve ser garantido aos entrevistados, é importante instrumento de intervengdo social; logo compée o conjunto de estratégias utilizadas pelo referencial materialista histérico e dialético. Assim, para a realizagdo de uma pesquisa utilizamos diversos instrumentos e técnicas — entre os quais a entrevista, a observagdo, as técnicas coletivas, a dramatizagao, etc. -, da mesma forma iluminados por nossa intencionalidade, preocupados nfo s6 com os resultados (coleta de dados, informagées, produgdo do conhecimento), mas com © processo, como espago para o estabelecimento de mediagdes, com o seu cardter pedagogico, reflexivo, transformador. PALMA, D. A pritca politica dos pofssonais:o caso do Serviga Social. 1986, p. 7. PRATES, Jane Cruz, Sujeitos de ua: a pesquisa como instrumento de desvendamento e intervensio na tealidade social In: BARRILI, H. et al. & pesquisa em Servigo Social e nas dreas humano-sociais. Porto Alegre: Edipuct, 198. u7 Além da pesquisa, ¢ interessante também pontuar a existéncia de outros espagos pata a intervengdo profissional do Servigo Social, tais como: a gestio, a supervisio institucional, a assessoria eo planejamento; também nos valemos de procedimentos instrumentos para operacionalizar nosso trabalho, Destacariamos, por exemplo, a importincia de termos 0 conhecimento sobre ferramentas gerenciais, tais como: fluxogramas, organogramas, planilhas de custo, dominio sobre orgamento, elaboragio de documentos institucionais diversos, (estudos, programas, projetos, roteiros) avaliagdes de impacto, andlises organizacionais, além de abordagens coletivas jé mencionadas como reunido, semindrios, oficinas, assembleias. No entanto, reiteramos que é a nossa intencionalidade que ilumina 0 uso destes instrumentais, pois a habilidade em manejar uma planilha de custos, por exemplo, pode servir tanto para manipular uma situagdo como para mediar 0 acesso ao publico usuario, dando visibilidade acerca dos gastos piblicos de uma instituigo. Os instrumentos e as técnicas so na verdade estratégias sobre as quais se faz a opgdo de acordo com o contexto e o contetido a ser mediado para se chegar a uma finalidade, Quanto maior nosso conhecimento tedrico, mais ampla seré nossa cadeia de mediagdes, maiores as nossas possibilidades de construflas. Nao ha dividas de que um projeto ético-politico antecede ¢ permeia as relagdes estabel diferencia de outros modos de intervengao, seja qual for a opgio estratégica utilizada na intervengdo, Na verdade, buscamos 0 tempo todo explicitar o que pode ser resumido como trabalho, na perspectiva marxiana, enquanto algo que é expresso e produgio teleolégica humana, enquanto algo que diferencia os homens dos animais, enquanto elemento central do ser e, portanto, da histéria humana. Antunes*® bem sintetiza a concepgdo marxiana de trabalho como das e, na verdade, ¢ este eixo fundamentador que dé cor a0 movimento e que 0 [] momento fundante de realizagio do ser social, condigio para sua existéncia; & o ponto de partida para a humanizagio do ser social e © motor decisive do processo de humanizagio do homem. Nao foi outro o significado dado por Marx ao enfatizar que “como crisdor de valores de uso, como trabalho itil, € 0 trabalho, por isso,uma condigdo de existéncia do homem, independentemente de todas as formas de sociedade, eterna necessidade natural de mediagao do metabolismo entre homem ¢ natureza, ¢ portanto vida humana”, Esta formulago permite entender o traballio como a Gnica lei objetiva e ultra-universal do ser social, que & to eterna quanto © proprio ser social, ou seja, trata-se também de uma lei histérica, a medida que nasce simultancamente com o ser social, mas que permanece ativa apenas enquanto esse existr. 6 Consideragées finais Contexto societirio atual impde distintos impactos para o Servigo Social que devem ser considerados na anilise sobre a profissio ¢ sua materialidade na realidade social. A informago em excesso que ndo se sedimenta como conhecimento, a revolugio 8 ANTUNES. R. Adeus ao trabalho? 3. ed, Sio Paulo: 7, 1995, p. 123. us tecnolégica ¢ o desenvolvimento das forgas produtivas, somadas ao agravamento da questo social, assim como 0 aviltamento das condigdes de trabalho nos processos de trabalho, nos quais os assistentes sociais se inserem, so aspectos que devem permear 0 debate profissional, pois se constituem em fatores determinantes do trabalho profissional. No campo das exigéncias e dos desafios para a formagio profissional, encontram- se a importincia da reafirmagdo da questio social enquanto objeto de trabalho, da capacidade de o profissional desocultar suas expressées em tempos de fetichizagao da realidade a fim de ampliar as possibilidades de construgdo de processos sociais emancipatérios que impactem no fortalecimento das resisténcias sociais e¢ na consciéncia critica dos sujeitos, no acesso a direitos, na democratizagdo da vida social. Para tal, se faz necessaria uma formagdo profissional voltada para a construgio de um perfil generalista, com sélidos conhecimentos para anilise critica da realidade sob a tica da totalidade, contemplando a dimensio investigativa e o planejamento como dimensdes centrais neste projeto de formagao, 0 eixo tedrico-metodolégico — ancorado na teoria ¢ no método marxiano - ¢ 0 cixo ético-politico — por sua vez sustentado na critica da sociabilidade burguesa em valores que tém como horizonte a emancipagio humana — séo os principais fundamentos da formagio profissional. Tais fundamentos sustentam as media construidas em contextos, realidades particulares por meio do instrumental técnico- operative que materializa, através da interveng%o profissional, os principios ético- politicos defendidos pela categoria, que vio ao encontro de um projeto de sociedade ancorado na democracia, na liberdade e na igualdade entre homens e mulheres. Podemos também enfatizar a implicasio entre teoria/método marxiano e Servigo Social, ou seja, destaca-se uma profunda identidade de objeto entre estas areas, ou seja, a preocupagio com o desvendamento da sociedade burguesa ¢ das desigualdades ¢ lutas sociais dela decorrentes. Além disso, destacam-se as sucessivas aproximagdes com a realidade na construg’o de uma leitura totalizante da mesma, que supere a pseudoconcreticidade, a valorizagao do trabalho e da consciéncia dos sujeitos. No que tange as contribuigdes aportadas pela (eoria e pelo método marxiano para © Servigo Social, o que a dialética marxiana propde é um modo de pesquisar a realidade social, buscando compreender os diferentes fendmenos que a compdem ¢ a inter-relagdo entre os mesmos para o aleance da esséncia da realidade, que se coloca parcialmente aos olhos dos homens. Para esta profissio, que se caracteriza fundamentalmente por sua intervengao na realidade, torna-se essencial a apropriagdo de um método que propicie o desvendamento do objeto de trabalho, que a0 mesmo tempo rechace © trabalho imediato, alienado e reprodutor dos conceitos do senso comum, projeto societério hegeménico na atualidade defende a manutengdo da ideologia burguesa ¢ consequentemente do sistema de reprodusio capitalista. Aparentemente, apresenta recursos mais fortes para impedir a concretizagao dos prinefpios defendidos pelo Servigo Social. Porém, as transformagdes societérias defendidas pela profisso nao S ug sio de sua exclusividade, mas esto na base de um projeto de sociedade almejado por parcelas importantes dos movimentos sociais da classe trabalhadora, Esta premissa por si exige da profissio a necessidade de ultrapassar os pequenos atos alienados do cotidiano, Este proceso de superagdo da alienagdo do trabalho pode estar alicergado na capacidade teérico-critica de andlise e intervengGo social que contribua para agdes conjuntas a outros grupos da sociedade que compartilham os mesmos ideais. © Servigo Social, ao aproximar-se da perspectiva dialético-marxiana, passa a compreender de forma diferente a sociedade em que se fundamenta a profissio. Para compreender a miséria que homens e mulheres vivenciam, a andlise percorre primeiramente 0 caminho da mediag&o com o trabalho, através do discernimento sobre como o trabalho na sociedade capitalista se desenvolve. Ao dar este passo, a profissio supera os pressupostos morais de tratamento a questo social e as priticas de ajustamento dos individuos, pois parte de uma critica das relagdes sociais enquanto uma totalidade, e ndo dos individuos considerados isoladamente. E, por sua vez, os instrumentais técnico-operativos devem ser acionados a partir desta perspectiva, considerando que a técnica isolada por si nao dé conta da realidade a ser enfrentada, assim como nao contribui para uma praxis profissional que anseia a transformagio das condigdes materiais, que so objetos de intervengo. Ao contririo, a manipulagdo de instrumentos vazios de sentido e de cardter revolucionétio contribu somente para a reprodugio destas condigdes desiguais que reforgam diariamente injustigas sociais. Referéncias ANTUNES. R. Adeus ao trabalho? 3. ed. Sio Paulo: Cortez, 1995, CHAU, Marilena Etica: O drama burgués / ética das aparéncias. DVD, Gerd Bornheim, 2005. HAGUETTE, T. M, Frota (Org.). Dialética hoje. 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