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3 Wy ah i: “ad Sea F. FERRARI |, HORACIO SCHNEIDER — mee ral lel gt De um modo geral, os estudos de comportamento, tanto _ no campo como em cativeiro, sio bem representados no presente volume. No caso do campo, destacam-se os trabalhos sobre o mono-carvoeiro, Braciyteles arachnoides (Mendes; Odalia-Rimoli & Otta; Rimoli & Ades). Os trabalhos de Calegaro-Marques & Bicca-Marques abordam a ecologia de outro atelineo (ou atelideo), Alowatta caraya, uma das espécies menos conhecidas do género. Mais conhecido é o sagiii comum, Callithrix : jacchus, focado por Castro et al. e Monteiro da Cruz & Sc . Os trabalhos de Queiroz & Kipnis e Passamani et resentam dreas ~ geogriificas e de trabalho bem diferentes, mas tém em P. comum sua relevincia 4 conservacio dos primatas, Em cativeiro, os estudos de comportamento sao dominados pelos calitriquineos, Callithrix (Azevedo et al.; Santos; Sousa ef al.) ¢ Leontopithecus (Alonso e colegas), com apenas um estudo de um “macaco-verdadeiro", Cebus apella (Izar & Sato). Os assuntos aqui vio desde incesto até ritmos circadianos. Destacam-se também os varios estudos de hibridizacao de calitriquineos de Coimbra-Filho et al. e os trabalhos morfolégicos de Burity ef al. com Leontopithecus ¢ de Ferrari & Krause com os cebideos em geral. A nova era molecular da genética é representada pela revisio da sistematica dos platirrinos por Schneider ef al. Importantes trabalhos clinicos sao apresentados por Borda, Chagas, Ferreira, Rodrigues ¢ Pissinatti, e seus respectivos colegas, que tratam tanto de formas ameagadas (Brachyteles e Leontopithecus, mais uma vez) como das que tém maior in- teresse biomédico (Cebus, Saimiri e Callithrix jacchus). ISBN 85-247-0173-0 Z, A Primatologia no Brasil VOLUME 5 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA Reitor Cristovam Wanderley Picango Diniz Vice-Reitor Zélia Amador de Deus Pré-Reitor de Administragaio Luciano Sérgio Brito da Costa Pré-Reitor de Ensino Marlene Rodrigues Medeiros de Freitas Pré-Reitor de Extensiio Jost Carlos Simdes Fontes Pré-Reitor de Pesquisa José Miguel Martins Veloso Pré-Reitor de Planejamento Joao Batista Sena Costa Prefeito do Campus Edson Ortiz de Matos EDITORA UNIVERSITARIA Diretor Manoel Gomes de Lima Diretor da Divisio de Editoragio Lairson Costa Director de Arte-Final ¢ Fotocomposigio Paulo Camariio Diretor de Produgdo Luiz Carlos Galena Diretor Comercial Azamor de Oliveira Diretor de Distribuigio ¢ Intercimbio Sérgio Lim: A Primatolegia no Brasil VOLUME 5 Stephen F. Ferrari Horacio Schneider Organizadores Anais do VI Congresso Brasileiro de Primatologia Rio de Janeiro, RJ - Julho de 1994 Departamento de Genética Universidade Federal do Para Sociedade Brasileira de Primatologia Bekim - 1997 Tine ¢ texto amparados peta Lei a § 988 de 14 de dezembro de 1973. Copyright © 1997 dos autores s Capa: siren Coon “3gH0 AD, Geter 00 <£10 Fore de capa: Bost Cakdes Paginagde eleirduica: Cristivam Lisboa, Joe Carlos Moraes ¢ Maria Ausiliadora Prado Fosolita: Walleedo Avila dos Santos Momagen: Cartes Alexandre Santos da Silva Revisde do temp; Jos? des Anjos Oliveira, Maria Josely Almeida de Miranda Dias ¢ Rosieneri Freitas Dados Internacionais de Catalogagdo na Publicagho (CIP) (Biblioteca Central da UFPA, Belém-PA, Brasil) ‘Congresso Brasileiro de Primatologia (6.:1994: Rio de Janeiro) Primarotogia no Brasil: anais do WI Congresio Brasileiro de Primatologia, Rio de Janeiro, 19%4/Congresso Brasileira de ia, Sociedade Brasileira de —Primatologia; organizadores: Stephen F. Ferrari, Horacio Schneider. — Rio de Janeiro: A Sociedade, Belém: Grifica e¢ Editora UniversitiriaUFPA, 1997. 5 ISBN 85-247-0173-0 |. Primatas — Congressos, 2, Macacos — Congressos, 3 Zoologia. |, Ferrari, Stephen F, |, Schncider, Horacio. I. Titulo. IV, Titulo; Anais do Wl Conpresso Brasileiro de Primatologia, Rie de Janeiro, 1994, CDD 599.8045 Depésite legal na Biblioteca Nacional, conforme Decreto a” | 825 de 2012/1907, Prefacio E com grande satisfaglo que apresentamos o quinto volume de A Primatologia no Brasil, que reine trabalhos apresentados no VI Congreso da Sociedade Brasileira de Primatologia (SBPr), realizado no Rio de Janeiro, em julho de 1994. Mais de cingienta trabalhos foram apresentados nesse Congresso, dos quais aproximadamente metade sho reproduzidos por completo neste volume. Um passo importante na evolugiio da Sociedade foi dado durante esse Congresso quando seus membros votaram a favor do desvinculo deste evento do Congresso Brasileiro de Zoologia. © primeiro Congresso da nova era da SBPr ja foi realizado em Natal, em 1995, ¢, longe de ser um primeiro passo cauteloso rumo 4 independéncia, foi mais uma demonstragio da forga desta nossa nova ciéneia eclética, a Primatologia. Nosso objetivo principal ao editar este quinto volume foi manter os padres de exceléncia cientifica estabelecidos pelos editores do Volume 4, para © qual foram imprescindiveis a paciéncia ¢ 0 espirito colaborador de muitos de nossos colegas, que se dedicaram a revisio cuidadosa dos textos. Gostariamos, nesta oportunidade, de agradecer a todos os mossos revisores pela sua contribuigio 4 qualidade dos textos que seguem. ‘Como no volume anterior, todos os trabalhos escritos em portugués ou espanhol tém um resumo em inglés (e vice-versa), que julgamos especialmente importante para a eventual divulgagiio de nossas pesquisas mo exterior, ‘Na auséneia de um consenso, nos volumes anteriores, sobre a organizagao dos capitulos, optamos por uma divisio simples entre wabalhos de campo (Segio 1) ¢ estudos de cativeiro/laboratdrio (Segao I). Nessa divisiio, por pura coincidéncia, os trabalhos so divididos quase pelo meio, mas nfo sabemos se isto ¢ realmente representative da distribuigho atual de esforgos de pesquisa (nota-se, inclusive, que alguns nomes aparecem nas duas segdes). Sem uma taxonomia universal ¢ definitiva para os platirrinos, uma outra decisio editorial foi a ndo padronizagio - ou seria a imposigio? - da nomenclatura cientifica. De um modo geral, os estudos de comportamento, tanto no campo como em cativeiro, sho bem representados no presente volume. No caso do campo, destacam-se os trabalhos sobre o mono-carvoeiro, Brachyieles arachnoides (Mendes; Odalia-Rimoli & Oua; Rimoli & Ades), espécie em extingaio que foi assunto de um simpésio no VI Congresse da SBPr, organizado pela Dra, Karen Strier (University of Wisconsin). Os trabalhos de Calegaro-Marques & Bicca- Marques abordam a ecologia de outro atelineo (ou atelideo), Alowatta caraya, uma das espécies menos conhecidas do género. Mais conhecido & o sagili comum, Callithrix jaccius, focado por Castro ef al. ¢ Monteiro da Cruz & Scanlon, Os trabalhos de Queiroz & Kipnis ¢ Passamani ef al, representam dreas geogrificas ¢ de trabalho bem diferentes, mas ttm em comum sua relevincia 4 conservagiio dos primatas, Em cativeiro, os estudos de comportamento_sio dominados pelos ealitriquineos, Caffithrix (Azevedo er al.: Santis Sousa elal.je Leontopithecus (Alonso ¢ colegas), com apenas um estudo de um “macaco- verdadeiro”, Cebus apelia (Izar & Sato). Os assuntos aqui vio desde incesto até - ritmos circadianos. Destacam-se também os varios estudos de hibridizagio de calitriquineos de Coimbra-Filho ef al. (inclusive de alguns taxa ameagados, como Callithrix flaviceps ¢ Saguinus bicolor) ¢ os trabalhos morfolégicos de Burity ef al. com Leontopithecus ¢ de Ferrari & Krause com os cebideos em geral. A nova era molecular da genética € representada pela revisio da sistematica des platirrinos por Schneider ef a/, Importantes trabalhos clinicos siio apresentados por Borda, Chagas, Ferreira, Rodrigues ¢ Pissinatti, e sews respectives colegas, que tratam tanto de formas ameagadas (Brachyteles ¢ Leontopithecus, mais uma vez) como das que tém maior interesse biomédico (Cebus, Saimiri ¢ Callithrix jacchus). ‘Como dissemos, a Primatologia cresce cada vez mais no Brasil, mas no poderiamos deixar de notar, do “alto” de nosso ponto de vista amazénico, um aspecto importante do presente volume: entre os trabalhos que abordam um lixon ou taxa especifico(s), encontramos apenas sete dos dezesseis péneros de platirrinos. Os que faltaram siio todos amazémicos, e incluem uma subfamilia inteira, a Pitheciinae. Dos vinte ¢ sete trabalhos publicados aqui, apenas oito (30%) foram feitos na Amazénia ou com taxa amazinicos (incluindo Cebus apelia}, uma proporgio inversa da contribuiglo da regio & fauna primatolégica nacional. ‘Obviamente, a concentragio de pesquisas na Mata Atlantica reflete a distribuigao no somente de gente ¢ recursos, mas também do desmatamento e de espécies ameagadas. Ac nosso ver, entio, nfo é que existam pesquisas a mais na Mata Atlantica, mas sim que existem a menos - ¢ muito menos - na Amazénia. Esperamos, ent3o, que a Primatologia continue a crescer cada vez mais no Brasil nos proximos anos, e que cresga mais na Amazdnia, onde ainda temos tempo - esperamos - para evitar muitos dos problemas que enfrentamos na Mata Atlantica, A Primatologia continua sendo uma das maiores bandeiras da Conservago no Brasil, uma bandeira que todos nds temos a responsabilidade de erguer. Belém, 31 de dezembro de 1996 Stephen F. Ferrari Horacio Schneider vice-presidente da SBPr, 1991-94 presidente da SBPr, 1991-94 Sumario Segdo I - Trabalhos de Campo A relagio cspacial entre miic-infante como medida do processo de independéncia do filhote muriqui (Brachyteles arachnoides) Adriana Odalia-Rimali; Emma Otte of Comporiamento agressivo em um grupo de bugios-pretos, Alowarta caraya (Primates, Cebidae) Chindia Calegaro-Marques; .hilio César Bicca-Marques Estratégias de forrageamento de um grupo de muriquis (Brachyteles arachnoides, Primates, Cebidae) da Estapio Bioldgica de Caratinga-MG Jasé Rimoli; César Ades Estudo dos ritmos biolégicos da catagdo no sagii comum (Callithrix Jacehus) em ambiente natural Carla Soraia 8. de Castro; Alexandre AL. Menezes; José W. de Queiroz; Licio Flavio S Moreira Mudangas no tamanho ¢ na composigio de grupos sociais de Callithrix jacchus em ambiente natural Maria Adélia O.M. da Cruz; Catherine E. Scanlon 0s indios Guajd ¢ og primatas da Amazdnia maranhense: um caso de sustentabilidade de caga? Helder £. Queiroz; Renate Kipnis AePadroes de interago vocal do muriqui (Brachyteles arachnoides) Francisco DWC. Mendes Reintrodugio do sagili-da-cara-branca (Callithrix geoffrey?) em fragmentos de Mata Athintica no Sudeste do Brasil Marcelo Passamani; Sérgio L. Mendes; Adriano G. Chiarello; Jacques A. Passamani: Rudi R. Laps KVocalizagdes de Alonetia caraya (Primates, Cebidae) Claudia Calegaro-Marques; Jtilio César Bicca-Marques Resumos XActivity pattems, diet and social behavior in howler monkeys in ‘Corrientes, Argentina AM, Giudice } 15 29 39 59 ” $1 es] 19 141 > Alometria em Callithrix jacchus silvestres: uma aplicagSo da teoria dos grafos Maria Adétia O. Monteiro da Cruz; Takechi Sato Aspecto de contetido nutricional da dieta ¢ comportamento alimentar de Brachpteles arachnoides no Parque Estadual de Carlos Botelho - SP MT, Gores Aumento na drea de uso ¢ diversificagho da dieta em Callithrix Jacchus: um estudo comparativo (CC. Figueiredo Filho: ML.C.B. Campelo; MALOLM, Cr; LC.O. Melo =6Como os muriquis (Brachyteles arachnoides) usam o seu espago: os ‘efeitos do tamanho do grupo ¢ as implicagtes de suas preferéncias de habitat para sua conservagdo LP. Oliveira XComportamento social e conservagio do muriqui (Brachyteles aracknoides) Francisco DC, Mendes + Densidade ¢ biomassa de primatas na Amazénia Oriental M. Aparecida Lopes Diferengas sazonais no comportamento dos carregadores de um grupo de saptis-da-serra (Callithrix flaviceps) na Estagdo Biolégica de Caratinga (EBC) - MG Vania H, Diego; Stephen F. Ferrari xDisponibilidade alimentar ¢ padroes de distribuigfio espacial de espécies utilizadas pelo muriqui no Parque Estadual de Carlos Botelho, Sdo Paulo PLR, Moraes Ecologia ¢ comportamento de fémeas de muriqui (Brachyteles arachnoides) em diferemes estigios reprodutivos CP, Nogueira Ecologia ¢ comportamento do mono-carvoeiro (Rraciyteles arachnoides) na Fazenda Intervales, Serra de Paranapiacaba, Sdo Paulo Liége M. Petroni Ecologia ¢ comportamento do mono-carvecira, Brachyreles arachnoides, no Parque Estadual Carlos Botelho (PECB) - SP Oswaldo de Carvalho Jr. MEvaluacion de la estacionalidad reproductiva en el mono aullador negro (dlowatta caraya, Primates, Cebidac) en el noreste de la Argentina Gabriel E. Zunino pe 143. 145 149 151 152 153 153 Habitat and population characteristics of the black howler monkey (Alouarta caraya) in northern Argentina ae Gabriel E. Zunino; Susana Bravo; Flavia Murad Ferreira; Carolina Reisenman => Levantamento das populagées de Brachyteles arachnoides (rmuriqui) na parte norte de sua distribuicado geogrifica LPS. Pinto; C_MLR. Costa; LJ. Tavares Novas perspectivas sobre a ceologia, comportamento ¢ taxonomia dos sagilis do género Callithrix [Simpdsio] Stephen F. Ferrari ‘Ofilhote muriqui: aspectos gerais do seu desenvolvimento Adriana O. Rimoli © forrageamento dos muriquis (Brachyteles arachnoides, Geoffroy, 1806): o papel de sua organizaSo social na dispersiio ¢ semeadura de especies arbdreas da mata atlantica dasé Rimall © uso de “play-back” para o levantamento de populagtes de mico- leo-dourado (Leontopithecus rosalia) Maria Cecilia M. Kierulff; Devra G. Kleiman; Ezequiel M. dos Santos Padrdes da dieta de Alouatta fusca em periodo seco ¢ imido em um fragmento da floresta estacional semidecidual do vale do Rio Paraiba do Sul, Rio de Janeiro FLAG. Limeira; LF.B Oliveira Primatas das dreas litordineas da Regidio Norte do Brasil (Primates: Platyrrhini) Simane Iwanaga; José §. Silva Jiinior Simpésio sobre as pesquisas ¢ conservagio do muriqui (Brachyreles arachnoides) Karen B. Strier 155, 186. 57 ist 159 161 162 163 - Segdo Il - Trabalhos de Cativeiro/Laboratério AA comparative analysis of dental anomalies in three species of Leontopithecus Lesson, 1840 in captivity (Callitrichidae, Primates) Carlos Henrique Fo Burity:; M. Urdnia Alves; Alcides Pissinatti: Jodo B. da Cruz Adenoma of the mammary gland in Cebus apella Juan T. Borda: Julio César Ruiz; Marcial 8. Negrete A simulacrum of Sagainus bicolor ockraceus Hershkovitz, 1966, obtained through hybridising Sb martini and Sb. bicolor (Callitrichidae, Primates) Adelmar F. Coinbra-Filhe; Alcides Pissinatti; Anthony B. Rylands Aspectos clinicos, patoldgicos ¢ tratamento de muriquis, Brachyteles arachnoides, em cativeiro (Ceboidea - Primates) Alcides Pissinani; Jodo B. da Cruz: Adelmar F. Coimbra-Filho As primeiras sete semanas de coabitaglo em casais recém-formados de Leontopithecus chrysometas (Primates: Callitrichidae) Carmen Alonso; Jasé Carlos £. Leite; Nicola Schiel Back-crossing and the preservation of the buffy-headed marnvoset, Callithrix aurita flaviceps (Callitrichidac, Primates) Adelmar F. Coimbra-Filho; Alcides Pissinaiti; Anthony B. Rylands Benign prostatic hyperplasia in the nonhuman primate Leontopithecus (Lesson, 1840), Callitrichidae - Primates Beatriz R. Ferreira; Gervdsio H Bechara; Alcides Pissinauti; Jodo B. Cruz Capilariose hepatica em Callithrix jacehus (Linnaeus, 1758), Callitrichidae - Primates Walker A. Chagas; Aleides Pissinavi; Sénia R.M Jorge: Mauricio A. Chagas Cuidado parental em Callithrix kubli ¢ Callithrix geoffroyi Cristina Valéria Santos Winfluéncia de abundancia alimentar sobre a estrutura de espagamento interindividual ¢ relagdes de dominancia em um grupo de macacos- prego (Cebus apella) Patricia lzar; Takechi Sato Influéncia de fatores sociais no ritmo circadiano de catagiio do sagii comum (Callithrix jacefus) em cativeira Carolina VM. de Azevedo; Kelly RG. Braga; Lindacy ©. da Silva; Roseane P. da Silva; Alexandre AL Menezes; Lticio Flavio S Moreira 167 178 179 185 205 217 227 233 249 269 “ Ocorréncia de poliginia, incesto e expulsSo do macho reprodutor em um grupo cativo de Leantopithecus chrysomelas Carmen Alonso, Simone Porfirio, Anténie CA. Moura On the taxonomic position of Saguimes midas niger and an experimental hybrid with Seguinms bicolor bicolor (Callitrichidae, Primates) Adelmar F. Coimbra-Filho; Aleides Pissinatti; Anthony B. Rylanes Perfil comportamental da interagSo de pares em idade reprodutiva do sagili comum, Callithrix jacchus Maria Bernadete C. Sousa; Gustavo Henrique GA. Silva; Chely 8.P. Machado: Snyder C. Gomes: Maria Teresa S§. Mota ‘Systematics of the plaryrrhines Horacio Schneider; Iracilda Sampaio; Maria Paula C, Schneider ‘The cebid grooming claw: description and preliminary analysis Stephen F. Ferrari; E. Alexandra K. Krause Valores hematolégicos normais em Saimiri boliviensis de diferentes idades Fernanda P. Rodrigues: Julio César Ruiz; Alfredo G. Veron: Carlos Eduardo S. Verare Resumos 4 evolugiio do género Alowarta: dados sobre polimorfismo protéico em A. belzebul ¢ A. senicnius racilda Sampaie; Maria Paula C. Schneider; Horacio Schneider XA radiagZo adaptativa dos atelideos vista sob uma abordagem molecular: concordancias e controvérsias Jracilda Sampaio; Maria Paula C. Schneider; Alcides Pissinatti; Adefmar F. Coimbra-Filho; Morris Goodman; Horacio Schneider Bibliografia sobre primatas da Amazénia (Primates: Cebidac) Aline D.RP. Azevedo; Simone dwanage Body size growth in three marmosets of the genus Callithrix Erxleben, 1777 (Callitrichidae, Primates) CH. F. Burity; CA. Mandarim-de-Lacerda; A. Pissinatti Carcinoma hepatocelular en Saimiri boliviensis (Primate) AT. Borda; J.C. Ruiz; MS. Negrete Compartilhamento de alimento entre Leonfopithecus chrysomelas © Saguinus midas midas no cativeiro Anténio Christian de A. Moura; Carmen Alonso 279 289 297 31S 325 335 351 352 353 353 354 355 ‘Crianza manual de Saimiri boliviensis (Primate) en CAPRIM EM. Patifio; LC, Ruiz: IT. Borda Cuidado parental em Saguinus midas midas, Callithrix kuhli e Leontopithecus chrysomelas nas seis primeiras semanas de vida (C. Alonso; SM, Silva Dimorfismo sexual en las relaciones matemo-filiales de Saimiri boliviensis durante los primeros 5 meses de edad AS. Milani; £C. Rutz Factors affecting captive breeding performance in lion tamarins, genus Leontopithecus Jefirey A. French; Aleides Pissinatti; Adelmar F. Coimbra-Filho Radiagiio © especiagio do género Aleles analisadas sob o ponto de vista cromossémico ALAA, Medeiros: M. Ponsa; M. Gareia; F. Garcia; OC. Pieczarka; CY. Nagamachi; J. Egorcwe; 8.M.S. Barras {Variabilidade cromossémica em quatro espécies de Alouatta (Primates, Cebidae) Af Lima: Shalqueiro; M Pinheiro: EH. Oliveira Variagio crinio-dental em populagdes naturais ¢ de cativeiro do Leontopithecus rosalia Linnaeus, 1766 (Primates, Callitrichidae) TAML. Sant'Anna; LM Pessda 356 357 358 359 361 362 363 Secao i Trabalhos de Campo A relacdo espacial entre mae-infante como medida do processo de independéncia do filhote muriqui (Brachyteles arachnoides) Adriana Odalia-Rimoli & Emma Otta Departamento de Psicologia Experimental, Universidade de So Paulo, Av, Prof. Mello Moraes 1721, Caixa Postal 66.261, 05.508-900 ‘So Paulo - SP, Brasil [lucaadri(@usp. br] Resumo Estudos sobre o processo de desenvolvimento do filhote t#m sido feitos, basicamente, com espécies de primatas do Velho Mundo. © presente trabalho teve como objetivo analisar o processo de independéncia em uma espécie de primata do Novo Mundo, Brachyteles arachnoides, na Estagdo Biolégica de Caratinga, Minas Gerais, Foram observadas oito fémeas com filhotes, com idades variando de recém-nascido até 22 meses. Os infantes muriquis permanceeram agarrados as miles, quase sempre na posigiio ventro-ventral, até dois ou trés meses de idade, A partir dai, comegaram a se distanciar, sendo os maiores responsdveis pelas iniciativas de afastamentos. Com seis meses chegaram a ficar, no maximo, a dois metros de distincia. No final do primeira ano chegaram a distincia de 2-5 m com freqiéncia, porém raramente aleangaram distincias superiores a 5 metros, isto sé aconteceu no segundo ano de vida, © contato entre mae ¢ infante passou de 100,0% nos trés primeiros meses de vida do filhote, para 51,3% no final do primeiro ano, 32,3% no final do segundo ano ¢ 7,8% no terceiro ano. As mies muriquis no foram restritivas ¢ a dindmica espacial da diade ficou praticamente a cargo do filhote, O desmame parece ter inicio a partir do 15°. més. O conflito mac/infante ficou claro em relag{io ao transporte, mas nao quanto 4 alimentagSo. © periodo de dependéncia do infante muriqui foi longo quando comparado com o de espécies de primatas do Velho Mundo, como macaco rhesus, babuinos € vervet, ¢ bastante semelhante ao do macaco-aranha, estudado em cativeiro. 16 A Primatelogia no Brasil - $ The mother-infant spatial relationship as a measure of the development of the offspring's independence in the muriqui (Brachyteles arachnoides) Most recent studies of the development of independence have involved - Old World primate species. In the present study, the development of independence ina New World primate, Brackyteles arachnoides, was analysed at the Caratinga Biological Station in Minas Gerais, Eight mothers with infants of ages | to 22 months were observed, The muriqui infants were carried by their mothers, almost always in the ventral-ventral position until the 2nd or 3rd month of life, from which time they began to mave away actively, By six months, they would move up to 2 m from their mothers, and to distances of 2-5 m by the end of the first year, rarely passing 5 m until the second year. Mother- infant contact fell from 100% in the first 3 months to $1.3% by the end of the first year, 32.3% at the end of the 2nd year, and to 7.8% in the 3rd year. Mothers did not contro! infants, which were almost exclusively responsible for spatial dynamics between them, Weaning appeared to begin in the 15th month. Mother-infant conflict was apparent in relation to carrying, but not feeding. The period of dependence of the muriqui infant was relatively long in comparison with Old World primates such as Rhesus macaques, baboons and vervets, but similar to that of spider monkeys. Introdugio A fase imatura representa uma proporgdo relativamente grande do periodo de vida dos primatas, apresentando enorme importincia tanto para o individuo como para o grupo (Jolly, 1972). 0 individuo jovem, passuindo um grande periodo de dependéncia, pode aprender comportamentos apropriados para. adultos de sua espécie, Quanto ao grups, infantes ¢ jovens formam o centro das atengSes, 0 que torna mais estreitos os vinculos sociais entre os membros do grupo. Além disso, so o3 jovens que, normalmente, apresentam inovagdes comportamentais que podem ser, posteriormente, incorporadas & cultura do grupo. Assim, a tendéncia a um prolongamento do periodo infantil nos primatas aparece paralelamente 4 importiincia crescente dos processos de aprendizagem na adaptagiio do individuo ao seu ambiente fisico ¢ social (Deputte, 1990), Apesar de ser fundamental o papel da mie na introdugdo do infante no meio social do grupo em viirias espécies de mamiferos, este relacionamento nilo ¢ tio desenvolvido ¢ em to alto grau come mos primatas (Simonds, 1974). Maes primatas proporcionam a seus infantes um grande nimero de cuidados importantes para a sua sobrevivéncia (alimentagdo, transporte, protegio contra predadores, socializapio ¢ outros). © desenvolvimento fisico ¢ social do infante envolve uma gradual realizagilo aluto-suficiente nestas reas, Neste contexto, o contato fisico entre a mde ¢ seu infante ¢ essencial. Este contato no proporciona, ao infante, apenas conforto psicolégico ¢ nutrigio. Odalia-Rimoli & Orta v através do contato que o infante é transportado ¢ protegido contra predadores, injarias ¢ coespecificos (Karssemeijer, 1990; Altmann, 1980). A quantidade de contato que um infante requer pode ser determinada por caracteristicas da espécie (Johnson, 1986), como: taxa de crescimento, tamanho _ do corpo dos adultos ¢ tamanho do cérebro (Karssemeijer, 1990). Porém, fatores fisicos do ambiente também podem influenciar o contato mac/infante. Fairbanks & Bird (1978) ¢ Rasmussen (1983) mostraram que a relagio espacial em macacos vervet (Cercopithecus aethiops) era influenciada pela pressio de predagio, Em ambientes mais abertos com maior risco de predagio, a distincia média entre os individuos diminuia, Como a sobrevivéncia do infante ¢ o maior parimetra da ica populacional, ¢ esperado que a relagde espacial mae/infante seja influenciada da mesma maneira, van Schaik et al. (1983) verificaram que © risco de predagdo para os “long-tailed macaque” diminuia com o aumento da altura do estrate ocupado. Neste caso, poderiamos esperar que © contato mie/infante diminuisse com o aumento da altura do estrate, No emanto, Chalmers (1972) ¢ Sussman (1977) mostraram que o contato prolongado entre mie ¢ infante pode ser particularmente vantajoso em primatas arboricolas, provavelmente devide ao riseo de quedas do infante. Neste trabalho apresentaremos uma descrigiio inicial do processo de desenvolvimento do filhote muriqui (Brachyteles arachnoides), abordando trés aspectos da relagdo mde-infante: o contate com a mie, o transporte pela mae ¢ adinimica espacial emtre mae ¢ infante. O muriqui ¢ o maior primata de Nove Mundo, tendo os individuos adultos peso de aproximadamente 15 kg (Ruschi, 1954). Ocupam exclusivamente o estrato arbéreo onde se locomovem, principalmente, através da braquiagdo. E, hasicamente, folivero mas inelui na sua dieta flores, frutos, cascas ¢ outros (Strier, 1986; 1991; 1992a), O sistema de acasalamento é promiscuo, podendo a fémea copular com varios machos em um mesmo dia. A gestagdo tem duragio de 7 a 8 meses ¢ meio ¢ o intervalo entre nascimentos é de 36 meses (Strier & Ziegler, 1994), Possui sociedade patrifocal onde as fémeas jovens migram com idade aproximada de 7 anos (Stier, 1992a, 1993, Strier et al., 1993), E rara a oconréncia de comportamentos agressives entre os individuos do mesmo grupo ou de grupos vizinhos (Stier, 1992b). Métodos Local e Grupo de estude Esta pesquisa foi desenvolvida na Estagio Biolégica de Caratinga (EBC), localizada na fazenda Montes Claros de propriedade do Sr. Feliciano Miguel Abdalla. A EBC possui uma area compacta de Mata Atlintica com $94 ha, sendo a area total da fazenda 1120 ha. Situa-se entre os paralelos 19°50'S ¢ 41°S0'W, Esta area é um dos ultimos fragmentos florestais de Mata Atlintica ‘existente em Minas Gerais. Nao existem cagadores na drea, 1g me A Primatelogia no Brasil - 5 © nosso grupo de estudo era formado por oito femeas ¢ seus infantes (quatro femeas ¢ quatro machos), desde o nascimento até 21 meses de idade (Tabela 1), que pertenciam a um grupo social composto por mais 23 individuos de ambos os sexos ¢ varias faixas etdrias. Qs animais jd se encontravam habituados a presenga de pesquisadores e eram reconhecidos individualmente . através de caracteristicas particulares, como manchas na face, coloragio do pélo ¢ posi¢do das orelhas (Strier, 1991b; 1992a). Coleta dos dados A coleta sistematica dos dados foi feita durante 20 dias por més dentro do periodo de atividade dos animais, das 6:00 h as 18:00 h, isto ¢, acompanhando- se os animais de drvore de dormida a drvore de dormida. Os dados foram coletados durante sete meses, de agosto de 1989 a margo de 1990, sendo que mio houve coleta de dados no més de dezembro de 1989. Tabela 1 Relagdo das diades observadas durante a pesquisa. Idade do filhote (meses) Mie lefaate’sexc ‘Nasceu em no periodo do estudo Bruna Brisa / fémea R189 00-07 Moan M. Madalena | fémea OT1989 1-08 Bly OG/1989 02-09 Bess 05/1989 03-10 Arlene OM19BR 12-49 Cher OR 198R 12-419 Didi ORT ORO 12-419 Robin 6/1988 14-21 As observagdes foram feitas utilizando-se o método animal-focal deserito por Altmann (1974), Cada animal, durante o focal, era acompanhado por 10 minutos, fazendo-se amostragens instantineas a intervalos de um minuto. ‘Consideramos focais completos todos aqueles com, no minimo, # minutos de observagio. Para evitar vies nas observagdes, estabeleceram-se algumas regras de controle: (a) nfo era feito o registro da mesma diade antes de 30 minutos do Glumo focal desta; (b) nao eram realizados mais de dois focais no mesmo horirio para a mesma diade: (c) na escolha da diade para o focal levava-se em conta a sua quantidade de focais no més, naquele periodo do dia ¢ 0 horirio do Gltimoe focal feito. ™, Odalia-Rimoli & Otta is Categorias comportamentais Varios comportamentos relatives ao desenvolvimento do infante foram registrados, poréem, descreveremos aqui somente aqueles relacionados com a forma de deslocamento do filhote ¢ a relagdo espacial entre ele © sua mile: (a) transporte do filhote pela mie: o filhote permanecia agarrado a sua mde em Inés posigdes possiveis: no ventre, ao lado do corpo © nas costas; (b) locomogao independente: o filhote se locomovendo sem a ajuda da mike, podendo a mie estar ou ndo se locomovendo; (ce) distincia entre os membros da diade: em contato com a mie (EC), a0 aleance do brago (SCB), entre 1-5 metros (SC1-5M) ¢ mais de § metros (SC+5M); (d) afastamentos ¢ aproximagdes: aumento ou di igdo da distincia entre a mie ¢ seu filhote devide ao movimento de um deles ou dos dois. Consideramos como limites a passagem do contato ao alcance do brago e quando ja estavam separados, sempre que a distincia entre eles aumentasse ou diminuisse em 50 cm. Andlise ‘Os resultados aqui apresentados referem-se 4 andlise de 858 focais, A Tabela 2 mostra o mimero de filhotes ¢ a distribuigdo das observagdes em cada faixa etaria, Cada minuto do focal foi considerado um registro, Foi feita uma media mensal dos virios indices comportamentais para todos os infantes de mesma idade, agrupando os dados por blocos de dois meses. Estas andlises nio levaram em conta o sexo do filhote. Resultados. Relagao espacial mae-infante A Figura | mostra a evolugio das categorias de contato ¢ sem contato durante o desenvolvimento dos filhotes, desde o nascimento até o final do segundo ano de vida, O contato fisico entre mic-infante foi rompido pela primeira ver no tereeiro més de vida do filhote, ficando este ao alcance do brago da mic. A partir deste momento, a porcentagem de observagies de contate decresceu pradualmente (88.2% no terceiro més de vida, 60.4% no sexto més, 53.3% no final do primeiro ano ¢ 32.2% no final do segundo ano). Ags 5-6 meses, os filhotes chegaram a ficar, no maximo, entre 1-5 metros slincia em 25.1% dos registros, Somente com 9-10 meses comegaram a ir jonge, ficando $,2% do tempo a mais de $ metros de suas mies. As categorias em contato ¢ sem contato entre 1-3 metros de distincia foram as mais representatives, durante todo o periodo observado, com médias superiores a 30.0%, No final do primeiro ano, a porcentagem média das observagdes de EC foi 53.3%, SCB foi 1,2%, SC1-5M foi 43,6% ¢ SC+5M foi 4.4%, Nos dltimos meses do segunde ano de vida, o filhote permaneceu mais afastade de sua mde ¢ a categoria SC1-5M superou as posighes de contato (4%,2% contra 37.3%) enquanto que SC+3M comespondeu a 9.5% das observagdies. A Primatologia no Brasil - $ Tabela 2 Numero de focais, minutos de observagdo ¢ infantes por faixa etiria. Idadeimeses) —Niimero de filhotes Niimera de focal Minutos de observagio aa ¥ ty = O04 4 3 1089 05.06 3 % 7 ona 4 8 ‘wT on i at ci ors a 2 48) ta 3 35 list IS16 4 ™ Too irs 4 un re 19.20 4 6 on Total s ae 709 Dindmica do relacionamento mde-infante A partir do momento em que o contato fisico foi interrompido, aos tes meses de vida, os infantes foram sempre os maiores responsiveis pela manutengio ¢ quebra do contate, como mostra a Figura 2. As miles, por s| ‘vez, nunca foram vistas impedindo os filhotes de sc afastarem ou puxando-os para junto de si, No quarto més de vida, as iniciativas de afastamento do filhote superaram bastante as iniciativas de aproximagdo, 68.0% ¢ 29.7% respectivamente. Apesar de os infantes tomarem a iniciativa de interromper o CONLAIO COM suas Mies, neste periode, eles nfo se afastaram além do alcance do brago desta e com seis meses chegaram, no maximo, 1-5M (Figura 1). (A) Em contato 1B) Sem conti wo akeance do bracs Bagh f 5 e354 t ee ees EC) Sem Contato entre 1.04 metros (D) Sem contahe «mala de & metros Figura | - Porecetagem enidia (¢ dp) de tempo despendid pela rede ¢ seu infirste em-contato¢ fora de contano Odalia-Rimoli & Orta 2 As mies, com filhotes de f'a 4 meses de idade, apresentaram uma pequena participagdio na dindmica espacial da diade, tendo uma baixa porcentagem de afastamentos (2.3%) ¢ nenhuma iniciativa de aproximagdo. A partir do sexto més, tanto as suas inicialivas de aproximagdo como de afastamento cresecram, 4.7% 14.5% respectivamente (Figura 2) Pot média de obsarvagiio ob BBE Figura 2 - Dindmica espacial da diade entie-infierte Os filhotes com um ano de idade apresentaram a percentage mais baixa de afastamento (24.6%) e a mais alta de aproximagdo (56.2%). Este comportamento coincide com um aumento do afastamento materno (18,946). No segundo ano de vida dos filhotes, houve um aumento das iniciativas de afastamento da mic enquante diminuiram os afastamentes do filhote, E neste periodo que comegam a surgir os conflitos de desmame. © filhote com 20 meses, Roberto, apresentava, claramente, um comportamente de aproximagio, Durante todo o desenvolvimento, os filhotes foram os mais ativos na dindmica espacial da diade, tendo sido ora mais afastadores ora mais aproximaderes, As mes, no entante, fiveram sempre um comportamento mais afastador, sendo este intensificade no segundo ano de vida do fillhote. O transporte do filhate pela mae Durante os deslocamentos da diade, nos primeiros dias de vida do filhote, a mae pode auxilid-lo a manter-se preso a em contate ventral, segurando-o com uma das maos, Este periodo ¢ bastante arriscado, tanto para a mie como para o filhote. Neste periodo, a mie apresenta seu deslocamento prejudicado, diminuindo sua velocidade ¢ andando na periferia do grupo, ¢ o filhote corre o riseo de softer uma queda. 0 contato dorsal substituiu totalmente o contate ventral, as ocorréncias do comtato ventral ¢ lateral foram somodagaio do filhote ao compo da mie no igura 3). 22 A Primatologia no Brasil - 5 Porsentagam ible de o # Figura J. Porcentagem de transporte do fllhors en contato ventral (ECV), lateral (ECL) ¢ dorsal (ECTS), A Figura 3 mostra as varias formas de contato durante o transporte do filhote pela mie. Pode-sc verificar que as formas principais de contato foram a ventro-ventral ¢ a ventro-dorsal, sendo que, cada uma d foi predominante em diferentes fases do desenvolvimento do filhote, O contato ventro-ventral foi bastante utilizado até os dois meses de idade (78.4%), diminuindo rapidamente, 25,6% das observagies aos 3-4 meses, Aos $-6 meses, o contato dorsal substituiu totalmente o contato ventral, As poucas vezes em que este apareceu, aos $ meses c 14 meses, foram breves instantes. Nesta idade, as ocorréncias ocasionais do contato ventral ¢ lateral aconteceram durante a acomodagdo do filhote ao corpo da mae, principalmente no inicio do deslocamento da diade, 100} = = Tranepanie —— Loainaeg, a — ——— im 40 07) 8 ED tee wD oA eH beta (rete) Figura 4 - Porcemagem média do tempo despendide pelo infante sendo carregado pela mie © se lovomovende sozinho. © padrio de transporte em conta dorsal no se modificou durante todo o desenvolvimento: 0 filhote agarrava-se com as quatro patas no pelo da parte lateral do corpo matemo ¢ enrolava sua cauda na parte basal da cauda da mic. Odalia-Rimoli & Orta n Notamos que a utilizagio da cauda pelo filhote nos primeiros meses € bastante dificil, devido ao seu pequeno tamanho em relagdo ao tamanho corpéreo de sua mie, assim, o filhote muitas vezes enrolava a sua cauda na coxa de uma das putas trasciras da mic. Desenvolvimento da locomogda independente | Q transporte pela mie comegou a decair assim que o filhote rempeu o \contate fisico com ela. Porém, estes deslocamentos do filhote, sem a ajuda da mae, corresponderam a percursos muito curtos (o filhote ficou sempre ao aleance do brago) ¢, geralmente, quando a mile estava se alimentando ou descansando. © transporte pela mie foi pradualmente substituido pela locomogio independente do filhote, como mostra a Figura 4. Nos tltimos meses de observagde, o transporte pela mie aconteceu apenas em locais muito dificeis para o filhote transpor. A locomogiio independente do filhote, durante os deslocamentos do grupo, 34 comegou a ocorrer aos 9-10 meses para os machos ¢ 13-14 meses para as fémeas. Mesmo assim, este acompanhamento do grupo pelo filhote foi feito em locais ficeis para locomogio, com galhos proximos uns dos outros ou onde existiam muitos cipds ¢ sempre quando o grupo se locomovia com pouca velocidade, Aos seis meses de vida do filhote, o transporte pela mde correspondeu a 43,9% das observagdes ¢ no final do primeiro ano a 38,3%. Durante o segundo ano, houve uma queda no transporte pela mic (18 a 37% das observagdes). Neste periods, a mie passou a retirar ativamente o filhote de contato, muitas veres sob protestos deste. No terceiro ano de vida, a mie nao carregou mais o filhote ¢ este j4 era capaz. de acompanhar o grupo sozinho (Odalia-Rimoli, em preparagio). Discussio Neste estudo notames que o infante muriqui ¢ o membro mais ative na dinamica espacial da diade mie-infante. Os filhotes foram os primeiros a fomperem oO contale com suas mes; porém, inicialmente, ndo se afastaram muito ¢ apresentaram uma queda lenta do tempo de contato com a mie durante o seu desenvolvimento. No final do primeiro ano de vida permaneceram, ainda, cerca de 50.0% em contato com suas mies, enquanto este indice foi alcangado por rhesus (Macaca mulatta: Berman, 1980) ¢ vervet (Cercopithecus aethiops: Struhsaker, 1971) aos tés meses, por babuinos gelada (Dunbar, 1988) ¢ babuinos amarelos (Papie cyrecephalus: Altmann, 1980) aos cinco meses ¢ pelo bugio (Afomata sp.: Mack, 1979) aos seis meses ¢ meio. Carvalho (1992), estudando o macoco-aranha (lieles sp.) em caliveiro obteve indice semelhante ao muriqui M A Primatologia no Brasil - 5 Chalmers (1972) ¢ Clarke (1990), comparande o comporiamento de filhotes de espécies arboricolas ¢ terricolas, notaram que os filhotes arboricolas demoram mais para romper o contato com as mies e, quando isto acontece, a distancia que cles atingem é menor, Os infantes arboricolas sdo mais cautelosos ao se afastarem de suas maes, provavelmente para evitar o risco de sofrerem uma queda da drvore. Eles sé o fazem quando sua coordenagio motora se aperfeigoa ¢ adquirem mais confianga. As miles muriquis ndo foram, em nenhum momento, res! as em relagdo ao deslocamento dos filhotes. Este comportamento mateno jumtamente com a participagdo extremamente ativa do filhote na dimimica espacial da diade parecem ser caracteristicas comuns hs espécies arboricolas (Chalmers, 1972). Além disto, nio foram observadas punigdes das maes em relagio a seus filhotes como as descritas em babuinos (Alimann, 1980) © rhesus (Hinde, 1974). Vimos pequenas agressées, como mordidelas ¢ afastamentos do filhote com as mibos, durante a época de desmame em filhotes maiores de um ano ¢ meio. Isto aconteceu ou em situapies em que a mie evitava que o filhote entrasse em contato ou quando tirava-o das costas apos carregé-lo por uma determinada distincia. Nao pareceu, ao observador, que estas agressies foram violentas, mas o filhote responde a todas as manifestagdes de recusa materna com grande intensidade e sempre através de vocalizagées (choro). No muriqui, apesar de o filhote ja se locomover sovinho, acompanhando o grupo, desde o décimo ou décimo terceiro més, a me continua a transporté-lo em contato dorsal até o final do segundo ano, A amamentagio ainda acontece no final do segundo ano, mas a maior parte da alimentagdo do filhote consiste de alimentos sdlidos (Qdalia, 1992). E neste periodo, a partir do décimo quinto més, que se inicia o desmame. Os conflitos, entre mie ¢ seu infante, comegam aaparecer com a recusa da mie em carregar o filhote, No inicio, ela carrega-a a maior parte do tempo ¢, apenas em alguns momentos, forga-o a segui-la, impedindo que ele suba em suas costas. Ciradualmente, ela vai recusando-o mais ¢ mais até que sé 0 carrega em locais muito dificeis. ‘Como 6 custe energético do transporte é propercional a0 aumento de peso do filhote (Soulé ef af, 1978), poderiames pensar que fosse vantajoso para a mie parar de carregar o filhote assim que este rompesse o contato fisico ¢ eslivesse apto a sc locomover sozinho, No enianto, animais menores gastam, Proporcionalmente, mais energia do que animais grandes para pereorrer uma dada distancia em um dado periodo de tempo (Taylor et al., 1970). Assim, & possivel que as mies prolonguem o periodo de transporte até que scus filhotes consigam se alimentar sozinhos ¢ que nio dependam exclusivamente da amamentagde como fonte energética. Seria energeticamente mais econdmico para a mie carregar o filhote do que produzir mais lite para que ele pudesse aumentar sua fonte energetica ¢ gasté-la na sua locomagiio. Apesar de o conflito mie-infante ter inicio na da mic cm transportar o filhote, a locomogio independente em todas as ocasides nde se Odalia-Rimoli & Ora 25 concretiza até que filhote seja auto-suficiente em outras dreas, principalmente na alimentagio. Nao existe a presenga de “allomothers" no muriqui, A mae ¢ inteiramente responsavel pelo cuidado do filhote, mesmo quanto ao transporte. A Participagdo dos pais no transporte do filhote ocorre em eapécies menores onde 0 seu custo relative ¢ maior do que em especies maiores (Taylor et al, 1970; Wright, 1990), As fémeas muriquis parecem estimular a independéncia do filhote através de seu afastamento continuo ¢ gradual, Este comportamento é, no inicio, bastante sutil, Porém, podemos perceber periodos de claro conflito entre os membros da diade, onde amie aumenta muito suas iniciativas de afastamento. Apos esta mudanga de comportamemto da mie, o filhoe torna-se claramente aproximador. ‘0 periodo de vida dos infantes analisado neste trabalho, do nascimento até ‘vinte meses, no foi suficiente para cobrirmos toda a infincia, Até o final do segundo ano de vida, o filhote ainda ¢ dependente da mde. Por exemplo, com esta idade o filhote ainda dorme, na maioria das vezes, em contato com a mac, ainda é alimentado ¢ pode ser carregado (Odalia, 1992; Odalia-Rimoli, em Preparagdo). Acreditamos que cle sé se tora totalmente independente entre dois anos ¢ meio! trés anos, o que coresponde ao estigio de jovem | segundo o sistema de classificagio de Stier (1986; 1993). Nesta fase, o filhote geralmente dorme fora de contato com a mae, Em periodos de atividade fica a maior parte do tempo a mais de 3 metros de distancia dela e muito raramente ¢ carregado ou amamentado por cla. Até o final do terceiro ano de vida, no entanto, os infantes ainda tentlam manter o vinculo com suas miles (Odalia, 1992; observagao pessoal, 1994). Nossos resultados sobre a evoluydo das categorias de contato ventral ¢ dorsal epoca de inicio do desmame coincidem com observagies feilas por Stier (1993). Notamos que existem diferengas entre as diades estudadas. Seria imeressante saber, por exemplo, se estas diferengas devem-se 4 caracteristicas individuais da mae ou ao sexo do filhote ou a outros fatores que influenciam a relagde mie-tilhote, Da mesma forma, seri que existem diferengas nas tdticas de desmame utilizadas por varias fémeas ¢ quais seriam estas titicas? Os estudes sobre a relagdo mie-infante e o desenvolvimento do filhote em espécies do Novo Mundo estio apenas comegande ¢ muito ainda temos para conhever sobre esta etapa da vida de nossos primatas, Agradecimentos Ao CNPq, CAPES , World Wildlife Fund - U.S. (No. #6571), WWE Fundo Mundial Para a Natureza (No. 9579-005) ¢ 4 FAPESP pelos financiamentos recebidos, sem os quais teria sido impossivel realizar esta pesquisa. A Dra. Karen B. Strier ¢ ao Dr. Stephen F, Ferrari por seus comentitios ao manuserito, Ao Sr. Feliciano Abdalla ¢ familia por ‘CONSErvarem a mata © permitirem a presenca de pesquisadores na drea durante HeS NTS

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