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COLECAO AMAZONICA SERIE JOSE VERISSIMO vicente salles O NEGRO NO PARA Fundacéo Getélio Vargas Universidade Federal do Pard | . Com os cumptimentos do. ? DIFUSAO CULTURAL 4 Prof. Di AMoysio da Costa Chaves Diversos dbices dificultam a cria- Dae de Seine do de um pensamento brasileiro Reitar da Universidade Federal do Dard técnico-cientifico. Roras so as pesquisas e estudos de cientistas & fécnicos nacionais editadas e !e- “l a que se destina. : ee, mes owes isolados, o Gi: Gin Oi GE ee nan mé circulagdo da obra, as peque~ nas firagens, custos e pregos altos concorrem para reduzir sua cir- culagdo e, assim, os beneficios dela decorrentes, E que o livro sé } cumpre o papel de veiculo de cul- } tura quando, editado, circula. ; Nos atuais circunsténcias, o livro, a principal arma na luta contra o subdesenvolvimento, tornou-se uma aventura imprevisivel: escrito, rora- mente é editado, pois ndo tem venda garantida; quando vende, 6 consumido por pUblico restrito, : tornando-se a cultura, privilégio de | alguns poucos. Essas limitagdes impuseram e im- } poem a proliferacéo dos tro Em um mundo intercomunicante, | as traducdes desempenham um Papel salutor. Mas, ha que dis- ; finguir @ traducéo_ indispensével } da tradugdo oleatéric. Hd que Yerificar as reais possibilidodes | culturais de nossos técnicos e cien- | fistas pera que possamos identifi- car aquilo de que podemos pres- cindir. E hd, também ainda, que se determinar exatamente no Grea téenico-cientifica as fronteiras entre © que devemos importcr e o que devemos fozer, inclusive porque tédo cultura, pora ter raizes séli das, deve-se conformar ao terreno que Ihe é prdprio, assumindo suas Peculiaridades e necessidades. ——— Salles, Vicente. © negro no Pard, sob o regime da esc dagio Getilio Vargas, Serv. de publicagdes 1971 rissimo) Federal do Para Inclui bibliografia. 1. Escravos — Comércio — Brasil — Amaz6nia, 3. Negros no Para. 4. Neg Getdlio Vargas, Rio de Janeiro. MN. Pars III, Série. IV. Titulo. Edigao realizada em convénio firmado ¢ i xvi, 336 p. ilust 21 cm, (Colegio cbD CDL Vicente Salles 0 NEGRO NO PARA Sob o regime da escravidao FUNDACAO GETULIO VARGAS em convénio com UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA » de Janeiro GB Brasil — 1971 deve-se a convénio firmado entre a Fundacdo Getulio fini eaioauc Federal do Para. Direitos reservados desta Gettlio Vargas, Praia de Botafogo, 188, ZC-02, © Copyright do autor Universidade Federal do Para Reitor: Prof. Aloysio da Costa Chaves Colegio Amazénica Diregao do Prof. Arthur Cezar Ferreira Reis Série José Verissimo Coordenagio da Prof’ Maria Anunciada Ramos Chave Fundagiio Gettilio Vargas — Instituto de Documentac’iio — Diretor Benedicto Silva — Servico de Publicacdes — Diretor: R. A. Amaral Vieira; coordenacao editorial: Anamaria de Vasconcelos: apa de Luiz de Miranda Corréa; composto ¢ impress por @ Accs inoUstRIAS GRAFICAS S.A A América é 0 vastissine cadinho em que se fundem hoje as diversas ragas e gentes do globo. Porventura sua missdo histérica é dar, servindo de campo para 0 cruzamento de tédas elas, unidade étnica & humanidade, e, portanto, nova face as sociedades que hao de viver no futuro. José Verissimo — As populagdes indigenas e mestigas da Amazénia. Sua linguagem, suas crengas e seus costumes, APRESENTACAO Este livro trata do negro na sociedade escravocrata do Brasil-norte. O estudo se limita & regiao Amaz6nica, em especial ao estado do Pard, embora 0 autor considere a area da eseraviddo no Brasil-norte todo o territério que os colonizadores portuguéses transformaram, quase per- manentemente, no periodo colonial, numa tinica regio administrativa, - denominada estado do Maranhao e Grao-Para. E conhecida — em- bora relativamente pouco estudada — a presenga do negro na antiga capitania, depois provincia, hoje estado do Maranhao. No Grao-Para, © negro nao chegou a se representar quantitativamente de maneira expressiva, salvo em dreas muito limitadas. Mas nao deixou de plas- mar ai sua personalidade, de influir ética e culturalmente, além de stituir, durante todo o regime da eseraviddo, o suporte da econo- cia de estudos especiais s6bre o negro na regido AmazOni- ca, salvo uma ou outra monografia perdida em pablicagdes de circulagao limitada, indicou-me antes de tudo a pesquisa de cardter histérico, a fim de reunir a abundante documentagao que ha dispersa. Este livro resultou portanto do manuseio dessa documentagao; mas nao trata apenas da historia da escraviddo do negro no extremo Norte do rhe Procura analisar sua presenga — como férca de trabalho, como lator étnico, como elemento plasmador da cultura amazénica; o negro agin- do ¢ interagindo neste contexto — suas lutas e vicissitudes, Fim conseqiiéncia, éste livro também pretende ser uma interpreta- efo, Adotei aqui o método que me pareceu adequado aos estudos desta natureza. Consultei a bibliografia que considero mais importan- te para o fim em vista, Todavia, apoio-me sobretudo nos documentos, nos materiais colhidos no Livro grosso do Maranhdo (Anais da Biblio- teca Nacional), nos Annaes da Bibliotheca e Archivo Piblico do Pard. na Colecdo de leis da provincia do Grdo-Pard (C.L.P.G.P.), 10S relalorios, jornais, revistas etc. pesquisados respectivamente na Biblio- teca Nacional, no Arquivo Nacional e no Instituto Histérico e Geogra- fico Brasileiro. Visitei ainda alguns municipios paraenses onde a percentagem da populagao negi avultada, a fim de coletar dados culturais que pretendia juntar neste volume, ao lado de outros que a antiga vivéncia © deverd si Sua presenga, aco e interagdo no Pars, especial desejo consignar neste livro a trés duma maneira ou doutra, muito contribuiram para ia de meus estudos sObre a cultura ¢ 0 homem la, a que recebe de bracos abertos todo paraense e da terra natal; Edison Carneiro, que viu nascer éste ho acompanhou sua claboragao até o final, oferecendo suges- orrigi- lo e melhord-lo, e Arthur Cezar Ferreira Reis, mestre ssuntos da Amazonia, que Jeu o manuscrito antes de sua revisio | € muito se esforgou para abreviar a publicagao do livro. Todos , além disso, contribuiram com empréstimos e doagao de livros ¢ sumentos. — Agradeco ainda a Joao que féz na Biblioteca do Instituto Hist6rico e Geografico Brasileiro e no Arquivo Nacional a copia de “Muitos documentos; a Arthur Napoledo Figueiredo, que me colocou a = ‘par das pesquisas realizadas pela cadeira de Antropologia, da Facul- ~ dade: de Filosofia da Universidade Federal do Para, por éle e por n iza Vergolino; a Eduardo Galvao e a téda a equipe do Museu ; iense Emilio Goeldi, que me atualizam permanentemente com as ‘ bli da diviséo de Antropologia; a Miranda Neto, Carlos Roe- 7 larcos Carneiro de Mendonca, Nunes Pereira, José Alipio Gou- , Leandro Tocantins e — ¢ preciso repetir — Arthur Cezar Ferreira oe] Carneiro, que me permitiram transcrever largamente es aqui reproduzidas © que resultaram de suas pesquisas ais. Na extensa bibliografia apensa a éste volume estdo todos que me possibilitaram a longa ¢ apaixonante viagem através po e da erudicdo. A Marena Isdebski Salles, minha mulher, ac, COMO mMusicista, auxiliando-me nos assuntos de sua es; ida » Tevelou-se também excelente pesquisadora de campo, incansdve i longas — cas vézes penosas — viagens que temos realizado nce kar Federal do Pari, na pessoa de seu mag 5 Ts ee eee a Costa Chaves, pela oportunidade da oe Vicente Salles pa lates PALAVRAS DO REITOR A publicagdo déste livro constitui a primeira iniciativa editorial resultante do convénio estabelecido entre a Universidade Federal d Pard e a Fundag&o Gettilio Vargas, com 0 objetivo de por em execugao um amplo e variado programa de difusdo cultural. ES Mantendo as mesmas normas que até agora tém regido a série de obras da Colegio Amaz6nica, a nossa Universidade continuara ofere- cendo A cultura brasileira, sob o mais rigoroso critério seletivo, um conjunto de trabalhos de miiltiplo interésse, uns da autoria de escrito- res © mestres utualidade, outros firmados por nomes insignes que se consagraram na literatura do passado. ! O negro no Parad, de nte Salles, pode ser considerado estudo sério e escrupuloso, uma inteligente andlise da colaboragai elemento negro na conquista da Amazénia, Ignoradas por muita gente, até mesmo por aquéles que se devota-_ ram pesquisa da influéncia africana na mestigagem brasileira, apare- cem neste livro as mais curiosas ¢ interessantes noticias da vivéncia da raga negra em terras do Para, Me O drama da eseravidio (que comegara com 0 cativeiro dos scl ns) é narrado pelo Autor numa linguagem realista e baseada em documentos auténticos, em informagGes fidedignas. fe ‘Vé-se o que foi, durante longo tempo, nas brenhas e nos povoat da Amazénia, a luta herdica do povo que vinha da Guiné, de A ie. que alguém se dispusesse a fazer um levantamento ‘0 africana em solo paraense. E Vicente Salles se dedicou a essa Ardua tarefa, realizando pologia do negro, mas uma louvavel reabilitagdo da raga a qu mos, em grande parcela, a base econdmica do setentritio by do ha exagéro em afirmar-se que o trabalho de Vicente Sall incorpora, em pé de igualdade, ao que de melhor existe na v bibliografia referente a participagio do elemento negro na vida te livro, dentro da sua tematica e do campo que iré, sem a menor divida, figurar ao lado dos notaveis est ‘Nina Rodrigues, Manoel Querino, Arthur Ramos, Jacques Raymundo, Renato Mendonca, Joao Ribeiro c Edison Carneiro. Bis ai as razdes que levaram a Universidade Federal do Pard a ‘coeditar com a Fundagao Getiilio Vargas a presente obra. Aloysio da Costa Chaves Reitor da Universidade Federal do Para PREFACIO A presenga do negro na Amazonia constituiu, durante muito tem- po, assunto desprezado, em térmos da importéncia insignificante que teria essa mesma presenga, O que se sabia néo permitia a verificagao mais ampla do papel que o negro africano pudesse ter deser na regido, onde as lavouras — do tipo daquelas do nordeste nos ciclos da cana, do algodéo e do tabaco, das provincias fiuminense © paulista, no ciclo do café, como era no Brasil-central (Minas, Mato Grosso e Goids), no periodo mais intenso da exploragao do ouro ¢ diamantes — eram lavouras sem a projegdo das outras, A Amazonia integ se no império portugués na aventura da droga do sertio. A floresta, com sua multiplicidade de espécies comerciais, compunha 0 que ja talvez pudéssemos d. ominar de ponto de atragdo ou de ex] cagdo econdmica para a emprésa de desenvolvimento ¢ de posse que os luso-brasileiros realizavam, Nessa aventura, a mao-de-obra, facil, abundante e a Unica que se poderia mobilizar com sucesso ime- diato. era a méao-de-obra dos aborigenes. Afeitos ao meio, que conheciam em todos os seus mistérios ¢ particularidades, cram, por- tanto, fundamentais para identificd-las e indicd-las no que valiam ou podiam valer, A droga do sertdo, solicitada da Europa, aos olhos ‘vidos, interessados dos portuguéses da burguesia do Reino, poderia representar um papel de altissima im ortaincia como sucedineo da es- peciaria oriental, que estaya passan: a outras maos, mais ativas ¢ nais severas na defesa daquele patriménio, A escassez da importiocia numérica do negro africano ja por ésses motivos explicava-se, tanto mais quanto 0 empreendimento agrario 86, realmente, no século XVIII ‘a tornado, senao fundamental, mas uma experiéneia cheia de sucesso, A mao-de-obra indigena local, ameri- ora suficiente e natural, A mao-de-obra africana nfo encontrava campo para sua experiéncia fisica ¢ s6 a comegar, realmente, do con- sulin do Marquez, com a Companhia do Coméreio do Maranhio, seria efetiva € com i . A bibliografia sObre a presenga africana na Amazonia, conseqiien- temente, nunca foi expressi crevi um ensaio — O negro na emprésa colonial dos portuguéses na Amazénia, editado inicialmente em Lishoa, 1961, Nunes Pereira escreveu dois — A introdugiio do negro na Amaz6- Boletim Geogrdfico, Rio, 1938, ¢ Negros-escravos a ae ado nos Anais do X Congreso Brasileiro de Geo- 0, 1952. Mais recentemente, Anaiza Vergolino ¢ Napoledo edo escreveram Alguns elementos novos pura o estudo dos batu- de Belém, divulgados nas Atas do Simpdsio sdbre a Biota Ama- z6r , Rio, 1967. Anaiza elaborou, depois, uma comunicagio a primeira reuniao de professéres de historia na Amaz6nia. A bibliografia, ‘como se vé, de uma pobreza franciscana ¢ que nao conduzia senio - aguela idéia primeira — o negro, na Amazénia, nao representara um ‘papel na dinamica-social, cultural ¢ ccondmica. O indio, ésse é que asse- _-gurara uma contribuico ponderdvel, impossivel ainda de uma medida ; as a extensdo ¢ profundidade por que ela se apresentara. = im investigacéo a que procedia para melhor saber a formacio humana da Amaz6nia, tragara-me um roteiro de probabilidade sébre o _ fegro na Amazonia, O negro seria estudado em trés fases distintas da ~_hist6ria regional. A primeira comegaria com a introducado do negro €scravo na Amaz6nia, a fim de, como em todo o resto do pais substituir o indio no trabalho, Permanente ¢ sedentirio, da lavoura de mantimentos. Ao indio, a principio descido das suas aldeias com ésse objetivo, ficaria reservada a tarefa de colhér especiarias do interior ¢ ajudar na penetragéo da Amazinia. s Na segunda, pronunciando-se, em téda a sua forea, 0 ciclo das perasce ee Procedera-se ao mesmo tempo ao in je uma experiencia agraria, que explicaria a introducdo de ‘ Amaznia, A i tila Na terceira, estabilizara-se, a i é = ‘a, “sc, a partir da Independi ae ae escrava, ocorrendo pruridos de fi cdo € _ ascensao social do negro, ae a feola ¢ pecudr: Beaters. gr0, Com a expansao agricola ¢ pecudria t A tese central seria, porém / entr a, porém, a de que o negro, embo substituido o indio na Javoura, nao foi do neces) n como no restante do Brasil. A pequena Percentagem di Sontrada na regido explicava-se, insistamos, pela utiliza €m muitos daqueles trabalhos que deram, ao n de gate em profundidade na civilizacdo brasileira Pp mo dizer que somente na Amaz6nia se criara um tipo d r que o indio tivera papel importante a desempenhar’ O trat i taria, entretanto, 0 que se devia ao negro n, t 3 ¢ias de trabalho © de vida ¢ nos ramos pees, O roteiro, de certo modo, e que a presenca africana talve: ; e veZ Se upresentasse so 1 pee eouce examinados e que autorizassem ta trainee an r que aquela presenca possuia uma forca nao suspeit nd: 7 O livro que agora se edita na séri 4 dade do Para, de autoria de Vicente €m seus devidos térmos, pondo fim qui na-la nessa evidéncia extraordinaria, ficamte, a do negro, na verdade fora es a Constituic&io, na @ tendéncias da ; H podia permitir a fo: José Verissimo, da t Salles, vem situa cla simples susp. Ao invés de uma { » Sendo maior em r a indigena, de uma significagio ponderdvel, muito ponderdvel. cente Salles, com O negro no Pard, pretende, escreve éle, “uma interpretagio’’. Pretende comprovar que o negro ‘‘nao deixou | plasmar ai sua personalidade, de influir étnica e culturalmente, além- de constituir, durante todo o regime da escravidao, o suporte da economia agraria’’. Pretendeu, enuncia timidamente Vicente Salles. Na verdade realizou o objetivo que perseguiu. E éste livro € agora fundamental nos estudos amaz6nicos para que se saiba, com mais — seguranga, sem hesitagdes ¢ sem desvirtuamentos, 0 que representara a contribuigdio africana na elaboragao social, cultural e econémica do- gigantesco espago brasileiro do extremo norte. Além do inventario histérico acérea das chegadas de afrieanos Amaz6nia, A luz das provas que pode compulsar nos arquivos e na pobre bibliografia existente, dados que j4 se poderiam rever com o que divulga Manuel Nunes Dias em A companhia geral do Grto-Pard Maranhao, de recente edigao nesta mesma séric, ha a andlise muito serena do que representou, étnicamente, o negro na elaboragio da sociedade regional. Seguindo-se o papel do negro na sociedade esera- vocrata, os trabalhos e lazeres a que se entregara para chegar A luta contra a escravidio. Aqui, Vicente Salles reduz a sua pesquisa e a sua informagao ao Pard, quando poderia ter ido mais longe, com 0 movimento abolicionista na provincia do Amazonas, que foi a segun- da, no Império, a declarar livres os escravos existentes em scu terri- t6rio (10 de julho de 1884) © sObre que Faria e Souza, historiador amazonense, escreveu rico ensaio divulgado no Diério Oficial daquele estado, numero especial que circulou em Manaus por ocasiio da passagem do primeiro centendrio da independéneia nacional, Fe Ao examinar o quadro das primeiras manifestagdes da inquietagao social que abalaria o sistema colonial, levando-nos & independéncia, Vicente Salles passa em revista as raizes daquela inquietagao, cons- tantes de pronunciamentos, indicativos de um estado de espirito que nao era mais o dos dias anteriores, quando todos se conformavam € iceitavam a condicio material de vida como permitida e assegurada. A matéria poderia autorizar, sO ela, um ensaio especial pois que ha, na seco de manuseritos da Biblioteca e Arquivo do Para, farto material | respeito, Entéio, os negros, que lutavam ja ostensivamente por sua liberdade, poderio ser propostos com maiores somas de dados escla- reeedores, inclusive no movimento dramatico da Cabanagem. Fste livro, voltamos a insistir, vale como uma verdadeira revolu- clo nos estudos amazOnicos, pelo que revela, pelo que anuncia, pelo que corrige, pelo que afirma, pelo que incorpora como novidade ao processo da formagiio humana da Amazonia. Arthur Cezar Ferreira Reis SUMARIO APRESENTACAO. PALAVRAS DO REITOR PREFACIO INTRODUGAO A conquista da Amaz6nia le PARTE — O CHATINAMENTO 4 6 A politica escravista do século XVII A politica escravista do século XVII © trafico 1 Primeira modalidade — assento 2 Segunda modalidade — estanque ou estanco 3.2.1 Companhia de Coméreio do Maranhio (1682-1684) 3.2.2 Companhia Geral de Comércio do Grio-Pari ¢ Maranhio (1755-1778) 3 Terceira modalidade — iniciativa particular 4 Quarta modalidade — © contrabando Quinta modalidade — © coméreio interno Mercadores de es Eseravos importados Procedéncia Exportagio de escravos 2» PARTE PTNIA © negro e a composigiio étnica do Par Mestigagem e interaglio social do negro Alguns esteredtipos e idéias afins Classificagiio étnica Tipos étnicos — imagens do século XIX Notas complementares PARTE O NEGRO NA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA © regime senhorial © negro na cidade © negro no engenho O negro na fazenda x3s 13 ay: 28 30 ZRSEsSSaS 8S OL 101 13 14 li? §. Castigos e maltratos 6. Situagio social do escravo 7. Preconceito de cor 8. O escravo perante as leis 9. Justica criminal 10, Anexos AL. Os libertos 4) PARTE — TRABALHO FE LAZER DO ESCRAVO 1. A férga de trabalho escravo 2. Especializacdo e servigos 3. © rebaixamento do trabalho manual 4. Aluguel 5S, Domésticos 6. Negros de ganho 7. Qutras atividades 8. Renda piiblica 9. Lazer do escravo 9.1 O negro nos contos populares 5* PARTE — A LUTA CONTRA A ESCRAVIDAO 1, Fuga e quilombos <1 Destruigao dos mocambos -2 Principais mocambos -3 Mocambos de Turiagu-Gurupi 4 Mocambos de Macapa .5 Mocambos de Mocajuba 6 Mocambos da zona guajarina e baixo Tocantins -7 Mocambos do Trombetas ¢ do Curud 2. As lutas sociais ¢ o negro 2.1 Frei Luis Zagalo 2.2 Filipe Alberto Patroni 2.3 Batista Campos 3. A Cabanagem: uma répida visio da guerra popular 3.1 A luta de classes 3.2 O engajamento do negro na Cabanagem 4. A Aboligio: aco governamental 4.1 Sociedades emancipadas e/ov 4.2 Depois do 13 de maio io popular 6% PARTE — DOCUMENTARIO. Antincios de jornais paraenses do século XIX Uina escrava original (excerto), por Carlos Pontes . Referéncias bibliogrificas avn 130 133 137 141 148 150 153 159 417 328 O NEGRO NO PARA INTRODUCAO A Conquista da Amazénia A fundacio de Belém, em 1616, marca a incorporagio definitiva da Amazonia ao espaco geografico portugués na América, Caio Prado Jé- nior vé nesse acontecimento a determinagdo de motivos politicos *. A jornada de Francisco Caldeira de Castelo Branco realizou-se, a0 que parece, para desalojar os estrangeiros que na regiao haviam se insta- lado, praticando escambo com os indigenas. Esse deslocamento, que ignorava por si mesmo a linha imaginaria do Tratado de Tordesilhas, levava implicita a motivag’o econémica, concomitante & necessaria para a propria manutengdo da autoridade politica que se alargava e ad- quiria proporgoes incalculiiveis. Belém, assentada nas proximidades do delta, devidamente fortificada, estaria em condigdes de garantir essa autoridade sbre o vale em virtude de sua localizagio extremamente favoravel. Certamente, a miragem de terras férteis ¢ de riquezas estimulou também o avango. O Eldorado estava ali perto, E, suposto inexistente, lendario, a posse de terras inexploradas jé era um fator determinante. A carta, ou ‘‘relagio”, de Andrés Peres documento famoso divulgado pelo erudito espanhol Marcos Jiménez de la Espa- da, esclarece os motivos da jornada de Castelo Branco e nela se emirelacam essas miragens de riquezas, ? O motivo principal, revela ‘Andrés. Pereira, foi fazer — ‘*ndvo descobrimento do grande rio das Amazonas e¢ para também se suber o que havia no ca do Norte”, conforme a ordem do governador geral do Brasil, dada ao capitao-mor Alexandre de Moura; ordem que deveria cumprir apés — ‘‘ao que tocava ao servigo do rei em deitar fora ao inimigo como (0) féz"’ no Maranhio. Havia grande curiosidade pela AmazOnia. E os portuguéses certa- mente nao ignoravam que essa curiosidade visava o encontro do Eldo- rado, talvez localizado nos dominios do Reino de Castela, A unificagao da coroa, desde 1580, possibilitou a infiltragao dos portuguéses na \ Prapo Jn., Caio, Histérla econdmica do Brasil, S, Paulo, Ed, Brasiliense, 1959, p. 71 Ananes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pari [doravante citados apenas coma, 1 P. $8. 2 _ E assim, fundada a cidade de Belém, langaram-se estes a iista efetiva da regido, cuja primeira fase foi marcada, quase ‘ivamente, pela guerra aos holandeses, franceses, ingléses © ir- ndescs. Belém, anotou Edison Carneiro, ae servir ce para a penetragio e a ulterior ocupagio do yasto territério des- Peuteclds inchs ficava a oeste’’; a de fato, ‘‘uma base para 0 _avango"’. * ae 5 A campanha contra os estrangeiros que exploravam feitorias no baixo Amazonas, negligenciada pelos espanhdis, teve pois como re- sultado a incorporacéo da Amazénia ao espaco geogrifico ocupado Ree. portuguéses. Ela colocou em evidéncia © nome do capitio Pedro Peixeira, o mesmo que, saindo de Cameta, em 1637 comandando uma grande bandeira, subiu a calha do Amazonas e chegou em via ™m memoravel aos seus extremos ocidentais. * Belém nao poderia subsistir, como ponta de langa contra a flo- Testa, se nao houvesse em tOrno a Javoura de mantimentos. Assim, instalados no Forte do Presépio, os portuguéses cuidaram de trazer alguns colonos para iniciar os trabalhos agricolas — a cargo de miao- de-obra escrava. Paralelamente, foram deslocados alguns missiv rios, destinados a contactar os selvagens das redondezas. Entre esse dois grupos — colonos ¢ missiondrios — manifestou-se uma lute posse do gentio e que, logo iniciada, tendia a aguga da sociedade nascente. Joao Lucio de Azevedo mostra que sempre houve desacOrdo entre os colonos e os missionarios, notadamente os jesuitas. Em 1626 os colonos j4 instalados no Pari nao consentiram no estabelecimento dos padres da Companhia, hostilizivam por outro lado os francisca- nos, os primeiros a se fixarem na regiao e que foram forcados abandonar as missOes, Era alids 0 que os jesuitas queriam, interessa- dos vivamente em afustar os competidores. Mas em 1636 0 jesuita Luis Figueira foi recebido em Belém com hospitalidade O escravismo acompanhou os passos dos colonos lusitanos. Em 1637, duas décadas apds a fundacéo de Belém, entre os seus duzen- tos moradores havia “‘muitos escravos", * Os portuguéses queriam dominar os indigenas ¢ reduzi-los a escravidao; os jesuitas também pretendiam-nos para si, *‘impondo-lhes um jugo brando, segregando-os até onde possivel, dos europeus”, ® certos de que 0 convivio com ‘0s brancos 0s corrampiam, a exemplo do que ocorria no Pare pe OS antagonisimos 8 A Conoutsts da Amuzénia. [Rio de J iro] Ministério da i Ob bias 86 oO {Rio anciro] Ministéri da Ving ¢ jt episddios da guerra © da jomada de Pedro rma. re jesuita Luis Figueira, Annes, v, ion ma ~aeeauein # "Em. 1637. suas [de Belem] condiGes existencisis representavam-se dores, muitos escrayos, um vigario da pardqwia, varies aldcias indizens Peauicnos conventos, sendo um (os Frades de Santo Antonio ¢ Carmelits Os sporadores praicavain uma een anor de, epee 4 fs algodio © de cana, esta para o fabrico de agicar” (Riis AC. Fe ; en ait et ae AC. Fer {ghgeran, Jo icin Be, Os jes no GrowPord 2. rv Impr. da Ur 4 aes Dessas desavengas derivou a introdugdo da eseravaria de Africa c que, promovida pelos jesuitas, representava um acdrdo. A de Antonio Vieira nessa contenda foi decisiva. Fle manobrou habilm te frente a dubiedade e fraqueza dos agentes do govérno. Como tltimo recurso, aceitava-se 0 préto escravo que deveria ocupar o lugar do gentio nos trabalhos da lavoura, A experiéncia que se realizava no Estado do Brasil, onde o negro substituiu vantajosamente o brago indigena, deve ter estimulado essa resolugéo ou inspirado seus pro- ponentes. Contudo, condigdes especiais da Amaz6nia, sobretudo uma, Javoura incipiente, que prosperava com lentidao, retardaram a organi- zi do trafico. As culturas eram improprias ao clima, de dificil ou lenta adaptacio; apenas a maniva, praticamente a Gnica espécie tal agricultada pelo gentio na sua precdria lavoura de subsisténcia, podia merecer alguma atengao. O transporte de pecas da Africa para 4 costa leste era muito mais lucrativo e estava desenvolvido de tal modo que desinteressava a iniciativa privada na abertura de um névo mercado, numa regito pioneira e de perspectivas econdmicas to duvi- dosas. A lavoura da cana-de-acticar e¢ a mineracao eram atividades praticamente inexistentes no grande norte. Restavam, além da mani de grande interésse para as populagdes indigenas, apenas as culturas do arroz e do algodao que, nesses primeiros tempos, nfo se mostra- vam promissoras, O extrativismo, que dava algum lucro, era atividade predatéria: dela podia ocupar-se o indigena, senhor da terra. A natu- reza oferecia abundante cacau e cravo. Em linhas gerais, 0 pensamento de Anténio Vieira, conforme Joao Liicio de Azevedo, era: introdugao de escravos de Angola por conta da coroa; proibigao absoluta dos resgates dos indios; desenvolvyimen- to das Miss6es e entrega das aldeias aos padres da Companhia de Jesus. Justificava da seguinte mancira: a raga nativa era fraca ¢ sd pela segregagio poderia servir, como a experiéncia havia demonstra- do. O negro féra escravo em todos os tempos & ja © era entre os seus. Pela organizagio do trabalho colonial, nao podia ser dispensado 0 braco servil. Que se sucrificasse, portanto, 0 africano em beneficio da raga que os jesuitas queriam redimir e que ja lhes houvera custado sacrificios sem par! Propunha pois uma troca, Os colonos desejavam ardentemente obter escravos em condigdes vantajosas de comercializagéo. Logo foram atraidos pela caga aos selvagens, com a finalidade de aplicar o brago escravo como suporte de suas lavouras. Interpondo-se neste negdcio os jesuitas contrariavam: os interésses dos colonos. Para contornar a crise, a metrépole aceitou o desafio da troca proposta, organizando em 1682 a Companhia de Comércio do Ma- ranhéo, que chamou a si 0 encargo de introduzir escravos africanos, Simonsen: ‘Deu-se-Ihe o contrato por 20 anos, com a obrigagio de introduzir 10.000 negros na colénia, durante ésse prazo’’ * € 0 prego. de 1 SIMONSEN, R. C. Histéria econdmica do Brasil, (1S00/1820), Curso professado “na Eseola Livre de Sociologia € Politica de S, Paulo, 3. ed., S. Paulo, Cia, Editora Nacional 1957], p. 318. ca foi estipulado em 100 mil réis. A companhia teve conse- desastrosas, sobretudo na praca do Maranhao. Gerou uma

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