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osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" Robert Kurz ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS” (Hannover, Alemanha) Sr. Kurz, 0 senhor jé tinha dado uma entrevista 4 “TELEPOLIS” em 2002, apés 0 colapso da new economy. O que é que mudou desde entéo? Entao rebentou a bolha financeira especial do sector das dot-com, que estava astronomicamente sobrevalorizado, O respectivo sector do “novo mercado” na bolsa foi liquidado, o que levou a um crash geral das acgdes. Com o corte desta veia diminuiu correspondentemente a reciclagem do dinheiro das bolhas financeiras na chamada economia real (investimentos, construgao, consumo), ocorrendo uma curta fase de recess4o ou estagnacao da conjuntura mundial. Fez-se face a esta crise parcial com uma corrida dos bancos centrais a redugao dos juros, sobretudo através da oferta excedentaria de délares, sob a égide de Alan Greenspan. Deste modo comegou uma nova © muito maior bolha financeira, a célebre bolha do imobilidrio, nos EUA e em partes da Europa e da Asia. Uma vez que subiram extraordinariamente os precos de todo 0 tipo de iméveis, foi possivel hipotecar vivendas e apartamentos para obter empréstimos, que animaram o consumo e © investimento numa amplitude muito maior do que no caso das bolhas financeiras anteriores. Assim se alimentou uma conjuntura de deficit global, que expandiu fortemente o circuito do deficit do Pacifico, de exportagao asidtica (como parte da estratégia transnacional dos conglomerados empresariais) de sentido Unico para os EUA, e que esteve na base do “milagre do crescimento” da China e da India. A partir da 2005 também a conjuntura de exportagao europeia beneficiou, nao em ultimo lugar o sector de construgdo de maquinas alemdo. Os indices de acgées rapidamente subiram de novo por todo o mundo até aos altos niveis anteriores. Para um pensamento positivista, que se atém aos “factos", abstraindo do contexto, 4 parecia que se abria uma nova era de prosperidade pelo século XX! adentro. Agora, ao contrario de 2002, nao rebentou uma simples bolha especial. A crise das hipotecas estendeu-se a todo o sistema baneario e crediticio, e colocou fundamentalmente em questao o posterior refinanciamento das montanhas de dividas globais acumuladas nas tltimas décadas. Isto é muito mais dramatico do que o anterior colapso do segmento da new economy. Por isso também as suas repercussées cairdo drasticamente sobre a conjuntura mundial e nao se poder tao facilmente reverter a queda das cotagées das acgdes num novo movimento ascendente de longo prazo. Faz-se muitas vezes a acusagéo de que alguns maus gestores, com a sua avidez e frequente falta de cardcter, seriam os culpados da crise mundial dos mercados financeiros. Outros entendem que a crise tem causas estruturais, ligadas 4 crescente dificuldade de valorizagao do capital. Pode dar-nos a sua opiniao sobre a presente crise financeira? A busca de culpados subjectivos ¢ 0 modo predilecto de a razéo capitalista reagir a orise objectiva, porque o sistema de fim em si mesmo da “valorizagao do valor’ e as condigdes de vida por ela determinadas constituem o fundamento histérico desta razéo e surgem-Ihe como “dados naturais”. As contradigdes so empurradas para a “ética” individual. E aqui que se agarram as tradiges ideolégicas, por exemplo o anti-americanismo e 0 anti-semitismo. A crise é entao reduzida a supostas qualidades negativas de “culturas” ou sujeitos colectivos. Mas mesmo os que falam de “causas estruturais” frequentemente nao se desprendem deste modo de ver. Pois em regra, quando se fala de “estrutura” e de “sistema”, ndo se refere o capitalismo como tal, mas apenas um determinado “modelo”, um determinado modo de moderagao e regulacao do contexto da forma capitalista cegamente pressuposto. E assim que presentemente se responsabiliza o “modelo anglo-saxénico” pela crise. Mas ndo se trata aqui de um “modelo”, que pudesse ser substituido por outro sobre as mesmas bases, mas da prépria légica da valorizagao, seja qual for © modo de regulacao ou a “politica econémica”. Segundo Marx, a “substancia’ do valor e da valorizagao (mais-valia) é o dispéndio de energia humana abstracta nesta forma social. A forga de trabalho, porém, sé pode ser utilizada ao nivel do standard de produtividade em cada caso posto hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him 1 osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" pela concorréncia, Daf decorre uma auto-contradigao sistémica, que se vai manifestando numa escala histérica crescente. Quanto maior se tora a forga produtiva com a cientificizagao, tanto menor é a substancia de valor em cada mercadoria e maiores os custos prévios de produgdo. O movimento desta contradigao leva a que os mercados tenham de crescer ininterruptamente e a valorizagao se torne cada vez mais fortemente dependente do crédito, como antecipacao de mais- valia futura. Esta contradicéo culmina na Terceira Revolugdo Industrial da microelectrénica. O crescimento ja sé prossegue através dum endividamento crescente a todos os niveis, ou seja, através de uma cada vez maior antecipagao de mais-valia futura, que realmente nunca mais se poderd realizar, porque 0 crescimento da produtividade esvazia a substancia do valor. A “super- estrutura financeira’ comegou jé nos anos 80 a desacoplar-se da producao real de mais-valia. Desemprego em massa, subemprego e precarizagao, por um lado, e expansao do “capital ficticio”, por outro, constituiram as duas faces da mesma moeda. Desde os anos 90 comegou o processo de reciclagem do capital das bolhas financeiras na economia real, A produgdo e 0 consumo passaram a ser suportados cada vez menos por lucros e saldrios reais, e cada vez mais por rendimentos das subidas ficticias de valor no plano da circulagéo (compra e venda de titulos financeiros). Isso provocou a ilusao éptica do crescimento conjuntural, que em todo o caso ia de par com o insuflar das bolhas financeiras. A cisao social entre crescente “riqueza abstracta” aparentemente sem limites e pobreza em massa precarizada ocorreu perante este pano de fundo. A compacta cadeia de crises financeiras desde o fim dos anos 80 era uma indicacao do caracter capitalistamente improdutivo deste desenvolvimento, Com a actual nova qualidade da crise financeira também nesta perspectiva se atingiu o ponto culminante, A “fusdo nuclear” em curso no sistema de crédito dificulta o insuflar de novas bolhas financeiras, ou torna-as mesmo impossiveis. O novo excesso de moeda dos bancos centrais j4 ndo alimenta indirectamente a conjuntura, mas limita-se a administrar a massa falida da economia das bolhas financeiras. © rebentar da bolha do imobilidrio foi uma crise j4 ha muito tempo prevista por alguns economistas. A politica, depois de durante anos ter ignorado as reflexes contra o negécio da especulagao, mostra-se agora surpreendida. E ingenuidade ou ha aqui uma estratégia escondida? Os economistas da “fracgao Cassandra’, de que agora se fala, chamaram de facto a atengao para © potencial de crise da bolha financeira, mas viram ai apenas um “desenvolvimento errado’, ou um “excesso”, sem reconhecerem a conexao interna com a falta de base de valorizagao real e com a conjuntura do deficit, Por isso eles partiam do principio de que o rebentar desta bolha levaria apenas a uma mossa passageira na conjuntura mundial, que em breve se ergueria de novo. Nas ultimas décadas a classe politica, por todo o mundo e independentemente dos partidos, passou- se de armas e bagagens para o neoliberalismo e seu postulado de desregulamentagao, precisamente porque assim se podia aparentemente iludir os limites da valorizacdo do capital, que jd estavam a vista. A actual viragem, com os tragos bizarros de uma mudanga milagrosa de liberais hard core para capitalistas de Estado, deve ser antes de mais considerada como um acto de desespero. Tal como ja a viragem neoliberal fora uma cega fuga em frente, por maioria de razo 0 é esta inversao. Isto nao tem nada a ver com ingenuidade, nem com grande estratégia, mas com 0 beco sem saida em que estdo as instituicdes capitalistas, que no entanto se apresentam as elites econémicas e politicas como a Unica forma de socialidade possivel Peer Steinbriick apresentou um chamado plano de 8 pontos para a remogao dos produtos téxicos dos bancos. Como avalia estas propostas? Este plano, assim designado com optimismo, é um insustentavel programa de disparates, e como tal poucos dias depois ja é lixo, Ele ndo passava de exigéncias, tao banais como baratas, de “mais transparéncia’ nos negécios bancérios, reflexdes completamente indefinidas sobre a re-regulagdo © um virar de casaca populista, no sentido da furia popular contra “os altos rendimentos dos gestores", como mera manobra de diversdo. O que Steinbriick referia apenas envergonhadamente parece agora ter-se tornado claro na cimeira do G-7: garantias estatais generalizadas, amplas hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him 216 osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" estatizagdes de bancos e passagem a “contabilidade criativa’ (modificagdo das regras do balango). Trata-se da mesma farsa que no caso da modificagao “criativa" das estatisticas do desemprego e do calculo da inflagéo. Mas a massa dos créditos malparados nado se pode escamotear t4o facilmente como as estatisticas sociais. 0 Estado, apesar de se mostrar avaro no rendimento minimo para os beneficidrios do [programa anti-social] Hartz-IV, tem agora de repente uma soma de milhares de milhées a mais par aguentar os bancos. Donde vem ela? Nao tem nada essa soma a mais. S6 que nao esta disposto a recorrer a estes métodos de financiamento aventureiros para acudir 4 existéncia de seres humanos, “supérfiuos” segundo os critérios capitalistas, mas sim para a conservacao do sistema financeiro. Estas somas nunca vistas (bilides e no milhares de milhdes) tém de ser conseguidas — esta a tinica possibilidade — no mercado financeiro global, através de empréstimos adicionais, o que no entanto se deve ter tomado dificil nas novas condigdes. O Estado teria de pagar juros mais altos, o que faria subir 0 nivel geral dos juros, contrariando a politica de redugdo de juros dos bancos centrais, ou entao teria de subir drasticamente os impostos. Qualquer das hipdteses mandaria de vez abaixo a conjuntura @ beira da queda. A outra hipdtese consiste em os bancos centrais transferirem simplesmente para o Estado dinheiro criado do nada, sem contra-garantias; e possivelmente também para os cambaleantes conglomerados empresariais, para adiar a crise econémica mundial. Isso significaria portanto liquidar os limites institucionais 4 criagao de dinheiro e recorrer directamente a impressao de notas, como na economia de guerra da Primeira Guerra Mundial. O que mais nao seria que usar de novo, desenfreadamente e numa nova dimenséo, 0 mesmo meio que agora ¢ lamentado como a causa da crise financeira. O resultado seria a inflagao galopante que agora ja se faz notar num nivel baixo. Se um café custar, digamos, 30 euros, um crescimento assim induzido reduzir-se-ia ao absurdo, enquanto simultaneamente seriam desvalorizadas todas as poupancas em dinheiro. As garantias estatais vendidas de momento como “medidas geradoras de confianga’ podem transformar-se rapidamente no seu contrério, se as modalidades de questionar o financiamento se concretizarem. lronicamente o terror da financiabilidade, até aqui vigente na administragao de crise anti-social, vira-se agora contra o préprio sistema capitalista. Fica-se com a impressao que, depois de décadas em que os lucros obtidos na especulagao foram parar aos bolsos privados, os prejuizos sao agora socializados, e talvez mesmo, com os pacotes de ajuda estatal, de novo imensas somas de dinheiro langadas nas goelas dos que causaram a crise e se abotoaram com os lucros (Paulsen)? No capitalismo os lucros séo sempre privatizados e as perdas socializadas na crise, isso é¢ inerente ao sistema, ndo é nada de novo. E desde logo a especulagao nao é a causa da crise, mas sim a consequéncia da falta de possibilidades de valorizacao real, que finalmente se manifesta na crise. O ressentimento popular contra os tubardes da finanga nao tem nada a ver com critica emancipatéria, mas resulta da iluséria confianga atavica no capitalismo “sao”, que é precisamente 0 que provoca a crise. “Respeitavel” nesta sociedade é pura e simplesmente abotoar-se com os lucros; qualquer titular de pequena ou média empresa é um aproveitador dos lucros profundamente decente, para jd nao falar dos empresarios dos pequenos estabelecimentos com salarios de miséria. Este apropriar-se dos lucros ndo é sequer uma relagao de vontade subjectiva, mas uma necessidade objectiva do sistema; os gestores s4o apenas funcionérios deste, Quando 0 preconceito popular geral face a crise financeira denuncia como apropriadores de lucros apenas os banqueiros, de quem é de desconfiar, tem de ser ele préprio denunciado como mentalidade de solicito animal de trabalho, que a si mesmo se vé como apropriador de lucros “normal” e “sério", De resto 0 apropriador de lucros “da economia real’, aparentemente “regulares”, da conjuntura de exportacao e servigos baseada no deficit jd viveu nos ultimos anos precisamente do “deficit spending” da economia das bolhas financeiras. Os amantes do capitalismo “decente” deveriam verdadeiramente estar agradecidos pelo facto de a especulacéo ihes ter oferecido um tempo de vida suplementar, pois de outro modo a “mae de todas as crises” hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him a6 osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" teria chegado muito mais cedo. Em todo caso esta crise assumiu tal dimensdo que a propria socializacao das perdas se toma precaria. Se o Estado assume 0 comando, entao os banqueiros tomam-se de facto seus empregados, e as somas imensas nao s4o despejadas nas goelas de Ackermann e C*, mas no buraco negro da administracao da faléncia global Na sua opinido hé algum politico, a nivel nacional ou mundial, que proponha medidas acertadas? Agora é para eu dizer “Obama”? Ele provavelmente vai ter de pagar as favas pela confuséo nos EUA, e tem chance de uma carreira de bode expiatério “negro”, pois a sua campanha de “change”, bastante pobre de contetido e apenas mediaticamente eficaz, vai ter de se revelar como completamente vazia. Aqui jd nao ha carisma que ajude. A chamada politica é simplesmente a forma de administragao do sistema e dos seres humanos, enquanto a outra face da relacdo de capital. Quem entra na politica ja bateu a bota, com a “configuragao” nos critérios sistémicos, na matrix fetichista da valorizagao do valor. E por isso que também a esquerda politica chega sempre de novo “a’o capitalismo. A politica apenas pode administrar as gritantes contradigdes e tapar buracos para voltar a abri-los. O azar é que, sob determinadas circunstancias, 0 ouvido da politica no pulsar das sondagens nao ouve nenhuma chance, a nao ser a surda ameaga da exaltagao populista de uma consciéncia de massas que procura vitimas, quando as condigées de vida capitalistas sao retiradas aos complacentes normalzinhos. Diz-se hoje que a coligagéo SPD-Verdes teria no seu tempo colocado as bases para que a crise financeira atingisse a Alemanha. Ha aqui algo de verdade? Se entao o ministro das financas Oskar Lafontaine tivesse podido aplicar a sua politica com éxito estaria a Alemanha melhor? Ha uma continuidade sem ruptura na viragem neoliberal, desde a administragao Kohl, pasando pela verde vermelha sob Schréder, até a actual grande coligacao de Merkel. Tons intermédios sao aqui apenas espasmos; as modificagdes cosméticas, por causa das diferentes coloragdes ideolégicas, nao foram essenciais. Evidentemente que os verdes vermelhos fizeram a agulha para © desenvolvimento que haveria de levar a presente crise, por exemplo através das bonificagées fiscais para a “grande farra" da batalha das fusdes e aquisigdes. Isso foi apenas o reverso do [programa anti-social] Hartz-lV. Os verdes vermelhos neste caso seguiram nao apenas o mainstream neoliberal, mas também a dindmica objectiva do processo de crise capitalista. Apés 0 fim da prosperidade fordista e o desabar da regulagdo keynesiana no desenvolvimento inflacionista do comego dos anos 80, 0 crescimento posterior sé podia ser simulado através da expansao do “capital ficticio”, o que foi executado pela desregulagao neoliberal. O governo verde vermelho era um governo capitalista, que fazer? Como tal ele s6 péde fazer jus, no quadro da globalizagao, as condigdes de valorizagao tornadas sem base. Lafontaine e os seus seguidores no so criticos do capitalismo, mas nostalgicos do keynesianismo nacional que ha muito tempo deixou de funcionar. Como politica de governo isso teria j4 entéo fracassado. A invocagao da “Alemanha modelo’, que se poderia desacoplar do capital mundial, é nao apenas uma ilusao, mas na esséncia nacionalista e reaccionaria. Tais entoagdes fazem-se agora ouvir também da parte de Merkel e de Steinbriick, que procedem com se o mal tivesse vindo dos EUA invadir a inocente sélida Alemanha, mas que na realidade desde o principio se envolveram fortemente, até mesmo com os “Avidos” pequenos especuladores comuns, que agora mais do que nunca fazem o papel de enganados. O programa de Lafontaine sé tem eficdcia para as sondagens e “para 0 voto”, na medida em que ele na pratica nunca deveré tornar-se politica de governo, Onde o Partido da Esquerda participa no governo do Land (Berlim) apoia as restrigdes sociais como “coergées objectivas". Por isso ha entre eles, como antes entre os Verdes, uma fracgdo de realos que gostaria de conter Lafontaine, para conseguirem tornar-se capazes de governar. O que nao é assim tao improvavel, em caso de posterior agravamento da crise. Os realos poderiam cavalgar na onda do capitalismo de Estado “pragmatico”, trazido de volta mais que de repente, pois os hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him a6 osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" realos rapidamente serao aceites junto do poder, se fornecerem a legitimagdo da co-gestéo da crise como bons alunos. A ATTAC 6 publicamente considerada como o Forum para a mais aguda critica do capitalismo financeiro neoliberal. Que pensa disso, em termos analiticos e praticos? A critica da ATTAC nao é aguda, mas obtusa, e foi desde sempre, a semelhanca das ideias de Lafontaine, marcada pela nostalgia keynesiana. Uma critica isolada do neoliberalismo nao serve de nada, porque nao analisa a conexéo interna da viragem neoliberal com os limites da valorizagéo real do capital, mas considera esta doutrina apenas como politica econémica “errénea’, supostamente imposta através uma espécie de putsch. Se agora as elites capitalistas langam pela borda fora o neoliberalismo, téo nervosamente como outrora se desfizeram do keynesianismo, isso s6 mostra que 0 capitalismo nao coincide com um determinado modo de regulagao. Por maioria de razao uma critica isolada do capitalismo financeiro nao serve para nada, porque pée de pernas para o ar a relagdo entre a economia real e a superstrutura financeira, e porque responsabiliza a especulacéo por uma crise que tem a sua origem precisamente na propria logica da valorizagao. Também a ATTAC nao queria mais nada que um “pom” capitalismo dos postos de trabalho. Ha muito que vem sendo criticado que esta espécie de “critica do capitalismo” é reaccionaria e, consciente ou inconscientemente, querendo ou nado querendo, contém um ‘anti-semitismo estrutural’, porque nao ataca os fundamentos do capitalismo, mas obedece apenas ao preconceito popular do “capital rapinante”, que ¢ responsabilizado por todos os males sociais e ja desde ha 200 anos ¢ ligado aos judeus. A defesa da ATTAC contra esta acusagdo foi sempre, na melhor das hipéteses, titubeante e duvidosa. Por isso houve e hd no circulo nada transparente da ATTAC simpatias pelo devorador de judeus Ahmadinejad, que € estilizado como luminosa figura “anti-imperialista’ e também declarou publicamente como causa da crise financeira uma “ameaga judaica mundial”. Actualmente a ATTAC parece estar ocupada em sentir, em vez de imaginar, que fantasmas foram acordados pela critica isolada da especulagdo. Quando a ATTAC agora, com a grande crise financeira, com o fim do neoliberalismo e com a passagem a re-regulagao e a estatizagao dos bancos, vé amadurecer 0s seus sonhos de florescéncia, e espera, com o ministro do trabalho Scholz, 0 regresso do Estado social keynesiano, ela sé pode vir a envergonhar-se desta opgao a muito curto prazo. Na realidade, 0 capitalismo vai ser reduzido as suas reais condigdes de valorizacao. Em consequéncia, esta a vista uma depressdo global e no o regresso ao crescimento “real” apés os “desvios’. O novo capitalismo de Estado vai mostrar uma face horrorosa a agravar dramaticamente a administragao de crises repressiva. Talvez que mesmo [0 programa anti-social] Hartz-IV venha a parecer em retrospectiva relativamente acolhedor. E depois? Tera a ATTAC de acabar por reivindicar o regresso da economia das bolhas financeiras, porque é incapaz de por em causa as condigées de vida capitalistas enquanto tais? Ou uma pessoa desfaz-se no turbilhdo das ideologias de massas que confirma os piores receios? Ou ja sé nos resta rezar, uma vez que ainda assim nos tornamos Papa? O que se segue a esta crise aniquiladora? Falar de uma crise “aniquiladora” coloca numa certa inadequagao a pergunta sobre o que vem “depois”. A crenga congénita da esquerda na capacidade de regeneragao do capitalismo corresponde tao-somente aos comentarios na imprensa econémica, que também falam de “apés 0 capitalismo”, enquanto a verdadeira dimensdo da crise apenas comega a revelar-se. Naturalmente que vai haver reacgées técnicas das bolsas em movimento ascendente, talvez alimentadas pelas esperangas de curto prazo na eficdcia do pacote de medidas estatais. Mas a dinamica do proceso de crise j4 nao vai voltar ao nivel anterior, se nao surgirem novos potenciais de valorizagao real, que nao estao a vista em lado nenhum. Cada estabilizagao temporaria s6 pode preparar o préximo surto de crise tanto mais violento. Seria necessdrio um contra-movimento social auténomo, para lé do espago nacional, que nao permitisse aos administradores de crises contrariarem os interesses vitais, e que negasse qualquer exclusdo social, sexual, étnica ou hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him sie osio72017 Robert Kurz - ENTREVISTA A REVISTA ON-LINE “TELEPOLIS" “récica’. Movimento que, no entanto, est4 téo-pouco a vista como os novos potenciais de valorizagao. Portanto, o que se pode dizer é que a desintegragao social vai prosseguir, numa dimensao até aqui nunca vista, também nos centros do capitalismo, incluindo na “inocente” RFA. Original INTERVIEW MIT DER INTERNET-ZEITSCHRIFT ,TELEPOLIS* em www.exit-online.org. (Publicado na revista online TELEPOLIS (Hannover), 1® parte em 14.10.2008 com o titulo A MAE DE TODAS AS CRISES 2 parte, em 15.10.2008 com o titulo SOCIALIZACAO DAS PERDAS , LAFONTAINE E ATTAC http:/lobeco-online.org/ http://www.exit-online.org/ hitpsiwwn.obeco-online.orgrkurz307.him ae

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