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UNIVERSOS DE PROVETA

28/08/2005

Pela primeira vez, o Universo que simulamos no computador


se assemelha àquele que vemos com telescópios

Marcelo Gleiser,
é professor de física teórica do Dartmouth College, em Hanover
(EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Antes de se entregar ao estudo da filosofia, o alemão Immanuel


Kant estudou com afinco o Universo. Em 1751, leu o livro do inglês
Thomas Wright, o primeiro a especular sobre o formato de nossa
galáxia: segundo Wright, a Via Láctea era uma coleção de estrelas
achatada entre dois planos. Sabendo que o Sistema Solar também
tem a forma achatada, com o Sol no centro e os planetas girando à
sua volta em um plano, como azeitonas numa pizza, Kant sugeriu
que as duas estruturas foram formadas por processos semelhantes.

Indo além, sugeriu que padrões idênticos repetem-se Universo


afora. Passados 250 anos, podemos afirmar que, de certa forma, o
filósofo alemão estava certo.

Através de grandes telescópios, astrônomos vêm medindo os


detalhes das estruturas que povoam o cosmo, algumas delas tão
vastas que atingem centenas de milhões de anos-luz. Que
estruturas são essas e como elas foram formadas?

Em cosmologia, a unidade usada é uma galáxia: quando


astrônomos fazem mapas dos céus, cada ponto corresponde a uma
galáxia. Fica subentendido que cada galáxia tem desde milhões até
centenas de bilhões de estrelas. Galáxias, como tudo no Universo,
são atraídas umas às outras pela gravidade, a força escultora das
estruturas cósmicas. Às vezes, várias galáxias estão próximas o
suficiente para formarem um grupo, como um bando de abelhas em
torno de uma colméia – que seria uma espécie de supergaláxia.

Tais grupos de galáxias são chamados aglomerados. Hoje,


sabemos que no centro das supergaláxias existem gigantescos
buracos negros com massas de centenas de milhões de sóis. Como
entender a sua formação?

Pondo o Universo num computador. A idéia é simular as interações


gravitacionais entre galáxias, acompanhar como respondem às
várias forças que agem sobre elas e ver se, no final, o Universo
simulado se parece com o observado. Se sim, isso significa que
entendemos como as estruturas de larga escala foram formadas na
medida em que o Universo foi expandindo nos últimos 13 bilhões de
anos. Se não, temos de revisitar nossos modelos de como a
gravidade atua na formação das estruturas cósmicas.

Nos últimos 20 anos, avanços na computação vêm permitindo


simulações cada vez mais realistas da história cósmica.

Recentemente, um grupo multinacional de astrofísicos apresentou


resultados da simulação mais avançada de todos os tempos: em
um cubo com 2 bilhões de anos-luz de lado, os cientistas foram
capazes de observar a formação de mais de 20 milhões de
galáxias, juntamente com alguns buracos negros supermaciços.

Não só isso: os resultados concordam com as observações mais


recentes, que sugerem que a matéria que vemos no Universo é
apenas parte da história: o modelo só é compatível com as
observações se forem adicionados dois ingredientes a mais – a
matéria escura, feita de partículas que só interagem
gravitacionalmente, e a energia escura, uma forma misteriosa de
energia que provoca a aceleração da expansão cósmica, observada
em 1998.

Pela primeira vez, o Universo que simulamos no computador se


assemelha àquele que vemos com telescópios. A grande vantagem
da simulação é que ela pode ser controlada, parâmetros podem ser
modificados, tornando possível criar universos distintos do nosso,
com histórias e estruturas diferentes. O computador permite-nos
criar universos de proveta, de modo a entender melhor as
propriedades do nosso e o que o torna tão especial.

Marcelo Gleiser, é professor de física teórica do Dartmouth College,


em Hanover (EUA), e autor do livro "O Fim da Terra e do Céu"

Origem do texto: COLUNISTA DA FOLHA


Editoria: MAIS! Página: 9
Edição: São Paulo Aug 28, 2005
Seção: + CIÊNCIA; MICRO/MACRO
Observações: PÉ BIOGRÁFICO

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