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Christian Metz A Significagao no Cinema Editora da Universidade de Sao Paulo Editora Perspectiva. So Paulo ‘Titulo do original: Essals sur la Signifcation au cinéma Copyright by Epinions KLINCKStECK, 1968 Paris, Direitos para a lingua portuguesa reservados & EDITORA PERSPECTIVA S.A. Av. Brig. Luis Antonio, 3025 ‘So Patio in FICHA CATALOGRAPICA (Preparada pelo Centro de Catlogagao na Fonte, (Camara Brasleva do Livro, SP) ‘Metz, Christian 15558 A significagdo do cinema | traducdo e postéco de Jean-Claude Bernardet | S20 Paulo, Perspective, i972: p. (Debates, 54) teprodugio de artigos publicados em_revisas. "Andlise sintagmdiiea de Sao Paulo” Sociedade| Andnima, por Tean Claude Bernardet"= p. 245-281. 1. Cinema (Semiologia) 1. Bernardet, Jean Claude. 1. Titulo, Til. Tule: $0. Paulo’ Soeiedede ‘Andnima, 1. Série. br20179 ° cpp-791.43014 Indices para catdlogo sistemitico Cinema: Linguagem ¢ comunicasdo: Belacartes 79143014 Cinema: Semiologia: Belarartes 79143014 Cinema: Signficapdo: Belasaries 791.43014 Semiologia do cinema: Belasartes 79143014 A M, GEORGES BLIN, Professeur au Coll2ge de France sem o qual nenhuma destas ‘paginas teria sido iniciada SUMARIO Introducio 5 5 9 1, ABORDAGENS FENOMENOLOGICAS DO FILME, 1. A respeito da impressao de realidade no cinema... 15 Cahiers dv Cinta, Pais, Baitions de TEtoile = n° 16-167, maio-jonbo 1965, pp. 75-82. Aponiamentos para uma fenomenologia da ynarracdo ... 2 29 Revue dEuhéique, Pats, Klinhaieck. ‘Tomo XIX, fase, 3-4, julho-dezembro de 1966 (Nimero especial "Les" catégories esthéti- sues"), pp. 333-34, Il, PROBLEMAS DE SEMIOLOGIA DO CINEMA 3. Cinema: lingua ou linguagem? ...... ‘Communications, Paris, Editions du Seail, "41964. (Namero. especial “Recherches Sémilopiques"), pp. 5290. 45 4. Algumas questées de semiologia do cinema La Linguistique, Pais, Presses Universitaires de France — Ano 1966, fase. 2, pp. 5369. Problemas de denotacao no filme de ficeao Revisio (muito aumentada) de trés textos 2, “Problémes de dénotation dans te film de contribation & une sémiologie du ci- Hlatrn gare= Cntertni, In facional fa bre os Problemas de Scmiologi, Kazimiers, Polonia, et. de 1966. br"Un probleme de sémiolosie du cinéma” Image ef Son, Pats, Edition de {Union Fran: false des Ocuvres" Laigues «Education par ge et le Son — n° 201, jan. 1967, pp. 679. ¢. "La grande syatagmatique du film narrate", Communicaions, Pars, Editions du, Seuil. — sa? &, 1966 (Nimero especial "Lianalyse strac- furale durée), pp. 120-124 ut 29 MIL 0 CINEMA “MODERNO": ALGUNS PROBLEMAS ‘TEORICOS, 6. O Cinema moderno e a narragao . Cahiers du Cinéma, Paris, Editions de VEtoile, nn? 185, dex de 1966 (Numero. especial “Film et Roman: problemes du récit"), pp. 868, 7. A Construcio “em abismo” em Oito e Meio de Felt 5 Revue dBihdique, Pais, Kilneksock. — ‘Tomo XIX, fase. 1 jan-mat, 1966, pp. 96-101. 8. 0 Dizer ¢ 0 dito no cinema: acaso de um verossimil? Relatéro para a mesa sedonda sobre Ldologia ¢ linguagem ng filme, no quadro do Terceiro Festival de ‘Cinema’ Novo. (Pesaro, Tilia, maio-junbo de 1967). — Reproduzido em Comunications, Pars, ditions du Seu NV'I1, 1968 (Némero especial “Le vralsem- lable), pp. 2225. Apéndice Anélise sintagmética de “Sao Paulo Socieda- de Anénima” Posfacio 8 173 217 225 245 283, INTRODUGAO Esta coletinea, dividida em quatro segées, € cons- titufda por dez textos que correspondem a doze artigos anteriormente publicados; a diferenga de doze para dez deve-se a0 fato de que o texto n? 5 retoma trés artigos diferentes. Assim como 0 indica 0 titulo do volume, ‘05 artigos aqui inseridos foram escolhidos exclusiva ‘mente entre aqueles que autor consagrou a problemas cinematograticos. Por se tratar de uma coletinea, nio tentamos eli- ‘minar nem mascarar algumas repetigoes inevitéveis® Do mesmo modo, fizemos questio de no suprimir Sp Areas mum soi eas, em gue 2 septic emai) ettinumos'e weeks Sais Que f"Semnga “A? 9 nem substituir este ou aquele trecho que, em decorrén- cia do tempo passado entre a publicacdo dos artigos ¢ fa presente ediglo, ficaram um tanto atrasados em re- lagio ao estado atual das pesquisas do autor: assim & que nos casos em que houve uma mudanga parcial de corientagio, ou simplesmente novos progressos, ou ainda quando tivemos de levar em conta recentes ‘contribui- ges de outros autores para o debate, inserimos as atualizagbes necessérias, no pela alterago do texto, mas pelo acréscimo de notas especiais (bastante ex: tensas quando necessério)** Em contrapartida, no hesitamos, em relago & li- teralidade das publicagées originals, em praticar diver- sas alteragoes de detalhe no sentido de aprimorar as formulagées. ‘Quando ao texto n? 5, initulado “Problemas de denotagio no filme de fics80", ele representa um caso especifico: aproveitamos a oportunidade da presente edigio para reunir (¢ para aumentar consideravelmen- te) 8s artigos preexistentes que abordavam assuntos afins, mas que cada um abordava de modo parcial com, além disso, algumas divergéncias entre cles. O texto em pauta & portanto inédito na sua forma atual, ‘embora numerosos trechos que © compéem néo sejam inéditos. Esforgando-nos em aprimorar os pormenores dos diferentes textos anteriores, acrescentando-Ihes quando necessério notas relativas a desenvolvimentos mais re- centes, finalmente tentando apresentar com 0 texto 2° 5 um “estado” geral e atual dos principais problemas, nossa intengio foi a de oferecer 20 leitor, no campo ainda novo e em plena evolugdo da semioiogia do ci- nema, uma obra tio unitéria ¢ tio atualizada quanto 0 possibilitava sua propria natureza de coletinea, © autor agradece as cinco revistas que publicaram inicialmente os textos que integram este volume: Revue Cp Tas spas tnt a sae ee eet Beit! ¢ menor co @'aue som ov prolee smi ssh 10 a'Esthétique, La Linguistique, Cahiers du Cinéma, Ima- ge et Son, Communications, bem como a0 Centre d’Etu- de des Communications de Masse (Ecole Pratique des Hautes Etudes, VI seogio), que edita altima destas revistas, ¢, por outro lado,’ & Academia Polonesa das, Ciéneias, que organizou 0 Coldquio internacional. em cujo quadro foi apresentado um dos trabalhos retomado no texto n° 5 desta coletinea, bem como a0 Festival do Novo Cinema (Pésaro, Ili), que organizou a mess- -redonda onde foi apresentado o iltimo texto deste vo- lume. __ Encontram-se no indie as referéncias exatas a res- peito da publicagéo original de cada um destes textos, ao Sr, Mikel Dutrenne, professor da Université de Paris-Nanierre ¢ diretor da coleggo na qual se edi- ta esta coletinea, que se deve a idéia original de reu- nir num s6 volume alguns dos artigos do autor, cujo acesso se tomaré assim mais fécil. A ele, of nossos agradecimentos, Cannes, agosto de 1967. te bay fro, sind op wee 2 6 or Se selene tale ge hiner anes Foran “btn {a thao, publeado ‘em speedo, Ga sutra ‘co wadsat WN. fo F SECCAO 1 ABORDAGENS FENOMENOLOGICAS DO FILME I. A RESPEITO DA IMPRESSAO DE REALIDADE NO CINEMA Na época em que o cinema era algo novo © es: pantoso, em que o simples fato de exisir 0 cinema 6 Era um problema, a Mteratura cinematogrética tendia para um tom te6rco ¢ decisiua, Era a época dos Della dos Epstcin, dos Baldzs, dos Eisenstein Qualguer ero de cinema tnha um pouco de tei 0, um pouco de “flmélogo” também, "Hoje, hé quem che praga neste tipo de literatura ou acredite mais tu menos expictanente que a etfiea dos fines indi vidalmentetrtados esgota ado 0 que se poss dizer Sobre o tema, Sem divida, a erica dos fies — ou melhor, a sua andlise — constitui tarefa essencial: Is sio 0s cineastas que fazem 0 cineme, 6 através da re- flexio sobre os filmes de que gostamos (ou de que nao fostamos...) que conseguimos aleangar numerosas verdades referentes & arte do filme em geral. Mas exis- tem outras abordagens. © cinema € assunto amplo Para. o qual hé mais de uma via de acesso, Conside- tando globalmente, o cinema € antes de mais nada um Jato, e enquanto tal ele coloca problemas para a psi- Sologia da percep¢o e do conhecimento, para a es- fética tedrica, para a sociologia dos piblicos, para a -Gemioiogia geral.. Qualquer filme, bom ou ruim, é em Primeiro lugar uma pega de cinema, no sentido em que se fala de peca de miisica, Enquanto fato antro- polégico, o cinema apresenta uma certa quantidade de contoraos, de figuras ¢ de estruturas estéveis, que me- ecem ser estudadas diretamente. Vemos a todo mo- mento o fato filmico ser considerado, na sua realidade mais geral, como coisa natural e Sbvia; € no entanto ainda ‘hé tanta coisa por dizer a respeito...; 6 do espanto diante do cinema, como diz Edgar Morin, que nasceram algumas obras das mais ricas dentre as'con- sagradas & sétima arte. De todos estes problemas de teoria do filme, um dos mais importantes € 0 da impressio de realidade vivida pelo espectador diante do filme. Mais do que © romance, mais do que a pega de teatro, mais do que © quadro do pintor figurativo, o filme nos dé 0 sentimento de estarmos assistindo diretamente a um es. petéculo quase real, como o pereebeu Albert Laffay.! Desencadeia no espectador um processo ao mesmo tem- Po perceptivo e afetivo de “participagdo” (nao nos en- tediamos quase nunca no cinema), conquista de ime- diato uma espécie de credibilidade — nao total, € claro, ‘mas mais forte do que em outras freas, as vezes muito viva no absoluto —, encontra o meio de se dicigir & gente no tom da evidéncia, como que usando 0 con- Vintente “E assim”, alcanga sem dificuldade um tipo de enunciado que © lingiista qualificaria de plenamen- (2 "Leweaon du ponte 28 cinéma", in Temes moderns, 194. Repubcado em Logie du cinéma, Mason, 196) pp 18 4 9, 16 te afirmativo € que, além do mais, consegue ser leva- do em geral a sério. Hi um modo filmico da presen- ‘ea, 0 qual é amplamente crivel, Este “ar de realdade”, Este dominio tio direto sobre a percepgdo tém o poder de deslocar multiddes, que sio bem menores para as- sistir & tikima estréia teatral ou comprar o ultimo r0- mance. Sabemos que André Bazin atribuia grande im- portincia a esia “popularidade” da arte das imagens fem movimento? Embora no seja taro 0 fracasso co- mercial de um flme excelent, © cinema em geal — até em suas manifestagBes novas ou “audaciosas” — conserva um piblico. Pode-se dizer o mesmo de todas, as artes de nossa época? Pode-se chamar de “pibli- 0", no sentido amplo da palavra, 0 conjunto dos ini- ciados que se interessam pela pintura abstrata, pela rmisica serial, pelo jazz moderno, pelo Novo Romance —, pequenos grupos de amadores sem rela¢éo, infeliz- mente, com a propria sociedade culia (para nio falar da outra), e que sio integrados sobretudo por ciimp! ces do artista eriador, seus conhecidos ou nao, no mé: ximo por seus semelhantes, colegas virtuais ou atuais — enquanto gue uma audiénia 6 se tra pea juando surge entre criadores e destinatérios um certo esnivel numérico e uma conta diveridade séio- cultural? Se o cinema escapa, pelo menos em grande parte, 0 profundo divércio contemporneo entre a arte © © piblico, se o cineasta ainda pode se dar 20 Iuxo Ue falar a outros que no seus amigos (ou os que Po- deriam sé-lo), 6 porque existe no dominio {fmico o segredo de uma presenga e de uma proximidade que aglomera o grande piblico © consegue lotar mais ou rienos as salas. Reencontramos aqui a impressdo de rea~ lidade, fendmeno de muitas conseqincias estéticas, mas cujos fundamentos sio sobretudo psicolégicos. Este sen- timento tio direto de credibilidade vale tanto para os filmes ins6litos ou maravithosos como para os filmes “tealistas”. Uma obra fantéstica s6 € fantéstica se 2 Ket sangeet g Tals Git setae! eats Se iotlens GS Sinpgbell"Go watt fimséo, dos ‘Sines sob are 7 convencer (seno € apenas ridicula) e a eficécia de inrealismo no cinema provém do fato de que o irveal aparece como atualizado e apresenta-se aos olhos com a aparéncia de um acontecimento, e no como uma ‘iustragdo.aceitével de algum processo extraordinério {que tvesse simplesmente sido inventade. Os assuntos de filme podem ser clasificados em “realistas” ¢ “ir- realistas", como se queira, mas 0 poder atualizador do veiculo filmico € comum aos dois “géneros”, garan- tindo ao primeiro a sua forga de familiaridade tao agra- dive 8 afetividade, e a0 segundo seu poder de desnor- teio tio estimulante para a imaginagdo. As criaturas famtésticas de King Kong foram desenhadas, mas em seguida estes desenhos foram filmados e af & que co- mega, para nés, 0 problema. Na sus “Retérica da Imagem”, Roland Barthes faz alguns comentériost a respeito do. problema, mas em relagio 2 fotografia: qual € a natureza da impres- slo de realidade que ela produz? Quais sao, princi- palmente, os seus limites? Sabe-se que o assunto fo! freqientemente abordado no tocante a0 filme (€ um dos grandes temas clissicos da filmologia e da teoria do cinema), e mais raramente em relacao fotografia fixa, Olhar uma fotografia, diz Roland Barthes, nfo € aprender um ser-aqui — definigGo por demais ge- ral que pode se aplicar qualquer cdpia — mas um ter-sido-aqui: “Trata-se portanto de uma nova catego- fia do. espago-tempo: local imediato e temporal an- terior; na fotografia, concretiza-se uma conjungio il6- ica do aqui e do outrora”. Eo que explica a “irrea- Tidade real” da fotografia. "A parte de realidadé deve ser procurada do lado da anterioridade temporal: 0 que 2 fotografia mostra foi realmente assim, um dia, dian- te da objetiva; a fotografia — melo mecinico de’repro- dlugio — se limitou a registrar, para trazé-lo até nés, este “milagre precioso: uma realidade contra a qual somos protegidos”. Quanto a irrealidade, ela se liga 2 “ponderacio temporal” (as coisas foram assim, mas rio sio mais), bem como & consciéncia do “aqui”; pois “desconfiemos do cariter mégico da imagem fo satya Germain, 8 4 96, xine neal “Recres oid, pa 18 togritica”, ela ndo é nunca vivida como uma ilusdo auténtica,”sabemos sempre muito bem que o que nos 6 apresentado ndo esti verdadeiramente aqui. Este 0 ‘motivo pelo qual, continua Roland Barthes, a fotogra- fia tem um fraco poder projetivo (os testes projetivos utilizam de preferéncia desenhos), © provoca, mais do {que uma consciéncia mégica ou ficcional, uma apreen- sto apenas espectatorial, uma atitude de’contemplagao da exterioridade, “O isto-fo! supera 0 sou eu” (0s aifos séo de Roland Barthes). Por isso fotografia € bem diferente do cinema, arte ficcional ¢ narrativa, cujo imenso poder projetive € conhecido; o espectador ‘Ago apreende um ter-sido-aqui, mas um ser-aqui vivo. Partindo desta anilise, resumida demais, gost mos de acrescentar alguns’ comentarios que nos enca- minharao mais precisamente para o cinema. A impres- io de realidade — impressdo mais ou menos acentua- da, pois o seu grau varia muito — prépria a cada uma das téenicas de representagdo que existiram até hoje (fotografia, cinema, teatro, pintura e escultura figura- s, desenho realista etc.) & sempre um fendmeno de dduas faces: pode-se procurar a explicagdo no aspecto do objeto percebido ou no aspecto da percepgao; por tum lado a duplicagdo € mais ou menos “parecida”, mais ou menos fiel a seu modelo, cla carrega em si uma maior ou menor quantidade de indicios de reali- dade; por outro lado, esta construgao ativa, que @ per- ‘cepodo € sempre, os manipula de modo mais ou menos atualizante. H4 uma constante intera¢ao entre os dois fatores: uma reprodugo bastante convincente desenca- deia no espectador fendmenos de participagio — par- ticipagio ao mesmo tempo afetiva © perceptiva — que ccontribuem para conferir realidade & cépia. Nesta perspectiva, devemos nos perguntar por que a impres- sio de realidade é tio mais forte diante de um filme do que diante de uma fotografia, como o notaram tan- tos autores e como qualquer um pode verificar na ex- periéncia cotidiana. Hé uma resposta que se impoe de imediato: & 0 ‘movimento (uma das maiores diferengas, sem dévida ‘a maior, entre o cinema ¢ a fotografia), € 0 movimento que dé uma forte impressio de realidade. Afirmagdo 19 ae fo ita com fogs, mas aver no ai a arcana A conjto Ca ende o movinent ¢ a apardnci Gat fomas mtv, os emo avis Coca epee dads tbl "As orm smpsesam se acabougo_b BoeTS mevinene ce movimento. conser Soma conta Eagar Bown em Le enna ihonme inaghate® Ee rdagao 4 opts Se ton re prtonts um nse resdade spleen: Teague fap: dain ra so moves). tar tantln'wate als do ue hop como obey, Ada Eiger Monn wendoss da ctre mle da AM Ete andes Bech" 9 movineto 4s sj ors SCoporiiade” ume auowoin gue Sea cop tn val ber sta, Setaras do spec pant gic ‘Sova coin, posits spenders me thor de um "tnd, Como ngs ne do 0s pore pac se “eiotanallo mowneto tna 0 Fave! ce loo tea da” ‘Toomey cones uo “eo eestor, cj impose pus o'sneoa fol sinnada por Caste Ly Maat ao Stig Inulado “Os Tenonenoe ssndnstoe ot efeitos estereoscépieos do cinema normal”.!' © movimento, portato, eae dos os: un indice de realidade suplementar ¢ a corporalidade dos Soften” Mann or pedemce coat snt Sela reese) eras omal ee ‘Renae ain oe ior, a agora au Gentenete nando, aese Se sap por agar Mori (quand ope, no opi nar do Soe o fn ae oer,» apmcaci formas eae do movimento), e apesar de salientado por A. Michot- sa) M mi at ne te Bs Se Le mete tere see SEs BS ARETE aia Sind be ae (it) Revue Inurationale de Fllmoioi, 90 22, janebormc® de 20 te. Vejamos 0 que diz este dltimo: 0 movimento con- tribui para a impressio de realidade de modo indireto (dando consisténcia aos objetos), mas também de mo- do direto, visto que ele préprio aparece como um mo- vimento real. Ha de fato uma lei geral da psicologia conforme @ qual o movimento, desde que percebido, & ‘em geral percebido como real, diferentemente de muitas ‘outras estruturas visuais como volume, que pode mui to bem ser percebido como irreal mesmo quando per- cebido (é 0 que se da com os desenhos em perspecti- va). A. Michotte estudou as interpretagoes. causalis- las — impressio de que algo foi “empurrado, puxado, atirado ete." — esbogadas por individuos a quem se deu apenas a ver movimento, com um pequeno dispo- sitivo montado de modo a que s6 0 movimento apare- 4, € nfo 0 mecanismo que 0 produziu: tal causalis- ‘mo espontineo, pensa A. Michotte, deve-se ao fato de que os individuos nfo duvidam nem por um instante de que 0 movimento seja real, j4 que eles o viram. E ainda hé outros pontos a considerar: jé que a fotogratia fixa & de ceria forma vestigio de um espe- taculo passado, como dizia André Bazin ", poderfamos imaginar que & fotografia animada (quer dizer: 0 ci nema) fosse percebida de modo anélogo, como vesti- io de um movimento passado. Fato esse que na ver- dade nio ocorre, pois o espectador percebe sempre 0 movimento como atual (inclusive se “reproduzic” um movimento passado), de sorte que a “ponderagio tem- poral” de que fala Roland Barthes — aquela impressio de um “outrora” que irrealiza a apreensdo de uma fo- tografia — deixa de intervir no espetéculo do movimen- to, Os objetos e personagens que o filme apresenta aparecem somente como fig, mas 0 movimento que os anima no é uma efigic de movimento, ele aparece realmente." (12) Aaa eta, vp 25635 (3) onus Timi pooper”, so praiias de agit quien esos isp Reehiss Gee ae Eels Ee Ce woe «Sab Tne 8 cian gual acme Rovmlaene’ Ms ata ana 2 © movimento é “imaterial”, ele se oferece & vista, nunca ao tato, por isso nfo pode aceitar dois graus de realidade fenomenolégica, a © a copia B muitas vezes com referéncia implicita a0 tato, arbi- tro supremo da “realidade” — o “real” € irresistivel- mente confundido com o tangivel — que experienci mos como reprodugdes as representagdes dos objetos: eis uma grande drvore ai fielmente ofetecida ao olhar na tela do cinema, mas ‘se estirarmos a mio, ela 36 “tocaria” um vazio varado de fachos de sombras ¢ Iu zes, no uma cortica irregular e rugosa que ela teria que levar em conta, F freglientemente o critério tétil, © ctitério da “materialidade”, confusamente presente em nossa mente, que divide © mundo em objetos cépias , no havendo nunca possibilidade (salvo em casos determinados considerados precisamente como pa- tol6gicos) de transgressio séria desta grande linha di- viséria, Roland Barthes faz muito bem em lembrar ‘que as “‘participagdes” fotogréticas mais intensas nao provocam nunca a ilusio auténtica. Mas o rigor desta participagao malogra a0 atingir o limiar do movimen- fo: como o movimento nunca ¢ material, mas sempre visual, reproduzitlhe a visio € reproduzir-lhe a reali- dade; em verdade 0 movimento nao pode nem ser “re~ produzido”, s6 pode ser re-produzido, por uma segunda produgio, que pertence — para quem olha — & mes- ma ordem de realidade que a primeira. Nao se trata ‘apenas, portanto, de constatar que o filme & mais “vi- vo", mais “animado” que a fotografia, nem mesmo que ‘05 objetos so mais corporalizados; vai além disso: no cinema, a impresso de realidade 6 também a realida- de da impresséo, a presenca real do movimento. Em Le cinéma et le temps, Jean Leirens desen- vyolve uma tcoria conforme a qual a identificagio no cinema — estreitamente ligada & impressio de realida- de — seria um fenémeno de certo modo negativo, Leirens se vale da célebre diferenciagio de Rosen- —LrLr—"™™ ‘enciarh, em ima invdoeis, 4 cipia do. modelo : ti Ea a cet 2 kkrantz ” entre 0 personagem de teatro, objeto de “opo- sig” para 0 espectador, e © personagem de cinema, objeto de identificacso. —— No teatro, escreve por sua vez Giraudoux™, “é verdade que 0 que se apresenta ao espectador so ima- gginagdes, mas cada uma mascarada por um corpo in- tegral e'rigorosamente sexuado”. O que se exize do espectador, conforme Rosenkrantz, & sobretudo que cle assuma uma posigio em relagio a estes atores muito reais, ¢ no tanto que ele se identifique com os perso- rnagens encarnados por cles. Seu peso carnal vem “se por” A tentaco, sempre sentida durante 0 espeticulo, de percebé-los como os protagonistas de um universo ficcional, e 0 teatro nfo passa de um jogo, esponta- nheamente aceito, que se desenvolve entre cimplices, talvez por ser o teatro excessivamente real que as fi ‘goes teatrais dio apenas uma leve impressdo de realida- de; ou entio 0 contrario: conforme Jean Leitens ®, a impressio de realidade que o filme nos dé nao se deve de modo algum a forte presenca do ator, mas sim ao frdgil grau de existéncia destas criaturas fantasmag ricas que se movem na tela incapazes de resistit & nossa constante tentacio de investi-las de uma “realidade” que € a da ficco (nocdo de “diegese”), de uma rea- lidade que provém de nés mesmos, das projecdes idemtificagdes misturadas & nossa percepca0 do filme, Se 0 espetdculo cinematogréfico da uma forte impres- so de realidade, € porque ele corresponde a “um va- Zio no qual 0 sonho imerge facilmente”.® Henri Wal- on desenvolve uma idéia préxima a de Jean Leirens ‘em L'acte percepiif et le cinéma: © espetéculo teatral ‘no consegue ser uma reproducao convincente da vida porque © proprio espeticulo faz parte da vida, ¢ de modo muito visivel; hé os intervalos, o ritual social, © espago real do palco, a presenga real do ator; 0 peso disso tudo é demais para que a ficedo descnvolvida pela pega seja percebida como real; a cenografia, por a Ti tate ee MPa (33 Op i” pris” great ds, Scan BB EA EEE ape 23 | e-_sse# fkor nt pasa de oma convengao dente ao prom tudo red" (Podeimos notetentar na mesm Per iva, que a asim chamada “figa0" no Cncma Gegese)enquanto gue no teats "egio™ 30 ence HEuHZO “onvenglo" e do mesmo modo que fs ors na vida coudiang, tas como ae Gonvengbes da boa Edtcapao ou dos dscrsos oftsis) 0 expetculo hematogrfc, pelo conto, € completamente ied, tie se desenolve num outo mundo. que A. Me chotte chama de “segregagdo dos espacos”:" o espago Ge degee co da sls (que envolve 0 ecpectadn) so Incomensiraves,nenhury dos dois inclirnem ‘nuew Gia o ult, as cosas coorem como se howwesse me Darcie aval port invanspontal Ast dat ime pressOes espectatoriais durante a projecéo de um filme divide-se, conforme Henri Wallon *, em duas “séries” completamente distintas, a “série visual” (isto é, o fil- — == ===«sSsesete fentimento do proprio corpo re poranto Jo mundo ..L—rt“—~™s—~—sSC do a gem se aja na poltona para encontrar me .)——rtéi“<“CO~O™s*tsC—C—~C Ferma fcgdo para constar& cada instante suas pe- — +i i teato — que a deges do filme pods provecat se Gstrnha e famosa ipresio de Teaidadey que estamos oo ’ASculiagoes negtvas que acebamos de resunie podem ser critcad, jstamente por seem. negavas Germs, Desreve ts circanstinies em gue a inprer Sto de reaidade se toma posel,e fo crcunse: cigs om que est ovoreefevaments,dalitam cont ges necessias, no condigde suftentes. E verade the, quando o sor de cao eine ou Eagle, ee ruil interengge da vealdade Wo Teal Jestds a 8 cio, verdade também que tas inerferéncas ndo ssi thom apenas a fora carat e excepional do expire mas ml formas subrepiag que no eiminam 9 qua. inde dos apeatuce mals Cuidados que & tom. bem na sala, na "desomoltuca sonata Yo. homet _ 24 € no vestido da mulher” que elas devem ser procurs- das. Ao isolar de modo estangue a ficga0 da realidade, © cinema desarticula de vez essas resistencias € remove todos os obstéculos & participagao, Mas participa- a0 ainda ndo ocorreu, Um homem que nd esta acor- dado pode perfeitamente no mudar de lugar... No aso da fotografia ou da pintura figurativa, a linha di- viséria entre real e ficsdo € tao intransponivel quanto no cinema (dois espagos incomensuraveis, sem intér- pretes de came ¢ oss0), € nem por isso’ € motivada uma forte impressao de realidade. Jean Mitry® obser- vva com razio que nenhuma das explicagdes do “esta- do filmico” por hipnose, mimetismo ou outros processos ppuramente passives. so satisfatOrias para entender a participagio do espectador; explicam apenas as circuns- tancias gracas as quais a participacdo nao € impossivel: © espectador & “desligado” do mundo real, é verdade; mas ele ainda tem de se ligar a uma outra coisa, cum- prir uma “‘ransferéncia”, de realidade*, esta implica uma atividade afetiva, perceptiva e intelectiva, cujo im- pulso inicial s6 pode’ser dado por um espeticulo pa- ecido com o do mundo real, Portanto, se queremos explicar um fendmeno forte como a impressao de rea- lidade no cinema, voltamos & necessidade de levar em conta fatores positives, principalmente os elementos de realidade contidos no’ proprio filme, dos quais © pri- meiro a considerar é a realidade do movimento. Rudolf Amheim®, por sua vez, admite que a fo- tografia, a que faltam tempo e volume, produz uma im- pressio de realidade muito mais fraca que o cinema: no cinema a dimenséo temporal pode ser aceita como cequivalente do relevo (obtido especialmente pelo jogo dos movimentos). Mas Arnheim acrescenta que 0 es petéculo teatral € ainda mais convincente que a ficcio cinematogréfica. J4 conhecemos a teoria do autor sobre a “ilusio parcial”: cada uma das artes se baseia numa ilusdo parcial de realidade, que define a regra do jogo — no teatro, rimos se um praticdvel desmorona, mas nao rimos ao ver uma “sala” que s6 tem trés lac Beane hoiele Wu cintme, aocs Universes, ‘gi Hid 9s GB fag eh Rot, mest, Rawat, 1, 25 dos —, ¢ esta ilusio estatutéria € mais ou menos forte conforme as artes; o cinema esta situado entre a foto- grafia c 0 teatro. A natureza e o grau de ilusio parcial depende, de fato, em cada caso, das condigées mate- riais © téenicas da representacio: 0 cinema apresenta apenas imagens, ao passo que 0 teatro esté inserido no tempo e no espaco reais.” — Esta anilise nfo parece ‘muito accitivel: € desmentida pela experiéneia mais banal (“acredita-se” muito mais na ficgio do filme que nna da pega de teatro); além do mais, a crer no autor, (© que no teatro mais “forte” no ¢ a ilusio de rea. lidade, mas a prépria realidade (particularmente 0 es- ppaco real do palco e a presenca real dos atores) ao que Rudolf Arnheim opoe simplesmente imagens que cons- titwem © pasto do espectador cinematografico; mas en- Yio no se pode dizer que o espectador de teatro tem uma ilusio do real: o que ele tem & a propria percep- io do real, o que se pode dizer 6 que cle assiste a acontecimentos reais. Todas essas discusses demonstram que seria con- veniente estabelecer de uma vez uma distingéo nitida (inclusive na terminologia, onde a palavra “real” enga- ‘ha constantemente) dois’ problemas: por um lado, @ impressio de realidade provocada pela diegese, pelo luniverso ficcional, pelo “representado” proprio a cada arte; e, por outro lado, a realidade dos materiais usa- dos em cada arte para a representagao; por um lado temos a impressio de realidade e por outro a percep- ‘sho da realidade; nisto reside a questo dos indices de realidade incluidos nos materiais ae que dispe cada uma das artes da representagio, E justamente porque 0 tea- tuo lida com materiais demasiadamente reais que a cre dibilidade da realidade diegética se enfraquece. E é a ir- realidade total dos materiais filmicos — reencontramos aqui a idéia de Jean Leirens e de Henri Wallon — que possibilita que a diegese adquira alguma realidade. Dai no se conclui (ndo se trata de uma lei meca- nicista) que a impressdo de realidade diegética seja tio ‘mais forte quanto mais afastados da realidade estiverem ‘0s materiais usados. Se assim fosse, a fotografia — ‘material ainda mais irreal do que 0 filme, porque tem auséncia de movimento — deveria motivar um tipo de 9) id.» 26 crediilidade mais forte do que o cinema, E o dese- rho figurativo mais ainda, por estar mais distanciado da realidade do que a fotografia, j& que nao respeita.a iteralidade dos contornos grfieds com a mesma fdel- dade que a eimara, Vemos a que contraverdades leva- rin.esta concepedo de wma escala continua das propor- Gionalidades inversas. Em verdade, ha um ponto oprimun vepresentado pelo cinema, aquém e além do fra impressdo de realidade produzida pela fcsio fende a diminuir. Além, temos o teatro, onde um ma- terial real demais afugenta a ficgGo; aquém, a fotogra- fia e a pintura realise, onde materia pobres demais, quanto tos indices de realidade, acabam por nio ter forga suficiente para coastituire sustentar um universo diegético. Se € verdade que no se acredita na reali. dade do’ cnredo teatral por ser o teatro real demais, também & verdade que nao se scredita na realidade do objeto fotografado porque o retingulo de papel (acin- entado, exiguo, imovel) ndo € suficientemente eal Tima representagdo que integra uma quantidade peqve- na demais de alusées & realidade nio € suficientercente indicativa para que a fiegao tome corpo; uma Tepre- Sentagao. que integre em si a totalidade do zeal, como E> caso do teatro, impoe-se a percepsio como um real empenhado em fingit 0 ireal, nfo como um irre Tealizado. Entre estes dois obstculos,o filme mantém tim equilibrio preciso: traz consigo elementos suficien- tes de realidade — respeto textual dos contornos gf ose principalmente presenga real do movimento — pa ra wos dar sobre o universo da diegese uma informacio Tica e vatiada, o que ndo se verfica com os materisis da fotografia ou da pintura; mas tanto numa como nou- tra, os materiais so imagens: a percepciio dos especta- doves os trata como tais © no os confunde nunca com um espetéculo real (reencontramos aqui a “segregacic dos espagos” de A. Michotte). A realidade parcia! integrada nos matetais do especéculo, por nao ser su- ficientemente forte para se impor como uma parte da realidade — o que opde 0 cinema ao teatro —, € cr Gitada a diegese. A realidade total do espeticulo € mais forte no teatro que no cinema, mas a porgio de realidade de que pode dispor a fegio € maior no cine~ ma do.que no teatro. 7 Resumindo, 0 segredo do cinema consiste em co- locar muitos indices de realidade em imagens que, em- bora assim enriquec'das, nio deisam de ser pereebidas como imagens. Imagens pobres demais néo mutrem Suficientemente o imaginério para que delas ele con- siga extrair uma realidade, Tnversamente, a simulagéo de uma tabula por meios tio ricos quanto o real, ié que reais, — 00 caso dn featro — corre sempre 0 Tiseo de no aparecer senio como a simulagio por de- mais real de um imagindrio sem realidade. Antes do cinema, havia a fotografia. Entre todas as espécies de imagens, a fotografia era a mais rica em indices de realidade, a Gnica, como notava André Bazin™, que nos dava moralmente a garantia absoluta de que 0s contornos grificos eram fielmente respeita- dos, jd que a sua representagio fora alcancada através se um processo mecinico de duplicagao; era assim, de certo modo, © proprio objeto que se imprimira a si mesmo na pelicula virgem. Mas esse material tio se- melhante ainda nfo o era suficientemente; faltava-lhe © tempo, faltavacthe uma transposiglo accitével do vo- Tume, faltavarhe a sensagio do movimento, comumente semtida como sindnimo de vida, cinema trouxe tudo 0 de uma vez $6, ¢ — suplemento inesperado — nfo & apenas uma reprodusio qualquer, plausivel, de movimento, que vimos aparecer, mas 0 prOprio movi- mento com toda a sua realidade, Enfim, suprema inverséo, so imagens, aquelas mesmas da fotografia que foram animadas por um movimento tio real, que ‘hes conferiu um poder de convicgao inédito, mas do qual s6 0 imeginério se beneficiou, j@ que, apesar de tudo, tratava-se de imagens Estas consideragbes pretendiam apenas lembrar um aspecto, entre outros", do problema da impressio de realidade no cinema, © “segredo” do cinema ¢ também isto: injetar na irrealidade da imagem a realidade do movimento ¢, assim, atualizar 0 imagindrio a um grau nunca dantes alcancado, slit, Lam ovat, fo gue ume & cme 28 2. APONTAMENTOS PARA UMA FENOMENOLOGIA DA NARRACAO © estudo da narragio & hoje alvo que interessa privilegiadamente muitos pensadores de tendéncia ex- truturalista, como sabemos.’ D indo continuidade a0 c6- lebre ensaio de Viadimir Prop sobre contos fabulosos Tussos, ¢ as reflexdes de Claude Lévi-Strauss sobre os mitos, foram propostos recentemente diversos “"mode- los" de andlise da narracio — ou de algumas narra- bes, conforme os casos — (A. Julien Greimas, Roland Sine intratonal et ie més Fars. ine Paeu Urbs, a, Jobo eek MT toes one 29 Barthes, Claude Brémond, 0 nimero 8 da revista Communications et.) ‘A finalidade do presente artigo no & propor mais tum modelo, mas sim’ convidar o leitor a refletir sobre fque coisa € que torna possieis as tentatvas jé apre- Sentadas; parece-nos de fato que, S€ a narragao se pres- ta tio rendosamente a andlise estrutural, é primeiramen- te por set, de-algum modo, um objeto real: 0 usuario ingénuo 0 identifica de-imediato, munca 0 confunde com nenhum outro Conforme A. Julien Greimas (Sémantique struc- rurale), 1 estrutura minima de qualquer significagao se define pela presenga. de dois termos e da relagéo que ‘0s liga, portanto a signiicagao pressupe a percep¢a0 (pereepgio dos termos © pereepeio de sua rlacéo) Na mesma perspectiva, pode-se supor que o principal interesse da andlise estutural é o de 36 poder encon- trar 0 que jéestava presente, de dar conta com mais c- gor daquilo que a conscignein ingénua ja “identifcara” sem analisé-lo, Lembremo-nos também do que dizia Claude LéviStrauss em Anthropologie Structarale a respeto dos mitos: o mito € sempre reeonhecido como fal por aqueles a quem € contado, inclusive se tiver Sido traduzido de tum idioma para outro, ¢ inclusive Sea literalidade de sua formulagho tver sido modificada até certo ponto. Podemos entio admitir (sem excessvos escripulos de rigor cientfico) que a anélise estrutural pressupoe Sempre, como estégio anterior (explicito ou implicio), uma espécie de fenomenologia de seu objeto; ou ainda, que a sgmficaro (construida e descontinua) explicita Sempre 0 que, anteiormente, s6 podia ser vivido como tim sentido (pereebido ¢ global). TE nesse sentido que nos interrogamos sobre o se- azuinte ponto: como se identifica uma narragéo, antes de qualquer arise? [S Uma narragéo tem um inicio € um fim, 0 que 30 mesmo tempo fixa os limites entre ela ¢ 0 resto do ‘mundo e a opée ao mundo “real”. Embora seja verdade que alguns tipos de narrago, culturalmente muito ela- 30 Doradas, tém a caracteristica de trapacear com o final (Conctusées “suspensas” ow evasivas, construgdes em abismo nas quais o final do acontecimento-narrado ex- plicita e estabelece as condigbes em que aparece a ins- tancia-narradora, desenlaces em forma de parafuso-sem- fim etc.), trata-se apenas de claboragoes secundérias que enriquecem a narragdo sem destrut-la, ¢ que néo sto capazes de, nem desejam, fazer com que cla esca- e A sua exigéncia fundamental de fechamento: pois 0 gue estes finais truncados projetam no infinito é a in- formacdo imaginativa do leitor, nfo a materialidade da seqiléncia narrativa: numa narracdo linear, que acaba com reticéncias (reais ou implicitas), o efeito de sus- pensio nao se aplica ao objeto-narracio — este ¢ fina- lizado claramente pelas proprias reticéncias; o filme in- Blés Aw coeur de la nuit acaba em parafuso-sem-fim ?, mas, enquanto seqiigncia de imagens, tem um final in- discutivel, que € a dltima imagem do filme. As criangas nunca se enganam quando lhes conta- ‘mos uma estéria; para elas 0 problema de saber sea estéria acabou & sempre pertinente, inclusive quando si0 suficientemente maduras para entrever prolongamentos possiveis da substancia semdntica da narragdo (mas no & narragio): “Entéo — dizem — & aqui que aca- ba? Mas o Principe Encantado, o que que ele vai fazer, depois. ..2” —n~ Um inicio, um final: quer dizer que a natragéo é uma segiténcia temporal, Seqiiéncia duas vezes tem- poral, devemos acrescentar logo: hé o tempo do narra- do eo da narragio (tempo do significado e tempo do significante). Esta dualidade no € apenas o que torna possiveis todas as distorgdes temporais verificadas fre- QUentemente nas narragdes (trés anos da vida do pro- tagonista em duas frases de um romance, ou em alguns © A amy tes, twee epee. gs ‘Shfone woens "tu canis dor Sickest yng "4 ‘a un fosgtnca g contida 0 arquteto pars o- fim. de semana" Snr Lae pee Ses eee ‘ofa an seveat de tn tana. ‘Sempre meas 31 planos de uma montagem “‘tregjientativa” no cinema cte.); mais essencialmente, ela nos leva a constatar que uma das fongées da narragio 6 transpor um tempo para tum outro tempo ¢ é isso que diferencia a narracao da descrigdo (que transpde um espago para um tempo), bem como da imagem (que transpde um espago para outro espaso), ‘© exemplo da narragdo cinematogrética ilustra facilmente estas trés possibilidades: 0 “plano” isolado € imével de uma extensio desértica € uma imagem (Gignificado-espago —> significante-espago); vérios “pla- nos” parciais ¢ sucessivos desta extenséo desértica cons- tituem uma descrigao (significado-espaco —> significan- te-tempo); varios “planos” sucessivos de uma caravana andando nesta extensio desértica formam uma narra- ‘so (significado-tempo — significante-tempo). ‘Nosso exemplo foi voluntariamente. simpliticado (no cinema, efetivamente, o espaco esté sempre pre- sente; inclusive na narragGo, j que a narragéo filmica se realiza pela imagem). Mas esta simplificacdo pou- co importa aqui, pois queriamos apenas mostrar que @ narragdo é, entre outras coisas, um sistema de transfor- mages temporais. Em qualquer narra¢io, 0 narrado € uma seqiiéncia mais ou menos cronol6gica de aconte- cimentos; em qualquer narracio, a instdncia-narradora reveste a forma de uma seqléncia de significantes que ‘© usuério leva um certo tempo para percorrer: tempo da leitura, para uma narragfo literdria; tempo da pro- jeg, para uma narrago cinematogréfica, etc. No caso da imagem, pelo contritio, o representa- do é em principio um punctum temporis que foi imo- bilizado; 0 consumo pelo usuério é por sua vez, tido ‘como instanténeo; ¢ mesmo se se prolongar, ele nfo con- siste em percorrer os elementos significantes numa or- ddem de sucessao tinica e imposta, Talvez seja no quadro desta oposigéo entre a nar- raco e a imagem que se explique o estatuto hibrido © instavel da descrigio. Todo mundo percebe que a des- crigio & diferente da narragdo, € uma distingao clisica; ‘mas, por outro lado, uma grande quantidade de narra- ges encerram descrigdes, a ponto de que néo seja pact fico haver descrigdes que no estejam encaixadas em narragées, Assim, a descrigéo mos aparece como exis- 2 tindo em oposiglo & narracdo € como sendo 20 mesmo tempo uma das grandes figuras ou um dos grandes mo- mentos da narragio. Esta curiosa mistura de antino- mia € de parentesco, que define intuitivamente as rela- Ges entre a narragio ¢ a deserigio, serd mais expticta- da se introduzirmos no “sistema” um terceiro termo, a imagem: narracéo e descticio se optem ambas & ima- gem porque seu significante € temporalidade, enquanto ue 0 da imagem € instantaneo. Isso quanto ao paren- tesco. Mas no interior desta categoria “narrativa-des- critiva”, definida por uma caracteristica do significante, 1 narragao ¢ a descri¢do se opdem por uma caract tica do seu signficante: significado temporalizado na narracGo, instantineo na descrigdo. Isso quanto i antinomia.* No ssio de uma narragéo, o momento descritive denuncia-se imediatamente: ¢ 0 tinico no interior do qual a sucesso temporal dos elementos significantes — su- cessio que permanece — deixa de se referir a quais- quer relagbes temporais (consecutivas ou outras) entre 0s signficados correspondentes, © designa entre estes mesmos significados apenas relagdes de coexisténcia es- pacial (isto é relagbes tidas como constantes em qual- quer momento que se queira). Passa-se do narrativo ao descritivo por uma mudanca de inteligibilidade, no sentido em que se fala em mudanca de marcha num —m— Seqiiéncia fechads, seqiéncia temporal: logo toda narracio € um discurso (a reciproca néo € verdadeira; ‘muitos discursos nfo sio narrag6es: tais como 0 poema litico, o filme didatico et.) © que delimita um discurso em relagéo a0 resto do mundo, ¢ 0 que 20 mesmo tempo o opée ao mundo “real”, € que um discurso € necessariamente proferido por alguém (0 discurso néo é a lingua); é, pelo contré- seus), SEP Re Skoet Seate ase ene tems de dr pti fcc Fecaeie ov Gor cake Sonor au Se ate Can eee a's Ot as ean Siar a Sk ip eh a epecasens ise 33 rio, uma das caracteristicas do mundo no ser proferi- do por ninguém. ‘Em termos jakobsonianos, dir-se-& que 0 discurso, sendo um enunciado ou uma seqiiéncia de enunciados, implica forgosamente mum sujeito da enunciacdo. Mas, ainda néo € 0 momento de falarmos em autor; pois # nogdo de autor é meramente uma das formas, cultural mente limitada ¢ condicionada, de uma instincia muito mais universal que, por isso mesmo, preferimos chamar de “instincia narradora”. E verdade que em algumas narragdes muito elaboradas da sociedade ocidental e mo- dema'o sujeito da enunciagio é amide 0 autor; mas a0 lado disto, hé os mitos, 0s contos populares, muitos filmes narrativos de consumo cotidiano que passaram de mo em mio no decorrer de sua fabricagao indus- trial ow artesanal, muitos programas de radio ow de te- levisio manipulados pelo conjunto de uma equipe (quer se trate de um “coletivo” organizado ou de uma alegre desordem) etc. — enfim, todas as narragdes sem autor, pelo menos no sentido pieno que tem esta palavra para a tradigfo da “alta cultura” humanista. Narragées sem autor, mas nfo sem sujeito-narra- dor. A impressio de que’ alguém fala ndo se prende & cxisténeia empirica de um narrador preciso ¢ conhecido fou que possa ser conhecido, mas a percepedo imediata, pelo consumidor da narracéo, da natureza lingifstica do objeto que esta consumindo: jé que se fala, deve haver quem esteja falando. ‘Albert Laffay o mostrou a respeito da narragdo filmica, em Logique du cinéma: o espectador percebe imagens que foram visivelmente.escolhidas (poderiam ter sido outras), que foram visivelmente ordenadas (sua ordem poderia ter sido outra): ele folheia de certo mo- do um élbum de imagens impostas, e nfo é ele quem vira as péginas, mas forgosamente algum “mestre de ceriménia”, algum “grio-mestre das imagens” que (an- tes de ser identficado como autor, caso se tratar de filme de autor, e nos outros casos na auséncia de qual- quer autor) & Sempre em primeiro lugar 0 proprio filme enquanto objeto linglistico (j& que o espectador sabe sempre que é um filme que ele esté vendo), ou, me- Ihor, uma espécie de “Yoco lingiistco virtual” situado em algum lugar atrés do filme e que representa 0 que 34 torna o filme possivel* Esta é a forma cinematogrifica dda instincia-narradora, necessariamente presente ¢ ne- cessariamente percebida, em qualquer narracd0. —Ww— Seatiéncia fechada, seqiiéncia temporal, discurso: significa pois que a percepeao da narracio como real — isto é, como sendo realmente uma narragio — tem co- ‘mo conseqiiéacia imediata a de irrealizar a colsa-narrada Nao vem a0 caso as narragbes deliberadamente Jmagindrias (contos fantéstcos, lendas et.): longe de constituir um exemplo convincente do processo de ir- realizagio inerente a qualguer ato narrativo, elas des- Viatiam nossa atengéo para uma irrealizagio secun- déria, completamente desnecesséria, e muito diferente da primeira. Quer obedega a uma légica néo-humana (abébora transformada em carruagem etc.) ou a légi- a cotidiana (narragées “realistas” de diversas espé- cies), 0 acontecimento narrado sempre foi realizado antes, no momento mesmo em que foi percebido como narrado. Sabe-se lids que o realismo nfo € 0 real: ninguém espera encontrar na rua 0 protagonista de tal Tomance contempordneo minuciosamente realsta, O realismo diz respeito & organizagdo do conteido, nio A narratividade como estatwo, ¢ h& um nivel de percep- ‘sf0 no qual Emma Bovary no é menos imagindria que a Fada Carabosse. E preciso, porém, darmos um passo adiante. Pois a0 lado das estoriasrealistas (que ninguém prope como tendo reslmente “ocorrido”), hd também estirias ver- dadeiras: narragdes da Histria (0 assassinato de Ma- rat), narragées da vida cotidiana (conto a um amigo © que fiz na véspera), autonarragées (= minhas lem- brangas, no momento em que as evoco), narragdes que constituem as “atualidades” do cinema, do ridio, da imprensa etc. Ora, as narragoes “‘verdadeiras” si0 mar- cadas, tanto quanto as outzas, por essa forma de irrea- Tidade de que tratamos aqui: o Ieitor do livro de His- t6ria sabe que Marat néo esté sendo assassinado na oA, Lali, Le ht, poate ok cada” Tomer Lot, inde 35 sua frente; 0 amigo a quem conto minha vida entende que no momento em que @ conto, jé no a vivo mais (ou, melhor: este ato narrative € por sua vez uma outra parte da minha vida enguanto que a parte da minha vida que estou contando deixou de ser vivide quando a conto); 0 espectador das atualidades tele- visionadas no s¢ considera testemunha direta do acon- tecimento que as imagens estio transmitindo, ‘A realidade pressupte a presenca, a qual € uma posigio privilegiada em relagéo a dois parimetros, o espago ¢ o tempo; 86 é plenamente real 0 hic et nunc. Ora, a narragao provoca sempre a defecgio do nunc (narragdes da vida cotidiana), ou a do hic (reportagem 0 vivo pela televisio) ©, mais freqiientemente, dos dois 20 mesmo tempo (atualidades cinematogrdticas, narragées hist6ricas etc). ‘Uma narracao s6 continua a ser percebida como tal enquanto afastada, por pouco que seja, da plenitude do hhic et nunc, Certos casos de irrealidade minima serio ‘aqui muito elucidativos: por exemplo a situag3o para- doxal de certos participantes de uma passeata politica ‘que, de transistor na mo, ouviam, ao mesmo tempo que continuavam a se manifesta, uma teportagem a0 vivo sobre a sua propria manifestago, Mas nio st salien- tou suficientemente — talvez porque a valorizacao ex- cessiva das especificidades do “audio-visual” nos desvia as vezes de reflexdes sobre verdades mais gerais — para o fato de que esta reportagem radiofGnica continua- va sendo, para os manifestantes-ouvintes plenamente ‘uma narragéo: pois no momento preciso em que esta- yam escutando, nfo se manifestavam (ou pelo menos, no era o ouvinte, neles, quem se manifestava) © a passeata narrada que estavam ouvindo nfo se confun- dia com a passeata da qual participavam, sendo de um ponto de vista postivsta, fazendo intervir uma informa- go de segundo grau (pouco importa que os manifes- fantes, no exemplo citado, tenham tido acesso a esta informagao). Sem divida, nao havia entre estas duas passeatas a mesma diferenga que entre determinada passeata de 15 de maio ¢ outra de 16; mas este tipo de diferenga no € o tinico possivel e uma iinica passeata substancial pode corresponder a duas passeatas feno- menais: aquela de que o homem-do-transistor sabe que 36 participa ¢ que ele vive minuto a minuto no ponto exa- to do cortejo onde ele se encontra a cada instante — ppasseata que, tal como Fabrice em Waterloo, ele nun- ca dominaré — e aquela de que esté ouvindo a narra- so € que € apenas a irrealizagao da primeira ireatiza- 0 devida & intervencéo de um comentarista claramen- te ausente da primeira, bem como a defasagem espa- cio-temporal (reduzida ao minimo no nosso. exemplo) necessariamente provocada pela intrusfo deste narrador: € esta segunda passeata, ¢ s6 ela, que o homem-do- -transistor poder dominar, tal como 0 leitor do Water- oo de Victor Hugo. (A. Julien Greimas diria que 0 homem-do-transistor corresponde aqui a dois agentes: © agente-manifestante e © agente-ouvinte.) Encontra-se aqui uma idéia que no € nova ¢ foi freqiientemente desenvolvida depois dos estudos de Jean-Paul Sartre sobre o imaginario: o real nunca con- ta hist6rias; a lembranga, por ser uma narracio, é total- mente imaginéria; um acontecimento deve estar de al- gum modo encerrado para que — e antes de que — sua narragéo possa ser iniciada, Acrescentemos que, no caso das narragdes estritamente simultineas feitas pela televisio a0 vivo, a defasagem espacial — isto &, a propria existéncia da imagem — € suficiente para substtuir a defasagem temporal (que predomina ampla- mente nas narragées tradicionais) ¢ para assegurar por si s6 0 funcionamento correto da irrealizagio narrativa (se nio como explicar a notével auséncia de qualquer traumatismo no telespectador?): 0 acontecimento que a teportagem narra ao vivo € real, mas esté alhures; no video, 6 inreal -v— Seqiiéncia fechada, seqiiéncia temporal, discurso, instancia irrealizante: logo, falta um elemento de defi- niggo, requerido ao mesmo tempo pela nogio de se- giigncia © a de irrealizacdo: sequéncia de que, irreali- zagio de que? ‘Uma narragéo € um conjunto de acontecimentos; so estes acontecimentos que sdo ordenados em seqilén- cia; so eles que © ato narrativo, para existir, comeca por irrealizar; sdo eles enfim que fornecem a0 sujito- 37

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