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Cultura e politica: os anos 1960-1970 e CAL DE ENGENHARIA de Almeida Neves Delgado O Brasil Republicano O tempo da ditadura - regime militar e movimentos sociais em fins do século XX Livro 4 TEMPOS REVOLUCIONARIOS Talvez o5 anos 1960 tenham sido o momento da histéria republicana mais marcado pela convergencia revolucionStia entre politica, cultura, vida pie blica ¢ privada, sobrerudo entre a intelectualidade.' Entio, a utopia que gax hava coragdes ¢ mentes era a revolugsio—néo a democracia ou cidadania, como seria anos depois —, tanto que o proprio movimento de 1964 desig. Rou a si mesmo com revolusio. As propostas de revolucio politica, e tam- bem econdmica, cultural, pessoal, en: los e com os significados mais variados, marcaram profundamente 0 debate politico € estético. Rebeldia contra a ordem ¢ revolugio social por uma nova ordem mantinham didlogo tenso ¢ criativo, interpenetrando-se em diferentes med das na prética dos movimentos socisis, expressa também nas manifestasées artisticas. Para pensar 0 espitito revolucionsrio da época, tenho usado a meu modo 0 conceito de romantismo revolucionério, formulado por Michael Lewy e Robert Sayre (1995). “ Eram anos de guerra fria entre 0s aliados dos Estados Unidos e da Unio Soviética, mas surgiam esperancas de alternativas libertadoras no Terceito Mundo, até no Brasil, que vivia um processo acelerado de urbanizagio ¢ modernizagio da sociedade, Naquele contexto, certos partidos e movimen- tos de esquerda, seus intelectuais ¢ artistas valorizavam a ago para mudar a histéria, para construir 0 homem novo, nos termos de Marx ¢ Che Guevara. Mas 0 modelo para esse homiem novo estava no passado, na idealizagio de lum auténtico homem do povo, com rafzes rurais, do interior, do “coragio do Brasil”, supostamente nao contaminado pela modernidade urbana capi- talist, 0 que permitiria uma alternativa de modernizagio que no impl sem todos os sei tas ue se a desumanizagio, o consumismo, o império do fetichismo da mercad: € do dinheiro, So exemplos no ambito das artes: 0 indigena exaltado no romance Quarup, de Antonio Callado (1967); a comunidade negra celebr: da no filme Ganga Zumba, de Carlos Diegues (1963), ¢ na peca Arena conta Zum, de Boal e Guarnieri (1965); 0s camponeses no filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha (1963) etc, Em suma, buscava-se no pas- sado uma cultura popular auténtica para constrair uma nova nagdo, 20 me: ‘mo tempo moderna e dasalienada, no limite, soci Formutavam-se versbes de esquerda para as representagées da mistura do branco, do negro € do indio na constituigdo da brasilidade, nao mais no sentido de justificar a ordem social existente, mas de questioné-la. E a isso, cm linhas gerais, que se pode chamar de romantismo revoluciondrio bras Iejro do periodo, sem nenhuma conotagio pejorativa. Recolocava-se 0 pro- blema da identidade nacional e politica do povo brasileiro, buscava-se a um tempo suas rafzes e a ruptura com o subdesenvolvimento, numa espécie de desvio & esquerda do que se convencionou chamar de cra Vargas, caracter zada pela aposta no desenvolvimento nacional, com base na intervengio do Estado. Essa versio brat sta. ira nio se dissociava de tragos do romantismo revo- luciondtio da época em escala internacional: a liberagdo sexual, 0 desejo de renovagdo, a fusio entre vida pablica e privada, a nsia de viver 0 mo- mento, a fruigéo da vida boémia, a aposta na ago em detrimento da teo 08 padrées irregulares de trabalho e a relativa pobreza, tipicas da juventude de esquerda na época, sio caracteristicas que marcaram os mo- vimentos sociais nos anos 1960 em todo o mundo, fazendo lembrar a ve- tha tradigdo romantica Ao longo do século XX, acompanhando 0 tortuoso processo de instau rasio e consolidagio da racionalidade capitalista moderna no Brasil — que alguns autores chamariam de “revolugio burguesa” —, desenvolveu-se modernismo nas artes, que pode ser contraditoriamente caracterizado, a0 ‘mesmo tempo, como romantico € moderno, passadista e futurista, Assim, a afirmagdo romantica das tradigdes da nacdo € do povo brasileiro como base de sustentasio da modernidade fez-se presente nos mais diferentes movimen tos estéticos a partir da Semana de Arte Moderna de 1922: Verde-amarelismo 136 CULTURA E PoLITICA: OS ANOS 1960:1970 F SUA HERANGE € Escola da Anta (1926 ¢ 1929, que se aproximariam politicamente do integralismo de Plinio Salgado), seus adversérios Pau-Brasil e Antropofagia (1926 e 1928, liderados por Oswald de Andrade), passando pela incorpo 40 do folclore proposta por Mario de Andrade ou por Villa-Lobos; nos anos 1930 € 40, viria a critica da realidade bras leira, associada & celebragio do carater nacional do homem simples do povo, por exemplo, na pintura de Portinari ¢ nos romances regionalistas, até desaguar nas manifestagoes dos anos 1960. Nesse sentido, o cineasta Carlos Dicgues observa numa entrevis- fat “a minha geragdo foi a ultima safra de uma série de redescobridores do Bras il comega a se conhecer, sobr lo com o romantismo (...) aquele desejo de uma identidade (..) Minha geragio, do Cinema Novo, do tropi- lismo, € a tiltima representagio desse esforgo secular”? A modernidade capitalista — desenvolvida ao longo do século XX, com a crescente industrializagio e urbanizagio, avango do complexo industrial- financeiro, expansio das classes médias, extensio do trabalho assalariado e da racionalidade capitalista também ao campo etc. — viria a consolidar-se com o desenvolvimentismo nos anos 1950 ¢ especialmente apés o movimento de 1964, implementador da modernizagao conservadora, associada a0 capi- tal internacional, com pesados investimentos de um Estado autoritario, sem contrapartida de direitos de cidadania aos trabalhadores. Uma parte da intelectualidade brasileira, particularmente no meio artistico, viriaa policizar- se crticamente nesse processo. ‘Nos contextos socioecondmico-politicos brasileiros a Partir dos anos 1920 —notadamente na década de 1960, no olho do furacdo do Processo da re~ volusio burguesa — colocar-se na contramao da modernidade, recuperan- do 0 passado, dificilmente seria dissocidve] das ur futuro, que envol de construgs im o horizonte do soci anilises como a de Rouanet, quando aponta que 0 povo “dos anos 1960 ti ‘aha muitas vezes uma semelhanga inconfortével com o volk do romantismo alemio (..): a nag40 como individualidade tinica, representada pelo povo, como singularidade irredutivel” (1988, p. D-3). Sucede que os nacionalis- mos das esquerdas brasileiras nos anos 1960 nio tinham semelhanga pro= riamente inconfortivel com o romantismo conservador alemio do século Passado, pois nio se tratava da mesma coisa, embora fossem roma 17 © enasie nerueticano portanto semelhantes em alguns aspectos, basicamente o de colocar-se na contramio do capitalismo, resgatando as idéias de povo e nagio. Em outro contexto, a valorizagio do povo nao significava criar utopias anticapitalistas regressivas, mas progressistas; implicava o paradoxo de buscar no passado {as raizes populares nacionais) as bases para construir o futuro de uma revor lugéo nacional modernizante que, no limite, poderia romper as fronteiras do capitalismo. Apercebendo-se disso, sabiamente de seu ponto de vista, as classes dominantes trataram de fazer sua contra-revolugéo preventiva em 1964, um movimento que soube incorporar desfiguradamente as utopias libertadoras nacionais. Mas, antes de entrar nesse tema, vale 2 pena nos de- termos um pouco mais no pré-1964. Artistas da revolugdo brasileira Em 1955, um grupo de jovens comunistas da Unido Paulista dos Estudantes ‘Secundaristas — na maioria fithos de militantes do Partido Comunista (PCI alguns dos quais eram artistas — recebeu uma tarefa partidaria para politizar seus colegas: fundar um grupo de teatro, que ficaria conhecido como Teatro Paulista do Estudante (TPE). Comegava a ser escrito um importante capitulo da histéria da cultura nacional, numa época de busca da brasilidade e estrei- ta vinculagio entre arte e politica, que marcou um florescimento cultural que se estenderia até final de 1968, com a edigo do Ato Institucional n° $ (ALS). No TPE atuavam Oduvaldo Vianna Filho (Vianinha), Vera Gertel, Gian- francesco Guarnieri, entre outros. Era 0 infcio de uma sucessio de empreita- das do teatro engajado: TPE, Teatro de Arena, Centros Populares de Cultura (CPC), Teatro Opinido ete. © que no inicio parecia ser apenas uma tarefa politica logo se tornou uma paixio pela arte do teatro, que levaria os integrantes do TPE, a partit de 1956, a associar-se a um teatro até entdo pouco destacado, o Arena, que funcionava desde 1953, tendo como responsive o diretor José Renato. Esa associngio gerou uma renovacio da dramaturgia nacional, especialmente a partir de fevereiro de 1958, com a estréia da pega de Gianfrancesco Guarnieri Eles nao usam black-tie, pioneira em colocar no palco o cotidiano de trabs- Ihadores, buscando um teatro participante e autenticamente brasileiro, ae CULTURA E POLITICA: OS ANOS 1940-1970 € sua MERANCA Séo Paulo pelo Teatro de Arena, a partir de 1958, incentivando a escritura e a encenagio de pegas de autores nacionais que expressassem os dilemas do Povo. Nao se queria mais apenas importar as pecas do Primeiro Mundo, como fa usual até entio. Nesses seminsrios, destacou-se a lideranga de Augusto Boal, que se juntara ao Arena depois de um perfodo de estudos nos Estados Unidos, onde estivera no Actor's Studio, aprendendo para depois recriar aqui 0 “método de Stanislavski", de laboratério de trabalho com atores (pouco depois viria a incorporacao do teatro e do método critico de Brecht), Busca- vase a definigio de uma dramaturgia verdadeiramente brasileira, no 6 pela temética, mas também na diregio, interpretagio e producto de texto. Os semindrios deram frutos fora do Arena, como no caso do outro grupo tea- tral paulista que fez época nos anos 1960 e 70, Oficina, que esteve mente muito ligado a Boal e a0 Arena, no final dos anos 1950. Estavam na ordem do dia a nacionalizagio © a popularizasio do teatro, Logo apareceriam divergéncias sobre como construit um efetivo “teatro popular”, por exemplo. Terminadas as apresentagées em Sio Paulo, Black- te seguiu para o Rio de Janeiro, onde ficou em cartaz um ano e meio. Apés a temporada, Vi nha ¢ Chico de Assis resolveram permanecer no Rio, com a utopia de criar uma relagio orginica entre as artes e 0s movimentas po; Jares insurgentes no pré-1964. Em Sio Paulo, 0 projeto do Arena cont va, capitaneado por Boal, Guarnieri, Juca de Oliveira, Paulo José e Flavio Império, que promoveram a “nacionalizagio dos classicos”, reinterpretando ¢ reelaborando textos célebres da dramaturgia mundial de em afinidade com a realidade br: iy Teatro de Arena sempre foi Pélo de atragio, na capital paulista, para jovens artistas engajados polticamente na capital paulista,além de in telectuais e estudantes. Ele atraia artistas de varios ‘campos, do cinema as artes plésticas, varios dos quais participaram das encenagdes com miisicas (como EGu Lobo), ou na cenogratia (caso de Flivio Império). Depois do golpe de 1964, o Arena viria a se constituir num dos baluartes da resisténcia cultural No periodo, além das pecas que procuravam refletir sobre a conjuntura na- ional, quase todos os seus integrantes: ou eram simpatizantes, Iquer época, ita do momento, © eRasie nerusiicaNc Voltando ao inicio dos anos 1960, 0 grupo de dissidentes do Teatro de ‘Arena, apés temporada no Rio de Janeiro, procurou a Unio Nacional dos Estudantes (UNE) para atividades conjuntas. Dessa aproximagio nasceu 0 projeto de fazer uma arte popular em diversas areas, teatro, cinema, ra, musica e artes plésticas, o chamado CPC, a partir da iniciativa e da lide- tanga de Vianinha, Leon Hirszman e Carlos Estevam — este um socidlogo origindrio do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb). ‘O sucesso do CPC generalizou-se pelo Brasil com a organizagio da UNE Volante, em que uma comitiva de dirigentes da entidade integrantes do CPC percorreram 0s principais centros universitirios do pafs, no primeiro semes- tre de 1962, levando adiante suas propostas de intervengio dos estudantes napol ia € na politica nacional, em busca das reformas de base, no processo da revolugdo brasileira, envolvendo a ruptura com 0 subdesen- volvimento e a afirmacio da identidade nacional do povo. Foi grande o im- pacto da UNE Volante de 1962, numa época sem rede de televisio nacional, em que a malha vidria ainda estava pouco desenvolvida ea comunicagao entre 0s estados era dif semeou 12 filhotes do CPC nos quatro cantos do pats. Est ligado ao CPC um exemplo expressive do rom: rio do pré-1964: a edigio — em parceria do CPC com a editora Civilizacéo Brasileira, do empresirio comunista E seira — dos trés livros da cole ho Violdo de rua, com o subsitulo revelador de Poemas para aliberdade (Felix, 1962 e 1963). Liberdade evocada no sentido da utopia romantica do povo- hago, regenerador e redentor da humanidade, Nos poemas que compéemt (08 trés volumes, transparece a emogio dos poetas pelo sofrimento do préx- mo, a deniincia das condigées de vida subumanas nas grandes cidades e, so: bretudo, no campo. Enfoca-se especialmente o drama dos retirantes nordestinos. A questio do latifindio e da reforma agraria € recorrente, em geral associada 4 conclamagio aos homens do povo brasileiro para realizar sua revolusio, por exemplo, seguindo as Ligas Camponesas. A evocagio das lutas de povos pobres da América Latina ¢ do Terceiro Mundo aparece vie rias vezes, Os poetas engajados das classes médias urbanas insurgentes elegiam os, deserdados da terra, ainda no campo ou migrantes nas cidades, como princi- ica unive ismo revolucioné- 140 CULTURA E POLITICA: OS ANOS 1980-1870 € sua HERANGA pal personificagio do carster do povo brasileiro, a lutar por m: s6es de vida no campo ou nas favelas. Quase todos os pocmas expressavam 4 recusa da ordem social instituida por latifundisrios, impe imite, em alguns textos — pelo capitalismo, Pairava no ar a experiéncia de perda da humanidade, certa nostalgia melancélica de uma comunidade mitica ji ndo existente e a busca do que estava perdido, por intermédio da revolu- Sio orasileica, Era o tempo das Ligas Camponesas, celebradas em vérios Poemas, como Joio Boa-Morte (cabra marcado para morrer), de Ferreira Gallar: “Que é entrando para as Ligas/ que ele derrota o patria, / que o ca- minho da vit6ria/ esté na Revolugio” (vol. I, p. 22-35). Se 0s poemas trazem uma idealizagio do homem do povo, es te do campo, pelas camadas médias urbanas, por outro lado, essa ie io era completamente abstrata, ancorava-se numa base bem real: a insur- séncia dos movimentos de trabalhadores rurais no perfodo. Os poetas busca- vam solidarizar-se com eles, como expressa, por exemplo, Vi autor de “Os homens da terra”, que trar a seguinte dedicat rhagem aos trabalhadores da terta do Bra: ora se inicia” (vol. I, p. 82-85) Os opersrios também sio tematizados no Violdo de rua, porém com menor intensidade que os trabalhadores rurais. Mas predominam as referéneias 20 “povo": os pobres, os homens e seres humanos miseraveis, desumanizados, Em suma, nos poemas da colegio, hé uma busca da humanidade perdida, a ser resgatada; a aspiracio a um reencantamento do mundo. Trata-se de max nifeiiacio exemplar do romantismo no sentido pleno, tal como concebido por Léwy ¢ Sayre: “aquele em que os diferentes temas sio nicamente, em um conjunto cuja télgica da reificasai Tnfluenciado pelo a res condi- cius de Moraes, he |, que enfim despertam ec tegrados, orga a0 global tende para a recusa nos- ienagio moderna” (1995, p. 250). a politico da época, com a ascensio de movimen- tos populares, também pelas idéias de revolugio nacional e democritica do seb ¢ do PCB, Violdo de rua expressa a utopia do povo como regenerador ¢ redentor da humanidade, mesclada a um marxismo humanista, explicito no Preficio de Moacyr Felix, que aponta “duas verdades que cada vez mais vio se clarificando no coragio de povo brasileiro: uma, a identificasdo da luta contra 0s imperialismos, sobtetudo © norte-americano, com a sa emancipagio econémica; outra, mais funda, a da incompat entre 0 regime capitalista e a liberdade ou construgio do homem” x, 1963, p. 10). Ou seja, no Violdo de rua, a utopia marxista confunde: se com a utopia romantica da afirmagio da identidade nacional do povo brasileiro, com raizes pré-capitalistas. Por outro lado, no inicio dos anos 1960, a poesia concreta dos irmios Campos fazia um contraponto literdrio a0 nacional-popular. Valorizava sobretudo a forma literdria e afastava-se de qualquer retorno a supost origens pré-capitalistas. Mas 0 que importa ressaltar € que o apelo a ago politica na época era forte a ponto de sensibilizar até mesmo os concre- ores do formalismo, para que propusessem o “salto participa: pelo qual procuravam sintonizar-se com os movimentos nguagem também revolucionsria form: populares, porém com uma mente. ‘Osanos 1960 foram ainda a era do Cinema Novo, composto por Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cac Diegues, Leon Hirszman, Joaquim Pedro de Andrade, Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra, Zelito Viana, Walter Lima Jr., Gustavo Dahl, Luiz Carlos Barreto, David Neves, Eduardo Coutinho, Arnaldo Jabor, Paulo César Saraceni ¢ outros cineastas que ée- fendiam posigdes de esquerda. O cinema estava na linha de frente da refle xio sobre a realidade brasileira, na busca de uma identidade nacional aucéntica do cinema e do homem brasileiro, em busca de sua revolusio. Segundo artigo de Maurice Capovilla, publicado no mesmo momento em que surgia o Cinema Novo, “foi gragas a0s artigos de Glauber Rocha nos eno Jornal do Brasil e aos artigos de Gustavo Dahl e Jean Claude Bernardet no Suplemento Literdrio de O Estado de S. Paulo, que @ movimento se estruturou, de forma talver superficial, mas ganhou repercus sio” (1962, 182-183), Tendo como principio a produgdo independente de baixo custo € como temiitica os problemas do homem simples do povo bra sileiro, o Cinema Novo deslanchou em longas-metragens: na Bahia, com criagio da Iglu Filmes e, no Rio de Janeiro, com a filmagem de Cinco vez favela, patrocinado pelo CPC da UNE, tematizando 0 cotidiano em favelas cariocas, nos cinco episédios: “Couro de gato”, de Joaquim Pedro de Andrade “0 favelado”, de Marcos de Farias; “Zé da de Miguel Borges jornais da Bi Viver”, de Carlos Diegutes. 4 Logo depois de Cinco vezes favela, alguns cineastas afastaram-se do CPC, iscordando da instrumentalizasio politica da arte. Mas eles per 1a perspectiva de defesa de uma arte nacional-popular, 2 desalie neue, ; que colaborasse para sio das constincias, destacando, contudo, a autonor ene da obra de arte. Por essa €poca, Glauber Rocha jd estava no Ri dose ogcupo que crn par tambén cineasis que consinusrm lgados ao CPC, como Harare Ponce do Coutinho, Em 1965, Glauber Rocha escreveria seu m: Ectetyea 4 fome,expressndo a insirg’ rs (0s IPM: 1964, contra os adversirios do golpe, ineluindo artistas considerados sub versivos pelos novos donos do poder. Eles buscavam voquerda cultural, que entretanto nio se deixou abacer, const 0s focos de resist Y Apéso golpe de 1964, 08 artistas nio tardaram a organi tadura em seus espeticulos. Ainda mais porque os setores po; ram duramente reprimidos ¢ suas organizagées praticamente inv testando condigées melhores de o: a it madas médias intelect eteewone liberais e arti at protestos contra ares fo- izadas, nas ca- 2 entre estudantes, profissionai fas, Esse periodo testemunharia uma superpo : tra, indissocidvel do fechamento dos canais de represen ‘modo que muitos buscavam participar da pol t3g0es artsticas, Nesse period, como testem "a esquerda era fortena cultura ¢ em mais nada, E uma = coisa datos repriidos aimprens opera completamente 4 esquerda era forte? Na cultura”, Em seu célebre ensaio da épo. Schare (1978) chegoua falar em “hegemoniacalral” de ceaega © primeiro marco cultural da esquerda depois ido. Apés o golpe, protagonis lizadas, por exemp! icatos reprimidos, tural” de esquerda, de 1964 foi 0 show Opi s destacados do CPC ~ como V yea Ferreira Gullar, Joio das Neves, Armando Costa, Paulo Pontes ¢ Denoy de Oliveira — organizaram 0 show Opinio, que viria a dar 0 nome ao teatro onde era montado, Consolidava-se a aproximagio do teatro com a mtisica popular brasileira (é dessa época a criacéo do termo MPB), que vinha de antes de 1964, coma politizagio de compositores origindrios da Bossa Nova, como Carlos Lyra, Sérgio Ricardo e mais tarde Edu Lobo. No espetaculo Opin raceriavam um sambista representante das classes populares urbanas (Zé Keéti), um compositor popular do campo nordestino (Joao do Vale) e a me na de classe média (Nara Leio, depois substituida por Maria Bethania). Re- presentavam os tréssetores sociais que poderiam se insurgir contra a ditaduta, conforme se acreditava, © Opinido fer enorme sucesso ¢ estimulou outras iniciativas artisticas na resisténcia 8 ditadura, Por exemplo, em 1965, 29 artistas plasticos organiza- ram no Rio de Janeiro a mostra Opinio 65. Participaram Antonio Dias, Rubens Gerchman, Vergara, Escostegui, Hélio Oiticica, Pasqualini, Landim, Waldemar Cordeiro ete. Em 1966, seria organizado 0 Opinido 66, de que participou Lygia tre outros artistas nacionais e estrangeiros. Viriam ainda a mostra Nova Objetividade Brasileira ¢ outras imimeras manifestar ‘g0es criticas da ordem no cannpo das artes plisticas, em que se destacava 0 ico Mério Pedrosa, que depois seria obrigado a exilar-se. Alguns artistas 10s chegaram mesmo a vincular-se organicamente a pattidos ¢ movi- mentos de esquerda, como Sérgio Ferro, Carlos Zilio, Renato da Silveira, Sérgio Sister € virios outros que foram presos, alguns dos quais fundaram ‘em Sio Paulo, Voltando ao Teatro Opinido, ele encenou também pegas como Liberda- de, liberdade, de Millér Fernandes, Se correr 0 bicho pega, se ficar 0 bicho come, de Vianinha e Gullar ¢ outros sucessos. Tornourse ainda, até 1968, tum espaco de reunido de opositores da ditadura. Outro grupo destacado nos anos 1960 foi o do Teatro Oficina, Ele se originou do teatro de estudantes da Faculdade de Direito da USR, em 19: passou pela fase de ligago com o Teatro de Arena, pela explosio criativa de 1967 e 68, seguida do estreitamento de horizontes a partir de 1969, até chegar 0 inicio dos anos 1970, quando varios membros deixaram @ grupo ¢ 0 diretor José Celso exilou-se. Segundo Armando Sérgio da CULTURA E POLITICA: 05 ANOS 1960-199 Of Sua ERAN GR ¥a, a encenasio de pega de Gorki, “Pequenos burgueses, bem be de Extado no Fa foram un marco decivo materia dooTonts cina. A partir de entdo a balanga que oscilava entre o existencial e o social comegou a pender para esse Gltimo” (1981, p. 132). Mas seria com a en- cenagdo da pega de Oswald de Andrade O rei da vela que esse grupo ga- haria impacto artistico e politico nacional, propondo uma “revolugio ideolégica ¢ formal” que, em 1967, encontraria paralelo no filme de Glau- ber Rocha, Terra ent transe, ¢ no tropicalismo musical de Caetano Veloso epléstico de Hiélio Oiticica. O impacto dessa montagem seria seguido pelo facto da pega de Chico Buarque Roda-viva, recriada pelo diretor José Celso Martinez Corréa, numa encenacio da qual o restante da equipe d: Se Marines Co encenagio da qual o restante da equipe do Vale reiterar que © grupo do Oficina nasceu do florescimento tural fsquerdista dos anos 1960. Depois de 1964, passou a ser premente para 0 grupo — mas de uma ética diferente do chamado nacional-popular — “es. fudar a ‘cultura brasileira’, de se encontrar o homem bra Beografico social e p maneira nativa para se comunicar are: Qswald de Andrade de O rei da vela, que, “por meio de uma linguagem agres- siva irreverente, expe, como autogozagio do subdesenvolvimen endéncia econdmica em que vivem as sociedades latino-american: Inio do deboche que se concretizaa sitira v Fc iro € seu meio ade. 1as. E por iolenta ao conchavo politico ou alianga das classes sociais” (Silva, 1981, p. 142-143) Entéo, a problemstica romSntica permanece, taro homem br: de um outro modo: encon- iro pela regressio antropofagica ao indio devorador dos representantes da cultura ocidental. De um modo diferente da tradicio na

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