Você está na página 1de 46
~OQUEE Coiecdo etm Primeiros Passos 286 Uma Enciclopédia Critica Belge -U Dep > ofCHA, A Historia da Ciéncia 6 como uma viagem a um labirinto: complexa e fascinante. Na vastiddo de caminhos do cenhecimento humano sobre a natureza, ds vezes nos perdemos numa trilha que a histéria apagou. Mas logo vem o deslumbramento com essa rota tracada por aqueles que enxergaram e construiram.o mundo de maneira diferente da nossa. Aéeite o convite para fedescobrir caminkos e atalhos, e refletir sobre o passado, o presente e o futuro da Ciéncia. ~ Areas de interesse Ciéncia, Filosofia, Historia inn iP... a ort o -OQUEE } je” HISTORIA ee” DA CIENCIA Ana Maria Alfonso-Goldfarb id Alf Ana Mari {Copyright © by Ana Maria Alfonso-Goldfasb;'1994— Nenhuma part desea publicaro pode ser gravada, armazenada em sistemas eletronicos fotocopiada, reprodsxida por mecios mecinicos ou ros quaisquer sém autorizagdo prévia da edtora. Primeira edipdo, 1994 Dreimpressé, 195 Coordenaso editorial: Florian Jonas Cexat Revisdo: Agnaldo A. Olveirae Carmen. S.Costa Copa: Emo Dasani Dados internacionsis de Catlogoo na Publica (C2) (Ciara Brasileiea do Livro, se, Brasil) ‘Alfonso-Goldfarb, Ana Maria. O aque 6 histéria da cigncia / Ana Maria Alfoaso- Goldfarb. — 1. ed. ~ SSo Paulo : Brailiense, 1994. ~ (Colegio primeitospassos : 286) Bibliografia ISBN 85-11-01286-9 1, CiGncia 2. Citncia— Histéria 1. Titulo. Il. Série indices jogo sisternitico: 1. Giéneia -Histéria 509. EDITORA BRASILIENSES.A. ‘Av, Margués de Sao Vicente, 1771 01139-903 - Sao Paulo -SP Fone (018) 86 13366 - Fax 861-3024 Filisda’ ABDR epep Introdugao ... Caminhos primeiros: uma imagem no espelho da propria ciéncia ........-.-.-- Caminhos contemporaneos: espago independente de reflexdo sobre a ciéncia. . Indicagées para leitura ...-.-.-.---+.+-- = UNESP - CAMPUS OE BAURU Valor: (0,90 n° chamada: fa Pn iL Data:-24/ ul 1 tombo: v. ‘Ao mais que querido mestre dos mestres 6m historia da ciéncia, ‘Sino Mattias ( memoriam) INTRODUCAO Complicando 0 que parecia simples Preende quando alguém diz que a cura para tal e tal doenga esté sendo cientificamente estudada. Ou que nao existe ‘uma -teoria-cientifica Para provar a telepatia- Enfim, mesmo Nao sabendo dizer © que é Ciéncia, vocé acredita que todos Os termos a ela telacionados — cientifico(a), cientificamen- te, cientista, Cientificismo... — tem a ver com algo objetivo, Sério, exato, e quase sempre importante e verdadeiro. no caso ‘da Ciéncia, todos acreditam saber por intuigao 0 que seria Histéria. Vocé pode confundir Alexandre Magno com Carlos Magno. Mas, pelo menos, vocé deve saber que esses homens sao personagens historicas, que existiram de verdade e, portanto, diferentes das personagens de ficgao. © problema é que intuindo 0 que 6 Ciéncia e o que é Historia, mas nao conseguindo esclarecer, 0 mais provavel é que vocé consiga menos ainda exemplificar 0 que € His- tora da Ciéncia. Ocorre que as coisas nao sdo tao simples assim. Ou seja, nao se trata de uma questao de saber ou nao saber, € pronto! Nao basta juntar Historia e Ciéncia para que o resultado final provavelmente seja Historia da Ciéncia. E isso nao acontece s6 porque a jun¢ao. ou_a combinagao de duas coisas diferentes quase sempre produz uma terceira com caracteristicas proprias, embora se pareca ct as que the deram origem. Isto é verdade para 0 caso de vocé, seu pai e sua mae; para a planta com enxerto do jardim; e também para a ligagao entre teorias. Mas, no caso da Historia da Ciéncia, a complicacdo é ainda maior, porque a Historia da Giéncia, que se desenvolveu no interior da Ciéncia, sem- pre.esteve mais proxima.da Filosofia (Légica, Epistemolo- gia, Filosofia da Linguagem), do que da Histéria. Para falar averdade, até trinta ou quarenta anos atrds, a Historia da Ciéncia tinha bem pouco de histérico (dos métodos e dos procedimentos da Histéria). Quando, inalmente, a Historia da Ciéncia passou a usar pra valer métodos ¢ procedimen- tos proprios da Historia, ela ja havia se desenvolvido muito, com defeitos e qualidades préprias. pie (1 O.QUE EHISTORIA.DA CERTCIA - 9 AHistoria da Ciéncia ficou assim durante algum tempo, como uma estranha no interior dos estudos histéricos. Aos poucos foi assimilando, filtrando e adaptando elementos da Histéria, que combinava com outros elementos da Sociolo- gia, da Antropologia e de varias ciéncias humanas. A entra- da desses novos elementos no corpo da Hist6ria da Cién- cia deu também um novo sabor aos componentes da Cién- cia e da Filosofia que de longa data combinavam-se para formar essa area de estudos. O resultado que temos hoje 6 uma Histéria da Ciéncia complexa e com muitas faces, sem com isso ter se transformado numa colcha de retaihos. Métodos e processos foram criados para que a Historia da Ciéncia pudesse adaptar, de maneira harmoniosa, es- ses conhecimentos variados vindos das diversas areas. Formou-se assim um campo original de pesquisa com vida prépria e tudo o mais, e, a0 mesmo tempo, em constante comunicagao com essas areas que emprestaram seus Co- nhecimentos a Histéria da Ciéncia. Aessa altura, vocé deve estar pensando que agora nao tera como saber o que é Historia da Ciéncia. No comego parecia que o préprio nome ja explicava 0 assunto. Depois foi descobrindo que essa_aparente facilidade_no_ nome escondia questdes muito complicadas. Como entender algumas dessas questées sem ter que ler meia biblioteca, ou se transformar num especialista? Como sanar este pro- blema? ie Vou contar uma historia: /a historia, da Historia da Cién- Gia Desse modo vocé podera Snare 0 longo ey historico de transformagao e mudangas que justifica a Hi toria da Ciéncia levar @sse nome. Com essa historia, voce | Contando a histéria de uma histéria Filosofia Natural, Magia Universal, Nova Ciéncia, Filoso- fia Experimental: esses foram alguns dos nomes ‘com que Se tentou batizar, entre os séculos XVI @ XVII, 0 que hoje chamamos de Ciéncia Moderna. Muitas Caras, além de muitos nomes, teve a Ciéncia Naquela época. Eig estava Por exemplo, alguns achavam que a Ciéncia deveria re- tomar os conhecimentos classicos. Aqueles que surgiram na Grécia antiga — por Pensadores que vao de Tales de Mileto e Aristételes — © passaram para a Civilizagao Pensavam que o melhor seria acabar com conhecimen- tos classicos, Comegar da estaca zero © ouvir da propria natureza o que ela teria a contar, Entre esses dois casos extremos havia Centenas de opi- nides intermediarias, levantadas por 9tupos — que normal- mente chamamos Correntes, linhas ou escolas de pensa- mento — ou apenas POr UM Unico individuo. Essas Origens ac iW Complicadas da Ciéncia Moder tes, em que todos queriam ter razao e i ligada a Propria Cién- l6ria, éla’é uma justificativa da Ciéncia que estava se formando, e tem, portanto, 9 per- fil do debate que esta gerando esta formacao. S Séculos XVIII e XIX, 0 debate vai chegando a Seu final (pelo menos oficialmente...), © vdo se tornando também oficiais aS “regras do JOgo” em Ciéncia, A Ciéncia Vai.criando um , il unico, cada vez mais parecido com aquele que quase todos Conhecem agora. E Ciéncia Moderna, A Ciéncia desse Periodo ja sabia Para que veio e Passa. ainfluenciar desde a muda, nga de curriculo das escolas até © desenvolvimento das nacées (quem nao tivesse uma boa —="ANA MARIA ALFONSO-GOLOFARB Mey Ciéncia‘~ como até hoje... — perdia o trem da Historia). Nessa fase a Ciéncia nao precisava ser justificada; ela era oficial e tinha o rosto do futuro do planeta. A Historia da Ciéncia, sempre ligada a Ciéncia, passa também por essa. transformagao. Novamente ela nao. a. uma forma de.His- téria, mas uma crénica interna da ciéncia. Essa espécie de crénica serviria para ajudar os mestres que ensinavam Ciéncia, tanto por meio de livros quanto ao vivo, a dar exemplos do que fora certo e do que fora errado no de- senvolvimento da Giéncia. E certo era tudo aquilo que se transformara na Ciéncia daquele momento; errado, tudo aquilo que atrapalhou a Ciéncia para chegar aquele estagio e, portanto, deveria ser evitado, ouno minimo esquecido. AHistoria da Ciéncia sera assim exerplo edificante para os jovens estudantes e motivo de orgulho para os cientis- tas. Pois, por meio dela, era possivel saber. como a ci éncia ganhou muitas batalhas contra a ignorancia, a religiao e 0 misticismo, seus eternos inimigos. Mas como a Ciéncia era © futuro, esse passado glorioso foi ficando cada vez mais Para tras. Como se fosse um enfeite, aquilo que os profes- sores chamam de perfumaria, a Historia da Ciéncia foi se tornando_pouco_importante para quem quisesse-aprender- .ciéncia de verdade. — Mas a Ciéncia que parecia um corpo de conhecimentos quase prontos e acabados passou ainda por sérias trans- formagGes no século XX. Do lado de dentro da Ciéncia, Novas teorias que nao eram sim, plesmente 0 complemento de anteriores surgiram. E também do lado de fora aumen- tou a pressao. Guerras que se tomavam cada vez mais ter- oouE € HSTOR 3 ———————— riveis com auxilio dos conhecimentos cientificos, a poluicao que aumentava com os avangos da Tecnologia, tudo isso fazia com que fosse necessdria uma Critica, uma revisdo dos critérios da Ciéncia. Criticar, alids, quer dizer analisar.os critérios (normas, regras, principios) de alguma coisa. E se alguns desses cri- térios tiverem problemas, incluir sugest6es para sua modi- ficagao. Criticar, portanto, nao 6 simplesmente pichar algo de que no estamos gostando. Sendo assim, os instrumen- tos mais afiados para se fazer uma critica da Ciéncia esta- vam com a Histéria da Ciéncia. Tendo convivido intimamen- te com a Ciéncia e suas transformagdes durante sécillos, a Historia da Ciéncia conhecia como quase nenhuma outra Area de estudos os processos internos dela. Era preciso, agora, que a Historia da Ciéncia ganhasse uma dimensao verdadeiramente historica para que ela pu- desse fazer sua critica ao longo processo, no tempo, vivido pela Ciéncia. Contando e recontando as muitas historias de que se fez a Ciéncia, foi possivel entender problemas, sal- tos e falhas que haviam ficado apagados pela aparente con- tinuidade do progresso cientifico. Embora envolva muitos-problemas, gostaria que ficasse a imagem de uma Historia da Ciéncia complexa mas inte- ressantissima. interessante porque recuperou conhecimen- tos sobre a natureza que pareciam errados pelos critérios cientificos; porque recuperou outras formas de ciéncia que a Ciéncia Modema apagara; porque recuperou para a Cién- cia seu papel de conhecimento produzido pela cultura hu- mana. Um conhecimento especial, sim, mas que, como UOT SANA MARIA ALFONSO-GOLDFARB -—-————_ outros comhecimentos, foi Construido ¢ inventado Pelo ser humano e, portanto, cheio de idas e voltas. E dai sera pre- Se CAMINHOS PRIMEIROS: UMA IMAGEM NO ESPELHO DA PROPRIA CIENCIA Todos os caminhos levam a Roma... Todos os caminhos levam as Indias... Era uma vez uma Europa que, até o S€culo XV, vivia @pertada entre seus muros. A ocidente tinha o grande mar Onde ninguém se aventurava, que para eles devia ser 0 |i- mite da terra, Pols acabava no vazio, A mavegagao até ° século XIV era Costeira. Ou seja, Contornava-se a terra por mar, sem perder muito de vista a linha da Costa. As histé- tias_que hoje_se_contam sobre vikings que chegaram-a— América e chineses que navegavam em mar aberto antes AbA.MARUA ALFONSO-GOLOFARB, ; r de conquistar. A norte, numa época em que nao havia ele- tricidade nem radar, e os combustiveis eram s6 para lamparinas, existiam os gelos elernos. Estou contando essa historia porque foi no mundo euro- peu, cercado por todos os lados, onde comegou a fermen- tar as sementes da Ciéncia Moderna. Ninguém conseguiu até hoje provar com certeza se essas sementes da Ciéncia foram o que ajudou os europeus a arrebentarem seus mu- ros e se expandirem por todo o planeta. Ou se, a0 contra- rio, por terem comegado a arrebentar os muros, eles pude- ram trazer, de outras partes para a Europa, as idéias (ou mesmo os materiais e 0 vil metal) com que regaram e@ fize- ram brotar essas sementes. Comeca ai 0 labirinto que os historiadores da ciéncia, dedicados aos estudos das origens da Giéncia Moderna, tém de enfrentar. O século XV, que é quando essa movimentagao toda para destruir muros co- mega a acontecer com forga, foi um século de descoberta dos mais agitados na Europa. E um periodo de redesco- berta da cultura classica e de novas culturas. A redescoberta comega a acontecer em grande escala quando, no meio do século XV, 0 Império Otomano (que era islamico) domi era cristo). Os bizantinos que fogem para 0 cocidente euro- peu sabem traduzir diretamente do grego classico para o latim. Acontece que ha muitos séculos 0 europeu ocidental tinha desaprendido a ler grego (as tradugGes para 0 latim eram feitas a partir das tradugGes arabes dos textos classi- cos). Entusiasmadas com essa possibilidade de acesso di 10 a cultura classica, oS europeuS iniciam um verdadeiro Ancio (Império Romano Oriental, que _ © QUE E HISTORIA DA-GIENGIA— — 7 festival de recuperagaé de trabalhos perdidos ou esqueci- dos, e que um dia ja haviam feito a gloria da Europa. Essa retomada da inicio ao periodo conhecido como Renasci- mento (porque renasce a cultura classica), no qual vao tam- bém acabar acontecendo muitas descobertas. Igualmente, a descoberta de novas culturas tem, de al- guma forma, a ver com 0 abalo das fronteiras européias com 0 mundo islamico. A rota para as indias, por onde en- travam as maravilhas do Oriente (sedas, porcelanas, espe- ciarias ¢ tudo mais) para a Europa, foi um caminho contro- lado pelos muguimanos durante séculos. Os muguimanos dominavam também uma parte da peninsula Ibérica (Por- tugal e Espanha) em territorio europeu. Era um velho sonho da Europa crista tomar dos muguimanos essas fronteiras. E, se possivel, estender-se para além delas, procurando um caminho proprio para as indias que Ihes desse riqueza e forga para competir com o mundo islamico. Os cristaos portugueses @ espanhdis realizam esse du- plo sonho até finais do século XV. A rota lusitana para as indias desce pela costa africana (descobrindo lugares por onde nenhum europeu havia pisado antes, nem mesmo os sabios antigos), cruza 0 oceano Indico_e.chega a Calcuta, na india. A rota hispanica toma o caminho do mar aberto e, seguindo sempre para 0 Ocidente, chega as outras Indias: as Américas. De uma e de outra rota vao jorrar inumeras novidades diante dos olhos surpresos dos europeus. Para explorar esse mundo que se abria, cheio de novas fronteiras, outros povos e tantas novidades, era também preciso descobrir uma outra forma de Conhecimento; uma nova ciéncia. Acon- tece que, para alguns, essa ciéncia deveria nascer dos co- nhecimentos classicos, da ciéncia dos antigos. Afinal, a redescoberta dos antigos ja havia trazido Muitas coisas no- vas e talve2 fosse sé adapta-las As Novidades descobertas. Para outros, porém, as novidades de um mundo com o qual os antigos nao haviam nem sonhado deveriam Ser conhe- cidas de uma forma também inteiramente nova. Mas era dificil decidir quem estava com a razao, Porum lado, de fato, as navegagées, que vao se intensificar muito novidades que os textos dos antigos classicos nao haviam previsto. Por exemplo, o céu do hemistério sul, guia das novas rotas maritimas por onde Outros povos europeus além dos ibéricos vao se aventurar, nao constava em ne- nhuma carta astronémica dos antigos. Também fo) desco- berto que pessoas, animais e Plantas existiam em numero consideravel nas zonas térridas da terra (na linha do Equa- dor), onde os sabios antigos acreditavam que, por causa do forte calor, nada pudesse viver. E das Américas chegavam noticias de povos, como os ast Cas, que, sem usar a toda ars as a delas criar novas formas de olhar 0 mundo. A perspectiva, entre Sutras, foi uma invenodo deles: uma técnica Para representar a profundidade de uma cena ou Sempre dessa maneira, Povos tao interessantes como os chineses, og Gregos e os astecas nao enxergavam em pers- Pectiva, a idéia da Viagem que mudaria Para sempre os velhos limi- tes do mundo. Errados ou Certos, mirando aqui e acertan- [ANA MARIA ALFONSO: GOLDFARB ene do ld, os textos dos sdbios classicos poderiam “ser, pélo menos, um bom come¢o para um novo conhecimento. E facil perceber por que aqueles que retomaram o cami- nho iniciado pelos classicos foram chamados de antigos € ‘0s que buscavam novos conhecimentos para a ciéncia, modems. Porém, as vezes, 0S modemos nao eram tao modernos assim nem os antigos tao antigos, mas se mis- turavam, E dessa maneira que, entre os séculos XVI e XVII, vai se formando a ciéncia moderna. E a Historia da Gién- cia? Que ligagao ela tem com tudo isso? Como ela surge no meio desse emaranhado de opgées? Que uso fazem dela antigos e modernos para justificar sua opgao? Normalmente, quando se fala de antigos e modemos, logo se pensa em exemplos da histria da astronomia e da mecanica e em nomes revoluciondrios como Kepler, Galileu e Newton. Todavia, talvez seja uma boa ocasiao para co- megar por um exemplo menos tradicional e possivelmente até mais adequado para se discutir a questao de antigos e modemos: a medicina do século XVI, quando surge Para- celso, uma figura das mais polémicas do periodo. Aconte- ce que a medicina na época de Paracelso é um dos exem- plos mais complicados da Hist6ria da Ciéncia. Mas, talvez alé por isso mesmo, também-um-dos-mais-ricos para falar sobre a Histéria da Ciéncia (ou pelo menos sobre como ela jd era usada naquele tempo). Trata-se de um exemplo com- plicado na Histéria da Ciéncia porque, desde os principios da medicina classica, discutia-se se ela era uma técnica (preocupada com as formas de curar) ou uma ciéncia (preo- cupada em teorias sobre a doenga e sua ligagao com outras teorias). Mais complicado ainda porque poucas areas do co- HISTORIA DA GIENGA 2 nhecimento haviam avancado e se intrometido tanto no ter- ritério das outras ciéncias. Num proéésso que’comegou mui- tos séculos antes de Paraceiso, saberes farmacéulicos, alquimicos, astrolégicos/astronémicos (que eram equivalen- tes), eaté mineraldgicos e meteoroldgicos, cresciam a som- bra da medicina e pelas maos de médicos. Essa medicina exagerada — cheia de conhecimentos que, em principio, nao deveriam fazer parte, diretamente, de sua area de estudos — formava um leque de tendéncias as mais variadas. No século XVI, essa espécie de ciéncia feita de ciéncias nos oferece mostras que vao do caminho extremamente mais antigo (ligado a dois mil anos de tradi- cao médica e filosdfica) até o radicalmente mais modemo (que dizia nao precisar dessa tradigao para coisa alguma). Este ultimo seria um caso extremo. E parece ter sido 0 de Theophrastus Bombastus von Hohenheim alatinado autoralmente Philippus Aureolus Theaphrastus Paracelsus (c. 1490-1541), ou simplesmente Paracelso, como gostava de ser chamado aquele que rejeitou toda tradi¢ao classica conhecida pelos europeus em medicina. Mas antes de qual- quer consideragao precipitada sobre como a Historia da Ciéncia entrou ou deixou de entrar neste caso, sera neces- ———~girio formar um rapido quatro de como cada um dos ca- sos extremos (Paracelso versus dois mil anos de tradigao) construiu sua medicina. Pausa para contar uma historia sauddvel Costuma-se dizer que 2 medicina considerada classica nasceu entre os gregos, mais ou menos, entre os séciiios

Você também pode gostar